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“Aposta no potencial expressivo e transformador das juventudes�


Um voto de confiança nos jovens A juventude popular urbana é a essência o Programa Oi Kabum!. É aquela que dá vida e que norteia o fazer cotidiano das escolas. São jovens entre 16 e 21 anos que cursam ou são egressos do ensino médio de escolas públicas e que muitas vezes vivenciam situações de invisibilidade social. Alguns são, ou já foram, marginalizados e vistos como problema, e não como sujeitos capazes de mudanças sociais. As ações promovidas pelo Programa têm a intenção de oferecer oportunidades que possam potencializar a natureza criativa própria da juventude, de forma a transformar suas realidades. A juventude é um período de mudanças físicas, intelectuais, emocionais e de descobertas. É uma categoria social que possui características próprias, que incluem, por exemplo, a construção de valores, a preparação para o ingresso no mundo do trabalho e a ampliação das relações e vínculos sociais. Porém, a visão da juventude adotada pelo Programa Oi Kabum! vai além desses aspectos e se preocupa em não homogeneizar a experiência de ser jovem. Compreende-se que cada indivíduo vive esse momento de maneira diversa e leva-se em consideração questões particulares, como classe, raça/etnia, gênero, renda, escolaridade, base familiar, espaços por onde transita, época e local de nascimento, modos de participação política e de expressão cultural. Por isso, muitos teóricos afirmam que mais do que falar de juventude, devemos falar de juventudes, no plural.

Singular que se faz plural - As singularidades e trajetórias de vida dos jovens norteiam o projeto pedagógico do Programa. - Os saberes juvenis são respeitados, debatidos e entram em interação com as práticas educativas. - As demandas dos jovens ganham espaço para serem expressas e assim podem se reconfigurar positivamente. - O Programa gera oportunidades de experimentação artística e de trabalho para os jovens.


Justamente por serem tão diversos, os jovens devem ser tratados de maneiras distintas, de acordo com suas trajetórias e histórias de vida, que são únicas. O projeto pedagógico que norteia o Programa Oi Kabum! procura respeitar, negociar e interagir com os saberes que os jovens já possuem. Saberes estes que foram socialmente construídos, que emergem da experiência de realidades concretas e que irão compor uma via de mão dupla entre educadores e estudantes. A ideia é procurar fazer com que estas particularidades e demandas juvenis sejam expressadas, ressignificadas e atendidas. A juventude é uma etapa da vida na qual há mais facilidade para acompanhar as transformações da sociedade e, ao mesmo tempo, uma grande capacidade para propor mudanças, seja no campo cultural, social ou político. Há mais propensão a questionar e problematizar a ordem social. Esse é também um momento singular da formação da identidade e da descoberta do seu papel e lugar no mundo. Por ser um período bastante propício à experimentação e à exploração de novas possibilidades e potencialidades, é nele em que muitas escolhas importantes serão feitas. Por isso mesmo, essa é uma fase particularmente oportuna para oferecer a estes jovens uma educação de concepção integral.

Por uma formação integral A concepção de formação integral adotada pelo Programa Oi Kabum! compreende a oferta de uma educação plena ao indivíduo, na qual diversas dimensões humanas são consideradas e desenvolvidas. O jovem é estimulado a realizar sua própria leitura do mundo e também a elaborar sua forma de atuação sobre ele. É um processo educativo que o desperta para a ação como cidadão integrado à sociedade e aos processos sociopolíticos. A aposta no potencial expressivo dos jovens e o investimento nas tecnologias de informação e comunicação, assim como na produção artística e cultural,


