Crônicas - 270 páginas

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1ª CAPA


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AS MÃOS DE UMA ARTISTAS E OUTRAS CRÔNICAS

2ª CAPA

CARLOS ALFREDO


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ROSTO


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FICHA CATALOGRÁFICA

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DEDICATÓRIA


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PREFÁCIO ALFREDO CESAR B. DE MELO

O leitor encontrará nas próximas páginas um belo conjunto de crônicas. O gênero da crônica é caracterizado pela imensa abertura e porosidade em relação ao cotidiano. O cronista é aquele que consegue, na escrita, captar as sutilidades e os dinamismos insólitos do dia a dia. Mas além de ser um livro de crônicas, é preciso especificar ainda mais, o leitor encontrará um número significativo de crônicas de memória. Nelas, o autor foca em detalhes e fatos esparsos do seu passado, sem precisar recorrer à rigidez sistemática do memorialista, por vez obcecado em construir uma narrativa totalizante da vida. O cronista escreve sobre os eventos que forjaram sua vida com muito mais leveza do que um memorialista, uma vez que o cronista está interessado em apreender os pequenos causos do passado. Na crônica, os fragmentos de memória não passam por nenhum crivo hierarquizante que estabeleceria um grau maior de importância a um causo em detrimento do outro; enquanto o memorialista quer fixar um quadro geral da vida, dotado de sentido transcendente, organizando os eventos da vida a partir de uma determinada ordem de importância. O leitor encontrará nas páginas toda a força e sabor da crônica, em meio a histórias sobre o trote universitário, o drama em torno da admissão à Petrobrás, urtigas atacando o pé no dia do nascimento da sobrinha, desventuras e aventuras do seu primeiro emprego na Elekeiroz, viagens insólitas com artistas de MPB, retratos biográficos de pessoas que coloriram a vida do Autor. Em cada um desses relatos, podemos verificar o apego ao insólito e um genuíno gosto de contar histórias.


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Muitos de nós, que conhecemos pessoalmente o Autor, já ouvimos muitas dessas histórias. Alguns de nós até figuramos como protagonistas em uma ou outra crônica. E aí há um grande mérito neste livro: colocar no papel as histórias que sempre escutamos é um verdadeiro presente para gerações vindouras. Netos e bisnetos do Autor conhecerão não apenas as narrativas aqui apresentadas, mas perceberão o estilo do Autor – algo tão difícil de transmitir para gerações futuras Por fim, considero que este livro é um grande tributo ao lar onde o Autor foi criado. A casa de meus avós na Encruzilhada (bairro do Recife) era famosa por dispor de um espaçoso e arejado terraço, que fazia as vezes de um verdadeiro “território-ponte” entre a casa e a rua. E por aquele terraço, exprimido pelo ambiente doméstico e os ruídos da vida lá fora, passava o Brasil. Lá se misturavam sisudas digressões teológicas de seminaristas pedantes; inflamadas discussões políticas; histórias de mal-assombrado contadas por Mira; gritos de bêbados ziguezagueando pela calçada; roncos das motos de meu tio, choro de crianças, risadas das minhas tias que tanto adocicavam a vida de meu avô, e claro, causos deliciosos contados por meus avós, Alfredo e Chiquita, sobre a fazenda do Cerco em Santana dos Matos, Natal dos anos 1940, Recife dos anos 1950. Naquele terraço, a única obrigação era sentar e conversar sem ter hora para acabar. Não seria exagerado dizer que muitas crônicas que o leitor encontrará aqui foram ensaiadas naquele terraço. Este livro é o registro escrito dessa maravilhosa tradição oral, outrora tão cultivada na Encruzilhada e que agora ganha nessas páginas uma bela sobrevida. São Paulo, janeiro de 2019.


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SUMÁRIO

tudo começou em 1974 6 mira, de açu ao rio grande do sul 8 minha história em aracaju e laranjeiras – se mercado de são josé 13 parem de pescar baleia 15 essas cenas me marcaram muito 1 16 essas cenas me marcaram muito 2 17 eles fugiram 17 pela primeira vez fui chamado de senhor 19 estava escrito 20 o dia em que fernanda nasceu 21 pra tudo se acabar na quarta-feira, 21 quem levou a televisão que estava aqui? 23 mitterrand é de frei martinho 25 o rio de janeiro é um ovo 26 a casa da vovó 27 e lá vai ele.... 30 vimos mudar do rádio para a televisão 31 como eram bons os cinemas antigos do recife isso é que é acolher 38 fake news 39 nunca pensei em ser síndico 39 minhas copas 41 de santana do matos ao recife 45 orem por jesus 48

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voltar de helicóptero, não! 49 como era boa a canjica! 50 as mãos de uma artista 51 o oscar vai para.... 53 mãe salva filhos de perigo num lago 54 meus primeiros aprendizados 55 gêmeos confundem a gente 56 quando deus silencia 58 não havia lugar para eles na hospedaria 60 quem é o maior? 62 as mães são todas iguais 64 viva o consumo 65 a pequena talita 67 mudaremos esse país!!! 70 o pastor que dava leite! 71 caçadores de baobás 72 varre, varre vassourinha 74 você votaria num bode, cacareco ou num macaco? 76 cabo eleitoral por um dia 78 juninho, viveu intensamente 79 barbaridade tchê 81 o primeiro chefe a gente nunca esquece 82 o pastor que foi ao chão 85 divaldo mudou-se... 86 impressões da terra de camões 87 que peso você está carregando? 89 o trote era pra lascar!! 90 só rindo 92 josé e as quatro irmãs 94 alfran, um homem intenso 96 como foi o vestibular em 1967? 100 que voo complicado! 102 uma bomba estorou no recife 105 a caixa dos correios 105 quase... 107


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crônica de um professor 108 subindo ao morro da conceição 110 em portugal só tem joaquim e manuel? qual é o filme da tua vida? 114 da lavagem do carro ao laboratório conversas de consultório 1 117 conversas de consultório 2 118 ordinário, marche!! 119 40 minutos no metrô do recife 121 as paredes têm olhos... 123 acampando no vale do senhor 125 minha viagem com luiz melodia 126 os 50 anos de uma casa muito especial voltando ao colégio americano batista bons tempos em natal 131 sonho sobre a tamarineira 133 a mulher virtuosa 135 jetro, consultoria é aqui 137 vendo fantasias 139 o baú de darcila 140 confraternização de 2014 143 jantar com o brigadeiro 145 esses potiguares... 146 jacaré no lago sul 147 andanças pela rua da palma 149 o que é, o que é? 151 homenagem a homero 152 a casa que virou edifício 153 e lauro se foi 155 sala de espera da uti 157 amigos para sempre 158 como era fácil adotar uma criança 160 que pelada boa!!! 160 causos de homero 162 dos anos 70 aos nossos dias 164

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TUDO COMEÇOU EM 1974 Em 10 de junho de 1974, eu iniciava minha carreira na Petrobras, após passar em concurso público no cargo de Eng. de Processamento. Já se passaram 44 anos e nem parece que foram tão rápidos. Era a concretização de um sonho... Nos anos de 70-71 todos os anos havia concurso para nível superior na Companhia e a publicidade dos concursos era divulgada na Escola de Química e isso foi despertando em mim esse sonho. Cheguei até a assinar a Revista Petrobras quando estudante. Fiz o concurso no ano da minha formatura, 1971 e não fui aprovado. No ano seguinte, não pude me inscrever pois já era formado e não tinha ainda me registrado no CREA em tempo hábil. Finalmente em fins de 1973, fui aprovado. Persistência, foco e determinação foram importantes para a concretização dos meus sonhos. Chegamos em Porto Alegre 2 dias antes da data prevista para eu me apresentar na Companhia, um sábado bastante chuvoso. Nesse dia 10, peguei um táxi e fui me apesentar na Refinaria Alberto Pasqualini em Canoas, no Rio Grande do Sul, na Obra de sua ampliação. Nessa manhã fria, a temperatura era de 5 graus centígrados. Quando você anda em busca do seu sonho, não tem frio que o faça desistir. Deixava meu emprego na empresa Elekeiroz, uma indústria química localizada no município de Igarassu, próximo a Recife, para ganhar o mesmo salário, porém numa grande empresa. Essa minha ida era um salto no escuro, pois não sabia quando poderia voltar para morar na minha cidade, ou pelo menos, mais perto. Comecei dessa forma minha vida de Estagiário... No primeiro dia de trabalho, conheci um Eng. Eletricista, carioca de Niterói chamado Lauro de Luca, que foi um grande amigo por muitos anos. Lauro era casado com Olga e fizemos muitos passeios pela serra gaúcha, notadamente Gramado e Canela. Lauro, com estilo de carioca gozador, tirava onda de tudo, veio a falecer anos atrás, de um câncer no cérebro...grande perda. Naquele tempo, vivíamos no período da ditadura militar em nosso


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país. Todo candidato a emprego tinha que preencher um formulário chamado– Ficha de Investigação Social - FIS. Depois de empregado, era obrigatório o preenchimento anual dessa ficha. Caso o profissional tivesse qualquer militância política contrária ao regime militar, bem como participação sindical ou nos diretórios estudantis, era reprovado nesse “critério”. Fiquei “de cara” apaixonado pela Companhia. Havia planos de cargos e salários, plano de férias e tudo mais, muito organizado. Havia Normas técnicas para tudo, até Norma para elaborar uma Norma. Merece destaque a convivência com profissionais muito qualificados, sérios, honestos e comprometidos. Tive colegas gaúchos de origem humilde, com pais agricultores de descendência alemã ou italiana, que investiram tudo na educação dos filhos. Foi um período novo em minha vida. Cidade nova, palavras típicas do gauchês (lagartear era tomar banho de sol, pila era a moeda do país, bergamota o mesmo que tangerina, ir aos pés era defecar, piá ou guri era menino, autinho era carro de brinquedo, faixa era uma rodovia tipo BR, batida era vitamina de frutas, brigadiano era policial militar e muitas outras). Parecia até que estava em outro país. A temperatura também muito alta (39º C) no verão ou muito baixa (5° C) no inverno, também fazia muita diferença no dia a dia. Também tivemos que nos adaptar às comidas como radite, frango com polenta, lagarto recheado, sagu com creme entre outras. O churrasco era especial. Um fato muito marcante foi a perda do primeiro filho – chamado carinhosamente de gauchito – quando falta apenas 5 semanas para seu nascimento, por complicações da diabetes da mãe. Foi muito traumático tanto para Zara como para mim. Fizemos muitos amigos naquela terra, fora os nordestinos que já estavam lá, como o casal Genésio Moutinho e Palhares, amigos sempre presentes nas horas mais difíceis. Alguns desses amigos, ainda tenho contato ainda hoje. Passamos por momentos difíceis, mas valeu a pena. Foi o início de uma longa carreira profissional numa empresa de grande porte como a Petrobras. Começaria tudo outra vez... Recife, 14/07/07


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MIRA, DE AÇU AO RIO GRANDE DO SUL Mira era uma dessas pessoas que todos gostavam dela. Sempre risonha. Não tinha cara feia e nem sabia dizer não para o que pedisse a ela. Veio trabalhar em Recife na casa de meus pais nos anos 50, quando Eunice, minha irmã era pequena e Cláudio praticamente recém-nascido. Oriunda de Açu no Rio Grande do Norte, tinha tido um filho, em Natal, e dado à adoção, antes de vir para o Recife. Pouco tempo depois, mamãe engravidou de Claudio e ela, de Marcos. A diferença entre os dois é de alguns meses. Marcos nasceu e foi criado lá em casa até se tornar adulto, servir no CPOR, bacharela-se em Administração e se casar. Acontece que entre os anos de 63-64, Mira engravidou novamente. Surgiu então um impasse. Meus pais criariam o segundo filho de Mira ou procurariam alguém para adotá-la? A decisão familiar caiu na segunda opção. Dias depois a filha de Mira nasceu. Naquela época, sempre havia alguém que conhecia outro alguém que desejava adotar uma criança recém-nascida. E assim aconteceu. Mamãe falou com uma amiga chamada Judite que falou para um senhor que era gerente das Lojas Paulistas em Casa Amarela, que falou com fulana que aceitou adotar aquela menina. Dessa forma, a menina foi adotada. Nunca mais nem Mira nem minha família teve notícias dela. O tempo foi passando... Mira trabalhou em Porto Alegre na minha casa, quando morei lá, em São Paulo na casa de Eunice e Marcelo, casou com Adelino, foi morar em sua casa e tinha planos para voltar a morar em Açu, juntamente com seu esposo. Numa tarde de domingo, eu estava na casa de meus pais, quando ela chegou com Adelino, muito cansada, ofegante mesmo. Nunca havia visto alguém assim. Fiquei preocupado e a levei de imediato ao Hospital Português, pois ela era dependente, no plano de saúde da Petrobras Distribuidora, do seu filho Marcos. Ela foi internada com diagnóstico de infarto, dias depois.


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Há uns oito anos atrás, recebi uma ligação de Judite dizendo que a filha de Mira a procurou dizendo querer entrar em contato com a minha família para saber a sua origem. No dia combinado, ela foi até à casa de mamãe. Foi uma emoção para nós, sabermos que poderíamos esclarecer a ela sobre esse processo de adoção e tirar essa dúvida que adotados na mesma situação dela, perguntam: “qual é minha origem?” No dia combinado, ela chegou com seu filho Sandro, já com 18-20 anos de idade e conversamos muito, relatando os fatos que determinaram aquela adoção, esclarecendo que ela não tinha opção. Como infelizmente Mira já havia falecido, ela apenas ouviu histórias e levou fotos. Ela se emocionou ao conversar com Eunice via Skype. Sempre que vejo alguma foto de Mira em casa, envio para o Sandro via redes sociais. Deus usou Mira, pessoa extremamente simples, que mal sabia ler para cuidar e contar a respeito de suas viagens (ela morou no Acre e em Santarém). Ouviram suas histórias os filhos de Eunice, André e Fernanda, os meus Fred e Cesar, os meus irmãos menores como Eunice e Claudio. Dos três filhos que teve, ela educou e conviveu apenas com Marcos, que foi seu apoio até sua morte. Recife, 14/08/18


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MINHA HISTÓRIA EM ARACAJU E LARANJEIRAS – SE Depois de dois anos e meio na obra de Ampliação da Refinaria Alberto Pasqualini - REFAP, em Canoas, no Rio Grande do Sul, consegui voltar para o Nordeste, para morar em Aracaju e trabalhar em Laranjeiras, distante cerca de 18 km da capital. 30 anos num instante se passaram... Fui morar na capital sergipana e fiquei por 5 anos e meio. Aracaju das praias de Atalaia, Atalaia Nova, Atalaia Velha, do Colégio Atheneu, do Lourival Batista, da Praça Camerino, da Av. Ivo do Prado, do Restaurante O Miguel, dos Franco (Augusto, Albano e outros), da Coroa do Meio, das esculturas de Beto Pezão, da Ponte do Imperador, do Dr. Byron, pediatra de todos os filhos dos petroleiros na época, do caruru servido nos aniversários, do delicioso doce de leite ambrosia, do costume de comer caranguejo na praia de Atalaia... A obra ficava no município de Laranjeiras, com sua arquitetura colonial, que teve sua colonização iniciada no final do século XVI, após a conquista de Sergipe por Cristóvão de Barros. O desenvolvimento econômico aconteceu com a chegada da cana-de-açúcar, cujo cultivo ocupava as margens férteis do rio Cotinguiba, atraindo comerciantes de várias partes do Estado. Na época, existiam muitas laranjeiras no local, dando origem ao nome da cidade que, no século XVIII, com o ciclo de cana-de-açúcar, chegou ao apogeu financeiro. Os pioneiros da construção da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados de Sergipe - FAFEN-SE chegaram a Aracaju, no final de 1976. No início do ano seguinte, foram chegando outros, vindos de diversos estados do país, principalmente do Rio de Janeiro. Quando cheguei em janeiro de 77, o chefe adjunto da obra, o Menezes, respondia pela chefia. Já estavam também o Geraldo Costa, o Gambogi, o Gil César, Helder Lopes, o José Maria... O almoço era num restaurante muito simples que ficava logo depois da ponte na BR, em direção a Maceió. Depois conseguimos almoçar no Posto Flecha e finalmente no restaurante da FAFEN.


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Como não havia telefones ainda instalados, o nosso contato com o mundo era via rádio. Era comum o Gambogi ligar para os EUA, para falar com o Eduardo Barretto, que acompanhava o projeto, e após dizer tudo, pedir para ele repetir palavra por palavra. Depois foram chegando os demais... o Newton, cearense vindo da Bahia, para ocupar a chefia da obra, o “gigante” como era chamado pelo colega Faleiro. Newton só passou um ano e voltou para Salvador. Da Bahia, onde trabalhava na Refinaria, veio o Alfredo Cavalcante, pernambucano, com sua calma, paciência e constantes reuniões. Ana Iracema era a secretária, bem como a Regina. Na Divisão de Planejamento veio o Paulo Freire, outro “gigante”. Tinha vindo de uma superintendência lá do Rio de Janeiro. Depois veio o Antônio Costa, para substituí-lo. No projeto, começamos com o Gambogi, que foi para o Iraque (naquele tempo se mandava gente trabalhar no Iraque) e Fabiano Nunes, magrinho, veio para ocupar o seu lugar, sem esquecermos a Lucinda. No Setor de Programação e Controle – SEPROG, veio trabalhar comigo o Gildo, alagoano, que estava no Paraná. Depois vieram o Paulo Matos, a Regina, Joselinda e outros. O Setor de Orçamento e Contratação – SEORÇ começou com o Geraldo, sergipano de primeira, que ficava bravo, quando os cariocas gozadores reclamavam alguma coisa de Sergipe. Depois Geraldo foi para a obra do Gasoduto e Ziney veio ocupar o seu lugar. Também trabalharam Eloi, Linail, Acácia, Franciberto... Depois chegaram o Édio e o Guilherme, o primeiro catarinense de Joinvile e o último carioca, vindos do curso de formação. Menezes designou o Édio para a contratação e o Guilherme para o projeto. Farias, baiano da terra do cacau, era o responsável pelo Arquivo Técnico. Na Divisão Financeira, tivemos o Hugo, alagoano, vindo do Rio com a sua esposa Edna; Ivaldir, que criava uma cobra em casa (naquela época podia), o Wilson, além do Helder, Chagas, Normando, Alberto, Celina, Lazaro, Romilda e tantos outros. O Augusto, carioca, foi o chefe da Divisão de Amônia e Ureia.


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Trabalharam com ele muitos outros como o Faleiro, o Dalmo que veio da Nitrofértil; o Paulo Nóbrega, paraibano que estava em São José dos Campos; Armando, Ivo Tasso, que tinha sido escoteiro; o Paulo Cavalcanti, o Abdallah, o Manuel Esmeraldo, baiano que falava demais; o Pedro Gilson, o Ildefonso, o gaúcho Ricardo Aidukaites; o Luciano, o mineiro, todo explicadinho, Josefa, Moutinho, Marco Hiran e muitos outros. Tivemos também o Crispim da Segurança Industrial. O Sekiya, com a sua paciência oriental foi o chefe da Divisão de Construção Civil – DICIL. Trabalharam com ele o Vitor, o Guaraci Porto, ambos cariocas; o Wagner, paraibano que estava em Santos e o Rui, o português, João Inácio (hoje advogado), Carlos Medalha, Vitória, Manuel e Auxiliadora. Na Divisão Administrativa, tivemos o Marivaldo e Igreja, o Fortuna, sem esquecer do Adalberto, Floriano, Francisco, Jucileide, Eulália, Graça, Dona Neusa, Moretti, Inspetor Silva... Neuber, José Maria, Valter, Mamana, Nazaré, Silmar, Carlos Freitas compunham a Divisão de Suprimento, responsável pela aquisição de todos os materiais e equipamentos da FAFEN. Enquanto isso, também construíamos a Unidade de Processamento de Gás Natural – UPGN em Atalaia e a Base da Petrobras Distribuidora em Laranjeiras. Tivemos então a participação do Gerson vindo da Bahia, nessa primeira unidade. Omito muitos nomes, pois não tinha contato com todos, e o empreendimento era uma obra de grande porte e inúmeros colaboradores. Era interessante que os vigilantes da obra eram petroleiros concursados, ganhavam bem e logo cada um comprou um bom carro novo. O Newton, nosso gerente possuía um TL bastante antigo. Certa vez, o Newton chegou num sábado, no seu velho TL na portaria da Obra de Atalaia e pediu para entrar dizendo que era o Chefe da Obra. O vigilante não acreditou e falou: “o chefe aqui é Dr. Rui” se referindo ao gerente setorial que era o responsável pelo Setor. E como é que a gente conseguiu fazer aquela fábrica sem computa-


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dor, correio eletrônico, telefone celular? Morar em Aracaju, naquela época, marcou muito as nossas vidas. A maioria, jovens, recém-casados. Aqui geramos e tivemos nossos filhos. Eu pelo menos, tenho 2 filhos sergipanos. Muitos daqueles que trabalharam ali naquele grupo, não estão mais conosco, mas deram a sua parcela significativa de trabalho para que o então Serviço de Engenharia - SEGEN deixasse a sua marca naquele estado. Tudo isto lembrado por ocasião da comemoração dos 30 anos da presença da Engenharia no estado de Sergipe e início da construção da FAFEN –SE em Laranjeiras – SE em nov/2006. Natal, 20/11/06


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MERCADO DE SÃO JOSÉ Depois de morar há muitos anos no Recife, fui visitar o Mercado de São José. Pegamos algumas dicas com amigos mais experientes no ramo e partimos para lá. Estacionamos o carro no Forte das Cinco Pontas (que nos sábados, só abre à tarde) e seguimos pela rua das Calçadas. Acho que toda rua deveria se chamar de Rua das Calçadas. Muito comércio ambulante. 1 porta CDs por 1 real; 3 maçãs por 1 real; 1 copo de água de coco geladinha por 1 real e assim vai. Chegamos à Pça. Dom Vital, conhecida como Praça do Mercado e vimos a Igreja de Nossa Senhora da Penha, também chamada de Basílica da Penha. Realmente eu não sabia que existia igreja tão bonita no Recife. A primitiva Igreja da Penha foi erguida por religiosos franceses, por volta de 1655, e reconstruída quase cem anos depois. A igreja se destaca pela imponência na paisagem urbana do bairro São José. As pinturas decorativas na abóbada da nave e na cúpula esférica são trabalhos de artistas pernambucanos como Murilo La Greca. Na rua Direita, nas imediações do Mercado, fica o cinema Glória, que foi inaugurado em 1926. Finalmente entrei no famoso Mercado. Muitas lojas de artesanato com aqueles brinquedos da infância como reco-reco, Mané gostoso, pião, bola de gude, carrinhos de madeira, entre outros. Muita carne e peixe para serem comercializados. Os vendedores tentando vender camisetas de qualquer jeito. Um olhou para mim e disse: “como você já comprou a de Fernando de Noronha, agora compre a de Recife.” Comprei castanha do Pará numa loja onde uma irmã da Assembleia de Deus ouvia seu programa evangélico na Rádio Tamandaré. Saí e voltei pela rua Direita, que no passado não tinha nada de Direita, onde papai teve uma loja do ramo de tecidos chamada de O retalhão. Na ida para o estacionamento, parei para comprar jaca dura embalada em saco plástico, por um real o pacote. É o mais antigo edifício pré-fabricado em ferro no Brasil, exporta-


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do da Europa para o Recife, no final do século XIX. Foi projetado pelo engenheiro da Câmara Municipal do Recife, J. Louis Lieuthier, em 1871, que se inspirou no Mercado de Grenelle, de Paris, e construído pelo engenheiro francês Louis Léger Vauthier, responsável também pela construção do Teatro de Santa Isabel. O Mercado de São José foi inaugurado no dia 7 de setembro de 1875 e assim chamado por ter sido edificado no bairro de São José. Do ponto de vista arquitetônico, é um monumento nacional que não faz parte apenas do patrimônio cultural do Brasil, mas também da humanidade, pois se constitui num raro exemplar da arquitetura típica do ferro, no século XIX. Atualmente, com seus 561 boxes cobertos e 80 compartimentos na sua área externa, além de outros destinados a peixes, crustáceos, carnes e frutas, o Mercado é um local onde se encontra o melhor do artesanato regional, comidas típicas, folhetos de cordel, ervas medicinais, artigos para cultos afro-brasileiros, sendo também um importante centro de abastecimento do bairro de São José e um ponto de atração turística na cidade do Recife. Quantas histórias esse mercado “ouviu”, compras e vendas, romances ali foram desfeitos, outros tiveram início, segredos foram contados, falcatruas foram arquitetadas, políticos pediram votos, eleitores disseram que votariam e depois desistiram.... esse é o Mercado de São José do Recife. Recife, 04/07/14


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PAREM DE PESCAR BALEIA A pesca da baleia na Paraíba foi iniciada em 1911 e extinta em 1985. Pescava-se a espadarte, jubarte, azul e cachalote. O período de pesca era de julho a novembro. Estima-se que cerca de 22.000 baleias foram pescadas nesse período, chegando-se em alguns dias a se pescar até vinte e quatro animais por dia. Os barcos partiam para o alto mar pela madrugada, regressando ao porto, que era no distrito de Costinha, município de Lucena, próximo a Joao Pessoa, por volta das vinte horas. Em algum momento, o direito de pesca foi vendido aos japoneses, que chegaram a empregar quatrocentas pessoas nesse período. No Youtube tem algumas referências a essa época. https://www.youtube.com/watch?v=5pZoqXKJ-5E https://www.youtube.com/watch?v=cAP0SGAZcWU Uma ONG tenta instalar museu na região onde estava montada a estrutura, para contar a história da pesca da baleia na Paraíba. No início dos anos 70, era um passeio turístico você ir para Costinha para assistir ao vivo e a cores a chegada dos barcos como aqueles mamíferos gigantes que foram pescados naquele dia. Fui com papai e meus irmãos assistir uma vez. Era um espetáculo inédito. Existia uma estrutura que possui um grande tanque, guinchos para puxar os animais e os operadores do barco que fariam o corte das baleias. Nas redondezas, havia alguns restaurantes onde era possível comer a baleia assada ou frita. Essa carne era vendida no Recife e em outras cidades do Nordeste. O tempo foi passando até que surgiram movimentos para proibir a referida pesca. Até que em 1986, foi definitivamente proibida a pesca em territórios brasileiros. A medida foi muito boa uma vez que estava havendo um extermínio do gigantesco animal. Pescar baleia, NUNCA MAIS!!! Recife, 31/07/18


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ESSAS CENAS ME MARCARAM MUITO 1 Por alguma razão inconsciente, existem cenas pontuais em minha vida que de vez em quando me lembro muito bem. Parece que as vivenciei hoje. Relembrei algumas. Na aula da saudade do curso de Eng. Química proferida pelo eminente professor Ricardo Ferreira, um dos nossos colegas, formando, estava em estado leve de embriaguez e fez algum comentário descabido para aquele momento tão importante na vida daquela turma que estava se separando depois de cinco anos de estudo. O professor calmamente disse que ele estava com “libações etílicas.” Libação aparece na Bíblia como sendo o derramamento de algum líquido, geralmente era vinho ou óleo, como um ato de culto a Deus. Para uma turma de Engenharia Química, o termo usado pelo mestre foi muito bem adequado. Tenho uma foto da turma que participou daquele momento e sempre que a vejo, relembro a cena. Também da Escola de Química, lembrei das aulas de Matemática 1 do professor Newton Maia, na época um senhor de cabelos e jaleco brancos, que tinha 67 anos. Apesar de que eu entendia muito pouco das suas aulas, elas foram marcantes e ele só usava quadro-negro e giz. Ele dava aula com autoridade, competência e elegância. Os alunos com dezoito anos de idade, não ousavam interromper o idoso professor. Quando trabalhava em Elekeiroz, em Igarassu, numa das paradas da unidade operacional, fiz um procedimento errado utilizando muito biocida, (um produto para o controle das algas), o qual causou muita espuma na torre de refrigeração. Foi um sufoco. Papai, como eu hoje, era torcedor “não praticante” do Sport Clube do Recife. Quando éramos crianças, numa tarde de sábado, ele me levou, juntamente com Alfran e Eduardo, ao campo do Náutico, na av. Rosa e Silva, para assistirmos a um jogo do time timbu, onde seriam apresentados alguns jogadores incluídos recentemente no plantel. Lembro que entre os novos, havia um gaúcho chamado Dufles. Ao atravessarmos a rua para entrarmos no estádio, o guarda-chuva que


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eu havia ganho de presente naquela semana, ficou preso ao trilho do bonde que ainda existia naquela rua. Foi um desespero soltar o guarda-chuva e papai reclamando porque eu estava demorando a soltá-lo e poderia ser atropelado. Ano de 1958 ou 1959. Morávamos na rua Raimundo Freixeira em Casa Amarela. Cláudio era recém-nascido. Depois do jantar, papai, mamãe e os filhos se encontravam no terraço da casa conversando. Papai havia chegado um pouco enfezado do trabalho. Ele viu um pequeno animal numa das paredes e se aproximou tentando matá-lo com o pé e disse: “parece um lacrau” (ou escorpião como é mais conhecido hoje). Quando ele se aproximou da pobre vítima, escorregou e foi com a bunda no chão. Pense numa vontade de rir e não pudemos fazer nada... Recife, 04/01/19


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ESSAS CENAS ME MARCARAM MUITO 2 Quando eu fazia faculdade, sempre estudava em grupo. Participavam do mesmo Hanns, Flávio, Edi, entre outros. Certa noite, após eu estudar com Flávio em nossa casa no bairro da Encruzilhada, fui levá-lo até à esquina da minha rua com a Av. Beberibe, para ele pegar um táxi. Quando nos encontrávamos na esquina, veio uma Veraneio cheia de homens e ao chegarem próximos a nós, disseram algumas palavras como “grito de guerra” e seguiram à esquerda em direção ao bairro de Beberibe. Achamos aquela cena muito estranha, mas ... No dia seguinte, ao chegar na Faculdade, Flávio me falou que o taxista da noite anterior havia lhe dito que ouviu pelo rádio que um grupo armado, vindo num automóvel, havia baleado uma pessoa nas imediações da Ponte da Torre. Depois ficamos sabendo que se tratava do estudante de Engenharia, Cândido Pinto de Melo, que foi intimado a entrar num veículo e como reagiu, levou um disparo, teve sua medula seccionada e ficara paraplégico. Os que tentaram matar o estudante foi o mesmo grupo que vimos? Não sei. Fica a dúvida. A imagem da Veraneio ficou na memória. O fato ocorreu em abril de 1969, quando eu estudava no terceiro ano da Faculdade. No dia 10 de junho de 1974, numa fria manhã de cinco graus Centigrados, me acordei no Hotel Plaza no centro de Porto Alegre, tomei café e fui de táxi me apresentar para a vizinha cidade de Canoas, como o mais novo empregado da Petrobras. Fui até ao Setor de Pessoal e disse o motivo da minha ida. Fiquei surpreso ao ouvir do gerente João Carlos: “nós não recebemos nenhum comunicado que você deveria ser apresentar aqui na Refinaria Alberto Pasqualini hoje, para ser admitido. “ Eu falei que a Companhia havia me dado uma passagem aérea só de ida para a capital gaúcha. Pensamentos mil vieram à minha cabeça, pois eu já havia pedido demissão na fábrica onde trabalhava em Igarassu. Depois de horas de espera, veio finalmente a resposta: falamos com a sede da Companhia no Rio de Janeiro e eles confirmaram: “você vai ser admitido agora.” Voltei para o hotel de carteira assinada. Agora realizei um sonho. Sou petroleiro.


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Na minha primeira ida aos Estados Unidos, num tempo em que não havia foto digital, era necessário “revelar” as fotos. Cheguei num quiosque de um shopping e perguntei para a atendente de uma empresa que fazia isso, se ela poderia fazer a “revelation” das minhas. Eu não sabia a palavra correta e tentava resolver o problema. Como ela não me entendeu de jeito nenhum, desisti e voltei para o hotel. No dia seguinte, descobri que a palavra correta é “development” e “revelation” significa Revelação ou o Livro do Apocalipse narrado na Bíblia. Rimos muito quando chegamos em casa, pelo meu tropeço linguístico, pois ela entendeu eu dizer: “eu quero fazer o Apocalipse... onde posso fazer isso?” Imagino que ela ainda hoje conta para as amigas: “uma vez chegou um brasileiro no quiosque perguntando como realizar o Apocalipse...” Já pensou que mancada? Recife, 05/01/19


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ELES FUGIRAM A Bíblia retrata o arrebatamento da igreja como sendo um momento rápido, num “abrir e fechar de olhos” quando os que creram em Jesus serão arrebatados. Fiquei imaginando a cena... carros, aviões, imensas carretas carregando combustível desgovernados sem motoristas e pilotos, provocarão grandes desastres. Controladores de aeroporto, desapareceram. As lojas e shoppings serão bastantes desfalcados, de modo que ocorrerão muitos saques. O que dizer dos bancos e supermercados que terão menos caixas, e poucos seguranças. Cirurgias provocarão muitas mortes pois os pacientes serão abandonados dentro dos blocos cirúrgicos. Partos serão interrompidos pela ausência da equipe médica ou da própria paciente. Os metrôs e trens paralisarão as suas atividades provocando imensos acidentes e que gerará um caos nos transportes. Os navios e barcos terão dificuldade em chegar aos seus destinos. Os cabelereiros deixarão os cortes de cabelos pela metade. Partidas de futebol serão interrompidas, pois os dois times ficarão tão desfalcados que só poderão restar dois times de quatro ou cinco atletas cada, provavelmente sem o juiz ou os bandeirinhas e sem seus técnicos. Noivos e noivas deixadas no altar, devido ao desaparecimento do outro. Dentistas deixarão a broca girando dentro da boca do paciente e desaparecerão. Cirurgiões deixarão as cirurgias pela metade, sendo que alguns dos pacientes ficarão de barriga aberta. Caixas de banco irão desaparecer e deixarão pilhas de cédulas para trás. Os programas de TV ao vivo serão interrompidos por falta de apresentadores, de câmeras man e dos demais técnicos. Eles fugiram... pode ser manchete dos jornais do dia seguinte. E você vai subir ou vai ficar? Recife, 02/06/18


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PELA PRIMEIRA VEZ FUI CHAMADO DE SENHOR Era estudante de Engenharia Química e não conseguia trabalhar ainda, pois as aulas eram nos dois turnos. Certo dia, meu amigo e colega da Faculdade, Elnatan Barbosa Gomes, que já ensinava Química em colégios, me perguntou se eu gostaria de ensinar aquela matéria no Colégio Municipal José Firmino da Veiga em Paulista, cidade próxima ao Recife. Topei sem titubear. Fui até o Colégio e no outro dia comecei. A missão era ensinar Química nos 3 anos de curso Científico, hoje ensino médio. As aulas eram no período noturno, e cumpri essa missão nos anos de 1969 a 1971. Eu ia sozinho no fusquinha dos filhos e sempre voltava com caronas. Eu tinha vinte anos de idade e muita disposição para ministrar aulas. O diretor era o Diomedes Diniz, jovem de trinta e poucos anos, casado com Maria, também professora e era uma pessoa muito influente naquele município, sendo inclusive Tesoureiro da Prefeitura. Apesar de ele não ter concluído seu curso Superior (Odontologia) e não ser pedagogo, ele era um diretor competente, exigente, respeitava os professores e estimulava um bom ensino. O meu choque maior foi que pela primeira vez fui chamado de senhor. No início, eu achava que ele não estava se dirigindo a mim, quando dizia: “professor Carlos o senhor pode...” Depois surgiu vaga para eu ensinar também Ciências no curso ginasial (hoje, curso fundamental 2). O Colégio tratava a todos com dignidade, inclusive assinando a Carteira Profissional. Isso me ajudou muito quando fui me aposentar, pois esse tempo foi contado corretamente. Alguns professores, assim como eu, eram estudantes universitários de Medicina, Engenharia, Licenciatura de Física, mesmo sem Licenciatura, davam conta do recado. O salário era pago em dia e em espécie, coisa comum na época. O primeiro salário a gente nunca esquece.... um pacotão de dinheiro no valor de NCz $ 126,00 (cento e vinte e seis cruzeiros novos).


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Todos os anos próximo ao dia sete de setembro, havia o desfile estudantil na cidade de Paulista. Duas semanas antes ocorriam os ensaios e no domingo marcado, o Colégio desfilava juntamente com outros daquela pequena cidade. Os professores acompanhavam o desfile nas tardes ensolaradas da primavera e, pasmem, íamos de paletó e gravata. Pense num desconforto. Mas em compensação, se o Colégio fosse o campeão, tínhamos uma semana de folga. Essa era a compensação. Lamentavelmente Diomedes faleceu precocemente uns dois anos depois que saí do Colégio. Ele foi vítima de um acidente de carro na estrada que liga Paulista ao Recife. Grande perda para o Colégio e para o município de Paulista. Esse foi um exemplo de competência de ensino público que vi de perto, participei e parabenizo. Não canso de dizer: o colégio era municipal, muito grande e havia disciplina e aprendizado. Os professores eram cobrados e trabalhavam motivados. Recife, 14/10/18 (dia do aniversário de meu segundo filho, Alfredo Cesar)


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ESTAVA ESCRITO Claudio, meu irmão, estava com um braço imobilizado. Então eu e Zara o levamos para assistir a um filme num dos cinemas do Shopping Recife. A película era sobre a época do nazismo, tema que tanto eu como Claudio, gostamos muito. Assistimos ao filme e no final nos deslocamos até ao piso térreo pegar o carro para conduzir Claudio até seu apartamento, próximo ao Shopping. Naquela época, havia uma escada comum muito larga que era utilizada para a subida e descida ao primeiro andar do referido estabelecimento. Ao começarmos a descer, logo nos primeiros degraus, Zara se desequilibrou, caiu e foi descendo escada a baixo. Foi algo tão de repente e inesperado que não pude fazer nada. Parecia um filme em câmara lenta... ficou fora do meu controle. Já lá no piso térreo, fomos ver se ela estava ferida ou mesmo impossibilitada de andar, mas de fato foi só um susto e umas ronchas numa das pernas. Que susto! Que alívio. Até insisti, mas ela se negou a ir a uma emergência para verificar se havia algo que não estávamos percebendo a olho nu. Nós, então nos dirigimos até o carro e no trajeto rememoramos a história várias vezes, até que nos lembramos do nome do filme. Era A Queda – as últimas horas de Hitler. Foi uma brincadeira só. Rimos bastante pela ironia da queda real com o nome do filme. Dias depois, fui sozinho até aquela escada verificar se havia algum motivo que desse origem a um escorrego, e não achei nada. Tempos depois, a escada foi desfeita... Por que será? Recife, 20/11/18


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O DIA EM QUE FERNANDA NASCEU No dia quinze de novembro, há 34 anos, nascia Fernanda... Dia inesquecível... primeira sobrinha, primeira neta de Alfredo e Chiquita, primeira filha de Eunice e Marcelo, pois eles já tinham o André... Como era o feriado de 15 de novembro, eu tinha ido com Zara, Fred e Cesar passar esse dia, juntamente com várias pessoas da Igreja Presbiteriana do Natal, na casa de praia da família de Zwinglio Costa, em Pirangi do Norte. Naquela época, a Barreira do Inferno, instalação que fica a 12 km de Natal, costumava lançar foguetes, que estudavam a atmosfera e a camada de ozônio. Natal, na década de 80 era chamada de Capital espacial do Brasil. Havia sido programado o lançamento de um foguete exatamente naquela data e nós estávamos próximos da instalação militar. Dia muito quente, céu claro, limpo, mas mesmo assim o meu amigo Esaú, esposo de Eliane, que estava com seu Bugre (veículo muito usado em Natal naquela ocasião por ter muitas dunas), resolveu sair de onde estávamos, para ir ver mais perto o referido lançamento espacial. Ao tentar dar partida no veículo, o mesmo não deu sinal de vida. De pronto, convocou os amigos com aquele famoso: “empurrem aí por favor.” O pequeno grupo masculino, não titubeou. Fomos logo colocar “a mão na massa”. Eu estava descalço ou no máximo, com uma sandália havaiana. Quando eu comecei a botar força, senti aquela coceira nos pés, quase insuportável. Parei, voltei para a casa da família que nos hospedava e entendi que eu havia pisado num bonito pé de urtiga. Pense num troço para queimar... Não é à toa que essa plantinha, pequena e perigosa, tem esse nome. Urtiga vem do latim “urere” que quer dizer arder. Esse nome foi muito bem colocado. Eu brincava dizendo que queimadura de urtiga é bom para a memória, pois a gente passa uma semana se lembrando daquele desconforto, toda vez que olha para o pé ainda marcado pela queimadura. Mais tarde, ao chegarmos em casa, soubemos da notícia dada por


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Eduardo, meu irmão, que se encontrava em São Paulo, dizendo que a bela garota Fernanda havia nascido. Que grande alegria e felicidade. Nascia a primeira paulistana da família. Mas a vida é assim... Num mesmo dia temos queimaduras de urtiga, mas também muita alegria!!! Hoje, a senhora Fernanda Sales, mora na Suíça, é casada com Március e mãe do bonito Raphael. Recife, 15/11/18 (dia do aniversário de Fernanda).


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PRA TUDO SE ACABAR NA QUARTA-FEIRA, Hoje, oito de outubro de dois mil e dezoito, dia seguinte ao das eleições para presidente do Brasil (primeiro turno), acordei com essa música de Antônio Carlos Jobim na cabeça... Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade do pobre parece A grande ilusão do carnaval A gente trabalha o ano inteiro Por um momento de sonho Pra fazer a fantasia De rei ou de pirata ou jardineira Pra tudo se acabar na quarta-feira. Esta música me lembra que a felicidade é efêmera. Ela pode ser contagiante, vibrante, animadora, mas... “Pra tudo se acabar na quarta-feira.” Não importa quem vai ganhar no segundo turno, a felicidade vai durar pouco tempo... “Pra tudo se acabar na quarta-feira.” Isso aconteceu com os presidentes Jânio (cujo governo durou sete meses e renunciou), Collor em 1989, o “caçador de marajás”, Fernando Henrique, Lula e Dilma, que também sofreu impeachment. No caso de Collor, muitos eleitores dele ficaram desesperados quando, no primeiro dia de governo, tiveram congeladas suas economias que estavam na Poupança ou outras aplicações financeiras. No nosso futuro governo federal, as primeiras privatizações ou reformas (tributária, previdenciária ou outra), retirada de privilégios, vai começar a incomodar muita gente e o povo voltará para as ruas para o “fora Haddad” ou “fora Bolsonaro”. Por que estou escrevendo isso? Sou pessimista? Não! Já vi esse filme de novos governos muitas vezes e sempre foi assim. Outro motivo “pra tudo se acabar na quarta-feira” é a situação brasileira tão difícil, tão crítica, que as soluções deverão ser de longo prazo e os eleitores imaginam que elas serão de imediato. Ao não se concretizarem as expectativas, aí vem a frustração e a decepção. Torço que essa “quarta-feira” demore a chegar. Recife, 08/10/18


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QUEM LEVOU A TELEVISÃO QUE ESTAVA AQUI? Eu morava em Natal nos anos 80.... trabalhava próximo à casa em que morávamos. Os meninos na Escola no período da tarde e Zara fazia cursinho nesse mesmo horário. Certa tarde, ao chegar em casa lá pelas 17 horas, encontro Maria, secretária morena e magrinha, tremendo e mal falava: Sr. Carlos, levaram a televisão da sala. Eu fiquei arrepiado em saber que um ladrão havia estado na sala da casa, um pouco antes de mim. E se eu tivesse me encontrado com ele? Qual seria minha reação? Mil pensamentos passam em nossas mentes numa hora dessas!! Dei um copo d’água para Maria e ela teve dificuldade em beber, pois os seus dentes batiam no copo americano, provocando um barulho. Zara e os meninos chegaram em casa alguns minutos após minha chegada e também tomaram imenso susto. Nossa casa está muito insegura. Casa de esquina é sempre mais insegura... foram as frases que ouvi. Minha primeira providência foi levar Maria para fazer um boletim de ocorrência numa delegacia de roubos e furtos. Ao chegarmos lá, o funcionário me perguntou se ela era de confiança e eu afirmei que estava conosco há alguns anos e que podia deixar ouro em pó que quando voltasse o caro metal estaria no mesmo lugar. Ele passou então a mostrar um álbum repleto de fotos de ladrões especializados em furtos dessa natureza. Calmamente eu e Maria olhamos todas as fotos. Eram brancos, negros, pardos e morenos e... nada. Nenhum se parecia com o indivíduo que passou minutos dentro da minha casa. O funcionário da delegacia me disse: “venha de vez em quando aqui, pois sempre que pegamos algum material tipo televisor, fica armazenado naquela sala.” Cheguei a ir uma ou duas vezes àquela delegacia e me mostravam dezenas de aparelhos de televisão e eu sempre afirmava:- não é nenhuma dessas. Decorrido algum tempo, Maria começou a adoecer. Doença de causa indefinida, faltava 1 ou 2 dias ao trabalho, depois retornava. Resolvemos então levar Maria à médica cardiologista, Silvia, que era nossa vizinha. Consulta particular, para ver se acelerava a cura da-


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quelas doenças. A médica, após olhar todos os exames, afirmou: “ela não tem nada.” Apenas estresse. A rotina da casa continuava... Maria continuou no seu trabalho, faltando de vez em quando. Num determinado dia, após algumas ausências, resolvi ir sozinho à sua casa, para ver como estava seu estado de saúde. Ela morava há vinte minutos de carro da nossa casa. Como o portão era muito perto da porta da casa, abri o mesmo e fui bater direto na porta. A minha surpresa foi grande. Na estante da sala estava o meu “antigo televisor.” Trocamos alguns olhares, eu olhei para ele e ele olhou para mim... fiz que não notei nada. Perguntei pelo estado de saúde dela e fui embora. Fiquei agora num dilema. Falar ou não falar. Dar parte na polícia ou não? E se a família dela viesse se vingar da minha família. Optei em dar tempo ao tempo. Em Natal. eu conhecia muita gente. E no Encontro de Casais, nem se fala. Um dia num desses Encontros, contei essa história para um policial civil. Ele se interessou pelo caso e me perguntou se que queria que ele fosse buscar a TV. Eu falei que não queria, pois temia uma represália. O tempo foi passando ... uma noite de sábado, estava em casa e o telefone tocou. Era o policial civil me dizendo:” hoje estou de plantão. Quer que eu vá buscar o televisor agora?” Criei coragem e disse: “vá embora.” Naquela noite ele não se comunicou mais comigo. Às 5 horas da manhã seguinte, toca a campainha da minha casa. Acordei sobressaltado e pensei o que alguém pode querer a essa hora da manhã? Quem era? O leitor já descobriu... era Maria. Ela foi chegando e confessando: “eu tirei o televisor daqui.” Justificou que foi uma vingança, pois dona Zara teve alguma atitude que ela não havia gostado e por isso, fez o que fez. Disse que mal se alimentava, já tinha pensado até em suicídio, que não estava mais comungando na igreja Católica onde frequentava e que, naquele mesmo dia iria mandar devolver o objeto furtado. Eu disse para ela ir em paz, pois estava tudo perdoado. Ela saiu para casa aliviada e nós em casa também. No mesmo, dia falei com a direção de um abrigo de idosos evangélicos e prometi que faria a doação do aparelho de TV.


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Mais tarde, outra surpresa. Chega um carroceiro na minha porta e me entrega o televisor.” De pronto”, fiz a doação e os idosos ficaram muito felizes em ter um televisor para ver as novelas da noite, bem como os noticiários, onde sempre aparecem furtos de muitas outras coisas, inclusive de aparelhos de TV. Recife 5/11/17


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MITTERRAND É DE FREI MARTINHO Quando Zara estava hospitalizada no Hospital Santa Joana no Recife, conheci um técnico em Enfermagem chamado François Miterrand. De cara fiquei curioso com esse nome. Ele era bastante alto, destacava-se dos demais. Uma pessoa com um nome francês na cidade do Recife, não é muito comum. Sempre que ele atendia no apartamento, eu conversava um pouco com ele. Um dia, às vésperas de um clássico do futebol pernambucano, perguntei por mera curiosidade qual era o time dele. Ele respondeu que não torcia por nenhum time de futebol nesta cidade, pois não era daqui e sim do interior da Paraíba. Como tenho alguns amigos do interior daquele estado, em seguida lhe perguntei: “qual cidade?” Ele disse que era uma cidade muito pequena, chamada Frei Martinho. Eu falei que conhecia uma única pessoa daquela cidade, mas mesmo assim ia perguntá-lo: -“Você conhece Heleno Lira, meu colega da Petrobras?” Foi grande minha surpresa quando ele afirmou que não só o conhecia como já havia tratado de uma pessoa da família dele. Eu falei que Recife era um ovo de codorna mesmo, como dizem aqui. Como é que eu vou conhecer um Técnico de Enfermagem de Frei Martinho, atendendo num hospital, a alguém da minha família, que conhece o Heleno Lira, colega da Petrobras e trabalhamos juntos em Natal e naquela época na obra de construção da Refinaria Abreu e Lima! O pai dele colocou o seu nome em homenagem ao ex-presidente da França, falecido em 1996, François Maurice Adrien Marie Mitterrand. Realmente, Recife é um ovo.... Recife, 02/10/18


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O RIO DE JANEIRO É UM OVO Certa feita, eu me encontrava na sede da Petrobras no Rio de Janeiro onde fui participar de uma reunião. Conversava no escritório com um colega de trabalho, judeu, quando ele me perguntou como tinha sido minha viagem a Israel, anos atrás. Enquanto eu explicava a ele as cidades e pontos importantes visitados, como Jerusalém, Telaviv, rio Jordão, Mar da Galileia, Eilat, mar Morto, etc. uma colega, que eu havia conhecido naquele mesmo dia, ao ouvir a conversa, aproximou-se e perguntou - “Você também é judeu?”. Eu ri e disse: - “Não sou e nem tenho biotipo. Sou evangélico e como tal, me interesso muito pelas coisas de Israel, seu povo e sua cultura.” Ela falou: - “Também sou evangélica. Eu tenho o hábito de fazer sempre alguma pergunta que faça um link com a pessoa que conheci naquele momento”. Perguntei então:- “Você é de qual igreja?” Mesmo que soubesse que há milhares de templos e denominações naquela cidade. Elisangela então falou:- “Sou da Igreja Batista de Niterói”, no centro da cidade, cujo pastor no passado foi Nilson Fantini. É uma igreja imensa com muitos membros. Mesmo assim eu arrisquei: - ”Eu tenho uma tia que frequentava lá com o marido. O nome dela é Djanira e ele, Osório.” Ela começou a sorrir e disse:- “Não acredito. Esse casal é muito querido do meu pai e os conheço bastante, inclusive seus filhos que são ambos pilotos da FAB. Puxa como esse mundo é pequeno!” Fiquei pensando ... esse Rio de Janeiro é um ovo. Todo mundo se conhece. Recife, 05/01/19


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A CASA DA VOVÓ Aquela casa tem muitas histórias e deve ter sido construída há cem anos, pois em 1924 papai já nasceu lá. Sei que minha avó Francisca Maciel se casou com Severino Ferreira de Melo e foi morar nela. Ali nasceram Alfredo, meu pai e seus irmãos Aldo, Djanira e Lídia. Dona Chiquinha, como era chamada por todos, era a minha avó por parte de pai. Teve 10 filhos, tendo criado apenas quatro, como era muito comum na época. Ficou viúva ainda muito jovem e viveu 72 anos. Nasceu em 1903 e faleceu em 1975. Minha avó era uma mulher de temperamento muito forte. Daquele tipo que não guardava desaforo. Vestia-se de maneira muito simples, com aqueles vestidos que quase batiam nos pés. Andava muito a pé, ía da sua casa ao centro do Alecrim caminhando. Foi a pessoa que me falou pela primeira vez em diabetes, que ela havia herdado do seu pai. Adoçava o café com Sacarina, um adoçante da época que deixava um gosto amargo no alimento. Hoje uma mulher com essa idade está muito “nova” e ativa. Ela, com os padrões da época, parecia uns 20 anos mais velha. Mas a casa na qual ela morou traz muitas recordações para filhos, netos e bisnetos. Os filhos foram casando e saindo de casa. Quando Lídia, a última filha casou, ficou morando com Albuquerque naquela residência. Do casal Lídia e Albuquerque, foram nascendo e sendo criados Júnior, Crizeliuda, Flávio, Crizeliudo, Cristina, Cleide e Rejane. Aquela moradia tem um quê de permanência, pois sempre um dos que foram criados ali, continuam. Todos saíram de casa, exceto Cleide que casou e continuou na casa, Rejane que não casou e Albuquerque que enviuvou de Lídia e continua lá. Hoje, a casa é frequentada pela quinta geração que começou com Chiquinha. Em 1947, Darcila veio de Currais Novos, interior do Estado, para morar com ela. Foi mais uma pessoa a habitar na casa. Dali, Darcila saiu para casar com Vavá. A casa era muito simples nos anos 50. Na sala com duas janelas,


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tinha um sofá, uma foto da família e outra do falecido marido na parede. Num dos cantos, havia um móvel com um rádio, onde ela escutava suas novelas. Em seguida, havia uma saleta, como era chamada, que fazia a ligação entre a sala e o restante da casa. A casa tinha 3 quartos, fora a sala de jantar e a cozinha. O primeiro quarto era do casal Lídia e Albuquerque, o segundo de Darcila e alguns meninos e no terceiro de vovó com mais outros meninos do casal. Os dois primeiros quartos não possuíam janelas; possuía algumas telhas de vidro para iluminá-la melhor durante o dia. Quando íamos de férias para lá, dormíamos de rede, distribuídas nos quartos e sala de jantar. A residência não tinha laje, de modo que quando chovia, sentíamos o respingar da chuva sobre nós e as redes nas quais dormíamos. De imediato, vovó aparecia para cobrir melhor cada neto. Após a cozinha, havia uma área coberta que era chamada de “latada”, devido ser coberta por folhas de flandres, ao invés de telhas. O sanitário era quase no final do quintal e o banho era tomado num banheiro que possuía um tanque de alvenaria e uma “jarra de barro” na qual, por razões que a física explica, a água era sempre bem mais fria do que a do tanque. Essa água, por ser bem mais fria, era reservada e com toda justiça para o dono da casa, o Albuquerque. A água encanada só chegava para abastecer o tanque. Naquela casa, éramos sempre bem acolhidos e recebidos com muita alegria, com direito a muitas vezes, irmos tomar leite de vaca num curral próximo da casa. E quem nos levava? A matriarca Chiquinha. Em alguns dias também íamos à praia do Forte tomar um banho de mar, logo para iniciarmos o dia. Fora os 7 filhos da casa, ainda chegava do Recife, eu e meus irmãos e os primos que moravam quase vizinhos. Era esse bando de meninos a brincar com alguma coisa, normalmente simples e com criatividade. Uma das brincadeiras prediletas era fazermos avião de papel retirado da revista O Cruzeiro e jogarmos vários ao mesmo tempo para atingirmos os ônibus que subiam com uma certa lentidão a ladeira em frente à casa. Parecia até a esquadrilha da fumaça.


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Daquela casa meu pai, Djanira, Aldo, Darcila e alguns filhos de Lidia saíram para se casar e começar nova família. Alguns vizinhos tiveram uma passagem marcante na casa. Raimundinha e Rosalvo eram irmãos que conviviam muito com a família. A primeira, mora em Natal enquanto que Rosalvo, é radicado em Brasília´, há muitos anos. Algumas pessoas da vizinhança sempre passaram por lá. Os parentes, em grande número (dona Naninha e seu Camilo, pais de Albuquerque, Sula, as irmãs e sobrinhas dele), seu Barroso com seu famoso traje marrom, era o “Enfermeiro” do bairro, pois atendia em casa a todos que precisavam dele. Ciço doido era um negro que todo dia vinha pedir farinha para se alimentar. Sebastiana que tinha um tique nervoso; Bibia que tirava os maus olhados, moleira caída da criançada; Paulo carteiro e sua queixada e voz inesquecível; Mariquinha, que morava perto; professor Saturnino, que tinha um curso de Português na mesma rua; Quintila e seus filhos Xerxes, Einstein, Rita de Cassia e Shakespeare. Uma figura presente diariamente na casa era Sabino, o leiteiro. Todas as manhãs ele passava com o seu burrinho vendendo o precioso líquido “in natura”. Era amigo de todos e nos “dava” o leite diário. O alimento vinha em 2 tambores, um de cada lado da cela do animal e o cliente entregava uma garrafa de um litro vazia para ser cheia pelo leiteiro. Tinha também o cuscuzeiro que vendia “cuscuz da mata”, num tabuleiro na cabeça. Naquela casa também, quando estávamos de férias lá, tia Lídia reunia todos os filhos e sobrinhos, mais os agregados, para fazer um simples passeio de ônibus que fazia uma rota Circular que ía até o bairro das Quinta e das Rocas. Quanta simplicidade e que agradava a todos os participantes. A rua onde a casa está localizada sempre foi bem movimentada, com grande tráfego de ônibus. No carnaval nos anos 60, uma das nossas diversões era assistir ao desfile de carros alegóricos muito bem decorados, com os jovens fazendo o uso do famoso lança perfume, cuja comercialização era permitida na época. Dessa residência, vimos muitas vezes nos anos 50-60 enterros de


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criancinhas, época na qual a mortalidade infantil era muito alta. Os féretros iam em direção ao Cemitério do Alecrim e eram chamados de “anjinhos.” Com o passar dos tempos, a casa foi sendo reformada e hoje não parece nada com aquela que eu conheci. Comecei a frequentar desde que nasci, pois naquela época meus pais moravam ali perto, mas me recordo passando as férias ali por volta de oito ou nove anos, quando já morávamos no Recife. Sabe como é casa de vó... Lídia e Albuquerque sempre foram bons hospedeiros. Todos os meus irmãos gostavam muito de passar férias lá. Melhor que na Disney, inclusive o preço. A casa fica a poucos metros da casa do meu bisavô Alfredo Manso, onde o filho Alfredinho era da nossa idade e passava o dia lá. Fica a poucos passos também da casa de Edinor e Nenzinha, onde os primos Edinorzinho, Edinar e Edionor também eram presentes na casa. Ela fica na rua Cel. José Bernardo, 986 no Alecrim e essa rua liga o Grande Ponto ao centro do bairro. Rua bastante movimentada, inclusive onde trafegam várias linhas de ônibus. Minha avó contava que o marido dela que trabalhava na companhia de trens, pegava o mesmo na porta de casa. A casa ficava há uns dois quilômetros da Igreja Presbiteriana Independente onde avó e tia frequentavam. Muitas vezes íamos a pé, Lídia, seus filhos e sobrinhos. Às vezes íamos de ônibus. Uma vez ou outra minha tia resolvia lavar a casa. Colocava filhos e sobrinhos (os mais velhos) para ajudar nessa importante tarefa. Nas paredes da casa, havia um quadro com foto do avô Severino, de todos os filhos da avó e outro de vovó. Um hábito muito comum da época, era colocar a roupa para quarar após ser ensaboada. Havia uma área no quintal preparada para isso. O cachorro dessa época era White. Não sei se foi da influência norte americana do pós-guerra. Os vizinhos e parentes eram muito solidários. Quando faltava alguma coisa na casa de alguém para completar uma receita, um pedia na casa do outro, tipo “me empresta um ovo ou manteiga para terminar


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de fazer um bolo” e assim por diante. Houve uma época em que o ônibus que fazia a linha Natal – Recife, parava em frente a essa casa. Isso era antes das cinco horas da manhã. Ainda era escuro e já estávamos a postos para viajar. Lídia falava que quando estava para dar à luz, Albuquerque ia de carro buscar a parteira chamada dona Nuca e a conduzia até à Policlínica do Alecrim. Era comum irmos de carro com Albuquerque ou tio Aldo tomarmos banho de mar na Praia do Forte. Casa da avó... lembranças que se eternizam. As crianças daquela época, pelo menos do nosso entorno, não usavam roupa de grife, não utilizavam esse aparato tecnológico dos nossos dias, não passavam férias na Disney, mas se divertiam e eram felizes. Bons tempos aqueles... quando voltávamos das férias, já perguntávamos: quando iremos voltar para passar outras férias em Natal, na casa de Vovó? Recife, 11/09/18, há 17 anos atrás ocorria a derrubada das torres gêmeas de Nova York.