atuam como eixos que integram o trabalho educativo. A atuação com esfera cultural é capaz de agregar sociabilidades, práticas coletivas e interesses comuns. O processo formativo é, então, orientado para a produção e o compartilhamento do conhecimento por meio de diversas linguagens artísticas e midiáticas, buscando desenvolver nos jovens uma postura consciente, de forma a compreenderem a realidade social, econômica, política e cultural de seus territórios (sua comunidade, sua cidade, seu país, seu mundo). Os jovens de comunidades populares urbanas, que vivenciam muitas vezes experiências sociais apontam para a construção de autoimagem inadequada, podem encontrar no campo da cultura um espaço privilegiado para a construção positiva de suas identidades. Neste campo, eles têm a possibilidade de serem reconhecidos e de se tornarem visíveis para uma sociedade que, muitas vezes, os ignora. Por meio da cultura, os jovens têm a possibilidade de intervirem e se posicionarem, de forma significativa, na sociedade na qual estão inseridos. É assim que o Programa Oi Kabum! busca estimular os jovens como atores para um processo coletivo de construção e transformação social. Ao utilizarem a criatividade e as tecnologias de informação, eles podem atuar na melhoria de suas condições de vida e também na melhoria das condições daqueles que estão em seus círculos sociais. Os jovens se tornam capazes de empreender mudanças em sua própria vida e também no mundo. Um exemplo que pode ser destacado nesse sentido é atuação com coletivos comunitários e a prospecção de serviços com aparelhos comerciais das próprias comunidades com serviços de arte e design.

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Ensino na perspectiva integral - Abordagem que compreende e respeita as várias dimensões do sujeito - Formação para a cidadania - Ressignificação do conhecimento no ato de criação (no caso, artística e cultural).

- Fomento à expressão juvenil por meio da arte e das tecnologias de informação e comunicação. - Incorporação da bagagem cultural dos jovens na concepção de ideias e no processo criativo.

Formação integral do jovem por meio da arte e tecnologia Leitura crítica do mundo

Transformação da realidade por meio das produções artísticas


Criatividade protagonista, autônoma, libertadora... Noale Toja Educadora

A primeira pessoa soa como eu sou, a segunda pessoa soa como tu és, a terceira pessoa soa como ele e ela também. Qualquer pessoa soa, toda pessoa boa soa bem Gilberto Gil

Todos nós soamos alguma coisa, soamos nossa humanidade. O trecho da música de autoria de Gilberto Gil que tanto nos toca, traduz o olhar do Programa Oi Kabum! para os jovens, que são vistos como sujeitos de suas ações, em suas singularidades e multiplicidades. Também traduz como o saber trazido por cada estudante ao ingressar à Escola é recebido. Todo conhecimento é válido e é adotado de maneira transversal, horizontal. Para o educador Paulo Freire ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção, para sua troca. Isso implica criar um espaço vazio de preconceitos e aberto ao reconhecimento do valor do que cada jovem traz consigo. O processo de ensinoaprendizagem é uma via de mão-dupla: quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.


Compreende-se, portanto, a educação como promoção de uma experiência participativa que posiciona os sujeitos envolvidos na construção desse saber. Desmistifica o senso de autoridade e transforma os educadores e estudantes em colaboradores na tessitura de conhecimentos. O Programa procura trazer para cena o estudante como protagonista da produção de conhecimento em cooperação com o educador e todos os demais jovens e os profissionais, negando assim, as formas de ensino instituídas nos paradigmas tradicionais que são excludentes e unilaterais. A metodologia utilizada prevê dinâmicas e práticas educativas que solicitam que o jovem se posicione e faça escolhas em seu percurso de aprendizagem. Ao criar artisticamente, o estudante escolhe as linguagens que quer experimentar, as técnicas que vai utilizar, os temas que vai explorar. O processo criativo o convida a se conhecer, a expressar suas ideias e a se desenvolver de forma autônoma. É um processo interativo, criativo, crítico e libertador. Os jovens são provocados a produzir arte e a utilizar a tecnologia expressivamente. São desafiados a levantar questionamentos, refletir sobre as situações que os incomodam e propor uma atuação criativa e exequível. Com sua atuação, seu pensamento, sua sensibilidade, seu afeto, os estudantes também afetam outros jovens, agenciam outros pensamentos, atuam de maneira micro, mas com perspectiva de uma mudança de atmosfera, no trato da humanidade de cada um, que impacta no macro. Os processos educativos que permitem o “emocionar” são mais potentes. O Programa Oi Kabum! abre espaço para essa emoção criativa. E o estudante se percebe com a capacidade de construir um mundo menos competitivo, arbitrário, individualista, e sim, mais colaborativo, solidário. O Programa traz para cena, neste espetáculo que é a vida, o lugar do sujeito, autônomo e responsável pela sua criação. É o pesquisador Felix Guattari que define o indivíduo contemporâneo como resultado de uma produção de massa, serializado, registrado, modelado, um sujeito hegemônico. E nas Escolas Oi Kabum!, o jovem é convidado a ser um protagonista, sujeito de afetos, de sensibilidades, criativo, realizador, autônomo.