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E LÁ VAI ELE.... Essa história ocorreu há 3.500 anos. Havia muita maldade entre os homens e todos estavam corrompidos. Mas havia uma exceção. Noé era um homem casado, com três filhos e suas respectivas esposas. Ele era justo e integro diante de Deus, que um dia lhe falou: - “Vou destruir a humanidade com um grande dilúvio. Faze, pois, uma arca de madeira (cipreste) ...” e foi lhe dando o projeto, quanto a janelas, compartimentos, e todas as suas dimensões. “Após concluída a arca, você vai entrar nela com sua mulher, seus três filhos Sem, Cão e Jafé com as respectivas mulheres.“ Noé precisou trabalhar muito para transportar e cortar essa madeira. Estima-se que a construção da arca durou cento e vinte anos. “Para que haja a preservação dos animais, você vai colocar na arca todos os animais como os pássaros, corvos, pombos, bem-te-vis, araras e papagaios e também o gado, búfalos, leões, leopardos, tigres, macacos, camaleões, lagartos e todos os demais. Tenha o cuidado de colocar sempre sete pares, dos animais limpos, macho e fêmea, para que continuem a se reproduzir. Os animais marinhos não são necessários, pois eles continuarão vivos, apesar do diluvio. Agora, dos animais imundos, só um par de cada.” “Agora, entra na arca porque daqui há sete dias, choverá quarenta dias e quarenta noites. Vai ser muita água, como nunca visto na face da terra.” Nessa época Noé era um velhinho de seiscentos anos que ainda argumentou:- “e os que não entrarem na arca vão sobreviver?” “Certamente não.” Respondeu o Senhor. Imagino os amigos de Noé ironizando com ele. – “Você está perdendo seu tempo construindo uma arca enorme que caiba tantos animais. Não percebe que não choverá tanto, a ponto de destruir todos os homens e animais? Meu amigo Noé realmente é um maluco!!” E quando começou a chover intensamente, os que não estavam acreditando na arca, perceberam que o que Noé falara, estava se cumprindo. E ainda gritaram:- “Abre a porta para que entremos”. Já era tarde, pois Deus havia fechado a porta por fora. Os que estavam nos


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montes exclamaram: “e lá vai ele, o maluco do Noé!” E aconteceu exatamente o que Deus havia falado. Morreram todos os homens e todos os animais da terra. E essa quantidade de água perdurou por cento e cinquenta dias. Depois de algum tempo as águas foram baixando e a arca repousou sobre um monte chamado Ararate. Passados quarenta dias, Noé abriu a janela e soltou um corvo, mas ele ia longe e como não havia terra, voltava para a arca. Depois soltou uma pomba, que não achando onde pousar, retornou para a arca. Passados sete dias, soltou novamente essa ave, que retornou com um ramo de oliveira verde no bico. Depois de outros sete dias, soltou-a mais uma vez e ela não mais retornou. Era um sinal de que a terra já estava seca. Deus ordenou a Noé que agora, poderiam sair da arca, ele e sua família e todos os animais, para povoar a terra. Era o começo de uma nova vida. E assim, ele fez. Ficou a lição... é melhor obedecer. Recife, 03/09/18


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VIMOS MUDAR DO RÁDIO PARA A TELEVISÃO No início dos anos 60, só havia rádios no Recife. Televisão só chegou depois. Nos anos 50, o conhecidíssimo Aldemar Paiva apresentava um programa “Pernambuco você é meu” na Rádio Clube. Ele gravou a “música Pernambuco, Você é meu”, de Cylene Araújo que diz: Terra boa, meu Pernambuco/ Que faz Frevo bom e maracatu, / Tem mais Banho em Beberibe, / Cachaça gostosa, Mangaba cheirosa, / Ai! Ai! Ai! Tudo isso minha terra tem!” No futebol, o radialista narrador mais importante de Pernambuco em todos os tempos, pela Rádio Olinda e depois Rádio Clube, foi o Ivan Lima, com a sua frase inesquecível depois do grito de gol: ééééé Bola na rrrrrrrrrrrrrrrrede!!! Nesse setor do rádio, tínhamos também o Luís Cavalcante, um dos maiores comentaristas de futebol da Rádio Jornal, que foi o “ o comentarista da Palavra abalizada”. Lembro que no intervalo dos jogos e todos os dias por volta das treze horas, ouvíamos um programa esportivo com os comentários do maranhense Barbosa Filho na Rádio Jornal do Commércio dizia: “o meu programa não é o maior, não é o melhor, mas é o mais ouvido do Nordeste”. “Pernambuco Falando Para o Mundo” era um dos slogans da Rádio Jornal do Commércio, cujos transmissores eram instalados na estrada de Santana, nas imediações de onde é hoje o Wall Mart de Casa Forte. Segundo comentam aqui, esse slogan foi devido à antena da estação estar montada sobre um pião que podia ser girado para direcionar a emissão das ondas curtas para a Europa, Américas e ainda, a África. Papai falava que a JC era ouvida por tropas brasileiras no Canal de Suez, no ano de 1956. A Rádio Jornal, por sua vez, apresentava o famoso noticiário Re-


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pórter ESSO, na voz de Edson de Almeida, em quatro horários no decorrer do dia. Papai só saia para trabalhar no expediente da tarde, após ouvir o programa. Às noites, na rádio Capibaribe era apresentado um programa musical pelo, na época seminarista, presbiteriano Sebastião Guimarães, que já havia trabalhado como locutor de rádio na cidade do Natal. Interessante é que nos intervalos das músicas, ele fazia o comercial da aguardente Pitu. Ele era muito brincalhão e às vezes ele dizia “esta música está sendo oferecida para o pessoal da pensão Supapo”. Esse era o apelido da parte da Assistência Social Reverendo Manoel Machado, em Casa Amarela, local em que ele morava com muitas outras pessoas e que também tinha um hóspede potiguar, cujo apelido era Supapo. Nessa mesma emissora, havia um programa de destaque na época, chamado Bar da noite, apresentado por um amigo de papai, chamado Almeida Silva, que apesar de ser de estúdio, tinha uma sonoplastia que o caracteriza como programa de auditório. Geraldo Liberal foi intérprete de “Jerônimo, herói do Sertão’’, seriado que marcou a história do rádio no Estado. Ele também foi locutor e noticiarista. Moleque saci era Geraldo Lopes e Aninha (Marilene Silva). Primeiramente surgiu a série na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, com Milton Rangel, como Jerônimo e Cauê Filho, o Moleque Saci, e Aninha, a deusa encantada que amava e protegia o seu herói. A música cantada nessa série e que todos os ouvintes sabiam decorada era: “Quem passar pelo sertão / vai ouvir alguém falar do herói desta canção / que eu venho aqui cantar Se é do bem vai encontrar / com Jerônimo protetor se é do mal vai enfrentar o Jerônimo lutador Filho de Maria Homem nasceu / Cerro Bravo foi seu berço natal entre tiros e tocaias cresceu / hoje luta pelo bem contra o mal galopando está em todo lugar/ pelos pobres a lutar sem temer com moleque Saci pra ajudar / ele faz qualquer valente tremer.”


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Um outro programa radiofônico de grande audiência era o Programa das Vovozinhas, com Alcides Teixeira, que também era deputado estadual. Recordo que quando do seu falecimento, ocorreu uma grande manifestação popular no entorno da Assembleia Legislativa de Pernambuco. Pelo título, era um programa dedicado às senhoras mais velhas, hoje chamadas de senhorinhas. Ele era muito comunicativo, com uma voz muito terna para suas ouvintes. O slogan de Alcides era “é melhor chegar tarde em casa do que cedinho no cemitério”. E as estações de televisão em Recife? havia a TV Rádio Clube, que completará 100 anos no próximo ano, instalada na Av. Cruz Cabugá e a TV Jornal do Commercio, na rua do Lima, do F. Pessoa de Queiroz, que era conhecida como a mais moderna estação de televisão da América do Sul. Assistíamos nos domingos, à noite, o programa de auditório ao vivo na TV Jornal do Commércio, intitulado “Você faz o Show” apresentado por Fernando Castelão e Lolita Rodrigues, artista de São Paulo, casada com Airton Rodrigues também artista na capital paulista. Ela vinha semanalmente ao Recife apresentar o programa. O auditório tinha um sistema de ar condicionado muito eficiente, era extremamente gelado. A Orquestra do maestro Clovis Pereira era presença constante no programa, bem como o corpo de baile da emissora. Já aos sábados à noite, também ao vivo e no auditório, era a vez de “Noite de Black-Tie” com Luís Geraldo, Barbosa Filho e Floriza Rossi, também de São Paulo. Era muito semelhante ao programa Você faz o show. Papai numa ocasião foi nesse programa para receber alguma doação para uma entidade social da qual ele fazia parte. Naquele programa, havia um quadro no qual a pessoa ficava numa caixa à prova de som e que era oferecido um prêmio para ele. O locutor ficava e perguntava se queria trocar aquele bem por outro e teria que dizer sim ou não, e assim por diante. Certa vez, foi um jovem amigo da gente, que morava perto da nossa casa, chamado Hermes e ganhou um refrigerador. Havia um quadro dentro da Noite de Black-tie, chamado Cadeira de engraxate, onde o artista Ruy Cabral entrevistava algum famoso,


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enquanto engraxava seu sapato. Fez muito sucesso uma entrevista com o então governador do Estado Miguel Arraes de Alencar. O clima político estava muito tenso na época e a entrevista deu o que falar! Juscelino Kubistchek também foi entrevistado. Nos programas de auditórios dos sábados e domingos, assistimos a artistas nacionais em evidência como Roberto Carlos, Elis Regina (Arrastão), Ivon Cury (Oi tava na peneira), Cauby Peixoto (Conceição), Ângela Maria (Babalu), Nelson Gonçalves (Maria Betânia), Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, o humorista José Vasconcellos, Walter d’Ávila (Sinfronio), Moacir Franco, Aguinaldo Rayol, Aguinaldo Timóteo, Trio Irakitan, Elza Soares (Se acaso você soubesse), Luís Vieira (Paz do amor e Prelúdio para ninar gente grande), entre outros. Nesses programas, se apresentaram também, Roberto Barradas, Aguinaldo Batista, humorista, compositor e ator, Claudionor Germano, Expedito Baracho, Nel Blue, Irmãs Acyoman, Duo Aimoré, Mozart, Robertinho de Recife, Zacarias (Futucando), e outros cantores locais. Este último era nosso vizinho num apartamento na Rua Pe. Lemos em Casa Amarela. Meu irmão Cláudio tinha uns três a quatro anos nessa época e uma vez ele citou o nome Louro, que era o apelido de Cláudio, enquanto cantava uma música. Merece destaque o Raul Gil, muito jovem naquela época, magro e que era um excelente imitador. Ele imitava muito bem o cantor Vicente Celestino cantando com Cauby Peixoto. A música tinha um trecho que dizia: “será que sou feia?”, cantava Celestino. “Não é não senhor”, Respondia Cauby. Celestino dizia: “Então eu sou linda?” “Você é um amor”, falava Cauby. Evidentemente ele fazia isso com toda a gesticulação da dupla. Essa apresentação era sempre um sucesso. Para assistir a esses programas, era obrigatório aos homens o uso do paletó e gravata. A mesma exigência era para entrar no cinema São Luís no centro do Recife. Outros tempos aqueles!!! José Maria Marques apresentava um programa “Meu bairro é o maior”, o qual consistia de competição tipo gincana entre alguns bairros.


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Evaldo Botelho era um radialista que entrevistava médicos. O nome do programa era Boa tarde, doutor. Outro programa de auditório da TV Jornal do Comércio, em 1966, era nas tardes de domingo, com a Jovem Guarda pernambucana, chamado Bossa 2, comandado pelo José Maria Marques, que depois passou a se chamar Dimensão Jovem, sob o comando do cantor Luís Jansen. As bandas que mais se destacaram no programa foram: Silver Jets, onde Reginaldo Rossi se iniciou na carreira como guitarrista e vocalista, Os Moderatos e Os Gatos. Aos sábados à tarde, havia um programa infantil, também ao vivo sob a direção de Paulo Duarte. Uma vez fomos assisti-lo ao vivo. Brivaldo Franklin foi outro personagem que marcou época no Recife. Apresentava um programa de variedades, iniciando com Noite de Black Tie, dividindo com a apresentadora Nair Silva, com quem apresentou o personagem Zé do Gato, criado em 1953. Daí surgiu a música transcrita a abaixo: Forró de Zé do gato de Alberto Lopes (1965) Apois tá certo seu Zé do gato é um matuto aristocrático Uma quem foi que disse seu Zé do gato nunca disse uma tolice. Uma está na hora, seu Zé do gato quando atrasa não demora. Uma como é que é, seu Zé do gato com muié, faz o que quer. Uma mas pra seu Zé, nesse forró já beijei mais de 100 muié. Penha Maria, da TV Jornal, chamada de sapoti nordestina, era uma famosa cantora dos anos 60. Foi sucesso no carnaval de 1964 com a música Amor de marinheiro, cuja letra é assim: Tenho um recado pra você / preste mais atenção Ela mandou dizer / que não lhe quer mais não Falou que seu amor é passageiro / é como amor de marinheiro Amor de meia hora / navio apitou, marinheiro vai embora. Luís Cysneiros era o comentarista político da TV Jornal. Lembro das eleições para governador em 1960, na época eu tinha 11 anos de idade, onde ele fazia a projeção dos votos de Miguel Arraes e João


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Cleófas num quadro negro escrito a giz. Ele comparava o crescimento de cada um, tanto na capital como no interior do Estado. Naquele tempo, a contagem dos votos durava vários dias e ele, todas as noites, fazia novas projeções. Vários artistas se destacavam na TV Rádio Clube. Lembro de Lúcio Mauro, Arlete Sales, casados na época, e que são de Belém do Pará e José Santa Cruz, mais conhecido como Bombinha. Eles eram atores e comediantes. Com o casal citado contracenava o Albuquerque Pereira, num programa chamado Alô meu bem. Aos domingos, por volta das 18 horas, na TV Rádio Clube, havia o desenho animado chamado Disneylândia, cujos comerciais da Coca-Cola eram apresentados pela atriz do Rio de Janeiro, chamada Heloisa Helena. Ela falava ao final da propaganda:-“...esse programa é um patrocínio da gostosa Coca-Cola...” Outro desenho animado muito famoso da época, que era o Pim Pam Pum. Na TV Universitária, não comercial, tínhamos o programa Caminho de esperança, sob a apresentação do pastor presbiteriano João Campos de Oliveira. Ele sempre convidava cantores, corais e grupos evangélicos para se apresentarem lá. Uma vez, eu estive com os jovens da Igreja Presbiteriana Independente de Casa Amarela chamado Jovens Fortes nos apresentando naquele programa. O jogral foi sobre Liberdade. Este pastor já era muito conhecido no meio evangélico por um programa de rádio diário de 5 minutos de duração, chamado Meditação do Santuário. A nível nacional existia também o Programa Praça da Alegria com Manuel da Nóbrega, Satiricon com Jô Soares, Agildo Ribeiro, Renato Corte Real, Paulo Silvino e Miele e TV Pirata, com Cláudia Raia, Diogo entre outros. Meu amigo Marcos Resende lembra de um fato pitoresco. Foi a vinda de Vanusa ao programa: como não deu tempo de ensaiar com a banda, a cantora informou os tons das músicas, que foram anotadas em um papel. Na hora da apresentação, o papel se perdeu, e a banda tocou em outros tons. A situação foi pior do que a do Hino Nacional que ela cantou mais recentemente. Ela caiu no choro diante das


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câmeras. Outro humorista que marcou época no Recife foi Luís Jacinto, que interpretava o famoso personagem Coronel Ludugero, falecido num acidente aéreo em 1970. Sua esposa era Dona Felomena, protagonizada por Mercedes Del Prado. Eu me lembro do frevo “A Lua disse”, sucesso do carnaval pernambucano de 1962, na voz de Evaldo França: “Gagarin subiu, subiu, subiu, / foi até o espaço sideral, chegou perto da lua e sorriu, / vou embora pro Brasil que o negócio é carnaval. A lua disse: -“Não vá, demore mais, / pois ouvi que lá na Terra querem me passar pra trás” Mas o Gagarin não ligou e deu no pé: -“Vou mesmo pro Brasil, eu quero é conhecer Pelé”. Há semelhança de hoje, havia alguns programas de TV eram seriados. Dentre eles destacamos: Jim das Selvas (representado pelo ator Johnny Weissmuller, que já havia feito Tarzan, seu cachorro Skipper, o ajudante Kassim e sua chimpanzé Tamba); Papai sabe tudo (com Robert Young e Jane Wyatt); Patrulha rodoviária (com Broderick Crawford); Vigilante Rodoviário (série brasileira, na qual os personagens Inspetor Carlos e seu cão Lobo lutavam contra o crime, a bordo de uma motocicleta Harley-Davidson 1952 ou de um Simca Chambord 1959). Além da imaginação (histórias de ficção científica, suspense, fantasia e terror, que deixava os meninos morrendo de medo, o chinês Charlie Chan; Zorro com seu amigo Tonto, Cavaleiros do deserto; As aventuras de Rin tin tin; As aventuras de Roy Rogers (Ele e sua terceira esposa, Dale Evans, seu cavalo Trigger e seu cachorro, Bullet), Lassie; Aventuras submarinas (com Lloyd Brigdes como Mike Nelson)”; Perry Mason (um advogado fictício), Jeannie é um Gênio, Bonanza, Daniel Boone, que foi um oficial militar durante a Guerra Revolucionária Americana, e outros mais, dentre os quais destacamos o Bat Masterson (o ator era Gene Berry, cuja música da série, na voz de Carlos Gonzaga era: “No velho Oeste ele nasceu / e entre bravos se criou,


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Seu nome lenda se tornou / Bat Masterson, Bat Masterson. Sempre elegante e cordial/ sempre o amigo mais leal Foi da justiça um defensor/ Bat Masterson, Bat Masterson Em toda canção contava sua coragem e destemor Em toda canção falava numa bengala e num grande amor. É o mais famoso dos heróis / que o velho oeste conheceu Fez do seu nome uma canção / Bat Masterson, Bat masterson. Seu nome lenda se tornou / Bat Masterson, Bat Masterson (bis) Houve um tempo nos quais a programação de novelas, noticiários etc. eram gerados em Recife e apresentados em todo o Nordeste. O próprio NE TV era, como o nome diz, para o Nordeste. Depois, cada estado ou região gerou a sua própria transmissão. Em 1988, no Programa “O céu é o limite” com J. Silvestre o político paraibano Ronaldo Cunha Lima respondeu de maneira brilhante sobre o poeta Augusto dos Anjos. O que deu grande audiência a esse programa foi ele responder a quase todas as perguntas através de versos (poesia de Cordel). Nesse mesmo programa o pastor Neemias Marien, da Igreja Presbiteriana de Copacabana no Rio de Janeiro, respondeu com grande brilhantismo sobre A Bíblia. Outro programa de grande audiência era “Um instante maestro” com Flávio Cavalcante, seus óculos e seu júri, Oswaldo Sargentelli, Marisa Urban, Erlon Chaves, José Messias, Márcia de Windsor, entre outros. Seu chavão era “nossos comerciais, por favor!” Diziam na época que como advento da televisão, o cinema e o rádio iriam sofrer uma grande derrocada. Passados 60 anos, tanto o rádio (muito utilizado durante os demorados trajetos de ida e vinda ao trabalho) como o cinema continuam em alta. Recife, 07/09/18 Carlos Alfredo, Claudio Melo e Marcos Resende.


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COMO ERAM BONS OS CINEMAS ANTIGOS DO RECIFE Um assunto que sempre me chamou atenção foi sobre a história dos cinemas antigos do Recife, pois aqui passei minha infância e adolescência e conheci vários deles. Apesar de não ser uma lista exaustiva, seguem os nomes de alguns, por bairro: Afogados (Largo da Paz) o ELDORADO e o CENTRAL, onde hoje é o Itaú; CAPRICHO onde hoje é o Banco do Brasil; SÃO JOSÉ hoje em ruínas. Nos anos 64-65, assisti com os jovens da Igreja Presbiteriana Independente ao filme COM DEUS E COM OS HOMENS no Cine Central, sobre a vida do pastor Norman Vincent Peale, autor do livro O poder do pensamento positivo, um best-seller da época; já em Água Fria existiam o IMPÉRIO e o OLÍMPIA; no Alto José do Pinho (Casa Amarela) o GUARANI e em Areias, o GUARARAPES. No bairro de Boa Viagem, os cinemas RECIFE 1, 2 e 3, vizinhos ao Shopping Recife; em Beberibe, o cinema com o nome do próprio bairro; na Boa Vista o POLYTHEAMA, na rua Barão de São Borja. Era chamado pelos estudantes da época de “Polypulgas”, o BOA VISTA e o SOLEDADE. Destaco que o BOA VISTA, na esquina da rua Paissandu com D. Bosco, foi durante algum tempo Atacado da Papelaria. Atualmente é a FACIPE; no bairro de Campo Grande os cinemas VERA CRUZ e ÉDEN; em Casa Amarela, o CASA AMARELA, na Rua Pe. Lemos, conhecido por Cinema Velho, onde depois foi uma farmácia do Estado chamada DROPERSA; o RIVOLI na Estrada do Arraial, onde hoje é o Banco do Brasil; o COLISEU, na mesma rua em frente à Vila dos Comerciários, onde atualmente é um edifício; o ALBATROZ, na Rua Pe. Lemos, onde hoje é uma Igreja Universal; e em Casa Forte o cine LUAN, na Praça de Casa Forte com a Av. 17 de agosto. No Centro, o PATHÉ, o mais antigo do Recife, inaugurado em 1909, localizado na rua antiga Barão da Vitória; o ART PALÁCIO, na rua da Palma; o cine MODERNO, na Praça Joaquim Nabuco. Este cinema era conhecido pelo eficiente sistema de ar condicionado. Ao passarmos na calçada, recebíamos aquele “jato” de ar muito frio; o PARQUE, inaugurado em 1921 (Antigo Teatro do Parque), na rua do Hospício; o SÃO LUIZ, na rua da Aurora, no térreo do edifício


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Duarte Coelho. Em meados da década de 60, o cinema São Luiz era muito frequentado por estudantes, aos sábados pela manhã, cuja sessão era chamada de Cinema de Arte. Havia muita bagunça por parte dos cinéfilos. Certa vez, jogaram uma galinha viva do primeiro andar no pessoal que estava no térreo. Imagine a confusão! Até 1958, era obrigatório o uso de paletó entre os seus espectadores. Mesmo sendo criança, fui várias vezes com aquela indumentária Ainda no Centro da cidade, tínhamos o TRIANON, na Avenida Guararapes, vizinho do prédio onde foi o Art Palácio. TEATRO e HELVÉTICA, na rua da Imperatriz; VENEZA, na rua do Hospício; VITÓRIA na rua da Imperatriz; RITZ e ASTOR, na Avenida Visconde de Suassuna; ROYAL, também situado na Rua Nova e na Rua Imperial o cine BRASIL. No bairro da Encruzilhada, o Cine RECIFE; no Espinheiro o ESPINHEIRENSE; em Monteiro o DIACUÍ, no Pina o ATLÂNTICO, localizado na Av. Conselheiro Aguiar. Posteriormente foi transformado no TEATRO BARRETO JR; em Santo Amaro, o cinema de mesmo nome; no bairro de São José, na rua Direita o cine GLÓRIA, tombado pelo Patrimônio Histórico Estadual; o IDEAL, no Pátio do Terço; na Madalena os cinemas REAL e TORRE (atualmente foi construído um edifício com o nome de Cine Torre). Segundo estudiosos, em 1968, existiam 28 cinemas na cidade do Recife. Para se ver a importância dos cinemas nos anos 50-60, tínhamos em nossa cidade um comentarista especializado no tema. Era o Alex. Hoje os cinemas em todo o país voltaram a ter bastante evidência, notadamente nos Shopping Centers. Além destes citados, temos atualmente no Recife, o da Fundação Joaquim Nabuco, o da Fundação/ Museu... Pensavam que os cinemas iriam se acabar devido à chegada da televisão. Puro engano. Depois por conta das locadoras de vídeo. Ele continuou firme. Atualmente, por causa da Net Flix.... Nada o derrubou. Recife, 31/07/2018


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ISSO É QUE É ACOLHER Sábado, 8 de julho de 1974. Eu e Zara chegamos em Porto Alegre para uma nova fase da vida. Trabalhar na Petrobras e deixar Recife para morar numa outra cidade por algum tempo. Quantos anos, ou meses? No dia em que regressei, eu contei... vinte e cinco anos. No domingo amanheceu chuvoso e fomos para a igreja Batista da Floresta. Como nada acontece por acaso, essa igreja havia sido indicada por uma amiga de papai que cursava o Betel Brasileiro, em João Pessoa. Durante o culto, apresentaram-nos como sendo do Recife, e após o seu término, um senhor chamado Gunther Kuhnrich nos procurou e falou que estava indo à capital pernambucana no próximo mês de setembro para a convenção nacional dos Gideões Internacionais. Eu falei para ele que fazia parte daquela organização evangélica cuja missão é distribuir Novos Testamentos em colégios, hospitais, hotéis, quartéis etc. Ele de pronto nos convidou para irmos tomar um café na sua residência, na terça-feira seguinte. Não sabíamos que aquele convite causaria um grande impacto em nossas vidas. Na hora marcada, chegamos de táxi ao seu apartamento, onde fomos muito bem acolhidos por ele, descendente de alemão, então gerente de vendas da Philips do Brasil e por dona Lídia, de origem russa. Conversa vai, conversa vem, então falei que a empresa que havia me contratado só me concedia dez dias de hospedagem em hotel e que no dia 18 estaríamos na rua. Sentimo-nos futuros “sem teto.” Imediatamente ele ligou para sua amiga Noemi e perguntou para ela se havia quarto disponível para um casal, dentre os quartos que ela alugava. Essa senhora tinha dois apartamentos no primeiro andar de um edifício onde ela, o marido e filhos moravam numa parte e alugava quartos para estudantes do sexo masculino e fornecia as refeições. Ela confirmou a vaga e dias depois, estávamos alojados numa suíte de um dos apartamentos. Para que a bênção fosse completa ainda levei o Lauro, amigo que havia sido admitido no mesmo dia que eu


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e também precisava de lugar para morar. Quando Olga, sua esposa, que morava em Niterói ia passar uns dias com ele em Porto Alegre, também ficava lá. Esse café com o casal ainda iria nos abençoar mais. Falamos que Zara era Enfermeira e estava procurando emprego. O sr. Gunther mais uma vez sacou do interfone e falou com um médico seu vizinho que trabalhava no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, instituição de referência na capital gaúcha. O médico pediu que Zara fosse procurá-lo no dia seguinte e, após entrevista, em uma semana estava trabalhando no melhor hospital da capital. Por isso, não canso de repetir... Isso é que acolher!!! Recife 20/08/18


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FAKE NEWS Fake News são as notícias falsas que circulam nas redes sociais, fato tão comum em nossos dias. Outro dia, saiu uma dizendo que todos os arquivos da Sociedade de Proteção ao Crédito (SPC) haviam sido deletados. Pura mentira. Vai ver que já anteciparam os planos de um dos nossos candidatos à presidente da república, dizia outro. No nosso dia a dia, ouvimos algumas como: você não vai conseguir; ... não passa; ... é feia; ... é muito leso; ... não consegue perder peso; ... vai perder; ... não vai passar no concurso; ... é burro; ... não vai dar certo; ... empreendedorismo não é para você; ... transar sem camisinha não engravida; ... mamãe dizia que eu não nunca iria ser nada na vida; ... esse concurso já tem as cartas marcadas; ... isso é pra gente inteligente; ... você é pequeno e o concorrente é um gigante; ... sempre fui péssimo aluno em Matemática, logo não vou passar no ENEM; ... você nunca vai ser procuradora...e quando não é alguém de fora, pais, avós, irmãos, professores, patrões, é a nossa voz interna. São as Fake News da vida pessoal e profissional. Como é que você as recebe? Acredita nelas? Essa prática é muito antiga. A história dos israelitas é repleta disso. Senão vejamos: o jovem músico e pastor de ovelhas Davi, ouviu do rei Saul, quando ele se dispôs a enfrentar uma luta com o gigante Golias: --“Você é muito jovem e ele é guerreiro desde sua mocidade.” O jovem não acreditou, foi lá e venceu. Quando Gideão foi desafiado a lutar contra os midianitas, que eram inimigos do povo de Israel, ele falou (voz interna): --“Ah, Senhor, como posso libertar Israel? Minha família é a menos importante da tribo de Manassés, e eu sou o menor da minha família”. Ele se considerava o menor dos menores. Noticia mentirosa. Ele foi lá e venceu. Quando o Senhor chamou Moisés para retirar seu povo que era escravo no Egito, disse Moisés ao Senhor: -“Ah, Senhor! eu não sou eloquente, nem o fui dantes, nem ainda depois que falaste ao teu servo; porque sou pesado de boca e pesado de língua”. Moisés, com muita dificuldade, libertou o povo israelita escravo do Egito e se tor-


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nou um dos maiores líderes de todos os tempos. No nosso dia a dia circulam inúmeras Fake News, tais como: “Não há Deus nenhum”, afirmou certa vez Stephen Hawking; Nietzsche disse que Deus está morto; todo caminho conduz ao céu; Jesus foi casado; Jesus não teve irmãos; Jesus era travesti (a última); Maria permaneceu virgem até à morte; as águas do Mar Vermelho não se abriram; Jesus não ressuscitou; a arca de Noé não existiu; Jesus não voltará. Cuidado com as Fake News, pois tem sempre alguém tentando atrapalhar e confundir sua vida!!! Recife 18/08/18


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NUNCA PENSEI EM SER SÍNDICO Você pensa que “essas coisas” nunca acontecem com a gente? Um dia pode acontecer. Quando morei em Fortaleza, adquiri um apartamento no bairro chamado Varjota, na rua Frei Mansueto, num edifício que tem o mesmo nome da rua. A minha vida ia muito bem naquela bonita e agradável cidade, até que numa assembleia geral ordinária, fizeram a eleição para síndico e sub. O candidato a Síndico, um jovem pernambucano, simpático, falante, que já tinha feito amizade comigo, logo me convidou para fazer parte da sua chapa como subsíndico. Apesar dos meus argumentos, ele falou que não iria ter problema, porque ele estaria sempre à frente do Condomínio e eu iria substitui-lo somente em casos excepcionais. Passados uns três meses, ele me informa que foi transferido de volta para o Recife e me passa o bastão. Senti o chão fugir dos pés, mas toquei pra frente. Eu passava o dia todo no trabalho e Zara assumia o novo cargo... Sempre reclamava:- “você assume esse cargo e sobra pra mim!!!” O bom é que em Condomínio de edifícios, os moradores reclamam até de um carro de som que faz barulho na rua ou cachorro latindo na casa ao lado. Eles acham que Síndico e Delegado são a mesma coisa. Numa ocasião, uma vizinha esqueceu de fazer o pagamento e pediu para a minha esposa dispensar os juros. Ela disse: -“nem pensar.” Depois disso, quase perdemos uma amiga. Outra vez uma moradora do segundo andar veio com a seguinte reclamação: -“eu cheguei em casa sábado passado, depois das duas horas da madrugada e escutei uns gritos femininos de uma mulher que estava transando na escada e eu suspeito que o parceiro seja o porteiro da noite,” um senhor muito respeitado, até então. A moradora ficou tão impactada que imitava, para quem ela contava o fato, os gritos da acusada. Ressalto que naquela época não havia câmeras nos edifícios. Pense numa bronca. Eu pensando que minhas atribuições seriam apenas admitir e demitir pessoal, fazer pagamentos, prestar relatórios,


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etc. O que é que eu tenho que um casal supostamente tenha relações sexuais na escada e eu vou ter que investigar, para saber se ocorreu ou não esse encontro. Chamei um outro morador e fomos conversar com o porteiro, o qual negou tudo.... acho que ele aprendeu com os nossos políticos. A suspeita era uma ex-empregada doméstica, que tinha um livre trânsito no edifício. Passados alguns dias, o caso caiu no esquecimento e tudo voltou à normalidade. Nova eleição e agora a moradora Jaqueline é eleita. Eu não queria mais nem ser secretário das Assembleias. Certa feita, Jaqueline foi acompanhada de outra morada, fazer alguns esclarecimentos no Sindicato da categoria. A síndica chegou rindo ao falar com o responsável pelo órgão de classe. Ele prontamente falou:- “Você é a primeira Síndica que chega aqui no Sindicato rindo”. Nunca esqueci dessa frase. Daí em diante aprendi: nunca chegue no Sindicato dos síndicos rindo. É sinal que alguma coisa está errada!!! Recife, 17/08/18


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MINHAS COPAS Como as copas do mundo de futebol são de quatro em quatro anos, muita coisa ocorre nos intervalos entre elas. Como nasci em 1949, não relembro das copas de 1950 e 1954. Papai sempre falava da frustração da copa de 50, isso porque ele não viu a copa de 2014. Na copa de 1958, tinha 9 anos de idade e morava na Rua Raimundo Freixeira em Casa Amarela no Recife. Estudava no Ginásio Bandeirantes, próximo de casa. A gente ouvia o jogo pelo rádio. A população do país, nessa época, era de 67 milhões de habitantes. Depois que o Brasil ganhou a copa, foi escrita uma música que ficou muito popular. Lembro bem dela: “Didi, Pelé, Vavá bailaram lá na Europa e a Copa vem pra cá, no duro... Gilmar, De Sordi, Belini, famoso trio final fizeram do meu Brasil o campeão mundial, Zagalo, Zito e Garrincha, Nilton Santos e Orlando são os campeões do mundo que o Brasil está saudando 5 a 2. “ O técnico era Vicente Feola, que na época tinha 49 anos e parecia ter muito mais. Dizem que, ele às vezes, cochilava durante a partida. Também com um time daquele, nem precisava de técnico. Outra música muito cantada foi A taça do mundo é nossa, cuja letra é: “A taça do mundo é nossa, Com brasileiro não há quem possa... Ê Eita esquadrão de ouro, É bom no samba, é bom no couro...” Naquele ano Juscelino Kubistchek era o presidente do Brasil, foi iniciada a fabricação do Fusca e foi publicado o livro Gabriela, Cravo e Canela de Jorge Amado. Copa de 1962 foi no Chile e eu estava com 13 anos, no terceiro ano ginasial do Colégio Americano Batista no Recife, estudando entre outras coisas, Geometria plana com o prof. José Amorim e Português


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com o prof. Otaciano. O Brasil ganhou a final de 3 a 1 da Tchecoslováquia. Em 1966, já com 17 anos, moramos provisoriamente na rua Pedro Alain em Casa Amarela, numa casa cedida por um amigo de papai, enquanto era concluída a construção da casa que ele comprara em Casa Forte. Eu já estava no terceiro ano científico e fazia cursinho pré-vestibular para Eng. Química. Ouvíamos os jogos pelo rádio e dois dias após, víamos o jogo pela TV em preto e branco, pois as partidas eram gravadas e enviadas por via aérea. Inglaterra foi o time campeão do mundo e o nosso país foi desclassificado. O goleiro titular era Manga, pernambucano, que havia sido do Sport Clube do Recife. Nessa copa, meu irmão Claudio já havia nascido e já era rubro-negro. Foi a primeira copa no período da ditadura militar no Brasil. Copa de 1970, com o Brasil campeão teve uma grande comemoração nacional. Foi realizada no México e a taça Jules Rimet foi levantada por Carlos Alberto. A música da Copa de 1970, quando a população brasileira era de 94 milhões de pessoas foi: Noventa milhões em ação/ Pra frente Brasil Do meu coração /Todos juntos vamos Pra frente Brasil/ Salve a Seleção! De repente/ É aquela corrente pra frente Parece que todo o Brasil deu a mão Todos ligados na mesma emoção/ Tudo é um só coração Todos juntos vamos/ Pra frente Brasil! Brasil! Salve a Seleção!” Nessa época, já morávamos na Rua Olímpio Arrouxelas Galvão, no bairro da Encruzilhada, no Recife, onde minha mãe mora até hoje. Kátia, minha irmã já havia nascido. Eu estava no penúltimo ano da Faculdade. Foi a primeira Copa televisionada para todo o mundo, via satélite. Fala-se que o presidente da república da época, Garrastazu Médici


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pediu a João Saldanha que Dario, (Dadá maravilha) fosse escalado. Como mudou minha vida em quatro anos. Em 1974, eu já estava casado com Zara, formado em Eng. Química e havia entrado na Petrobras em Canoas, Rio Grande do Sul, em 10 de junho do mesmo ano, sendo que a Copa só começou no dia 13. Surgiu a seleção holandesa conhecida com Laranja mecânica e Carrossel holandês. A Alemanha foi a seleção campeã, sendo que o Brasil se classificou em terceiro lugar. A copa de 1978 foi na Argentina, que conquistou o título, sendo que ficamos em terceiro lugar. Muita mudança na minha vida nos últimos 4 anos, pois eu morava em Aracaju e meu primeiro filho, Fred havia nascido em janeiro do mesmo ano. Nathanias von Sohsten, meu primo, ia assistir aos jogos lá no apartamento da Praça Getúlio Vargas e quando havia gritos ou fogos, o bebê Fred, hoje com 40 anos, começava a chorar. Ano de 1982. A Copa foi realizada na Espanha e a campeã foi a Itália. Brasil desclassificado e foi a seleção de Falcão, Zico e Sócrates. Mais mudanças na minha vida. César, o segundo filho, já havia nascido e eu me mudara para Natal em maio daquele ano. Fred com 4 anos e meio e Cesar com 2 anos e 8 meses. Morava numa casa na rua Ataulfo Alves, no bairro de Candelária. Copa de 1986 no México novamente e a Argentina bicampeã. O Brasil foi desclassificado nas quartas de final pela França, numa disputa muito sofrida, na qual perdemos por pênaltis. Eu estava com papai em São Paulo no dia desse jogo (21 de junho), no apartamento de Eunice e Marcelo e lembro que este último sofria tanto na hora das penalidades máximas, que fugia da sala para não ver. Cinco dias depois papai estava fazendo uma cirurgia de ponte de safena no Instituto do Coração, naquela cidade. Ressalto que não foi por causa do jogo. Foi na Itália a realização da copa de 1990, sendo que a Alemanha se tornou tricampeã. O Brasil foi derrotado pela Argentina nas oitavas de final. Ainda morava em Natal. Em 1994, morávamos em Fortaleza, com Fred e Cesar estudando


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no ensino médio. A copa foi realizada nos Estado Unidos e o Brasil foi tetra, vencendo o time italiano. Muita gente ainda não esqueceu os gritos de Galvão Bueno... é tetra... é tetra. Naquele ano, a população brasileira era de 159 milhões de pessoas. Em 1998n nova mudança, pois havia retornado para Recife, para morar no bairro dos Aflitos, no mesmo local onde resido hoje, após 24 anos de giro pelo Brasil. Havia me aposentado. A copa foi realizada na França, sendo que o time da casa ficou com o título e o Brasil ficou como o vice-campeão. Na copa de 2002, o Brasil se tornou campeão pela quinta vez, numa competição realizada no Japão e Coreia do Sul. Ronaldo foi o artilheiro com 8 gols. Eu havia voltado a trabalhar como contratado nas obras da Transpetro, no Terminal de Suape. Como os jogos eram no horário de trabalho, assistíamos aos jogos no refeitório da Unidade e depois voltávamos ao trabalho. 2006. Copa do mundo realizada na Alemanha com a Itália ficando com o título pela quarta vez. Nosso país foi desclassificado pela França nas quartas de final. No ano de 2010, a competição foi realizada na África do Sul, sendo o time espanhol campeão pela primeira vez. O Brasil foi desclassificado pela Holanda, nas quartas de final. Eu estava trabalhando na obra da construção da Refinaria Abreu e Lima em Ipojuca, Pernambuco. Ficávamos aguardando ansiosamente que a empresa divulgasse os horários de compensação para que pudéssemos assistir aos jogos. Em 2014, foi a segunda Copa realizada no território nacional, onde havia uma expectativa de esquecer a famosa derrota para o Uruguai em 1950. Ledo engano. No dia 8 de julho, levamos de 7 a 1, de maneira vergonhosa e inexplicada. Jogos em Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, só para citar cidades do Nordeste. Não fui a nenhum dos jogos. Apenas me desloquei para a Arena Pernambuco para fotografar do lado de fora do estádio, os torcedores que chegavam. As fotos ficaram ótimas, na minha opinião, e foi uma experiência extraordinária. O jogo foi Croácia e Grécia. Aquela copa trazia um tempero especial. Havia nascido em março e maio daquele ano, as primeiras


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netas: Bianca nos Estados Unidos e Rute aqui no Recife. A última copa foi na Rússia e teve a França como campeã pela segunda vez. A parte mais engraçada foram as constantes quedas do jogador Neymar. As mesmas viralizaram na Internet. Essa foi a primeira copa com árbitro de vídeo. A população atual é de 213 milhões de pessoas. E na família, surgiu mais gente nova. O neto Daniel filho de Cesar e Gabi com 3 anos e Ester de Fred e Poliana com 2. Talita, filha do meu enteado Júnior e Layne, estava prometida para o mês de setembro, ou seja, após a copa, porém resolveu antecipar sua chegada prematura e veio ao mundo no dia 15 de junho, no dia seguinte ao início da competição. Também nasceram Beatriz, neta de Alfran, meu irmão e Daise, filha de Thamires e Fábio; e também Raphael neto de Eunice, irmã, e Marcelo, filho de Fernanda e Marcius. Infelizmente Talita nos deixou após 40 dias de nascida. Voltou para ficar com o Pai. Sem precisar datas, nas primeiras copas não havia cartões amarelo e vermelho, havia praticamente uma bola em jogo, com uma reserva feita de couro de cor marrom. A bola branca era usada em jogos noturnos. A quantidade de times era bem menor. Ufa... o leitor cansou de ler. Mas a questão é que eu “participei” emocionalmente de 16 copas, de 1958 até 2018 são sessenta anos de história. A vida continua... as copas do mundo de futebol, também... até a próxima, 2022 no Catar... Recife, 31/08/18


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DE SANTANA DO MATOS AO RECIFE Ela nasceu em 4 de outubro de 1924, no sitio chamado Cerco, em Santana do Matos, Rio Grande do Norte. Como foi no dia de São Francisco, recebeu o nome de Francisca. Última filha mulher de Maria do Carmo (Carmim) e de Cícero Felipe. A família, além de pobre, muito numerosa... vieram antes, todas eles Maria: Maria Soledade, Maria Carmita, Maria de Lurdes, Maria Salete, Assis, Ivanildo, Vicente e José. Cícero era agricultor e faleceu quando ela era muito pequena ainda, numa vaquejada, “diversão” muito comum nas zonas rurais naquela época. Carmim era do lar. A sua genealogia vem de longe... filha de Carmim, neta de Chico Félix e mãe Loló, e bisneta de Francisco Félix Barbosa e de uma índia, que se diz “ter sido domesticada.” Já seu pai Cícero, era filho do Major Manoel Felipe que era casado com Maria Zumba, filha de Manoel Serapião da Rocha Pita. Ela sempre contou histórias da sua infância, como quando viu um irmão, criança ainda, ter morte instantânea ao ser atingido por um raio, durante uma trovoada. Por ter passado por essa traumática experiência, ela sempre teve medo de raios e trovões, colocando lençóis nos espelhos da casa e mandando todos os filhos saíram das janelas da casa, quando chovia. Quis Deus na sua imensa graça e misericórdia, que meu bisavô, Alfredo Manso, ficasse viúvo e em suas andanças no sertão do Rio Grande do Norte, levasse o jovem Alfredo Maciel, com ele nessa viagem, onde a conheceu e começou a namorar com ela. Meu bisavô casou com Eulália, tia de mamãe e assim, deu um nó na árvore genealógica da família, pois os filhos de Eulália, passaram a ser meus tios por parte de pai e primos por parte de mãe. Quando eu conto essa história, muita gente não entende... Na adolescência de mamãe, sua mãe veio morar em Natal, com os filhos solteiros. A maioria já era casado e ficou residindo em torno de Santana do Matos. E o namoro dela com papai, continuou firme. Nessa época, em plena segunda guerra mundial, a cidade do Natal era


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chamada de Trampolim da Vitória, pois tinha uma base norte americana que abastecia os aviões para irem para Dakar, na África, e de lá apoiarem as tropas do Eixo na luta contra os nazistas. Dessa forma, a cidade tinha apagões que serviam como treinamento num eventual ataque alemão. Ela e papai nos contavam sobre esses treinamentos. Aos vinte e três anos de idade, ocorreu o enlace matrimonial desse casal, em Natal, sendo oficiante o pastor Sebastião Moreira. A lua de mel foi na vizinha cidade de São José de Mipibu. Todas as vezes que passávamos naquela cidade, de carro, papai dizia: “passamos nossa lua de mel aqui.” Nove meses depois, nasceu seu primogênito, Alfran. Não sei de quem foi a ideia, mas foi uma junção de AL fredo e FRAN cisca. Já adulto Alfran descobriu no Google que existem vários Alfrans no Brasil e no mundo, inclusive um time de futebol na Itália. Há inclusive quem torça pelo Alfran ao invés do Milan. No início da vida conjugal, morou na casa da sogra, Dona Chiquinha, e, depois de alguns meses, foi para a sua casa na rua Jaguarari, no bairro do Alecrim em Natal. Em fevereiro de 1949, um ano e nove meses depois do primogênito, cheguei ao mundo... Papai trabalhava numa importadora chamada Severino Alves Bila, em Natal. Em 1951, surge a oportunidade de papai ser transferido para a cidade do Recife, na época tão perto e tão longe. A estrada ainda não era toda asfaltada e tínhamos de trafegar em estradas de barro, o que era péssimo, principalmente no período de chuvas. Os demais filhos já nasceram no Recife. Em seguida, vieram Eduardo, Eunice e Claudio. Quando Claudio tinha sete anos de idade, surge a oportunidade de adotar Kátia, filha de uma sobrinha dela, chamada Valdeci. Continuava tudo em família. Mamãe sempre teve um grande desempenho nas tarefas do lar. Destaco que ela fez um curso de Confeitar Bolos artísticos e se dedicava tanto, que meses depois ela já abriu um curso em casa, ensinando a terceiros o que já havia aprendido. Desse curso, faziam parte amigas e vizinhas. Lá de casa saíram muitos bolos de casamento, 15 anos e outras comemorações. Tinha máquina de costura Elgin e


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também costurava o trivial para a família. Além da família numerosa, sempre recebia em casa quem precisasse de um apoio, como os sobrinhos (Noêmia, Edmilson), Paulo, tio de papai, sua irmã Salete, pastor Francisco Pereira durante muitos anos, nos finais de semana e tantos outros. Papai na sua essência, muito hospitaleiro, sempre trazia pessoas para se hospedar ou mesmo almoçar ou jantar. Mamãe tinha que se virar para fazer a sopa ou os bifes renderem. Às vezes, Alfran trazia amigos para se hospedar lá em casa, até amigos que ele conhecia de outros países e mamãe sempre lá hospedando. Ela sempre foi muito calada, tímida, introspectiva, mas tinha amigas, e se comunicava bem no” tête-à-tête”. Não era carinhosa com os filhos, como a maioria das mães dos anos 50, creio eu, mas sempre me senti amado. Comandava a dinâmica da casa com primor. Quando papai morreu, há 20 anos, ela passou a gerir as finanças da pensão deixada por ele. Fez isso até poucos anos atrás. Mora há cinquenta e dois anos na mesma casa no bairro da Encruzilhada. Nunca quis se mudar para um apartamento menor, pois sempre dizia que gostava da casa, pois do terraço ou da sala, ela podia ver a rua e seu movimento. Residiu antes em Casa Forte, Casa Amarela em 3 casas diferentes, fora Campo Grande, logo que chegou a Recife. Uma das casas onde moramos, a de Casa Forte, tinha tanta muriçoca que ela pediu para papai vender a casa e comprar outra, o que de fato ocorreu. Foi uma filha exemplar. Sempre que podia, visitava a mãe que residia em Natal. Nos anos 70 trouxe sua mãe para morar em Recife. Diariamente ia visitá-la, de modo que nunca faltasse nada. Voltando aos anos 60, lembro quando ela saía de casa, no período da tarde, para ir ao centro da cidade fazer compras. Ela ia de táxi e voltava de carro com papai. As lojas frequentadas por ela eram a Sloper, a Viana Leal e a 4.400, sendo as duas primeiras na rua da Palma. Os seus filhos são: Alfran, casado com Dayse, que tiveram Bruno, Alfranzinho, casado com Roberta e Fábio casado com Thamyres, pais de Beatriz; Carlos Alfredo casado em primeiras núpcias com Mosara, que tiveram Carlos Frederico, casado com Poliana e pais de Rute e


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Ester, e Alfredo César, casado com Gabriela, pais de Bianca e Daniel; Carlos é casado em segunda núpcias com Ana Elisa; Eduardo casado com Cláudia, pais de Lucas Eduardo e Eduarda; Eunice, casada com Marcelo Furtado, pais de André que é casado com Alisson e Fernanda, casada com Marcius, pais de Rafael; Cláudio, sem filhos; Kátia casada com Paulo, pais de Camila. No dia 4 de outubro de 2018, dia dos animais e dia de S. Francisco, completou 94 anos... está magrinha, quase não se alimenta, tem uma lucidez relativa, mas formou, educou, instruiu e alimentou Engenheiros, Pastor, Psicóloga, Administrador de Empresas. Teve sempre uma Responsabilidade Social muito ativa, tendo sido inclusive Diaconisa da Igreja Presbiteriana Independente da qual era membro. Recife, 05/10/18


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OREM POR JESUS Anos noventa, Natal – Rio Grande do Norte. Um senhor chamado José Jesus de Oliveira começou a frequentar uma determinada igreja evangélica. Logo, os participantes dessa comunidade deram um grande apoio ao recém-chegado, que era viciado na cachaça. A gente o visitava, orava por ele e... nada. Ele tinha cirrose no fígado. De vez em quando, eram feitos pedidos de oração por ele. Eram comuns os avisos: “Jesus tem faltado muito, Jesus está doente, Jesus piorou, Jesus vai voltar tão logo fique bom, Jesus não está bem.” E todos ficavam constrangidos pelos avisos divulgados. Era a única igreja que orava por Jesus e que tinha um Jesus doente. Até que um dia alguém teve uma ideia brilhante. Qual é o nome dele completo? José Jesus de Oliveira. Pois é... por que não o chamamos de senhor Oliveira? Sendo assim, estará tudo resolvido e não passaremos mais por esse constrangimento. Na semana seguinte, lá vem o aviso sobre Jesus novamente. Só que agora o que anunciava os fatos disse: -“Pessoal o Sr. Oliveira está doente, continua internado, ele melhorou” e muitas outras informações. Como o grupo era pequeno um curioso perguntou: -“E quem é esse sr. Oliveira, pois já estou aqui há algum tempo e nunca ouvi esse nome?” Em seguida vem a resposta: -”O sr. Oliveira é o mesmo que Jesus!” Conclusão: não adiantou nada essa mudança de nome! Recentemente soube que o José Jesus de Oliveira faleceu. Esse não ressuscitou. Aeroporto de Madri, 14/04/18.


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VOLTAR DE HELICÓPTERO, NÃO! Trabalhei com Amilcar Bulcão e Osmar Costa, dois colegas gaúchos, logo que entrei na Petrobras no Rio Grande do Sul, em 1974. Depois trabalhei em Aracaju e em seguida na bela Natal, no Rio Grande do Norte. Tendo havido uma desmobilização do pessoal da obra do Sul, eles foram transferidos para Natal. Osmar havia sido gerente meu e de Amilcar, nas terras gaúchas. Era um cara tranquilo e que fez alguns churrascos conosco, quando morou na capital potiguar. O nome da sua esposa era Eé; não foi engano. Se escreve assim mesmo. Amilcar era natural de São Sepé no Rio Grande do Sul, cidade que fica a 265 km de Porto Alegre. Ele era muito piadista e gostava de contar “causos” de gaúchos, principalmente os da sua pequena cidade. Eu ia periodicamente a Guamaré, cidade que fica a 166 km de Natal, onde havia instalações da Petrobras, acompanhar um fotógrafo para fazer o levantamento fotográfico das instalações terrestres e marítimas das plataformas existentes. O tempo de viagem de carro até Guamaré era de duas horas e meia de carro. Certa vez, convidei Amilcar para ir comigo de helicóptero até às plataformas acompanhando o fotógrafo. Antes de sairmos de Natal, ele perguntou para o piloto se ele tinha medo de viajar naquela aeronave. O piloto respondeu que só viajava com todas as condições de segurança satisfeitas. No voo até a plataforma, que durou uma hora, ele não abriu a boca. Ao chegarmos à instalação marítima, ele falou para mim: -“Carlos, morri de medo nesse voo. Voltar de helicóptero, eu não volto! nessa geringonça eu não entro mais, tchê!” o gaúcho de São Sepé estava com muito medo. Voamos o trecho da plataforma até a unidade industrial de Guamaré, onde o Amilcar se despediu de todos desejando boa viagem e desembarcou. Voltou de carro para casa, numa longa viagem, com muitos outros riscos. Aeroporto de Madri, 14/04/18


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COMO ERA BOA A CANJICA! É comum ouvirmos: como era boa a canjica que minha mãe fazia! E a tapioca molhada com leite de coco e açúcar.... Na minha infância, comi muitas comidas gostosas que mamãe costumava fazer (nenhum filho diz isso, acho que sou o primeiro). Hoje me lembrei da canjica. Tudo iniciava com a compra do milho verde. Ela ia à feira de Casa Amarela e comprava uma mão de milho (em torno de 50-52 espigas de milho). Essa unidade de medida vem do tempo colonial português. O dia de fazer canjica era uma festa para a criançada, pois todos participavam. Os filhos mais velhos tiravam as palhas e debulhavam as espigas (tirar os grãos do milho do sabugo). Não se podia esquecer de retirar aqueles “cabelinhos” que ficam entre as fileiras dos grãos. Em seguida, o milho verde era moído nos pequenos moinhos (o mesmo que moía carne) que eram fixados na mesa, normalmente da cozinha, cujos tampos eram de madeira. O filho que moía, o fazia no sentido dos ponteiros do relógio e, de vez em quando, no sentido contrário, para dar maior produtividade. Nesse processo, era separado o “leite” da palha, sendo que esta última seria utilizada para fazer pamonha. Ao leite do milho era adicionado leite de coco, açúcar, manteiga e um pouco de sal e levada ao fogo, sempre mexendo com colher de pau, deixando ferver por uns 30 minutos ou quando as bolhas resultantes da fervura, persistiam. Estava pronta a canjica. Bastava então transferir a massa, ainda quente, para uma travessa ou prato fundo e aguardar esfriar. Polvilhava-se na canjica a canela em pó. O restante que ficava na panela utilizada na cocção, após ligeiramente resfriado, era disputadíssimo pelos filhos. Depois de esfriar, a canjica era colocada no refrigerador para ser servida no jantar ou no café da manhã, do dia seguinte. A preparação da canjica era feita em conjunto pela família e o produto final era sempre dividido com algum parente ou vizinho. Sempre ouvíamos: “não comam desse prato, pois o mesmo está reservado


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para Judite!” Todos participavam desse preparo sob a orientação da mãe Chiquita. Canjica gostosa era aquela!!! Com o tempo, descobri que o segredo não era a qualidade do milho, nem a panela em que era feita a canjica e muito menos a temperatura do fogo, e sim, o amor de quem fazia a canjica acontecer. Isso se aplica aos demais pratos da nossa infância. Recife, 16/03/18


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AS MÃOS DE UMA ARTISTA Quando eu tinha 9 a 10 anos, morávamos na rua Raimundo Freixeira, em Casa Amarela. Alfran, o mais velho, já tinha 11 a 12 anos, Eduardo e Eunice eram menores que eu e Claudio, era recém-nascido. Na época, mamãe era uma jovem e ativa senhora, com seus cinco filhos e 34 a 36 anos de idade. Ela havia feito um Curso de confeitar bolo. Logo, demonstrou habilidade para essa parte artística da culinária. Quando percebeu seu domínio das técnicas, abriu um Curso similar em nossa casa. Conseguiu algumas alunas e todas as quintas-feiras, à tarde, ela ministrava suas aulas. Ela, no dia anterior, já assava o bolo que seria confeitado. Os temas dos bolos eram os mais diversos, pois iam de campo de futebol, incluindo os pequenos jogadores, traves, bola e juiz, a bolos de dois pavimentos ou ponte com espelho d’água em baixo. Quando o bolo era colocado na base de madeira para ser trabalhado, era necessário fazer um “nivelamento” na superfície do mesmo, pois ele apresentava altos e baixos. Ela fazia uma argamassa com pedaços de bolo e o glacê e aplainava as diversas áreas. Muitos dos bolos eram cuidadosamente “bordados” com desenhos elaborados pela mãe artista. As aulas eram extremamente práticas. A professora fazia cada etapa e as alunas as repetiam. Os filhos mais velhos sempre estavam por ali bisbilhotando essas aulas. Ela tinha uma pazinha que parecia uma colher de pedreiro e com esse instrumento, ela nivelava as superfícies tanto horizontais como verticais. Era muito alisado, até ficar no ponto ideal. Era usual, naquela época, as donas de casa terem seus livros de receitas, tipo um livro de atas de duzentas páginas, onde cada receita era cuidadosamente transcrita. Mamãe era leitora assídua do Suplemento Feminino do Diário de Pernambuco, aos domingos. Ela copiava ou mesmo colava a receita e fotos naquele seu precioso Livro. As diversas anilinas davam as cores das massas açucaradas. A grama do campo de futebol era verde, as flores eram rosas e assim por diante. Ela também aceitava encomendas principalmente de bolo de casa-


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mento e de 15 anos. Lembro dos casamentos de Izac e Mirian e de Itamar e Joélia, entre tantos. Certa ocasião, ela recebeu uma encomenda de alguém da família que disse para ela que, para ficar mais barato, não precisava colocar o bolo para confeitar. Ela deu logo uma solução. Simplesmente confeitou a forma do bolo, lembrando sempre que ninguém tentasse partir o bolo. Pensando bem, confeitar bolos exigia um conhecimento de Engenharia e Arquitetura. São feitas pontes, lagos, campos de futebol, torres etc. É necessário dar um bom acabamento, proporção entre as diversas partes, combinação de cores, prumo, elaboração de bases e estruturas. Às vezes, era necessário deixar uma lâmpada acesa próximo ao bolo para fazê-lo secar mais rápido, quando era um dia chuvoso e úmido. O bolo do casamento de Isac e Mirian precisou muito dessa técnica. No final da aula, era feita uma cota para pagar o material utilizado na elaboração do bolo e o mesmo era dividido igualmente entre as alunas participantes. Para os filhos, essa era a melhor hora, que era começar a comer a parte que cabia à sua professora e mãe. Recife, 16/03/18


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O OSCAR VAI PARA.... Ontem à noite, foi a grande premiação do Oscar 2018, espetáculo que se repete a cada ano. O melhor filme foi “A forma da água”, o que já era esperado. E o Oscar da sua vida? Qual o “filme” no qual você foi o melhor ator, ou mesmo melhor ator coadjuvante? Qual o seu melhor “script” que você escreveu ou disseram a seu respeito? E sua melhor fotografia? Aquela foto maravilhosa e única na sua vida? Foi tirada do melhor ângulo, com boa composição? E a melhor animação? Aquele momento animado, ou melhor, animadíssimo na sua vida? E a melhor iluminação? Aquele momento no qual a sua luz “arrebentou?” E a melhor direção? Quem dirige a sua vida? Horóscopo, cartas ou Deus? Qual foi a sua melhor edição? O que precisou ser editado na sua vida e você teve a coragem de fazê-lo? E a melhor canção original? Que música marcou ou é sua marca registrada até hoje? O seu filme tem sempre altos e baixos. Alguns até saem do cinema antes do final. Mas, lembremo-nos que o filme de cada um de nós, ainda não terminou. Muitas cenas ainda serão rodadas. Bom final de filme!!! Recife, no dia seguinte à entrega do Oscar 2018.