Bibliografia FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. GIL, Gilberto. O som da pessoa. Intérprete: Gilberto Gil. In: _____. Gilluminoso. Rio de Janeiro: GegeProdutora, p 2006. 1CD. (59 min.) GUATTARI, Felix. Três ecologias. São Paulo: Papirus, 1997.


A centralidade da cultura para a formação juvenil A

relação das juventudes com o mundo da cultura tem sido significativa em

todas as gerações e ganha ainda mais relevância na contemporaneidade com a cultura digital.

Diversos

pesquisadores1 e educadores brasileiros têm afirmado

que as experiências no campo da cultura subsidiam o autoconhecimento, o reconhecimento, a mobilidade social e ampliam as potencialidades e oportunidades de desenvolvimento dos jovens.

O

Programa Oi Kabum! fundamenta seu projeto

pedagógico nestas referências e busca experimentar e compartilhar metodologias

educativas com potencial de inspirar outras iniciativas de educação juvenil no país.

Dayrel2 têm inspirado as práticas educativas do P rograma ao longo desses anos . O professor aponta que o acesso à fruição

As

reflexões do professor J uarez

e à produção cultural é um direito dos jovens e defende o fomento a políticas

públicas que promovam esta cidadania cultural . O Programa Oi Kabum! fez o convite para que autor compartilhasse estas reflexões neste livro .


Por políticas públicas que ampliem o acesso e a adesão às linguagens culturais pelos jovens brasileiros 3

Juarez Dayrell

Ao andar pelas ruas de qualquer grande centro urbano salta aos olhos a presença dos jovens. Eles aparecem por meio de algumas marcas que evidenciam as expressões contemporâneas da vida juvenil. São as tatuagens, piercings, pulseiras, bonés, colares... E não podemos esquecer das novas tecnologias: celulares, fones de ouvido, tablets, note e netbooks, dentre outros aparelhos eletrônicos que, quase sempre, estão com eles. Fica evidente que estamos diante de uma geração que apresenta especificidades e, dentre elas, a relação com o mundo da cultura parece ser uma das mais significativas. Mas a relação da juventude com a cultura não é uma prerrogativa da sociedade contemporânea. Em toda sociedade humana, os jovens sempre foram alvo específico de alguma liturgia, como os ritos de passagem (Van Gennep, 1986), ou se integravam ativamente no conjunto de festas e rituais que constituem a dinâmica social. Fabre (1996) descreve uma festa ritual, no século XIX, comum nas aldeias e cidades europeias, chamadas de o reino temporário dos jovens. Podemos dizer então que a relação entre juventude e cultura é um velho tema que se reatualiza (Dayrell, 2005). E, nesse processo, podemos constatar que a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. Alguns autores (Feixa, 1998; Leccardi, 1991; Abramo, 1994) ressaltam que foi no período pós-guerra que se assistiu a uma afirmação da juventude como uma idade da vida específica. Sua visibilidade, principalmente a partir da

1 Se destacam pesquisas realizadas pelos Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (observatorio dajuventude. ufmg.br) e Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (www.uff.br/ observatoriojovem) 2

Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais

3 Parte das ideias desse texto se encontram em Dayrell,2005


década de 50, ocorre nas esferas da cultura e do consumo, devido a alguns fatores, como a ampliação da proteção do Estado de bem estar social e uma crise da autoridade patriarcal, que levou a uma ampliação da liberdade juvenil. A estas condições se aliou o florescimento de um mercado de consumo dirigido aos jovens, sem grandes distinções de classe, que se traduziu em modas, adornos, locais de lazer, música e revistas. Ao mesmo tempo, a expansão dos meios de comunicação de massa promoveu, pelo rádio, pelos discos e pelo cinema, o aparecimento de uma “cultura juvenil”que se distinguia, não mais em torno da criminalidade ou mesmo da escola, mas em torno do tempo livre, com uma identidade própria expressa no estilo, na escolha musical e em uma estética visual, como os teds, mods ou os rockers4. Mas também grupos com uma proposta alternativa de sociedade, como os beats5 ou, um pouco mais tarde, os hippies6.

“Os jovens da atual geração vêm se formando, se construindo como atores sociais de forma muito diferente das gerações anteriores, numa mudança de tempos e espaços de socialização, que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude.”. Todo esse processo se exacerbou com as profundas transformações sociais e tecnológicas que vivenciamos nas últimas décadas. Tais mutações vêm afetando as relações entre o tempo e o espaço, interferindo diretamente nas instituições e nos processos de socialização das novas gerações7. As instituições classicamente responsáveis pela socialização, como a família, a escola e o trabalho, vêm mudando de perfil, estrutura e também de funções. Por conseguinte, os jovens da atual geração vêm se formando e se construindo como atores sociais de forma muito diferente das gerações anteriores, o que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. Um exemplo é o acesso cada vez maior à

4

Teds, Mods, Rockers, movimentos juvenis do final dos anos 50, surgiu na Inglaterra.

5 Beat é um movimento juvenil norte-americanos, principalmente escritores e poetas, que vieram a se tornar conhecidos no final da década de 1950 e no começo da década de 1960. 6

O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 60.

7 Para ampliar esta discussão sobre as mutações sociais ver GIDDENS, 1991; MELUCCI, 1994; DUBET, 2000; LAHIRE, 2002; PAIS, 2003, dentre outros.


produção e à circulação de informações e, especialmente, um tipo particular de informação, que é a imagem. Por meio da intensificação da velocidade das informações, os jovens entram em contato (e, de alguma forma, interagem) com as dimensões locais e globais, que são determinadas mutuamente, mesclando singularidades e universalidades. Assim, obtêm acesso a diferentes modelos sociais e modos de ser e de viver que interferem diretamente na construção de modos de ser jovem. Esse contexto é o pano de fundo para compreendermos as relações entre juventude e cultura no Brasil.

Juventude e Cultura no Brasil A partir da década de 1990 assistimos, no Brasil, a

uma nova forma de visibilidade dos jovens. Percebe-se que a dimensões simbólica e expressiva têm sido cada vez mais utilizadas como formas de comunicação e podem ser notadas nos comportamentos e atitudes pelos quais se posicionam diante de si mesmos e da sociedade. A música, a dança, o vídeo, o corpo e seu visual, entre outras formas de expressão, têm sido os mediadores que articulam jovens que se juntam para trocar ideias, ouvir um “som”, dançar, dentre outras diferentes formas de lazer. Mas também se tem ampliado o número daqueles que se colocam como produtores culturais e não apenas fruidores, agrupando-se para produzir músicas, vídeos, danças, ou mesmo poesias, nos saraus que vêm se tornando cada vez mais comuns. Nas periferias dos grandes centros urbanos, podemos constatar essa efervescência, com jovens pobres inserindose em um circuito alternativo que envolve produtores de diversos tipos, como os produtores musicais e seus pequenos estúdios, shows e eventos. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Nessas práticas, criam novas formas de mobilizar os recursos culturais da sociedade atual para além da lógica estreita


do mercado, assumindo um papel de protagonistas. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre os tendo como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. Ostentam os seus corpos e neles dizem da adesão a um determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um estatuto social almejado. Nesse contexto, ganham relevância os grupos culturais. As pesquisas indicam que a adesão a um dos mais variados estilos existentes no meio popular assume um papel significativo na vida dos jovens.