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MÃE SALVA FILHOS DE PERIGO NUM LAGO Estava observando um pequeno lago num Condomínio em Gravatá, quando notei uma interessantíssima cena. Uma mãe com seis filhos, sendo que eles estavam na água e ela se encontrava na parte mais alta do lago, só acompanhando os filhotes pelos sons que eles produziam, uma vez que não dava para vê-los, pois não havia ângulo para tal. Em dado momento, todos os patinhos subiram pela rampa existente que liga o lago à margem. O último da fila calculou mal a distância e ao passar da rampa à terra seca, caiu no lago. O filhote que ficou na água começou a observar que estava só, longe da mãe, e se deslocava de uma ponta à outra da margem do lago e não conseguia ver a mãe nem a rampa. Enquanto isso, a mãe apenas ouvia a voz do filhote desesperado e demonstrava uma certa ansiedade, tanto pelo som que emitia, como pelo movimento impaciente da cauda. Um cidadão começou a acompanhar comigo qual seria o desdobramento daquela situação. O interessante foi que a mãe não conseguia deixar os 5 filhotes para sair em busca do que havia se desgarrado. Nesse instante, lembrei-me das palavras de Jesus quando disse que o pastor deixa as noventa e nove ovelhas para ir buscar e salvar a perdida. Mas não era isso que observávamos na cena. Como outras pessoas começavam a observar o quase desespero da mãe e do filho também, alguém falou para um funcionário do Condomínio: moço, ajude ao patinho achar a mãe dele pois o mesmo está perdido. O funcionário prontamente foi em busca de ajudar ao pobre perdido. Quando ele se aproximou da pata mãe, por terra, mesmo sem tocá-la, ela começou a se deslocar em direção à rampa, e assim desceu com todos os 5 patinhos indo se juntar ao que estava sendo exaustivamente procurado. Tão logo todos se reencontraram, a mãe juntou todos os filhos e partiu para o centro do lago. Atos corriqueiros de uma mãe, não importa se de humanos ou de patinhos... Recife, 12/02/18


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MEUS PRIMEIROS APRENDIZADOS Meu primeiro emprego como Eng. Químico foi numa empresa que fabricava produtos químicos e depois fertilizantes nitrogenados. A fábrica era instalada em Igarassu, perto do Recife. Eu havia sido estagiário nos últimos quatro meses do curso superior que me graduei na UFPE. Era o estágio obrigatório. Durante o estágio, tive uma excelente supervisão do Eng. Alexandre Leite Lisboa. Alguns fatos marcaram minha passagem por aquela indústria. Vale salientar que eu tinha apenas 23 anos de idade. Estava naquela fase que eu não sabia que não sabia. Eu era chefe de turno, ou seja, operava a fábrica juntamente com uns 12 operadores. Era o responsável pela unidade nos finais de semana e no período não administrativo. Certa vez, levei uma bronca do então gerente de produção porque o operador ao fazer a transferência de álcool etílico de um tanque para outro, deixou haver um transbordamento do citado produto. Esse fato foi registrado no Livro de ocorrências da fábrica e todos tomaram conhecimento. Fiquei muito aborrecido com o fato. O gerente na ocasião escreveu que eu era o responsável pelos atos errados dos meus subordinados. Foi traumático, mas logo depois absorvi a lição. Naquela época (1972-74), não havia calculadoras eletrônicas e sim as máquinas manuais da FACIT, nas quais a gente girava uma manivela para fazer as operações de multiplicar. Um colega trouxe dos Estados Unidos uma pequena calculadora eletrônica, que hoje é vendida por uns 5 reais. Meu sonho de consumo era ter no laboratório onde trabalhava uma máquina daquela. Quando toquei nesse assunto com o gerente geral, um senhor espanhol, ele disse que no tempo de Lavoisier, o pai da Química moderna, não havia máquinas de calcular e ele fez muita ciência, apesar da precariedade de instrumento. Pura frustração. Em meados de 1974, saí daquela empresa e fui em busca de meus sonhos, numa grande Companhia. Recife, 12/01/18


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GÊMEOS CONFUNDEM A GENTE Durante muitos anos, participei de Encontros de Casais com Cristo nas Igrejas evangélicas de Natal. Conheci muitos casais... presbiterianos, batistas, assembleianos, neopentecostais, adventistas, católicos, jovens, maduros, idosos, das classes sociais A, B, C e D, que moravam em Tirol, Petrópolis, Lagoa Nova, Alecrim, Rocas, Cidade Satélite, Pirangi, Nova Parnamirim, Parnamirim, uns que tinham automóveis, motos, bicicletas ou sem veículos, doutores, mestres, formados, de nível médio ou nível fundamental, uns de outras cidades como Fortaleza, Mossoró, João Pessoa, Campina Grande, brancos, negros, pardos etc. Dentro dessas centenas de combinações, conheci um casal jovem Marcelo e Simone. Pessoas simples, não possuíam carro, não sei se possuíam títulos universitários, simpáticos, comunicativos e extremamente trabalhadores, quando lhes era designada alguma tarefa. Ele cozinhava muito bem e sabia preparar lanches saborosos. Num certo período da vida, o casal estava fornecendo marmita para ganhar algum dinheiro para sobreviver. Eles preparavam almoço e Marcelo fazia a entrega de ônibus. Um dia, ele saiu de casa para levar a marmita que cuidadosamente haviam preparado. Dentro da soberania de Deus, que não conhecemos, nem entendemos e talvez nunca a compreendamos totalmente, ele pegou uma carona para se deslocar da sua casa até o local da entrega. Num trecho do trajeto, o motorista bateu com o carro e Marcelo é lançado pela janela, bate com a cabeça no meio fio e é socorrido para o Hospital Walfredo Gurgel, em Natal, em estado de coma. Rapidamente a notícia se espalhou no meio do pessoal que participava dos Encontros de Casais. Ele resistiu ainda alguns dias. Muitas vezes, saíamos de alguma reunião da Igreja que frequentávamos e ia um grande grupo para o Hospital para ter alguma notícia a respeito do estado de saúde dele. Numa das vezes, uma funcionária daquele estabelecimento perguntou a um dos visitantes: -“Quem é essa pessoa que atrai esse grupo tão grande de visitantes? -Ele é importante?


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-É rico, famoso?” Daí ouviu a resposta: - “É uma demonstração de solidariedade e de amor cristão. Todos nós pertencemos a um grande grupo que periodicamente fazemos Encontro de Casais, nessa cidade e em outras.” A moça ficou impressionada. Depois de alguns dias, Marcelo faleceu. A cerimônia fúnebre foi realizada na igreja que o casal frequentava e um fato me chamou a atenção. Uma pessoa extremamente parecida com Marcelo estava observando o falecido no caixão. Eu perguntei assustado: “Quem é aquele?” Rapidamente o fato foi esclarecido. -“É Marcos, irmão gêmeo dele.” Puxa que alívio senti. Depois de algum tempo fui morar em Fortaleza e depois de 4 anos voltei a residir em Natal. Numa tarde, estava no bairro do Alecrim, em pé numa calçada enquanto aguardava um pequeno conserto no banco do meu carro, quando vi um casal caminhando de mãos dadas se aproximar. Olhei para ela e, apesar de vir olhando para baixo, reconheci Simone. Em seguida, dirigi meu olhar para ele. Era um rapaz exatamente com as feições de Marcelo. Ao passarem por mim, ele olhou para mim e ela, não. Imaginei então, que não era o Marcelo e sim, o Marcos, seu irmão gêmeo. Foi outro susto! Quando contei do meu susto para os amigos em comum, me confirmaram que Simone estava namorando com o Marcos, irmão do Marcelo, seu ex-esposo. Realmente gêmeos, confundem a gente e nos dão cada susto!!! Recife, 20/08/18


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QUANDO DEUS SILENCIA Um questionamento comum no ser humano é: por que sofremos? E um dos clássicos a respeito do sofrimento humano é Jó, personagem cuja história está no livro de mesmo nome na Bíblia. Jó, depois de ter perdido filhos, bens, saúde, amigos, questiona:” Por que sofro tanto?” Seus amigos tentam lhe responder à luz da visão deles de Deus, ou da vida, mas não conseguem explicar. Interessante naquele caso, é que diante de tanto sofrimento, Deus silencia. Só no final do livro, Deus fala e também não dá explicação, porque aquele homem fiel e justo sofre. O Criador só fala da sua grandeza, do seu poder, do seu conhecimento de física, anatomia animal, geologia, astronomia, meteorologia e todas as demais ciências. O Senhor do Universo vai a fundo no conhecimento da águia, do hipopótamo e do crocodilo, nos mínimos detalhes. Ele aparece num redemoinho e faz muitas perguntas e afirmações que não têm nada a ver com o sofrimento, dais quais cito algumas: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? “ “Compreendeste a largura da terra?” “Quem pôs sabedoria nas densas nuvens, ou quem deu entendimento ao meteoro?” “Quem numerará as nuvens pela sabedoria?” “Quem prepara ao corvo o seu alimento, quando os seus pintinhos clamam a Deus e andam vagueando, por não terem o que comer?’’ “Sabes tu o tempo do parto das cabras montesas, ou podes observar quando é que parem as corças?” Movem-se alegremente as asas da avestruz; mas é benigno o adorno da sua plumagem? Pois ela deixa os seus ovos na terra, e os aquenta no pó, e se esquece de que algum pé os pode pisar, ou de que a fera os pode calcar. É pelo teu entendimento que se eleva o gavião, e estende as suas asas para o sul? Ou se remonta a águia ao teu mandado, e põe no alto o seu ninho? Mora nas penhas e ali tem a sua pousada, no cume das penhas, no lugar seguro. Dali descobre a presa; seus olhos a avistam de longe. Seus filhos chupam o sangue; e onde há mortos, ela aí está.


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Contempla agora o hipopótamo, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi. Eis que a sua força está nos seus lombos, e o seu poder nos músculos do seu ventre. Ele enrija a sua cauda como o cedro; os nervos das suas coxas são entretecidos. Os seus ossos são como tubos de bronze, as suas costelas como barras de ferro. Ele é obra-prima dos caminhos de Deus. Poderás tirar com anzol o crocodilo, ou apertar-lhe a língua com uma corda? Poderás meter-lhe uma corda de junco no nariz, ou com um gancho furar a sua queixada? Porventura te fará muitas súplicas, ou brandamente te falará? quem lhe pode tirar o vestido exterior? Quem lhe penetrará a couraça dupla?” Jó questionava muito a justiça, mas não tinha visto ainda o final da história. É como você assistir a um filme pela metade e julgá-lo sem conhecer o seu término. O final, muito conhecido, Deus de acordo com a sua grande soberania, dá novamente a Jó e em dobro, tudo que ele havia perdido. Teve dez filhos, abundantes bens e saúde. É claro que esta retribuição não se aplica a todos, nos diferentes contextos a vida, mas fica aí a lição. Deus tem os seus propósitos, os quais talvez, nunca nem saberemos. Jó, concluindo, disse a Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.” Recife, 04/09/18


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NÃO HAVIA LUGAR PARA ELES NA HOSPEDARIA Sabe por que Jesus nasceu numa manjedoura, isto é, lugar onde os animais comem, num lugar fétido, insalubre, sem nenhuma higiene? Maria e José foram se recensear, viajando de Nazaré na Galileia até Belém, terra de seus pais e então, eles procuraram uma hospedaria e estavam todas lotadas. Não havia reserva de hotel prévia, muito menos via Internet, como nos nossos dias. Essa expressão “Não havia lugar para eles na hospedaria” lembra muito os nossos dias. Hoje, também, não existe lugar para Jesus pousar em nossas casas ou em nossos corações. Há apenas lugar para a vaidade, arrogância, prepotência, orgulho, gula, luxo, riqueza... só não há lugar para Jesus nascer de novo. No Natal, há lugar para Papai Noel, árvores de Natal, festas, roupas novas, trocas de presentes (apesar da crise), comidas e bebidas e, quem é menos citado e homenageado é o próprio aniversariante – JESUS. PENSE NISSO!!! Recife, 25/12/08


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ELEIÇÕES DE 1945 EM DIANTE A eleição de 1945 para presidente da república teve o Marechal Eurico Dutra como vencedor com 3,2 milhões de votos, seguido do brigadeiro Eduardo Gomes com 2,0 milhões. Esta eleição foi a primeira nestes moldes, isto é, eleger presidente independente do vice, além da inovação de contar com o voto das mulheres. O cargo de vice-presidente foi recriado pela constituição de 1946, sendo o primeiro sob esta Carta eleito indiretamente, pelo Congresso Nacional. Nereu Ramos, do Partido Social Democrático, foi eleito com 178 votos e em segundo lugar ficou José Américo de Almeida, na legenda da União Democrática Nacional, que recebeu 139 votos. Nas eleições de 1950, o vencedor foi Getúlio Vargas do PTB com 3,8 milhões de votos, seguido de Eduardo Gomes da UDN com 2,3 milhões. Naquela ocasião, foi eleito como vice-presidente o João Café filho do PSP com 2,5 milhões. Em 1955, Juscelino Kubistchek do PSD foi eleito com 3,1 milhões de votos, enquanto que Juarez Távora do PDC teve 2,6 milhões. Para vice Jango teve 3,6. Já nas eleições de 1960, Jânio Quadros teve 5,6 milhões de votos. Para vice, Jango teve 4,5 e Milton Campos, 4,2 milhões. Veio a ditadura e a eleição seguinte foi a de 1964, de forma indireta pelo Congresso cujos resultados foram: Castelo Branco 361 votos e Juarez Távora teve apenas 3 votos. Você não leu errado! Apenas 361 votos para Castelo. Para vice foi eleito José Maria Alkimin com 256 votos e Auro de Moura Andrade teve apenas 9. A eleição de 1966, novamente indireta pelo Congresso, onde o Presidente e vice tinham que ser da mesma coligação partidária. O resultado foi a eleição da chama Costa e Silva/ Pedro Aleixo, da ARENA com 294 votos. Em 1969, novamente eleição indireta pelo Congresso, Presidente e vice juntos foram eleitos Garrastazu Médici e almirante Augusto Rademaker da ARENA com 293 votos Em1974, mais uma vez eleição indireta pelo Congresso, Presidente


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e vice juntos, Gal. Ernesto Geisel e Adalberto Pereira dos Santos, da ARENA tiveram 400 votos. Corajosamente o então deputado Ulisses Guimaraes e Barbosa Lima Sobrinho do MDB concorreram e tiveram 76 votos. A eleição de 1978 teve como vencedor o Gal. João Batista de Figueiredo e o ex-governador de Minas Gerais Aureliano Chaves, da ARENA os quais obtiveram 355 votos. Foi mais uma eleição indireta pelo Congresso. O gal. Euler Bentes e o jurista Paulo Brossard do MDB gaúcho tiveram 225 votos. Durante a ditadura só existiam 2 partidos, os citados acima. Essa lei foi revogada em 1979. Depois da grande campanha popular pelas eleições diretas, em 1985 houve a última eleição indireta pelo Congresso e a primeira em que só tinha civis. O resultado foi Tancredo Neves, político mineiro e José Sarney, do estado do Maranhão, ambos do PMDB com 480 votos, enquanto que Paulo Maluf, ex-governador de São Paulo e o dep. Flávio Marcílio, do Ceará, ambos do PDS tiveram 180 votos. Tancredo não chegou a tomar posse devido a uma cirurgia e Sarney, assumiu a presidência, tendo governado até o final do seu mandato. O ano de 1989 marcou a primeira eleição depois de 25 anos de regime militar e em dois turnos. No 1º turno, tivemos Fernando Collor, de Alagoas e o ex-governador mineiro Itamar Franco com 20,6 milhões de voto; em seguida, veio Lula/Bisol com 11,6 milhões e em terceiro lugar o gaúcho Leonel Brizola e o pernambucano Fernando Lyra com 11,1 milhões. No 2º turno, Collor e Itamar ficaram com 35,0 milhões de votos e a chapa Lula/ Bisol tiveram 31,0 milhões. Collor renuncia em dezembro de 92 e seu vice Itamar assume até entregar o governo a FHC. 1994 foi a vez de Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel com 34,3 milhões e Lula e Mercadante com 17,1 milhões. Naquela eleição apareceu um político até então desconhecido no país que foi o médico Enéas e Roberto Gama com 4,7 milhões. A chapa FHC/Marco Maciel ganhou no primeiro turno. Já em 1998, a dupla anterior FHC e Marco Maciel foram reeleitos no primeiro turno com 35,9 milhões de votos. Lula, dessa vez com


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Brizola como vice, teve 21,5 milhões. Em 2002, o PT assume pela primeira vez a presidência da república do Brasil. Lula e José Alencar tiveram no primeiro turno 39,5 milhões de votos e a dupla José Serra e Rita Camata teve 19,7 milhões. A eleição prosseguiu no segundo turno com Lula e José Alencar com 52,8 milhões e José Serra e Rita tiveram 33,4 milhões. Em 2006, a dupla Lula e José Alencar foi reeleita com 46,7 milhões de votos. No ano de 2010, quem venceu a eleição foi a chapa Dilma/Temer no segundo turno, com 55,7 milhões, sendo ela a primeira mulher eleita presidente da república do Brasil, ficando em segundo lugar a dupla José Serra/ Índio da Costa com 43,7. Em 2014, foi reeleita a presidente Dilma Rousseff no segundo turno com 54,5 milhões de votos, enquanto que Aécio Neves com 51,0. Após governo turbulento, foi iniciado um processo de Impeachment contra a presidente, tendo deixado o governo em 31 de agosto de 2016, e o presidente Temer tomado posse no mesmo dia. A acusação foi de crimes de responsabilidade por pedaladas fiscais. Recife, 03/10/18


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QUEM É O MAIOR? Jesus fez uma viagem para Cafarnaum com seus doze discípulos numa daquelas estradas poeirentas. O Mestre percebeu que eles conversavam alguma coisa durante o trajeto. Ao chegar em casa, perguntou a eles, mesmo sabendo de antemão, o que eles tinham conversado. Que pergunta difícil! Podemos mentir ao nosso Mestre? É melhor falarmos a verdade mesmo que doa. Pensaram eles. Depois desse difícil silêncio, resolveram falar. O Senhor tem falado que não ficará para sempre conosco. Em breve irá para o Pai. Nós, seus discípulos, como seres bastante proativos, empreendedores, preocupados com a sua sucessão, já estávamos discutindo entre nós, quem seria o maior... entendemos que o seu substituto será o que for maior entre nosso grupo. Estávamos sem jeito de tratar um assunto tão delicado, mas foi isso que conversamos. Jesus, calmamente, sentou-se e disse: “venham todos para cá, que eu queria ter uma conversa com vocês. O meu reino é diferente de tudo o que vocês já viram ou pensaram que pudesse existir. É importante que todos vocês tenham sonhos. Mas se alguém sonha em ser o maior, esse deve ser o menor e servir a todos e ainda, ser o último. Uma inversão de valores. Estranho não?” Rapidamente apareceu Pedrinho, uma criança ainda. Jesus abraçou-a e disse: “qualquer que receber uma criança, tal como Pedrinho, em meu nome, assim me recebe, e se o fizer assim, recebe o meu Pai.” Os doze saíram meio “sem graça”, dizendo um para o outro: “Que reino diferente esse que nós entramos... criança vale mais que gente grande. Agora é que eu me animei de segui-lo sempre. O menos é mais e o menor é o maior!” Recife, 02/09/18


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AS MÃES SÃO TODAS IGUAIS Certa vez, Jesus foi abordado por uma mãe, cujos filhos eram Tiago e João. Ela era a mulher de Zebedeu. Ela falou - “Senhor, tenho um pedido para lhe fazer, mas primeiro quero justificar. Eu tenho dois filhos maravilhosos, do tipo que toda mãe deseja ter. Não é porque são meus filhos que eu estou dizendo isso, não. Toda a minha vizinhança sabe disso. Quando crianças eram estudiosos, não brigavam entre si, iam à Sinagoga todos os sábados comigo, não viviam pendurados na Internet e por aí vai. O meu pedido é que no teu reino fique um assentado na cadeira da direita e o outro, na cadeira da esquerda. O Senhor sabe como é. Como mãe a gente quer sempre o melhor para os nossos filhos. Vou só dar uma dica. Um poderia ficar como vice e o outro com um ministério tipo Educação ou das Finanças do reino.” Ocorre que diante dessa argumentação, os outros dez discípulos ficaram muito chateados com o pedido. Será que eles estariam querendo pedir a mesma coisa? Mas Jesus, que conhece os corações falou:--“Você e seus filhos, apesar de me acompanharem esse tempo todo, ainda não entenderam nada do meu ensino. Mas eu vou repetir: esses lugares disputadíssimos, não me compete escolher. Agora quem quiser ser o maior, esse deve servir aos outros. Para isso é que eu vim. Por falar nisso, porque eles não começam agora mesmo a servir. Estou vendo que o piso da Sinagoga está empoeirado e o lugar onde nos assentamos, também. Cada um já poderia ficar com uma tarefa dessa. Lembro a vocês que eu, o filho de Deus, não vim para ser servido, mas para dar minha vida para a salvação de muitos.” E aquela mãe foi para casa refletindo sobre as palavras que ouvira. Chamou os filhos até ela e disse: “Aquele plano de vocês não colou. É melhor vocês servirem ao reino do que ficarem em busca de posições de destaque. Entenderam?” Recife, 02/09/18


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VIVA O CONSUMO O consumo é algo muito intenso em nosso país, apesar de ter milhões de pessoas com baixo poder aquisitivo. Existe em todas as camadas sociais. Quando se consume muito, não se faz poupança, dizem os economistas. Cito alguns exemplos. Festa de casamento, que até os anos 70-80 se resumia, de uma maneira geral, a oferecer um pedaço do bolo da noiva com um copo de refrigerante, no salão anexo do templo, transformou-se num grande espetáculo de altíssimo custo, para tudo se acabar em poucas horas. Os noivos ou seus pais têm que contratar uma empresa para coordenar tudo, o que não é fácil. Tem que ter cerimonial, para dizer quem entra primeiro, onde senta e onde fica esperando. Fora isso têm os convites, bolo, os comes e bebes, filmagem, fotografia, uma ou duas bandas para tocar, os arranjos de flores tanto para a igreja como para o salão de festas, garçons, os brindes para testemunhas, para colocar sobre as mesas, as sandálias para as mulheres descansarem dos sapatos altos e apertados, spots para iluminar alguns docinhos, por sinal, bastante sofisticados, sistema de som, gerador para a hipótese de faltar energia... e por aí, vai. E para ser realista, ninguém sabe se apesar desse consumo todo, o casamento vai durar mais que 3 anos... a impressão que me dá, é que cada festa de casamento tem que superar aquela que o novo casal assistiu anteriormente. E como são as festas de formatura hoje? Nos últimos anos tenho ido a algumas. Parece festa de casamento. Tem cerimonial, banda, fotografias tiradas 6 meses antes, filmagem, chuva de confetes com um instrumento com ar comprimido, que faz os papeizinhos voarem longe. A entrada de cada formando é acompanhada de uma música de escolha sua, com coreografia, além das lembranças para cada mesa. Há uma exclusividade na fotografia pela empresa que foi contratada, de modo que ninguém pode tirar fotos com sua própria câmera fotográfica. Agora, quando se descobre, mediante exame, o sexo do bebê, tem


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um ritual cheio de mistério. Alguém autorizado vai até o laboratório e toma conhecimento do sexo do que vai nascer. É o mais absoluto segredo, maior até do que das sociedades secretas. No dia marcado, é feita uma festinha para que os amigos tomem conhecimento do precioso segredo. Os organizadores, que são os privilegiados da informação, fazem decoração tanto azul, como cor de rosa. E na hora da descoberta, quando os pais vão abrir as duas caixas que contêm o segredo, da caixa cuja cor é o sexo da criança, sai um bocado de papel picado. Dessa forma, o sexo do futuro cidadão é conhecido por todos. Tudo isso com muita decoração e comes e bebes. Ufa! É cansativo só descrever. O nascimento do bebê também se transformou numa apoteose, principalmente se for cesárea. A grávida e marido convidam pessoas para participarem do evento nas instalações da maternidade. Há despesas com filmagem e fotografia do nascimento. É feita a decoração do apartamento e, algumas vezes há uma pequena festinha num salão adequado pra isso, regado a comidas e bebidas. E quase sempre com a mãe na cama hospitalar, ainda sonolenta e relaxando do estresse do parto ou cirurgia. Para que não fique tão simples esse momento, existem durante os doze meses seguintes ao nascimento, uma festinha para comemorar cada mês que o (a) bebê completa. Aos 12 meses é a festa já tradicional do primeiro aniversário. Tudo isso sem falar do consumo sempre frequente com iPhone, tênis ou roupa de marca. Dá uma dor você ver pessoas de baixo poder aquisitivo que não têm nenhuma poupança para um eventual desemprego ou doença na família, endividar-se com bens de consumo de rápida obsolescência, por influência da mídia ou dos amigos e vizinhos. Ainda bem que não sofisticaram ainda o funeral... Recife, 02/09/17


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A PEQUENA TALITA Esse foi o nome que me deram antes do meu nascimento. Talita nome tirado da Bíblia, que significa menina ou menina pequena ... Nasci na maternidade do IMIP em Recife, Pernambuco, no dia 15 de junho de 2018. Era uma sexta-feira, às 19:00 h. Nesse dia, nasceram também anos atrás Mohamed Salah, jogador da seleção egípcia e Nando, um famoso músico e eu, também famosa. A cidade toda se preparando para começar os festejos juninos e eu lá querendo vir ao mundo de qualquer jeito, mesmo sem ter tanto peso, só 750 gramas. Meu corpinho ainda imaturo, entubada, pulmãozinho ainda incapaz de respirar tanto ar poluído, minhas defesas ainda fracas e eu lá, querendo sair do calor do útero e conhecer todos vocês. Devido à minha pressa, vou ter que passar alguns dias na incubadora, com muitos tubinhos plásticos ao meu redor. Mas vale a pena, pois quero sair de lá, bastante forte. Confesso que foi difícil, exames vários, toques na minha mãe, empurrão pra lá, empurrão pra cá, mãe com dores, pai ansioso, vovó Ana estressada, vovô Carlos calado, tia Israela no trabalho acompanhando passo a passo pelo WhatsApp (nem sei o que é isso ainda), equipe médica decidindo e Deus comandando, para que tudo desse certo. Antes de nascer, dei muito o que falar. Fomos para o Hospital da Mulher, entradas no IMIP, contrações, dilatações, mãe tomando corticoide, e outros nomes que não sei dizer. E eu querendo sair antes do tempo. Resolvi nascer oito dias antes da data do nascimento do meu pai. Como está o mundo para me receber? Só sei que falam muito nas festas juninas, na Copa do mundo que começou um dia antes do meu nascimento, num tal de Neymar Jr. que é a esperança do time, aquele com cabelo pintado de loiro. Falaram, há pouco, que houve recentemente uma famosa greve dos caminhoneiros, que vai ter eleições para presidente esse ano, que há muita roubalheira nesse Brasil que me recebe, que a saúde no país está doente, a educação e segurança tam-


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bém. Mas eu cheguei e estou aqui para fazer a minha parte. Deixa-me crescer para vocês verem.... Essa será minha primeira Copa e eu, aqui na incubadora, sem poder assistir nenhum joguinho. Ouvi também que minha cidade é muito bonita, cheia de rios, mar e tem até tubarões... acho que nunca vou pisar naquela água salgada. Como ninguém esperava que eu fosse nascer tão cedo, vovô Carlos se preparou para assistir a abertura da Copa, mas como estava na maternidade, não assistiu. Depois pensou em assistir ao jogo Portugal e Espanha, e nada.... não houve tempo. Tenho doze dias eu já estou tomando 16 ml. de leite materno. O tempo foi passando e o time do Brasil jogando... finalmente perdeu para a Bélgica. Eu até gostei, pois, as Técnicas de Enfermagem passaram a cuidar mais de mim. Mudanças ao meu redor. Meu pai passou a andar mais arrumado e minha linda mãe vem me ver sempre com o cabelo bonito, cacheado. Será que meu cabelo vai ser parecido com o dela? De vez em quando, tenho apneia (paro de respirar). Dizem que eu “esqueço” de respirar. Mas não é nada disso... meus minúsculos pulmões ainda não estão maduros. Dentro de algumas semanas, não darei mais susto em ninguém. Papai sempre tem uma teoria para tudo, mas ainda não entendi nada dessas tais teorias. Minha mãe passa quase o dia todo ao meu lado na incubadora. Às vezes fica do meio dia até às 9 horas da noite. Tudo isso para que eu tome o melhor leito do mundo... o da minha mãe. Já fiz todos os exames, recebi transfusões de sangue, fui entubada e extubada... e estou doida para ir para casa e conhecer minhas avós, avôs (tenho três), tias, primos e uma cachorra muito metida e grande, chamada Luna. Ela não imagina o que eu ainda vou aprontar com ela. Quero conhecer também o que tanto falam, o Pequeno Grupo da Igreja Batista Emanuel, no qual sou sempre motivo de orações, a Box onde meu pai trabalha, a Oh Boy, onde minha mãe rala, o rio Capibaribe, a praia de Boa Viagem, ficando bem longe dos tubarões, as pontes do Recife, a famosa Nazaré pernambucana (terra de minha


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mãe), o Corpo de Bombeiros onde meu pai vai ser um, a casa de Gravatá, o marco Zero, o Museu do frevo... Ainda tem Rutinha, Esterzinha, Bibi, Daniel e meu priminho que também foi prematuro... Puxa, já cansei só em pensar! Acho que vou levar uns 5 anos para conhecer tudo isso. Nasci numa época de muita agitação... além da Copa do Mundo, o time de futebol de adolescentes da Tailândia, o Javali selvagem, ficou preso numa caverna e só hoje 10/07/18, após 17 dias retiraram o último dos jogadores. Todo o mundo torcendo pela saída do time da caverna e outro grupo torcendo pelo meu amadurecimento e crescimento. Consegui obter alguns trechos de conversas entre minha mãe e meu avô Carlos: [26/6/2018] Layne: Tatá está super agitada. [...] Layne: Chorando com fome porque não comeu às 15 horas, porque tinha que tomar remédio. A Enfermeira fez um lacinho e ela o arrancou; está puxando o tubo de oxigênio quando não está chupando o acesso. [...] Layne: Falei com a médica e ela disse que o sopro no coração está sendo medicado e o ruim dele é que demora mais para ela sair do tubo, o que a deixa mais vulnerável à infecção. [...] Layne: No mais, ela está respondendo bem. [4/7/2018] Layne: Sua neta está bem. Já está em outro estágio de respiração, o equipamento agora só está dando um suporte, mas quem controla tudo é ela. A médica falou que agora é só aguardar ela ganhar peso. [...] Layne: E ver como ela responde esses dias para retirar totalmente os equipamentos. [5/7/2018] Layne: Tiraram todos os equipamentos. Ore, vovô, para que eu consiga me livrar deles de uma vez. [...] Carlos Alfredo Melo: Aleluia!. [...] Layne: E a pequenininha continua firme e forte. [...] Layne: Conversou com a mãe. Quando parei de falar, ela chorou. Voltei, ela acalmou Mooo. [...] Layne: A técnica me deu um lenço e Talita para eu ficar no braço enquanto limpava a incubadora. Ela ficou com o olhão para mim, chupando a sonda com


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fome, bem calminha. [6/7/2018] Layne: Tá ruinzinha visse? [...] Layne: Se não der certo, devem entubar novamente. [...] Layne: Vão tentar ver se melhora, mas pediram para eu sair porque não estava.... [...] Layne: Voltou para a Ventilação não invasiva (VNI) [... Layne: Tá com a saturação bem baixa. Em 23 de julho, levaram-me para outra sala de prematuros. Já estou perto de ir para o método Canguru e depois de chegar a 1,7 kg ir finalmente, para a minha casa..... viva!!! Mais tarde soube que estou com enterocolite necrosante. Pelo nome, não é coisa boa. Suspenderam minha alimentação. Vou começar a tomar antibiótico para ficar logo boa. Fui entubada novamente e voltei para a incubadora dos que estão necessitando de mais cuidados. Estou sedada. Minha avó, hoje, (24/07) teve a sua dissertação do Mestrado aprovada. Fiquei muito alegre com isso. Apesar disso, não estou passando bem. Os antibióticos não estão fazendo efeito. Hoje, 25/7, continuo tendo diminuição nos batimentos cardíacos. Meu estado está muito grave mesmo. Dia 26/7, estou com 42 dias de vida. Hoje é Dia dos avós... estou sentindo que vou voltar para o Pai... estou muito fraquinha... Voltei para o Pai... fui recebida com muita alegria.... Recife, 27/07/18


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MUDAREMOS ESSE PAÍS!!! Algumas reflexões pós eleição do primeiro turno. Aconteceu um fato muito bom para o país. Muitos políticos que estavam, há muito tempo no poder, sem cumprirem o seu papel e, alguns, com sérias implicações na Lava jato, foram afastados pelo voto. Viva a democracia!!! Dentre os conhecidos estão: Dilma, Delcídio, Eunício, Edison Lobão, Garibaldi, Romero Jucá, Lindbergh, família Sarney, Pimentel, Perilo, Requião e outros. Outro fato que chama atenção foi o envolvimento dos evangélicos nessa eleição. Até anos atrás, os líderes não faziam campanha eleitoral partidária entre os seus fiéis. Agora, isso acabou. Grandes lideranças nacionais fizeram isso de maneira escancarada. Minha impressão é que eles se sentem os próprios representantes de Deus, nesse terreno tão escorregadio, cheio de corrupção e onde a maior parte procura atender apenas aos seus próprios interesses. Quero ver quando vieram as medidas impopulares, ou mesmo erradas ou radicais. Como será a explicação que será dada aos “inocentes” que cegamente seguiram a tais orientações? Isso vale para qualquer dos candidatos que nos governará a partir de janeiro próximo. Mas eu acho que o Brasil tem esperança... já pensou se cada líder, ou mesmo um seguidor dele, se envolver com os problemas do país como se envolveu com a divulgação do seu candidato? Mudaremos esse país, não tenho dúvida alguma. Pessoas que nunca declararam sua fé nas redes sociais, hoje fazem divulgação do seu candidato todos os dias, várias vezes ao dia. Imagine todo esse pessoal engajado em projetos sociais, voluntariado, cidadania, contra a corrupção, escrevendo sobre ética, moral, valores cristãos, tratando bem sua esposa/esposo, seus filhos e seus idosos, sendo solidário, pacificador, tratando da política eclesiástica sem arrumadinho, respeitando os que pensam contrário ao seu voto. E ainda, não trancando a garagem das casas vizinhas ao templo no domingo na hora em que o cidadão está querendo ir para o seu lazer, não fazendo fila dupla quando leva o filho na escola, não sonegando o imposto de renda, ou outro qualquer.


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Finalmente, quando colocarmos toda essa nossa energia e motivação, para cumprir o nosso papel de cidadão e de cristão, aí posso dizer: mudaremos esse país, independente de quem seja o próximo presidente. Recife, 09/10/18


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O PASTOR QUE DAVA LEITE! Nos aos 60, por conta da ilha de Cuba ter se tornado comunista, houve uma preocupação dos Estados Unidos de ajudar países da América Latina, especialmente o Brasil, para evitar a onda vermelha que poderia se instalar nessa região. E no Brasil, o Nordeste foi alvo de um cuidado especial. Foi instalada então a Aliança para o Progresso que utilizava as igrejas evangélicas e católicas para distribuir leite em pó, trigo, roupas etc. A Igreja Presbiteriana Independente de Casa Amarela, situada na estrada do Arraial era uma das que participava da distribuição. Rapidamente a comunidade ao redor tomou conhecimento da notícia e o templo era sempre bem frequentado. Apareciam nos cultos pessoas que nunca tinham passado nem na porta do templo. Uma vez por semana, à tarde era feita a distribuição aos carentes. Vinha gente de Monteiro, Morro de Casa Amarela, Morro da Conceição, Alto José do Pinho, Casa Forte entre outras localidades. Com a suspensão do programa, uns dois anos depois, as visitas à igreja foram ficando cada vez mais raras. Certa vez, uma senhora da igreja se encontrou com uma mulher que frequentava aquele local e nunca mais tinha ido. O diálogo das duas foi assim: -“Teresa, você nunca mais apareceu na igreja! Sentimos a sua falta”. Teresa reponde:-“ Eu ia lá na época em que o pastor dava leite. Ele não está dando mais o precioso alimento.... por isso, não fui mais lá”. O pastor era Vicente Filipe e a gente brincava e dizia: lá vem o pastor que dava leite!!! E o leite secou. Recife, dia dos pais de 2018.


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CAÇADORES DE BAOBÁS O Parque da Jaqueira é um ambiente muito aprazível na cidade do Recife e fica muito perto do local onde resido, há 20 anos. Durante minhas muitas caminhadas nele, observei diversos tipos de pessoas interessantes. Sempre gostei de apelidar alguns ilustres desconhecidos. Um casal eu chamava de Almeida e Berenice, por lembrarem de alguma maneira aquele casal tão amigo de papai. Depois de algum tempo só via a esposa. Outro dia alguém perguntou pra ela: “cadê o esposo?” Ela disse que ele havia falecido de repente. Outro tem o apelido de Júlio Máximo, um cearense de Abaiara que havia trabalhado comigo em Natal. Mira é uma senhora que lembra a que tinha trabalhado na casa de mamãe na minha adolescência. Outro senhor lembra muito Zwinglio, engenheiro aposentado residente em Natal e hoje, pastor, que deixou a Barreira do Inferno para ser pastor e hoje tira pessoas do inferno. Um grupo sempre presente caminhando era o que fazia parte o Dr. Silvio Guimarães de saudosa memória. Ele era meu vizinho, médico ortopedista e havia sido também presidente do Sport Clube do Recife. Faleceu de um AVC. Era um grupo sempre animado, conversando coisas leves, ótimas para um início do dia. Eu ouvi desse grupo a notícia da eleição do deputado pernambucano Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara Federal em 2005, tendo renunciado naquele mesmo ano, acusado de corrupção. A eleição ocorreu de madrugada e eles às 6:00 h da manhã já estavam me informando em primeira mão. O jurista e ex-governador Joaquim Francisco é pessoa constante nas suas caminhadas matinais, com seus passos firmes. Mora vizinho ao Parque. O atual secretário da Justiça do governo de Pernambuco, sr. Pedro Eurico de vez em quando aparece. Já encontrei outras vezes o amigo Homero Thomas dando suas voltinhas de mil metros cada. O amigo René Bezerra certa vez teve sua “bike” roubada de dentro do bicicletário da Jaqueira. Em determinada ocasião, ele viu um


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rapaz roubando uma bicicleta no mesmo local onde havia deixado a dele. Ele não pensou duas vezes. Atracou-se com o suspeito até que apareceu um policial e levou o rapaz para uma delegacia e René o acompanhou para registrar a ocorrência. O processo ainda rendeu um bom tempo. Vera, também, minha vizinha, sempre é vista correndo na Jaqueira. Nos últimos anos tinha, um compromisso com Heleno e Marcos Cezar para nos encontrarmos todas as quintas-feiras às 6:45 h para caminharmos juntos e batermos um papo. Às vezes também com Ceça, irmã de Marcos. Não me perguntem para que tanta precisão de horário para três aposentados que moravam perto. Agora, Heleno retornou para Natal e o grupo de dois, se desfez. Mas, o bom mesmo de passear na Jaqueira era ultrapassar algumas pessoas, em duplas ou triplas, ouvir um pequeno trecho da conversa e sair deduzindo que história estava sendo contada. Certa feita, uma mãe compartilhava com uma amiga que seu filho havia engravidado a namorada e queria que ela fosse contar o ocorrido à “fera”, o pai da namorada. Ela contou que disse ao filho: “você teve coragem de fazer o filho? Agora tenha coragem de contar ao futuro vovô”! Durante vários dias seguidos, eu passava por um empregado do parque que utilizava um soprador para limpar folhas e areia que cobriam parcialmente a pista dos pedestres caminhantes ou corredores. Aquilo me incomodava por jogar poeira em cima de alérgicos como eu. Um dia, perguntei quem era o seu chefe para questioná-lo sobre aquele procedimento espalhafatoso. Ele me indicou o chefe e também perguntei a ele quem era o seu chefe. Ele me levou até uma engenheira responsável, a qual argumentou que trabalhava com um quadro reduzido de profissionais e achara que aquele método seria mais produtivo. Realmente a reclamação fez efeito, pois nunca mais vi o tal soprador tirando folhas da área e jogando areia na pista. Presença constante no parque é um senhor que conserta máquinas de costura e que passa uma boa parte da manhã, lendo sua Bíblia numa mesinha de concreto existente ali. Poucas vezes vi alguém se dirigindo a ele.


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A Capela da Jaqueira é um monumento à parte. Sempre tiro foto dela e nas suas laterais e levo algumas pessoas para pousarem ali na bela porta verde. Ambiente pequeno e bem aconchegante. Para se agendar um casamento nela, é necessário agendar dois a três anos antes. Diz-se até que primeiro você agenda a Capela da Jaqueira e depois procura o noivo(a). Um dia me disseram que a Jaqueira possuía quatro baobás, aquela árvore do livro ”O pequeno Príncipe”, de origem africana, que tem muito em Pernambuco e que dura mais de 500 anos. Perguntei aos seguranças e a outras pessoas e ninguém sabia onde eles foram plantados. Numa manhã, caminhando com Heleno e Marcos, começamos a procurar a famosa árvore, descobrimos uma por uma as quatro árvores e nos tornamos “caçadores de Baobás”. Recife, 23/02/18


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VARRE, VARRE VASSOURINHA No ano de 1960, as eleições para presidente da república ocorreram no dia 3 de outubro. O eleito foi o Jânio Quadros. Em seguida, ficou o Mal. Henrique Teixeira Lott e em terceiro lugar o Ademar de Barros. Naquela época, o mandato era de 5 anos, era preciso ser maior de 18 anos para ser eleitor, os analfabetos não podiam votar e o eleitor poderia votar no presidente de uma chapa e no vice da outra. O que ocorreu é que foram eleitos Jânio do PTN com 5,6 milhões de votos e João Goulart do PTB com 4,5 milhões, como vice. Curioso é que o Milton Campos da UDN, também candidato a vice, teve 4,2 milhões de votos. Por 300.000 votos, a história do Brasil, poderia ter sido diferente, pois com a renúncia de Jânio, em 25 de agosto de 1960, após sete meses de mandato, quem assumiu foi Jango, que foi deposto pelos militares em março de 1964. Jânio queria varrer a corrupção do país. O jingle da sua campanha foi: “Varre, varre, varre, varre, Varre, varre vassourinha, Varre, varre a bandalheira Que o povo já está cansado De sofrer dessa maneira Jânio Quadros é esperança Desse povo abandonado”. Ele usou como símbolo de sua campanha a vassoura. Lembro que papai usava na lapela um alfinete, com forma de vassoura. Até hoje não vimos isso ocorrer. E a esperança foi-se pelo ralo. Já o marechal Lott, cujo símbolo da sua campanha era uma espada, possuía o jingle: “De Leste a Oeste, De Sul a Norte, Na terra brasileira, É uma bandeira O marechal Teixeira Lott.”


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Como Ademar de Barros já havia perdido a eleição presidencial anterior, seu jingle de campanha era apenas a frase “Desta vez, vamos com Ademar...”. Jango, do Rio Grande do Sul, já era vice-presidente e se candidatou à reeleição. Seu jingle era: “Na hora de votar, O meu Rio Grande vai jangar: É Jango, é Jango, é o Jango Goulart. Pra vice-presidente, Nossa gente vai jangar É Jango, Jango, é o João Goulart”. Houve na ocasião, um grupo que defendia a dobradinha JAN-JAN (Jânio - Jango). Tinha 11 anos na época, mas já me interessava muito por política. Acompanhei de perto essa eleição e seu resultado. Certa vez, ouvi Geovanira, amiga da família, dizer para papai: o negócio é votar cruzado JAN-JAN. O Brasil sempre buscando seu “herói”. Nos últimos cem anos, o primeiro foi Jânio, depois veio Collor como caçador de marajás e dizia que só tinha uma bala para acabar com a inflação e sofreu impeachment. Que na próxima eleição não apareça nenhum herói! Recife, 25/08/18 dia do soldado e dia da renúncia de Jânio Quadros


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VOCÊ VOTARIA NUM BODE, CACARECO OU NUM MACACO? Não é de hoje que o brasileiro na hora das eleições, seja para vereador, prefeito ou outro cargo, faz um voto de protesto. Relembro um pouco a história da política de Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo e como esses protestos apareceram naqueles estados. Comecemos por Pernambuco. Um animal apelidado de “Bode Cheiroso” foi eleito vereador no município de Jaboatão dos Guararapes, em nosso Estado. Papai gostava muito de contar que no final da década de 60, a população da cidade de Jaboatão estava indignada com o perfil dos candidatos a vereador (parece notícias de hoje) e, em protesto, resolveu votar em massa num bode que andava pelas ruas da cidade, mais conhecido como Bode Cheiroso. E não deu outra: o Bode Cheiroso foi eleito com centenas de votos! Pena que o bicho não pode assumir o cargo porque foi considerado um candidato nulo pelo TRE. Pensei que era porque ele não tinha paletó e gravata para tomar posse. As eleições, naquela época, eram muito diferentes das de hoje. Obviamente, naquele tempo não havia urna eletrônica. Existiam as cédulas eleitorais, as quais eram distribuídas em grande quantidade durante as campanhas. O nome do Bode não constava nas cédulas de votação, porém o povo bravamente escrevia “Bode Cheiroso” em cédulas em branco. No dia da eleição, as ruas ficavam inundadas daqueles papéis. Teve gente que aprendeu a escrever só para poder votar. E o nosso povo muito criativo, criou através do Luiz Wanderley uma música que diz assim: Bode Cheiroso “Olhe como é que pode, me diga, doutor O diabo dum bode ser vereador Foi na eleição de Jaboatão que o bode cheiroso se candidatou Quando foi na hora da apuração, a maior votação o bode levou...”


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Letra e música completa no link: https://www.youtube.com/watch?v=d56ujwYvHd8 Hoje se fala muito em “ficha limpa”. O bode, que era “ficha limpa”, apesar de sujo e fedorento ganhou mais votos do que alguns candidatos que usavam bons perfumes, mas em compensação, os seus atos eram bastante sujos. Contam que tinha até uma bandinha para cantar a música do bode, durante os comícios. Vamos agora para São Paulo. Cacareco, apesar de ser nome masculino, foi um rinoceronte fêmea do Zoológico do Rio de Janeiro, emprestada ao de São Paulo, que nas eleições municipais de outubro de 1959, da cidade de São Paulo, recebeu cerca de 100 mil votos. Como os votos eram feitos com cédulas de papel e os eleitores escreviam o nome de seu candidato de preferência, o povo foi lá e sapecou na cédula o nome Cacareco. Teve música também. A música Cacareco (carnaval de 60) que você pode ouvir no link https://www. youtube.com/watch?v=PNNlH_VYKhk Marcha de Francisco Neto e José Roy “Ca-ca-ca-careco Cacareco cacareco é o maior Ca-ca-ca-careco Cacareco que ninguém tem dó. Eu encontrei o cacareco tomando chope com salsicha e rabanada. Mas lá no bloco da vitória ele gritava: aqui gelada, aqui gelada.” E no Rio de Janeiro. Enquanto isso entre os cariocas, em 1988, na eleição para prefeito, um chimpanzé do zoológico municipal chamado Tião, recebeu uma impressionante quantidade de votos, estimada em mais de 400 mil votos e foi o terceiro mais votado naquele sufrágio. São três épocas diferentes, três candidatos diferentes, mas o mesmo protesto. Votar num animal irracional em lugar dos racionais. Fica essa reflexão para as próximas eleições. Recife, 04/09/18


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CABO ELEITORAL POR UM DIA Eleições estaduais do ano de 1970. Eu era estudante de Engenharia Química, já no quarto ano. Para passeios e diversões, recebia uma pequena mesada dada pelo pai. Um dia aparece um convite irrecusável. “Você quer trabalhar e ganhar uma boa grana, no dia das próximas eleições, levando eleitores para votar”? Perguntou Jeremias, conhecido da minha futura sogra na época. Topei na hora. Tinha um fusca da família que era para ir para a faculdade e iria usá-lo nesse dia. As eleições eram para governador, senador, deputado federal e estadual. A eleição para governador foi tranquila. Como vivíamos em plena ditadura militar, foi uma eleição indireta feita pela Assembleia Legislativa. O eleito foi o Eraldo Gueiros com 100% dos votos (ARENA), pois os deputados do MDB se retiraram do plenário. Ele teve 44 votos. Para o Senado foram eleitos Paulo Guerra e Wilson Campos, ambos da ARENA. O empresário José Ermírio de Morais do MDB perdeu a eleição. A empreitada que me ofereceram foi trabalhar para o candidato à reeleição no cargo de deputado estadual, o médico Mario Monteiro de Melo do MDB, que era apoiado pelo rico candidato ao Senado, José Ermírio. O Dr. Mário morava na rua da Harmonia em Casa Amarela e era muito popular naquele bairro, pelos serviços prestados como médico. A tarefa era ir para a casa do candidato, onde um dos cabos eleitorais entraria no carro e ia orientando o motorista para ir na casa dos eleitores e levá-los até às zonas eleitorais, aguardar que eles votassem e conduzi-los de volta até às suas residências. Cabo eleitoral era a pessoa encarregada de conseguir mais eleitores para os candidatos que eles apoiavam. Cheguei cedo à casa do candidato a deputado, apresentei-me e já indicaram o cabo eleitoral que iria me guiar durante o dia. Vários outros carros com motorista, aguardavam instruções. Ele entrou no fusca e disse: “vamos para tal endereço, num bairro afastado da cidade.” Lá, os eleitores já nos aguardavam ansiosos. Um casal. Eles nos infor-


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maram onde deveriam votar. Fomos até lá e fiquei aguardando que eles votassem. Após isso, levamos o casal até à sua residência. Assim sendo, partimos para o próximo endereço e repetimos a operação. Chegou a hora do almoço... fomos almoçar e depois das treze horas começamos tudo de novo. Às 17 horas, estava eu na casa do deputado para receber o salário referente à tarefa combinada. Cabo eleitoral por um dia. Resultado: o deputado Mário foi reeleito e o senador, gastando rios de dinheiro, perdeu a eleição. Que eleiçãozinha cara... um carro à disposição para dar a ele uns sete a oito votos. Hoje, há uma rua no Recife e um Centro de Saúde com o nome do deputado Mário Monteiro, em sua homenagem. Ainda bem que as eleições no nosso país agora estão mais moralizadas. Carregar eleitor para votar, agora é proibido, bem como outras práticas antigas, como distribuir camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas, bens ou materiais que proporcionem vantagem ao eleitor. Viva o Brasil!!! Recife, 18/08/18, há 50 dias das eleições presidenciais de 2018


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JUNINHO, VIVEU INTENSAMENTE Não concordo que os pais coloquem o nome de Júnior nos filhos. Deveria ser proibido. Porque eles quase sempre perdem a identidade. Fica assim: Júnior ou Juninho de Ana, Juninho de Nathanias, Júnior de Edionor, Júnior de Lídia, Júnior de Washington etc. Esse a que me refiro é Juninho de Vicente, ou Vicente Felipe de Souza Júnior. Nasceu no dia 20/08/1947. Faria hoje setenta e um anos. Convivi muito com ele na sua infância e adolescência. Impossível brigar com ele. Uma coincidência nas datas dos nascimentos dos primos: Alfran, meu irmão em 10/08, Júnior de Vicente e Débora em 20/08 e Nilma de Soledade e Pedro Julião em 30/08, todos do mesmo ano e primos entre si. Foi o filho primogênito do meu tio por parte de mãe. Sua irmã Jane Cleide, nasceu onze anos depois. Quando tinha catorze anos, estudou interno no Colégio Americano Batista do Recife e passava os finais de semana lá em casa. O motivo é que os pais moravam em Natal e queriam dar uma melhor educação a ele. Quando criança, a gente brincava de circo, talvez como influência do filme Trapézio, com Gina Lollobrígida, Tony Curtis e Burt Lancaster na garagem da nossa casa na Rua Raimundo Freixeiras, Juninho enchia a boca de querosene e soprava numa chama e saia uma labareda que assustava a todos. Ele sempre foi muito intenso. Quando surgiu o rock n’ roll, ele aprendeu a tocar violão e imitava Elvis Presley, até na cabeleira. Quando surgiu o rádio portátil, ele tinha um bem grande. A gente dizia: lá vem Juninho com a sua geladeira. Semelhantemente à sua mãe, ele tinha um ligeiro desvio no olhar, o que era uma marca registrada dele. Casou muito cedo, aos dezoito anos de idade com Marlene Alice, que tinha dezesseis. Desse enlace, em poucos anos nasceram Vicente Neto, Marcilio, Simone, Michele e Micheline, sendo as duas últimas gêmeas. Não fez faculdade e ganhava a vida com trabalhos simples. Foi taxista por um bom tempo. Teve um pequeno comércio na cidade de Campina


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Grande e também vendeu um tipo de folha de plástico com 3 faixas de cores (uma na cor azul, uma verde, e outra amarelo) para ser usada na frente do aparelho de televisão preto e branco, para dar uma ideia falsa de TV colorida inexistente no país na época. O brasileiro sempre com sua criatividade. Porém tinha um problema. A cabeça do artista ficava azul, o tronco, amarelo e as pernas, vermelhas. Mas coloria alguma coisa. E daí? Isso ocorreu no final dos anos 60. Ele era assim. Uma época estava super integrado na igreja. Outra época, não queria nem saber! Em novembro de 1977, papai me deu por telefone a notícia da sua morte trágica, num acidente de automóvel, na estrada de Santa Rita para Cabedelo. Todos ficamos chocados. Tinha na época 30 anos completados em agosto. Deixou Marlene viúva, muito jovem com 28 anos de idade e cinco filhos. Não deixou pensão. Mas Deus ampara os órfãos e as viúvas (Salmo 46.9). Vicente, o pai dele e Cap. João Luís, pai dela, mantiveram a família o tempo necessário para criar os filhos. Quando do falecimento de Juninho, Vicente estava em campanha pelos estados do Brasil com o fim de arrecadar fundos para a compra do Seminário Batista em Tejipió e só chegou um dia depois. Ele interrompeu a viagem, sepultou Juninho e voltou para concluir a campanha. Foram meses viajando. Joélia, amiga comum, conta da emoção do pai ao abraçar o seu primeiro filho, tão jovem, num caixão indo para a sepultura. Marlene tem hoje dez netos e três bisnetos. Juninho teve uma vida tão curta.... Deixou muita saudade para todos nós. Viveu intensamente. Recife, 20/08/18 Post Scriptum: Filhos, netos e bisnetos. Vicente Neto: Diego e Débora (filha Gabriela). Marcílio: Camila e Lucas. Simone: Henrique (filha Leticia), Sarah e Sâmia. Michele: Bruno. Micheline: Mateus e Vinícius.


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BARBARIDADE TCHÊ Junho de 1974, em pleno inverno, chegávamos em Porto Alegre eu e Zara. Tarde chuvosa. No dia seguinte, a temperatura estava em 5 graus centigrados. Houve um período de adaptação ao clima, comida e cultura. Naquele tempo, não havia essa integração entre as diversas regiões do país, além do mais a região dos pampas sempre teve seus costumes próprios. Eu saia pela manhã para trabalhar com o Lauro, colega e amigo que começou na Petrobras no mesmo dia que eu, e tomávamos café numa Sanduicheria. Quase todos que lá chegavam, pediam uma batida de alguma fruta. Nós ficávamos pensando como pode eles tomarem uma batida, como a conhecíamos (com cachaça), a essa hora da manhã. Batida para os gaúchos é a conhecida vitamina. Bem em frente à Sanduicheria, havia a Whiskeria. Ao final do lanche, a gente perguntava quanto custava e o rapaz dizia: 5 pila (usado sempre no singular), pois era assim que os gaúchos se referem à moeda vigente no país. Esse nome vem de Raul Pilla, um constitucionalista gaúcho que se refugiou no Uruguai sem levar dinheiro algum. Seus partidários, para ajudar no seu sustento, passaram a cotizar-se vendendo bônus, que depois passaram a ser negociados, como dinheiro entre os seus partidários. Daí a palavra pila. Na Petrobras, o famoso crachá era chamado de lambreta. O meu colega Ruberval sempre dizia que tinha dois guris ou piás, sendo que o mais velho possuía um autorama e os carros daquele brinquedo ele chamava de autinhos. Piá é uma forma carinhosa que eles chamam os meninos. Eu e o Lauro passamos muito tempo procurando saber onde poderíamos comprar a famosa marmita, para Olga e Zara almoçarem, quando estivessem em casa. Ninguém sabia o que era. Em algum momento, descobri que lá era chamada de vianda (almoço em espanhol), e reparamos que tinha a placa “fornecemos vianda” em quase toda esquina.