“O direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garantam a produção cultural bem como a liberdade de criação.” Por meio da produção dos grupos culturais a que pertencem, muitos deles recriam as possibilidades de entrada no mundo cultural, além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos. Na música ou na dança que criam, nos espetáculos que fazem, nos eventos culturais que promovem, eles colocam em pauta no cenário social o lugar do pobre. Para esses jovens, destituídos por experiências sociais que lhes impõem uma identidade subalterna, o grupo cultural é um dos poucos espaços de construção de uma autoestima, possibilitandolhes identidades positivas. Eles querem ser reconhecidos, querem ter visibilidade, ser “alguém” num contexto que os torna “invisíveis”, “ninguém” na multidão. Eles querem ter um lugar na cidade, usufruir dela, transformando o espaço urbano em um valor de uso. (Gomes e Dayrell, 2002; 2003). Ao mesmo tempo, é preciso enfatizar que as práticas culturais juvenis não são homogêneas. Em torno do mesmo estilo cultural podem ocorrer práticas de delinquência, intolerância e agressividade, assim como outras orientadas para a fruição saudável do tempo livre ou ainda para a mobilização cidadã em torno da realização de ações solidárias.


Toda essa reflexão nos aponta que ser jovem não é tanto um destino, mas a escolha de transformar e dirigir sua existência. Atualmente os jovens possuem um campo maior de autonomia frente às instituições para construir modos próprios de ser jovem, de construir a si próprios como indivíduos. (MARTUCCELLI, 2000). Há um caminho de mão dupla entre aquilo que os jovens herdam e a capacidade de cada um construir seus próprios repertórios culturais, levando em conta os limites estruturais onde cada um se insere. Nesse processo, o mundo da cultura tende a ganhar uma centralidade significativa. São comuns relatos de jovens que evidenciam que estas experiências possibilitam a descoberta do próprio desejo, das potencialidades individuais e, principalmente, a ampliação das redes sociais, aumentando, enfim, o leque de alternativas de vida que não aquelas, restritas, oferecidas pela sociedade. É nesse sentido que podemos falar da cultura e suas expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais, uma expressão e exigência da dignidade humana. Nesse enfoque, o direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garantam a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar então em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção nesta área. Uma questão se coloca: em que medida os jovens brasileiros têm a garantia de uma cidadania cultural?

“É fundamental que as políticas públicas venham garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada um experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que os jovens possam se desenvolver plenamente como adultos e como cidadãos.”