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Nos dias frios, após o almoço, ouvia sempre alguém dizer: vamos lagartear e seguia para ficar tomando banho de sol. Era exatamente isso, ficar como um lagarto ao sol. Nem sempre eu entendia o cardápio dos restaurantes. Às vezes, víamos frango com polenta e radite, outras, cordeiro mamão (que ainda mama). Demorei a me acostumar com esse tipo de hortaliça de sabor amargo (radite), com a polenta, da culinária italiana feita de fubá e com esse cordeiro com poucos meses de vida. Quando comi tatu recheado pela primeira vez, achei que estava comento um tatu, o qual tinha sido esvaziado e preenchido com um recheio e servido. Depois descobri que era aquela peça da carne que eu conhecia como lagarto. Já o quentão, bebido nas festas juninas, é um vinho quente para aquecer as noites frias. Na escola, os alunos usam muito o polígrafo, que é a famosa apostila. Nos primeiros dias de trabalho, eu e o Lauro ríamos muito quando Beatriz e outras gurias diziam que estavam “tirando um sarro” com alguém. Na minha terra isso tinha outro significado. Lá era apenas “zombar ou rir-se de alguém”. Outra gíria local que demorei a me acostumar foi “mijada”, que é quando alguém é chamado à atenção; quando alguém faz alguma besteira e outro vai lá e reclama, dá uma bronca. As colegas de trabalho diziam muito: “o chefe deu uma mijada em fulano”. Lá se usa muito carpim, termo comum no Sul, que são as meias finas de homem para serem usadas em sapato, e patente é vaso sanitário (diz-se que os primeiros vasos vinham com uma informação patented (em inglês) e as pessoas mais simples passaram a chamá-lo de patente. Chega uma guria toda faceira (mulher alegre, charmosa), desce do seu fuca (fusca) e pergunta ao brigadiano (policial da Brigada Militar). Bá tche... na sinaleira, ou sinal de trânsito, antes da lomba (ladeira) há uma pechada (batida ou acidente de carro). Tu podes ir até lá? Depois de muita trova (conversa), ele segue para lá mascando seu chiclé (abreviatura de chicletes). Não prestou muita atenção e tropicou no cordão da calçada (meio fio). É um bocaberta (pessoa molóide, deva-


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gar) resmungou a guria. Nos anos 74/76, quando morei lá, o Inter era um baita (grande) time e o Grêmio não estava com nada. Eles acham a praia do rio Guaíba, tri legal. Tri antes de algumas palavras, vale para tudo, inclusive como mulheres tri bonitas. Como em Pernambuco, Bompreço era sinônimo de supermercado, lá Zaffari (uma grande rede de supermercados) também o era. Lá, poderíamos comprar bergamota, também chamada de mexerica ou tangerina. Não poderia faltar o café colonial, que é aquela mesa farta de alimentos como pães variados, manteiga, queijos, chimia (tipo de geleia), bolos, presunto, embutidos, leite, café, chocolate quente, vinho, salsicha, cuca, carne de porco, biscoitos e mel, entre outros. Esse café é prato típico de Gramado, Canela e muitas cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Um grande amigo, do Rio de Janeiro, se casou e foi passar a lua de mel em Gramado. Ao chegar para almoçar, foi informado que o horário de almoço estava encerrado. Ele, muito comilão, pediu um café colonial, até então desconhecido para o casal e, uma pizza para rebater. Qual não foi sua surpresa, quando eles viram essa grande quantidade de guloseimas sendo colocadas à mesa. Eles ficaram imensamente constrangidos. O amigo só teve uma saída. Falou para o garçom: Barbaridade, tchê!!! Recife, 20/06/18


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O PRIMEIRO CHEFE A GENTE NUNCA ESQUECE Numa manhã ensolarada de junho de 1971, eu estava chegando na Escola de Química e me encontrei com um colega formado no ano anterior, chamado Adauto Pereira. Conversamos um pouco e ele me perguntou onde eu iria fazer o estágio curricular obrigatório no último semestre para os alunos concluintes de Eng. Química. Falei que não tinha achado nenhuma indústria. Ele me informou que a Elekeiroz do Nordeste, onde ele trabalhava, estava precisando de estagiário. No dia seguinte, fui até à indústria instalada no vizinho município de Igarassu, onde fui entrevistado pelo Engenheiro, Chefe da Produção, que tinha 3 anos de formado, Alexandre Leite Lisboa. Filho de militar, nasceu em Alegrete – RS, quando o pai servia naquela região. Ele tinha morado muitos anos em Niterói, no Rio. Engenheiro Químico, formado pela UFRJ tinha naquela empresa paulista seu primeiro emprego. Já nos identificamos ao primeiro contato e combinamos para iniciar o estágio no início de julho. Era uma fábrica compacta, de tecnologia francesa, que tinha como principais produtos octanol e butanol, álcoois utilizados na fabricação de plastificante, e tinha como matéria-prima o álcool produzido a partir da cana no estado de Pernambuco. Foi um período de grande aprendizado para mim. Unidades de processo, tratamento d’água, instrumentação, caldeira, refrigeração... Muitos processos para aprender, escadas metálicas para subir e descer, e engenheiros, técnicos e operários para conviver. Eu me deslocava diariamente de casa até à fábrica numa Kombi nova, que conduzia parte dos profissionais, almoçava lá num prédio, onde havia apartamentos e alguns técnicos solteiros residiam, e retornava para casa no final da tarde. O almoço era servido numa mesa grande onde o gerente geral, senhor César Calvo, um espanhol, ficava à cabeceira. Quase todos os dias ele me fazia perguntas e ao Ivan Quaresma, estagiário também da minha turma, sobre o processamento do álcool etílico para se transformar nos produtos finais. Era um sufoco. Eu tinha que mastigar bastante o que tinha na boca, para dar


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tempo de processar as respostas. No almoço, aprendi a comer salada de frutas, figo ou pêssego em compota com bastante creme de leite, que não era hábito de casa. Passados os seis meses do estágio, Alexandre nos informou que a Elekeiroz iria contratar um dos dois estagiários como empregado e fomos enviados a uma empresa de psicologia a fim de fazermos testes. Para minha alegria, fui o escolhido. Sendo assim, nos primeiros dias de janeiro de 1972, estava trabalhando como Eng. Químico naquele importante grupo empresarial paulista. O salário era mil e oitocentos cruzeiros por mês, em torno de oito salários mínimos mensais e o trabalho era como Chefe de turno. Eu trabalhava sete dias corridos no horário das 7:00 h às 15:00 h, sete dias de 15:00 h às 23:00 h e sete dias das 23:00 h às 7:00 h da manhã seguinte. Entre cada mudança de turno, eu tinha um dia de folga e de sete em sete semanas havia uma folga do sábado e domingo juntos. Cansativo? Não, apenas diferente. Mas com 23 anos de idade, tudo é festa, além do mais, ganhando um bom salário!!! A fábrica operava vinte e quatro horas por dia. Não podia parar a produção, exceto quando havia falta de energia elétrica ou para manutenção programada. Nos finais de semana, das 17:00 h até 7:00 da manhã, o Chefe de turno era o responsável por toda a unidade. Pense que responsabilidade para um garoto com apenas 23 anos!!! Havia vários operadores por turno e através dos painéis eles e eu controlávamos para que as variáveis de pressão, temperatura, etc. fossem mantidas dentro dos padrões pré-estabelecidos. Quando havia problemas operacionais nesses horários, o Chefe de turno telefonava para o Alexandre que morava dentro da fábrica. Ele dava as primeiras instruções e a gente retornava quando não conseguia resolver o problema. Mais de uma vez, após sucessivas ligações telefônicas, ele chegava na fábrica às 5:00 h da manhã e já começava seu expediente. A vida dele e da família era muito sacrificada. Lá, havia um equipamento chamado de gasômetro que armazenava o explosivo gás hidrogênio que era produzido e consumido no processo. Todos lá, engenheiros, técnicos ou leigos sabiam, que uma


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explosão nesse equipamento, poderia causar um grande incêndio e jogar a unidade e nós, pelos ares. Numa certa manhã de muita chuva, relâmpagos e trovões, precisamente às 7:00 h da manhã, quando todos os empregados de turno e da administração chegavam para iniciar os trabalhos, para espanto de todos, um relâmpago atingiu o gasômetro cheio do gás e começou a queimar o hidrogênio. Naquele horário, estava iniciando-se o meu turno. Era sabido por todos que, quando o gasômetro estava muito cheio, que era o caso naquela manhã, ele tinha uma válvula que aliviava sua pressão descarregando hidrogênio para a atmosfera. O motorista do ônibus que chegou, ao ver o desespero das pessoas, manobrou o veículo e o colocou para fora da unidade. Alguns pedreiros, que trabalhavam na construção de um muro dentro do terreno da fábrica, saíram na carreira mato a dentro. Costumo dizer que eles correm ainda hoje. Foi uma verdadeira loucura. Até que apareceu alguém e abriu manualmente uma válvula que dava alívio ao sistema de hidrogênio, a pressão baixou e o fogo apagou. Dia inesquecível na minha vida e nas de outros que presenciaram esse fato. Por pouco, eu não estaria hoje narrando o ocorrido. Nos últimos quarenta e cinco anos, desde que Alexandre deixou o Recife e voltou para o Rio de Janeiro, nos encontramos há uns 10 anos atrás e novamente ontem. Fomos a um Café, à noite, em Piedade e demos boas risadas nos lembrando dos demais colegas da época, suas histórias e idiossincrasias. Lembramo-nos do Fernando, Contador que tinha sido pai de gêmeas, Cursino chefe do escritório, dos operadores: Carlos, Diogo, Reginaldo, Cursino irmão do já citado, Xavier, Marcos estudante de Odontologia, Ernani laboratorista, do operador da Caldeira, do chefe do Setor de Pessoal, Dutra e Nino da segurança industrial, dos engenheiros: Adauto, Darlan, José Augusto, Fernando Trigueiro, Bonifácio, os chefes de turno; Antônio, que mora na Itália; Clovis Jesus, Ralfon, Cipriano que pintava com bico de pena e possuía os cabelos longos; os gerentes César Calvo, Alexandre, Jacó... No ano de 1972, entraram dois estagiários: José Augusto Dantas que em 1974 saiu para a Salgema, em Alagoas e Fernando Trigueiro,


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que em 1973 foi admitido na Tintas Coral. Alexandre, apesar do estresse que suportava, estava sempre bem-humorado, estilo carioca. Tinha uma vocação para trabalhar com projetos, de modo que esse tempo de fábrica lhe deu grande vivência. Possuía grande competência técnica, era ético, educado, tratava bem as pessoas e todas tinham uma grande admiração por ele. Voltou para o Rio em novembro de 1973. Não é à toa que se diz... o primeiro chefe, a gente nunca esquece!!! Recife, 06/06/18


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O PASTOR QUE FOI AO CHÃO Final dos anos setenta. Casamento de Elenita, filha de seu Luna, que havia sido participante da Igreja Presbiteriana Independente em Casa Amarela. Casamento simples, como eram os daquela época. Igreja cheia. Os oficiantes eram o pastor Eliel, irmão da noiva, Francisco Pereira e Alfredo Maciel. Não sei porque tanta gente para amarrar um casal! Começamos a ouvir o som do piano. Entrada das daminhas, noivo, testemunhas e, finalmente, a noiva entra e começa a cerimônia. Para surpresa geral, em dado momento em que o pastor Eliel falava, a emoção tomou conta dele, de tal forma que ele foi caindo em direção ao chão, foi se ajoelhando e caiu. Que cena... não lembro se Hollywood, já criou tal situação. Imediatamente apareceram uns convidados e pegando uns pelos braços e outros pelos pés, levaram-no para o salão anexo da igreja, onde se realizariam em alguns instantes uma simples recepção, com bolo e guaraná. Quis a providência divina que estivesse dentre os convidados um médico, Dr. Inaldo Lima, muito conhecido no meio evangélico. O médico, de imediato atendeu ao paciente, que havia tido uma lipotimia, termo médico para desmaio. A noiva, que não era para menos, deu um grito de desespero e partiu para se abraçar com seu quase esposo. Depois foi explicado que o desmaiado, havia sofrido um acidente automobilístico recentemente no estado de Sergipe, onde residia e ainda se encontrava emocionalmente muito abalado. A cerimônia foi paralisada enquanto o pastor era socorrido e prosseguiu depois, sendo que ele ficou sentado até o final, para não dar mais outro susto nos convidados. Alguns comentaram depois, puxa! Pensei que tinha sido convidado para um casório e ia terminar num necrotério, sem provar do bolo e do guaraná! Aeroporto de Madri, 14/04/18


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DIVALDO MUDOU-SE... Conheci Divaldo Ramos Martins, em 1982, quando fui residir em Natal. Conhecemo-nos na Igreja Presbiteriana do Natal, na rua Junqueira Aires e logo nos tornamos amigos. Nossas esposas eram amigas e nossos filhos também. Durante algum tempo, dividi com ele o ensino de uma classe na Escola Dominical. No final de 82, ele deixou o presbiterato, daquela igreja, e eu fui eleito para substitui-lo. Grande responsabilidade. O grande terraço da minha casa era um “mini campo” de futebol para Felipe, Paulinho (filhos dele e Lúcia) e Fred e Cesar, meus filhos com Zara. Certa vez, quando meus filhos estavam no portão de sua casa, apareceram uns ladrões e furtaram as bicicletas deles. Quando vim saber, o assunto já estava resolvido. A Polícia passou por lá e após dar um giro no quarteirão, conseguiu reaver as” bikes “. Era um dos gerentes do Banco Itaú em Natal. Abri uma conta lá e sempre usufruía do meu prestigio para não entrar em fila quando precisava ir ao caixa. Em sua função, era sempre elegante, atencioso e cordial com todos os clientes. Divaldo, em algum momento da sua vida profissional, deixou o Itaú e foi para o Banco do Estado do Rio Grande do Norte – BANDERN. Anos depois, o governo federal fechou todos os bancos estaduais e Divaldo perdeu o emprego. Foi um momento difícil para ele e sua família. Esse problema com o BANDERN rendeu a ele um mestrado, cuja dissertação foi sobre o determinado tema. Depois ele foi absorvido pelo governo estadual e trabalhou até se aposentar como Advogado no órgão. Construí uma casa ao mesmo tempo em que ele também fez isso no bairro de Lagoa Nova. No final daquela construção em 1983, eu não tinha dinheiro para concluir a obra. Numa reunião de Grupos familiares da igreja, ele comentou que havia retirado o PIS, pois quem havia se casado até 1972, poderia fazê-lo. Grande dica. Inesquecível! Era um bom dinheiro para quem estava construindo uma casa. Dois dias depois, eu pegava um ônibus, à noite, para o Recife, para retirar


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esse bendito e necessário dinheiro. Dessa forma, pude avançar na conclusão do que estava faltando na obra. Apesar de sermos muito diferentes, sempre que nos encontrávamos, saía muita conversa. Amigo é assim... você não concorda com a opinião do outro, mas a respeita. Gostava muito de contar histórias do tempo em que morou em Manaus. Depois que apareceu o câncer, nos vimos apenas uma vez, quando o visitei em Natal. Conversamos, rimos e ele não lamentou nem reclamou. Eu e meus filhos sentimos muito a sua partida. Mas, Deus tem o controle soberano sobre todo o universo. O lado bom é que ele descansou da luta de dois anos com a doença. Agora está livre de exames, diagnósticos, tratamentos, perda de peso, e tantos outros incômodos de uma doença terrível como esta. Daqui por diante é só usufruir da eterna morada com nosso Criador. Melhor lugar não há.... Recife 14/05/18


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IMPRESSÕES DA TERRA DE CAMÕES Tive a oportunidade de ir mais uma vez à terra de Camões. Dessa vez foi por um período maior e a maior parte do tempo numa única cidade – Porto, distante cerca de 300 km de Lisboa. Porto, além de ser banhada pelo mar, fica à margem do rio Douro, que a separa de Vila Nova de Gaia. Interessante que a região em frente à Gaia, é chamada pelos lusitanos de Miragaia (óbvio, não?). Nos primeiros dias em Portugal, sempre tenho uma sensação estranha. Você fala em português e paga em euros, bem caros por sinal. Certa vez, fui almoçar com meu filho Cesar e ele pediu dois pratos, peixe e vitelinhas, conforme constava no cardápio. Como eu tinha dúvidas sobre o que era o segundo prato, perguntei ao garçom: -“vitela é um tipo de carne de porco ou vaca?” O atendente das mesas meio irritado, gesticulou com as mãos e falou: -“vitelas são vitelas, ora pois, pois!!!” Noutro restaurante, o cardápio escrito num quadro-negro apresentava 5 opções de prato do dia. Ele foi nos atendendo assim: não temos o prato A, nem o B, nem o C. Apenas os tais e tais.... lógica interessante a deles... O bacalhau, como as demais comidas é servido com pouco sal, sendo que este último não é disponibilizado nas mesas dos restaurantes. Outros pratos típicos são arroz de tomate, arroz de feijão, francesinha (prato típico do Porto, feita com linguiça, salsicha, fiambre, presunto, bife de vaca ou lombo de porco assado e fatiado), tripas (também um prato típico daquela cidade, cujos habitantes são informalmente conhecidos como tripeiros) e as já escritas, vitelinhas. As sobremesas são bola de Berlim (um pão redondo cujo recheio é sempre um creme amarelo à base de gema de ovo), pastel de nata, rabanada, filhós (encontrado na Casa dos Frios no Recife), etc. Uma bebida típica fora o vinho do Porto, é a sangria que consiste em vinho tinto, água e frutas picadas. Um hábito das refeições portuguesas é tomar sopa como entrada no almoço e um pingo (café pequeno com um pouco de leite), após essa refeição.


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Merece um destaque em Porto, a Livraria Lello. Ela é uma das mais lindas do mundo e mantém sua fachada ao estilo neogótico portuense. Em seu interior, é possível reparar nos vitrais, detalhes em madeira e livros incríveis e antigos por todos os lados. O bacana do local é que os proprietários mantêm características da época em que os trabalhos começaram (1869). Porém, merece destaque de todos que por lá passam é a escadaria toda em madeira e de coloração vermelha. Dizem que algumas cenas do filme Harry Potter foram filmadas por lá, mas a certeza é que o local serviu de inspiração à escritora J. K. Rolling para a composição do cenário que vimos na ficção. Os universitários usam no período de aulas vestes pretas medievais. Alguns dizem que as mesmas influenciaram as utilizadas por Harrry Porter. Uma prática comum é eles cantarem em grupo nas ruas, inclusive as pessoas que os ouvem, deixam algumas moedas de cortesia. Bianca, minha neta mais velha, 6 anos, estuda numa escola pública, cujo ensino é em horário integral, perto de casa, ainda não sabe ler, mas já tem noções de teoria musical. Outro dia, me explicou o que era semínima, colcheia e assim por diante... A Escola que Daniel, que tem 3 anos, frequenta, é particular e instalada num primeiro andar de um prédio. O ensino religioso também é interessante, pois como a semana Santa foi recente, os alunos tiveram aula sobre a morte e ressurreição de Jesus, aprenderam cânticos produzidos no Brasil sobre o tema e a neta Bianca, ficou muito impactada com a história de Jesus, inclusive perguntando se Ele voltará ou é uma lenda. Pude apreciar numa discussão de trânsito, o quanto eles, os portugueses, são agressivos. O Metrô de Lisboa exige que sejam validados os bilhetes na entrada e na saída, enquanto que o de Porto valida somente na entrada, sendo que nesta última, não há o sistema de catraca. Lá, há confiança nas pessoas e obviamente o passageiro é multado quando tenta burlar a lei. O pedestre é muito respeitado, pois quando está na faixa branca, ele tem prioridade. Vi apenas três pedintes nas ruas. A Estação Ferroviária de São Bento é uma das estações mais bo-


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nitas que conheço. Logo em sua entrada, você se depara com toda uma decoração formada por azulejos pintados na cor azul, típicos de Portugal e com uma arquitetura linda – influência francesa. Utilizei as linhas de trem no trecho Lisboa – Porto (ida e volta) e Porto-Braga ida e volta e pude comprovar que o transporte ferroviário lá é excelente, rápido e preciso. Fizemos um passeio de barco no Rio Douro, por baixo das seis pontes metálicas, sendo a D. Luís I construída há 140 anos atrás. Betão, por lá, é como chamam o concreto. Vem do francês, beton. Daí o equipamento para misturar concreto, tão conhecido no Brasil, chamar-se betoneira. Como em toda a Europa, a água da torneira é potável e de excelente sabor. O governo faz campanha para os moradores só beberem água da torneira. O aviso diz que caso sinta cheiro ou gosto de cloro, não tem problema., pois é o cloro que ainda está presente. Não vi policiamento ostensivo nas cidades onde andei, o que é um bom sinal, em termos de segurança. Não sei como funciona, mas os bombeiros são voluntários. Os dentistas são chamados de médicos dentistas e as drogarias são empresas que vendem ferragens e não, medicamentos como no Brasil. Há horas em que nos sentimos em nosso país, pois ouvimos muitas músicas brasileiras nas rádios locais. As gaivotas estão sempre presentes nas ruas e até em cima dos veículos. Observei algumas espalhando o lixo contido em sacos plásticos. A cidade não tem ciclo faixas. Apesar de cidade turística, nem todos os restaurantes aceitam cartões de crédito internacional. Apenas os nacionais. Como o país tem moeda forte, as moedas são muito utilizadas seja a dois euros ou as de 1 cent. Em suma, a cidade do Porto é bonita, agradável, limpa, com bastantes turistas, segura, muito bem servida pelo Metrô e por trens, com muitos brasileiros passeando ou procurando trabalhar por lá. Vale a pena conhecê-la... Recife, 01/05/18


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QUE PESO VOCÊ ESTÁ CARREGANDO? O filme LIVRE apresenta a biografia de uma mulher chamada Chery, que depois de uma vida desregrada, se divorcia do marido e sai para percorrer uma trilha que vai da fronteira dos Estados Unidos com o México até o Canadá. Muita dificuldade no início da caminhada, muitas reflexões do seu passado, alguns erros de logística de uma trilha longa, como a que ela estava fazendo. Depois de muitos dias de estrada, ela se encontra numa hospedaria e um senhor lhe faz algumas reflexões, dentre as quais se destacam: por que trazer uma mochila ou sacola tão grande, por que trouxe tantos livros, para que um serrote, entre outros? O que chamou atenção foi um princípio básico ensinado por alguém mais experiente: algumas coisas precisam ser descartadas de nossa “mochila de viagem” para que o peso a carregar torne o percurso mais leve. Em suma: o que você carrega que não contribui em nada com sua missão ou seu projeto de vida? O que fazer com esse excesso de carga? O que precisamos descartar atualmente em nossa vida? Algumas amizades e relacionamentos amorosos, relacionamentos familiares? Alguns hábitos, vícios talvez? Filmes e livros? Novelas e programas de televisão? Falta de perdão aos outros ou mesmo o auto perdão? Tempo gasto com assuntos irrelevantes para atingirmos a nossa meta? Excesso de peso? Alguns carregam um peso extra no corpo de 10, 20, 30 kg ou mais. No livro escrito aos Hebreus, na Bíblia, encontramos: ... Portanto ... livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, tendo os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé (Hb. 12:1,2). Jesus nos ensinou que o seu jugo era suave e o seu fardo era leve. Nos apropriemos disso, eu e você. Gravatá, 12/02/18


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O TROTE ERA PRA LASCAR!! Em 1967, ano em que entrei para a Universidade Federal de Pernambuco, para estudar Engenharia Química, não houve trote para os calouros. Nos anos sessenta os trotes eram muito comuns. Ao saberem da aprovação nos vestibulares, na maioria das vezes na própria Faculdade, eles eram colocados em salas de aula pelos veteranos e submetidos a “torturas”, como por exemplo: medir a largura ou comprimento da sala em que estavam utilizando como instrumento de medida um palito de fósforos. No final, a medida nunca era a “correta” e era solicitado que o novo aluno repetisse a operação, para deleite dos demais alunos. Outra coisa que faziam, era oferecer cachaça ao calouro, o que quase sempre era bem aceito, pois quem assim se encontrava, queria comemorar. Assim, eles podiam fazer qualquer coisa que lhes era solicitado, pois já estavam ”pra lá de Bagdá”. Era comum também os rapazes tirarem as camisas e se vestirem de sacos de estopa na parte inferior. As moças tinham seus rostos pintados, Lembro-me perfeitamente de dois dos trotes. No primeiro, dentro da própria Escola de Química (assim era chamada), os alunos do quinto ano comandavam o espetáculo. Era comum que os mais antigos cortassem o cabelo dos “feras”, com a tesoura e depois ele ia num barbeiro passar a navalha, para poder desfilar na cidade, muitas vezes com uma boina, onde estava escrito o curso para o qual tinha sido aprovado. Um veterano chamado Darlan, que anos depois se tornou meu gerente, disse para os que estavam cortando o cabelo do “fera” que aquele não teria o cabelo cortado, por ser seu parente. Ao se instalar a discussão corta – não corta, o quintanista saca da cintura um revólver e ameaça resolver a questão na bala. Foi um corre-corre para todos os lados. Lembro que eu corri com meu amigo Hanns em direção à Biblioteca. Depois entendemos o espírito da brincadeira. A arma de fogo era só para fazer os calouros correrem, aquilo era uma farsa, pois tudo havia sido combinado. O segundo momento, foi um trote dos calouros de Medicina da


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UFPE em 1966. O trote havia sido anunciado no Diário de Pernambuco e muitas pessoas saíram de casa, inclusive eu, só para assistir ao trote ao vivo e “a cores”. Estávamos em plena ditadura militar. Os alunos vinham caminhando, cercados por um precário cordão de isolamento na rua Nova, em direção à ponte metálica Imperatriz Teresa Cristina e a Policia os vinha acompanhando. Quando o grupo chegou nas proximidades da rua da Palma, em frente ao Dunga Mate, os veteranos trocaram as faixas previamente aprovadas pela censura por outras do tipo “abaixo a ditadura”. A partir daí os cassetetes dos soldados da PM, foram abundantemente utilizados e aquela marchinha que dizia “O cassetete da Polícia é de borracha”, não fazia sentido. Foi uma debandada geral. Nova correria... Se proteger, onde? Corri em direção à loja comercial que meu pai tinha na rua da Palma. Ao passar na famosa loja Slopper, vi as portas de ferro serem baixadas rapidamente e ainda consegui ver do lado de dentro um calouro de Medicina, já de cabeça raspada, e sangrando devido à primeira cacetada que havia recebido em sua vida. O cassetete da Policia era duro. A vida durante a ditadura também foi dura!!! Duríssima para muitos! Recife, 23/02/18


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SÓ RINDO AOS DENTISTAS DA FOP -CONCLUINTES DE 2017 – TURMA SÓ RINDO Homenagem a Israela, Thais, Carol, Luciano e aos demais que eu não conheço... Só alegria pela aprovação no vestibular, Só estudo, Só dedicação, Só dentística, Só prótese, Só anestesia, Só cirurgia, Só estágio, Só endodontia, Só Cariologia Só exodontia, Só Patologia, Só Ética e Bioética, Só Congressos, Só farmacologia, Só lentes de contato, Só FOP, Só subida pra Aldeia, Só provas, Só parceria, . . . Só TCC, Só desespero, Só última prova da vida, Só Baile de formatura, Só anel,


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Só festa, Só alegria, Só gente bonita, Só colação de grau, Só se passaram 5 anos... . . A partir de hoje é... Só inscrição no CRO, Só distribuição de Currículo, Só estudando para passar em CONCURSO, Só pensa quanto vai ganhar, Só concorrência, Só esperança, Só rindo mesmo... Carlos Alfredo, futuro paciente desses formandos. Recife, 17/12/17


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JOSÉ E AS QUATRO IRMÃS A família morava no município de Aliança, mais precisamente na Fazenda Tabajara. José aos onze anos saiu de casa e começou a viver por conta própria. Posteriormente foi morar numa localidade chamada de Fazenda. Ficou na casa de um primo, trabalhando no roçado, cuidando de vacas e porcos e comendo muito guaiamum. Apesar de garoto ainda, tinha uma amizade com Lauro Santana, um senhor que tinha 14 filhos e que morava na Bomba do Hemetério no Recife, foi trazido em 1955 por este último, para morar na casa dele. Lembro-me do Lauro Santana na minha infância. Era magro, esbelto e moreno. Apesar da família muito grande, foi bem recebido esposa do seu novo amigo, que lhe disse: “já tenho 14, com você faz 15 e como estou esperando outro filho, completa 16.” Naquela época fato comum e hoje, impensável. Nessa época, o Pastor Vicente Felipe de Souza dirigia uma pequena Igreja Presbiteriana Independente no Alto de Santa Isabel, cuja entrada ficava próxima do Mercado de Casa Amarela, e estava com uma difícil obra que era cavar um poço de água manualmente. Esse bairro pobre do Recife era muito carente desse precioso líquido. Uma das tarefas de José era carregar o barro retirado na construção do poço e levá-lo para outro local. O poço chegou a 37 metros de profundidade segundo José. Esse poço fazia parte de um projeto Social, o qual tinha escola, assistência médica e dentária, e era um abrigo seguro para os que vinham de fora. Havia um galpão onde funcionava a escola. Noélia Ferreira, Débora Machado e outras pessoas foram professoras na época. A Escola funcionava com duas salas de aula pela manhã e duas no período da tarde. Lembro bem do dentista, Dr. Geraldo. O médico que atendia lá era o Dr. José Maria, capitão de uma das forças armadas. Consta também que havia uma enfermaria. Como meus pais eram dessa mesma igreja, logo conheceram o José e começaram a ajudá-lo. Mamãe conseguiu com o leiteiro José Galdino para José ajudá-lo na entrega do leite de casa em casa pela manhã.