No contexto de uma sociedade desigual, como a brasileira, podemos constatar que ainda estamos longe de garantir o acesso de todos os jovens aos direitos culturais, principalmente àqueles pobres das periferias, tanto dos grandes centros, quanto do interior do país. A escola de ensino médio, por exemplo, tem sido palco de tensões entre propostas inovadoras e tendências imobilistas. Mesmo que a maioria das propostas políticopedagógicas ainda seja dominada por uma concepção estreita da educação reduzida à escola e nesta, aos conteúdos disciplinares, assistimos ao surgimento de experiências inovadoras nos tempos e espaços escolares, que desenvolvem ações em torno das mais diferentes expressões culturais, na perspectiva de valorizar a fruição e produção cultural dentro da escola. Por outro lado, uma série de projetos e ações desenvolvidos por ONGs tem possibilitado um avanço na construção de metodologias que levam em conta a centralidade da cultura e o protagonismo juvenil nas ações desenvolvidas. Mas ainda temos muito que avançar. Como nos lembra Melucci (2004), os jovens são como uma ponta de um iceberg, que torna visível as principais questões e desafios postos em cada período histórico. As relações que estabelecem com o mundo da cultura podem nos dar sinais das tendências socioculturais existentes, com seus avanços, contradições e limites. Mas também podem apontar para as demandas e necessidades que os jovens expressam no seu processo de socialização. Mas para isso é importante uma postura de escuta por parte dos adultos, considerando os jovens como interlocutores válidos naquilo que lhes diz respeito. Nesse sentido, torna-se fundamental que as políticas públicas venham garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada um experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que os jovens possam se desenvolver plenamente como adultos e como cidadãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, Helena. Cenas juvenis; punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Escrita, 1994. CAIAFA, Janice. Movimento punk na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. CARRANO, Paulo e DAYRELL, J.. Jovenes de Brasil: dificultades de finales del siglo y promesas de um mundo diferente. In: Jovenes: Revista de Estúdios sobre Juventud. México: Nueva Época,Ano 6,n. 17; juliodiciembre 2002 DAYRELL, Juarez. Cultura e identidades juveniles. Última Década. Vina Del Mar, Chile. Ano 11, n. 18, pp. 69-92. abril de 2003. ______; GOMES, Nilma Lino. Formação de agentes culturais juvenis. In: Encontro de Extensão da UFMG, 6º, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: Proex/UFMG, 2003 p. 1-4. _______. Juventud, grupos culturales y sociabilidad. Jovenes: Revista de Estudios sobre Juventud, Mexico, DF, n. 22, p. 128-147, 2005.

_______. A música entra em cena: o funk e o rap na socialização da juventude em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. _______. A escola faz juventudes? Reflexões sobre a socialização juvenil. Educação e Sociedade: Campinas, v.28, n. 100. out. 2007. p. 1105-11. DUBET,F. e MARTUCCELLI,D. Em qué sociedad vivimos? Buenos Aires: Editorial Losada. 2000 FABRE,Daniel. Ser jovem na aldeia. In: LEVI,Giovanni e SCHMITT, Jean Claude. História dos jovens: a época contemporânea. Vol.2. São Paulo: Companhia das Letras. 1996. FEIXA, Carlos. De jóvenes, bandas e tribus. Barcelona: Ariel, 1998. GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. UNESP. 1991 HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. LAHIRE,Bernard. Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes. 2002

MELUCCI, Alberto. O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Ed. Unisinos,2004 _______. Passagio d’epoca; il futuro é adesso. Milano: Feltrinelli, 1994. LECCARDI, Carmem. Orizzonte del tempo; esperienza del tempo e mutamento sociale. Milano: Franco Angeli, 1991. PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993. _______. Ganchos, Tachos e Biscates: jovens, trabalho e futuro. Lisboa: Ambar, 2003. VAN GENNEP, A. Los ritos de paso. Madrid: Taurus, 1986. ZALUAR, Alba. Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência. In: VIANNA, Hermano. Galeras cariocas, territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.


Por políticas públicas culturais juvenis, pelo Professor Juarez Dayrel • Na contemporaneidade a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. • A cultura e a tecnologia promoveram uma mudança de tempos e espaços de socialização, que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. • Através de práticas culturais os jovens criam novas formas de mobilizar os recursos da sociedade atual, assumindo um papel de protagonistas, e atuando de alguma forma sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si e sobre o mundo que os cerca. É nesse sentido que podemos falar da cultura e suas expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais,

que deseja ser uma expressão e uma exigência da dignidade humana. • Promover o direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garantam a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar então em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção cultural. • No contexto de uma sociedade desigual, promover a cidadania cultural é fundamental. E a abertura da escola ao desenvolvimento práticas culturais pode ser decisiva na construção de políticas públicas venham garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada jovem experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que possa se desenvolver plenamente como adultos e como cidadãos.


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