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José foi alfabetizado por Alfran, meu irmão. José declara que teve três mães, fora a legítima: Chiquita (minha genitora), Noélia e Judite Albuquerque, todas da mesma igreja. Num período de sua vida, morou numa carpintaria. Juntava seu dinheiro numa lata de leite em pó, enterrada no chão e coberta com tijolos. Nessa época, ainda não havia Caderneta de Poupança. Trabalhou na mercearia do Sr. Quixadá, um cearense que todos conheciam na Estrada do Arraial. Pediu demissão e foi trabalhar numa Padaria no terminal de Casa Amarela, em frente ao antigo cinema Rivoli. Posteriormente trabalhou como cobrador de ônibus na Rodoviária Borborema. Ao ser fichado na nova empresa, comprou uma farda cor de colorau. Aprendeu a dirigir na própria empresa de ônibus. Um dia, falou com o dono da empresa Sr. Bruno Schwambach para ser motorista e foi aprovado no teste. Para economizar, cozinhava na garagem da Empresa. Em torno de 1958, vendo a dificuldade das suas irmãs no interior, pobres, semianalfabetas, com o pai viúvo, e tendo se compadecido delas, resolveu trazê-las para o Recife. Logo, apareceu quem ficasse com elas, pelo menos por um tempo. A mais velha era Beatriz, 18 anos, ficou na casa de Vicente/Débora; Inês, com 15, ficou com o casal João Ferreira/Noélia; Maria com 12, com a família Zezinho/Judite e Marina com 10, lá em casa (Alfredo/ Chiquita). Segundo José, eu brigava muito com Marina. Não me lembro disso, mas se ele disse, é verdade. Ela veio lá pra casa para brincar com Eunice, com dois a três anos de idade. Depois de algum tempo, ela foi para Natal morar na casa de Jurandir, minha prima. Dessa feita, era o filho de Jurandir quem brigava com ela. José também contou que Jurandir batia em Marina, quando a mesma desobedecia. Certa vez, dona Ana Pio trouxe Marina de ônibus para Recife de volta. Uma das paradas era na cidade de Sapé, na Paraíba, onde Marina desceu do ônibus para ir ao sanitário e quando retornou ao veículo, verificou que tinha esquecido dela. Alguém teve compaixão dela e a levou para o Recife. Quando estava mais velha, ela saiu lá de casa. Arranjou um


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emprego como cobradora de ônibus. O tempo passou, ela casou e teve 4 filhos, dos quais um veio a falecer. Ela depois seguiu para o Rio de Janeiro, para se encontrar com as irmãs que já moravam no Rio. Atualmente reside na “Cidade maravilhosa”. Maria foi residir na casa de Judite e Zezinho, com suas filhas Tânia, Lúcia e depois Gláucia, no bairro chamado Carrapateira. Judite dispensou Maria por desavença com Tânia, filha mais velha. Trabalhou nas lojas Paulista na rua Pe. Lemos, em Casa Amarela. Inês foi morar com a família de Ferreira e Noélia, casal com duas filhas Joélia, Tânia e depois Jûnior, que moravam na Estrada do Arraial em Casa Amarela. A família se apegou muito com o jeito meigo de Inês e sofreu muito com a saída dela. Trabalhou uma época numa casa na mesma rua e depois na residência de Nathanias/Lila von Sohsten, na rua Pedro Allain em Casa Amarela. Ela noivou e se casou num cartório na Av. Beberibe. Morou depois em Águas Compridas. O marido dela foi trabalhar na CHESF e eles hoje moram em Sobradinho. Os filhos estão bem encaminhados profissionalmente. Beatriz, a mais velha, depois de algum tempo, saiu da casa de Vicente/Débora, Júnior e depois Jane Cleide foram morar na rua Santa Isabel como doméstica. Posteriormente, a família a levou para o Rio de Janeiro. Lá, casou com um paraibano, construiu uma casa em Anchieta, teve uma filha que faleceu e depois adotou. Faleceu naquela cidade aos 78 anos de idade. Uma família como tantas outras do Nordeste. Muita dificuldade no interior, vem para a capital em busca de melhores condições de vida e, com muita dificuldade e apoio de algumas pessoas, consegue um lugar ao sol e faz com que seus descendentes tenham uma ascensão social. Nunca receberam nada “de mão beijada”. Foi muito esforço, determinação, vontade de crescer, fé em Deus e amor pelos seus. José fez um curso básico de Teologia e hoje, aos 76 anos sonha em adquirir mais conhecimentos de Grego e Hebraico, para compreender melhor a Bíblia. Recife, 23/08/17


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ALFRAN, UM HOMEM INTENSO Seu nome já foi de uma junção intensa... AL de Alfredo e FRAN de Francisca, pai e mãe. Meus pais se casaram em 9 de novembro de 1946 e Alfran nasceu em 10 de agosto de 1947, em Natal. Exatos 9 meses e um dia. Alfran dizia quando criança: “meus pais se casaram no dia 9 e eu nasci no dia 10.” E foi verdade! Intenso no lazer. Alfran sempre foi muito intenso. Quando jovem, ele ia para a praia e ficava tomando banho de sol. Ele ficava uma hora de barriga para cima e a outra hora levando sol nas costas. Ficava parecido com um camarão. Não precisa dizer que nesse tempo não usávamos protetor solar e sim bronzeador. Depois de uns dias ele retirava aquelas peles secas e as guardava como lembrança. Era o neto favorito da avó paterna Chiquinha, por mais que ela negasse o fato. Foi o seu primeiro neto. Mamãe conta que mesmo ele dormindo nos braços da avó, ela o trazia para ouvir as novelas ao pé do rádio. Quando estávamos de férias em Natal, nós brigávamos para comer o coração da galinha. A penosa era presença frequente na casa dos pobres aos domingos. Vovó tinha uma estratégia fantástica, muito semelhante em nossa política. Ela dizia que a galinha tinha dois corações. Dava o coração para Alfran e a moela, para o autor dessas linhas. Na infância, brigávamos pouco. Era imperdível o duelo de travesseiros. Intenso nos relacionamentos. Alfran sempre teve uma amizade preferencial, intensa. Na infância e adolescência era com Darcila, uma prima que morava na casa de nossa avó em Natal. Ela era mais velha do que ele. Diziam até que eles iriam terminar se casando. Quando criança no Recife, a amizade era com Joélia e quando jovem, várias amizades com a mesma intensidade com a prima, Nali, com Guimarães, então seminarista no Seminário Presbiteriano do Norte, com Lenira, prima que morava perto de casa e muitas outras. Estudamos o Curso primário no Ginásio Bandeirante em Casa Amarela, na rua Harmonia, que ficava próximo de nossa casa. Fomos para o Americano Batista em 1963, sendo que eu entrei no terceiro


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ano de Ginasial e ele, no quarto. Sempre foi bom aluno. Tinha muitos amigos como Daniel, Cirosi, Paulo Carneiro, Eliezer Rushansky, Severino (Sevinho) e tantos outros. Eu era seu herdeiro. Todas as suas fardas, ficavam de herança para mim. Ainda lembro de uma calça azul com bolsos folgados. Fiquei traumatizado em utilizá-la um ano ou mais. Até contei essas histórias ao meu psicanalista, quando fiz terapia. Quando nasceu meu segundo filho, prometi a mim mesmo, que ele jamais herdaria nada do primeiro. E de fato aconteceu. Cesar que o diga. Eu também herdava os livros do colégio. Eu até gostava, pois já pegava alguns exercícios já com as respostas. Eu gostava de folhear os seus livros novos. Assim, no ano seguinte, as matérias não eram tão novidade assim. Intenso como irmão. Sempre foi o protetor das meninas da casa, tanto de Eunice, como de Kátia posteriormente. Ele brigava com o pai ou a mãe, para defender qualquer uma das duas. Também custeava algumas despesas delas. Intenso nos estudos. Ao chegar no curso científico, hoje ensino médio, ele resolveu fazer o curso de Geologia, não sei se era mais difícil ou a profissão que pagava mais, em função de ser um curso ainda novo no Brasil. Ele chegou a fazer o cursinho durante o segundo e terceiro anos do científico para aumentar as chances de aprovação no vestibular. Já próximo ao vestibular, ele resolveu desistir de Geologia e fazer vestibular de Administração de Empresas, no qual foi aprovado e cursou no turno da noite, tendo se graduado em 1969. Outro fato marcante na vida do meu irmão, foi o emprego que ele assumiu, após processo seletivo, na Embratel. Era um cargo de auxiliar administrativo ou semelhante. Todos sabiam que ele trabalhava lá, na Av. Agamenon Magalhães, ao lado de onde hoje é um Mac Donald. Ainda até recentemente quando eu encontrava na rua alguém que há muito tempo não o via, logo perguntava: “Alfran ainda trabalha na Embratel?” O prédio onde funcionou a Embratel está no mesmo lugar, apenas foi reformado e a empresa mudou de razão social. Intenso nas decisões. No ano seguinte, 1967, eu passei no vestibular


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de Eng. Química na UFPE. Esse fato, feriu seus brios (dito por ele) e no ano de 1968, ele passou em Eng. Elétrica na UFPE também. Depois se transferiu para a Poli (hoje UPE), onde se formou. Quando terminou o curso de Engenharia, ele ficou com uma dúvida. Seguir a carreira técnica ou entrar no Seminário para estudar Teologia em Altonia, no Paraná? Nova decisão difícil. Foi um rebuliço na família, pois ninguém conseguia demovê-lo da ideia de ir para aquela cidade paranaense. Finalmente ele deixou a Embratel ao passar num concurso para Engenheiro do Departamento Nacional de Energia Elétrica (DNAEE), órgão do governo federal. Intenso nas férias. Outra coisa que Alfran fazia com grande intensidade era curtir suas férias. Por exemplo, ele trabalhava na sexta-feira no horário normal e já saía na mesma noite para o seu destino de férias e só voltava faltando poucas horas para o reinício do trabalho. Viajou muito. Fazia amizades por onde andava. Vez por outra dizia em casa: - “Vou receber um amigo que conheci no Chile ou no Uruguai.” E a gente perguntava: - “Será que o seu amigo é tupamaro?” (Apelido dado a alguns guerrilheiros marxista-leninistas do Uruguai na época). Intenso na política. Ele também teve seu período de esquerdista. Não chegou a ser subversivo. Papai dizia com um certo orgulho: “acho que Alfran é comunista.” Discutia muito com os amigos de papai que chegavam lá em casa e que eram de “direita”. Certa vez, nos anos da ditadura, eu voltava com ele e papai de carro do centro da cidade para casa, quando pediu para descer no meio do caminho. Ele desceu e papai comentou: “ele deve ir para alguma reunião do partido comunista.” No outro dia. ele me falou que tinha ido se encontrar com uma pessoa que nada tinha a ver com o PC. Namorou com Meire, filha do pastor Ageu Pinto, que morava perto da nossa casa. Mas esse namoro não foi muito longe. Apareceu uma amiga de Eduardo, chamada Deise, que entrou na sua história. Em 1982, casaram-se na Igreja Batista da Capunga. Foi um festão. Intenso como pai. Vieram os filhos Bruno (solteiro), Alfran Santos casado com Roberta e Fábio casado com Thamires e pai de Beatriz.


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Quando crianças, moravam no Recife e estudavam no Colégio Santa Maria em Boa Viagem. Ele, por ser muito intenso, já pagava a mensalidade dois ou três anos na frente para aproveitar um bom desconto. Quando Bruno, seu filho mais velho, foi aprovado num concurso para trabalhar na Infraero, teve que viajar para S. José dos Campos de avião, local de ministração de um curso de formação. Ao se ambientar na cidade, Bruno verificou que precisava de um carro para facilitar seus deslocamentos lá. Alfran ao saber disso, não teve dúvidas. Encheu o tanque do carro de Bruno que havia ficado em Caruaru, pegou umas mudas de roupas e, juntamente com Deise, colocou o carro na estrada em direção a S. Paulo. Entregou o carro, ajudou no aluguel da casa e voltou para Caruaru. Pai muito intenso. Intenso nas decisões. No início do governo Collor, Alfran se desiludiu de morar no Brasil. Dizia que não iria progredir no país desse jeito, etc e etc. Não teve quem o fizesse desistir da ideia de morar no exterior. Quem mais sofreu nessa época foi mamãe. Chorou muito. Como iriam viver na ilegalidade, seria impossível voltar um dia ao seu país e ela sabia disso. Pediu demissão num emprego público federal, vendeu tudo o que tinha e zarpou rumo à terra de Tio Sam. Outra faceta de viver intensamente. Deixou até de pagar o INSS, que lhe garantiria aposentadoria no futuro. Viajaram para serem ilegais nos EUA. Foram para Tulsa em Oklahoma, onde conheciam uma família de americanos com os quais Deise já havia morado. Ele e Deise faziam faxina para sobreviver. Foram se arrumando, compraram um bom carro e os meninos frequentavam a Escola, onde foram aprendendo Inglês também. Até que um dia num abençoado culto nos EUA, houve uma profecia de que ele iria para um país pregar o Evangelho. Após o culto, recebeu uma oferta de mais de 500 dólares. Para alegria de todos, eles arrumaram as malas e retornaram ao Recife. Chegando aqui, fez contato com a missionaria Valnice Milhomes que os convidou para trabalhar na Igreja Nacional, na cidade de Caruaru. Ele foi ordenado em 1994, juntamente com Deise. Após vários anos da ideia de ir para o Seminário em Altonia, tornou-se pastor.


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Um sonho adiado, quase sempre retorna à realidade. Pastoreou essa igreja por dezoito anos, quando resolveu se filiar ao ministério chamado Videira, onde se encontra muito realizado e feliz até hoje. Após chegar ao Brasil, conseguiu pagar os atrasados do INSS e se aposentou. Intenso como tio. Quando Fred, meu primeiro filho nasceu em 78, na cidade de Aracaju, ele foi com papai, Marcelo, Eunice, Kátia e outros para conhecer o primeiro sobrinho. Ele sempre foi um tio excepcional. Fred e Cesar, seus primeiros sobrinhos, foram muito beneficiados por ele. Quando os meninos eram pequenos e morávamos em Aracaju, num feriadão, ele veio para Aracaju e nós fomos de carro para Salvador, para que ele pudesse curtir os sobrinhos, acampados em barracas. Intenso como avô. Outro dia, ele me contou que foi lá pelas cinco horas da manhã para a fila a fim de conseguir uma consulta em pediatra do plano de saúde, para sua neta Beatriz. Intenso na terceira idade. Nesse mês de agosto, completou seus 70 anos. Um marco, uma grande bênção na vida de qualquer ser humano. Sete décadas de muitas aventuras, muita intensidade e muitos frutos. Pai e marido exemplar. Quis Deus que fosse o único filho de Alfredo Maciel a seguir o mesmo chamado, de ser pastor de ovelhas. Intenso como Calebe. Quando eu penso que ele vai se aquietar... ele diz: “agora, quero ser pastor agora em Portugal.” Quer ter uma nova experiência num ministério fora do país. Que Deus possa lhe conceder muitos anos de vida ainda, pois ele tem muito a contribuir para o nosso país e para o Reino de Deus. A história de Alfran lembra muito a do personagem bíblico chamado Calebe, que aos 85 anos de idade declarou que ainda estava tão forte como no dia em que Moisés o enviou a espiar a terra prometida e que tinha tanto vigor para ir à guerra como naquela época (Josué 14:11). Recife, 10/08/17


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COMO FOI O VESTIBULAR EM 1967? Era uma prática comum na época! O aluno fazia até o terceiro ano do curso científico ou clássico (hoje ensino médio), num bom colégio e fazia o terceiro ano num colégio “pagou passou” para se dedicar no último ano, apenas ao Cursinho pré-vestibular. Após estudar quatro anos no Colégio Americano Batista, fui no terceiro ano para um desses colégios. Estudava à noite tanto no cursinho de Química como no tal Colégio. O cursinho de Química funcionava num prédio na rua Dom Bosco, onde funcionava a Escola de Geologia e atualmente é um quartel da Policia Militar. Ainda não havia uma grande proliferação de cursinhos, de modo que cada faculdade criava seu próprio cursinho. Os professores do nosso eram alunos da Escola de Química como Kramer, Jason Dorta, Carlos e tantos outros. Os professores eram bons, competentes e estudantes universitários. Usavam a didática com a qual aprenderam também na faculdade ou no curso científico. As provas que faziam no cursinho eram no estilo subjetivo, exceto o professor de química orgânica, Kramer, que que fazia provas objetivas. Chegou a hora do vestibular em janeiro de 1967. Para surpresa nossa, todas as provas eram objetivas, inclusive matemática e desenho. Nós nunca tínhamos feito provas com essa metodologia. Essa mudança do estilo de provas naquele ano, derrubou muito as nossas notas. Tudo era novo! Outra grande novidade foi o modo de correção. Foi dito durante as provas que na correção, quatro questões erradas anulavam uma questão certa. Fomos então informados erradamente que não poderia haver questões deixadas em branco. Dessa forma, tivemos que “chutar” as questões cujas respostas não sabíamos. Sai o resultado do vestibular e, de uma forma geral, foi catastrófico. Em todos os cursos, passaram poucas pessoas, deixando muitas vagas. No nosso, passaram uns 12-14 alunos. A reitoria da Universidade deu um jeito, já que a culpa, em princípio, tinha sido dela. Informou que todas as vagas seriam preenchidas, porém os alunos seriam matri-


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culados provisoriamente, e fariam novas provas em julho, cujas notas substituiriam as notas baixas tiradas no vestibular. Eu e outros colegas ficamos com uma ou mais reprovações. Matriculamo-nos no primeiro ano de Eng. Química, cursamos as matérias e tivemos que fazer as novas provas em julho. Ao chegar a semana prevista para as provas, foi publicada a lista dos alunos por cada disciplina. A maioria dos alunos reprovados em alguma disciplina, havia entrado na Justiça para serem matriculados definitivamente e não terem que se submeter a novas provas. Por algum erro, o meu nome e os de Hanns, Flávio, e outros foram publicados como tendo entrado na justiça, o que não ocorreu. Nós queríamos fazer as provas e nos livrar logo do processo. Para sorte nossa, Hanns Weber tem um irmão, Gerdt que na época já era advogado. Solicitamos então que ele entrasse na Justiça para que tivéssemos o direito de fazer as provas. Foi a primeira vez, na história do Brasil recente que eu vi um grupo de alunos entrar na Justiça para fazer uma prova. Eu e meu grupo, fizemos a prova e fomos aprovados. Que alivio!!! E os outros? Os outros ganharam na Justiça alguns anos depois, não tiveram que fazer novas provas, concluíram seus cursos e estão comemorando este ano seus 45-46 anos de formados!!! Recife, 10/08/17


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QUE VOO COMPLICADO! Último dia de férias na cidade maravilhosa. Primeiro mês do ano de 1989. Depois de uma semana no Rio, muitos passeios e boas conversas, Lauro nos conduziu ao Aeroporto do Galeão. Fred e Cesar tinham dez e oito anos respectivamente. Chegamos um pouco mais cedo que o necessário para embarcar num voo da Varig para Natal, onde morávamos. Despachamos a bagagem e com algumas revistas e livro na mão, aguardamos a chamada para o embarque. Para surpresa nossa, na hora prevista do embarque, a recepcionista da companhia chamou os passageiros e nos avisou que o voo havia sido cancelado. Nós receberíamos um voucher para irmos de táxi a um hotel na praia do Flamengo e outro para a hospedagem num hotel. Chegamos no hotel apenas com a roupa que estávamos vestidos. Nem pijamas nem pasta de dentes tínhamos nas mãos. Como o voucher do hotel dava direito à refeição, começamos a reconhecer no jantar, pessoas que também estavam no aeroporto. No café da manhã, observamos que um grupo de pessoas estava com a mesma roupa do dia anterior, inclusive nós. Chegamos ao Aeroporto às 9 horas da manhã, conforme solicitado pela companhia aérea. O tempo foi passando e não nos chamavam para o embarque, nem davam satisfação. Até que um grupo de passageiros começou a se organizar e forçar a barra para que embarcássemos. Quando começaram a dizer que iriam denunciar no Jornal do Brasil, encaminharam-nos rapidamente ao avião. Debaixo de um calor intenso do verão carioca, embarcamos de ônibus, pois a aeronave não se encontrava ligada aos “fingers” do aeroporto. Contudo, a tripulação não se preocupou em iniciar o voo, nem nos dar satisfação sobre o que estava realmente acontecendo. Apenas fomos informados que, devido ao Regulamento, não poderiam servir alimento enquanto a aeronave permanecesse em terra. Assim, começamos a tirar, nós mesmos, alguns pacotes de amendoim e similares, para lancharmos. O sistema de ar condicionado não foi ligado. Ainda no avião, à tarde, fomos informados pela tripulação de que


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eles teriam que se retirar da aeronave, porque havia vencido o horário de trabalho deles. Uma cláusula do contrato do seguro de vida deles, dizia que eles estariam descobertos do prêmio, se trabalhassem mais do que o estipulado. Em algum momento, alguns passageiros mais revoltados com a demora, jogaram alguns assentos pela porta do avião que se encontrava aberta e o clima ficou tenso. A justificativa era a necessidade de chamar atenção da imprensa para que dessem solução ao problema. Nova tripulação entrou no avião. Agora eles nos informaram que era necessário que deixássemos o avião para que houvesse teste das turbinas que haviam recebido manutenção para que pudéssemos iniciar a viagem. Como estávamos ainda em clima de constituinte, pois a nossa havia sido promulgada em 5 de outubro de 1988, um grupo de voluntários se auto denominou de “constituintes” para que pudessem negociar com a Companhia Aérea. Dessa forma, os “constituintes” disseram em nome de todos que não sairíamos do avião para o teste e que esse procedimento teria que ser feito com os passageiros nos seus assentos, mesmo que contrariasse alguma norma da aviação. No meio da tarde, surge uma lista dos “abaixo assinados” informando para o Jornal do Brasil o que estava acontecendo. Assinei a lista, pois naquela altura do campeonato, eu assinaria qualquer papel que passasse na minha frente, até pra criar um novo partido político. Finalmente o teste foi realizado com todos os passageiros a bordo. Já passava das 18 horas quando disseram que o teste havia sido positivo e que iríamos nos preparar para iniciarmos o voo, depois de quase 24 horas após o horário previsto originalmente. Nesse instante, surge outro empecilho ao prosseguimento da viagem. Algumas pessoas ficaram tensas com a pane na aeronave e mesmo tendo sido feita a manutenção, disseram: “nesse avião eu não viajo mais. Vou descer e quero que retirem as minhas malas”. Mais um tempo perdido. Tivemos que esperar que fossem retiradas todas as malas e descessem os passageiros que tiveram medo de prosseguir a viagem. E o pior era a despedida dos que desciam: “tenham uma boa viagem”. Para onde? pensava eu.


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Meus filhos ainda pequenos, ficaram desesperados e começaram a chorar. “Não quero viajar nesse avião”, diziam eles. Tivemos que convencer os meninos que viajar naquele voo era seguro. Seria mesmo? Finalmente, no horário do voo do dia seguinte, segunda-feira, o avião decolou rumo a Natal com escala no Recife. Mas se você está pensando que os problemas acabariam aí, está muito enganado. Após terem servido o jantar, a tripulação falou que teríamos que ir direto para Fortaleza, uma vez que o horário de trabalho deles iria vencer e não havia pessoal disponível para substitui-los no Recife. Depois desse cansaço todo, a gente estava topando até fazer escala em Miami ou Orlando, para que chegássemos em casa. O avião aterrissou em Fortaleza e após o embarque dos passageiros que esperavam esse avião desde cedo e a troca da tripulação, decolamos para Natal. Chegamos a 1 hora da manhã do dia seguinte (terça-feira), exaustos, revoltados com o pouco caso que fizeram de nós e com a roupa do domingo. E ainda perdi um dia das minhas férias. A nossa única preocupação era chegar em casa e tomar um banho. Ufa!!! Que voozinho complicado esse! Gratidão a Deus, por termos chegado em paz! Recife, 20/08/17.


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UMA BOMBA ESTOROU NO RECIFE Em 25 de julho de 1966, quando o país vivia plenamente uma ditadura militar, uma bomba explodiu no Aeroporto dos Guararapes. Estava dentro de uma mala que havia sido abandonada no saguão e explodiu quando um guarda civil estava se deslocando com ela para levá-la às autoridades. O guarda teve suas pernas amputadas. Morreram duas pessoas, além de quatorze feridos. Este fato teve grande repercussão local e nacional, pois envolvia um candidato à presidência da república, bem como um atentado num Aeroporto brasileiro. Era uma segunda-feira pela manhã e o general Costa e Silva era esperado no Aeroporto e ele seria o alvo do atentado. A segurança do candidato alterou a logística e ele não passou pelo Aeroporto. Os mortos decorrentes da explosão da bomba foram o jornalista Edson Regis e o vice-almirante Nelson Fernandes. Qual a minha ligação com o ocorrido? Era muito comum, nessa época, a realização de Congressos de jovens das Igrejas Evangélicas, aproveitando o período férias escolares. O Congresso da Mocidade Presbiteriana Independente havia se encerrado na noite anterior e naquela manhã, uma comitiva de jovens de Natal se encontrava exatamente naquele horário no local do atentado, aguardando uma aeronave da Aeronáutica para levá-los de volta à sua cidade. Os jovens haviam conseguido essa cortesia da FAB. Além dos jovens de Natal, outras pessoas do Recife haviam ido ao Aeroporto conduzir os potiguares. Estavam presentes entre outros, o pastor Alfredo Maciel, meu pai e meus irmãos Alfran e Eunice. No momento da explosão Alfran estava com o jovem Davi Matos, observando a saída e chegada de aviões, no conhecido terraço do Aeroporto. Ao ouvir o estrondo e como nesse momento Eunice não estava próxima, ele correu para procurá-la, tal foi o susto que teve e o perigo que prenunciava. Foi um momento de muito pavor e desespero, pois se tratava de um fato inusitado. Rapidamente o local foi isolado e não entrava nem saía ninguém do recinto. Obviamente o voo para Natal foi cancelado e os jovens natalenses


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se dirigiram à Rodoviária no centro, para retornarem pela via BR 101 para a sua cidade. Graças a Deus que nenhum dos jovens que havia participado do Congresso foi atingido. Eles não sabiam que, sem querer, estavam participando de uma página vergonhosa da História do Brasil. Nesse momento, eu não me encontrava no Aeroporto, mas essa história me foi contada muitas vezes, por diversas pessoas. Recife, 21/09/17


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A CAIXA DOS CORREIOS Sempre que eu passava na esquina das ruas Marquês de Olinda com a Madre de Deus, próximo ao Centro Cultural dos correios no Recife antigo, uma caixa de coleta de correspondências me chamava a atenção. Hoje passando lá novamente, vindo de um almoço com um grande amigo, o professor e coach Carlos Eduardo, deparamo-nos com a famosa caixa de ferro, pintada de verde. Ele falou para mim: “quantas cartas já não passaram por aqui! Esse tema dá uma crônica”. Durante o almoço, tínhamos conversado sobre as crônicas que eu escrevia. Fiquei pensando nas cartas de amor enviadas por Antônio para Maria que foi trabalhar no Rio de Janeiro; de Penha para Alencar, que foi transferido para Feira de Santana após ter passado em concurso para Escriturário do Banco do Brasil; de Eugênia para Edi, informando da gravidez do primeiro filho (será que foi encomendado na noite da despedida dele?); de Antonieta para Falcão, o desafiando a mobiliar a casa, em Petrolina, senão o casamento iria” de água a baixo”; de Onofre para Lúcia de Mossoró, dizendo que o estágio no Recife iria ser prorrogado por mais 15 dias. Provavelmente quando a carta chegasse, ele já teria chegado em casa. Cartas também de Matilde informando ao filho do falecimento de seu pai Sebastião, depois de longo sofrimento. Goreti para a sua madrasta contando que estava tudo bem na nova cidade e que já havia conseguido alugar uma casa do bairro de Casa Amarela, e já tinha um colega de trabalho “de olho nela”; Pedro Júnior dando os parabéns para o avô que iria completar 68 anos, dali há 12 dias, esperando que a mesma chegasse no dia do seu natalício. Orlando informou para a filha em Cabedelo, que a cirurgia renal tinha sido um sucesso e que em breve estaria em casa. Eliseu criou coragem e pediu Socorro, que residia em Uruburetama no Ceará, em casamento por uma carta postada exatamente ali. Maria das Dores informou ao marido Evaldo que fora há 3 meses para trabalhar em Paulo Afonso que Nelsinho, o sétimo filho, havia nascido e que estava


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mamando muito. Alguns namoros também foram desfeitos através dos Correios. Umbelino, 60 dias antes do casório, avisou a Madalena de Teresina, que o amor havia esfriado e que ele havia desistido. Imagino a decepção dela quando recebeu essa bomba. Mas os Correios não têm culpa alguma. Na época que antecedia ao Natal, a caixa se enchia muito de cartões de Natal e até mesmo de Aerogramas. Marina e todas as suas irmãs sempre colocavam suas mensagens de Natal e desejos de Feliz ano novo para as primas que moravam no Rio. É nessa época que a esperança sempre se renova, mesmo que seja por pouco tempo. Quantos votos de planos de casamento, entrar na Marinha, recuperar-se de uma doença, arranjar aquele emprego na Base Aérea, ser aprovado naquela indicação de um médico amigo para ser propagandista de remédios... E teve a carta do Raimundo, informando para sua mãe em Holambra que havia mudado de vida, pois conheceu os ensinamentos de Jesus, o lírio dos vales, a rosa de Sarom. Recife, 20/09/17


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QUASE... Um documento divulgado pela Academia Sueca mostra os escritores brasileiros Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade numa lista de “finalistas” do Prêmio Nobel de Literatura de 1967. Os arquivos da instituição são divulgados apenas 50 anos depois da escolha. A lista também mostra escritores famosos, como Jorge Luis Borges e Graham Greene. O Brasil já teve outros autores cotados para a honraria, como o poeta João Cabral de Melo Neto, Coelho Neto, o poeta potiguar Manoel Segundo Wanderley, Érico Verissimo e Alceu Amoroso Lima, entre outros, ser indicado a principal honraria literária do mundo. Ou seja, quase que eles eram Prêmio Nobel. Quase.... Na vida de muitos de nós, também tem sido assim. Eu quase perdi peso, eu quase fazia o concurso para Juiz Federal, ou para Delegado, ou para Sargento das Forças armadas. Eu quase fui missionário entre os índios, só faltei à entrevista. Tenho um amigo e colega de faculdade que quase fez concurso para a Petrobras. Só não fez o concurso, no qual poderia ter sido aprovado, porque não acordou na hora certa no dia da prova. Outro diz: Quase fui médico. Só faltou estudar um pouco mais de Química para passar no vestibular. Tem aquele que quase concluiu a maratona... se tivesse treinado um pouco mais... Outros dizem: Quase entrei na Petrobras... quando estava fazendo o curso de formação, falaram que eu poderia trabalhar embarcado em Plataforma no mar e eu desisti... Ele passou e eu desisti. Uma amiga quase terminou o curso de Pedagogia, mas faltou cursar o último semestre. Nesse mercado de trabalho em crise, uma moça que conheço quase arranjou um emprego... ela não quis trabalhar aos domingos... Um filho de uma vizinha quase jogou futebol no exterior. Após chegar lá, sentiu saudades de casa e retornou. A Bíblia relata um diálogo do rei Agripa com Paulo que, em dado momento afirma: “por pouco me persuades a me tornar cristão”. Os contemporâneos de Noé, quase se salvaram de morrer afogados, pois


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não acreditaram que ocorreria o dilúvio. Os exemplos relatados refletem decisões que tomamos na vida, as quais repercutem para o resto dela e outras, até por toda a eternidade. Largue o “bloco do quase” e tenha ação, perseverança, foco para concluir seus projetos e coragem para realizar seus sonhos..... Carlos Alfredo Coach, 13/01/17


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CRÔNICA DE UM PROFESSOR Um professor me contou essa história, numa viagem de ônibus que fizemos até Natal, que aconteceu numa cidade onde ele morava. Era fim de ano. Os professores de uma maneira geral se encontram bastante esgotados nessa época. Convidaram-no para fazer uma palestra numa conceituada Escola daquela cidade. A sala era composta de jovens de quatorze a dezesseis anos de idade. Mal começou a palestra, os alunos começaram a desviar a atenção e conversavam todos ao mesmo tempo. O professor visitante pedia a todo instante que parassem um pouco as conversas e que procurassem se concentrar no que ele falava. O palestrante dizia aos alunos como o foco e disciplina são importantes para o sucesso na vida. Quando ele falou em desenvolvimento intelectual, uma aluna perguntou se serviam as séries da Netflix. A sua apresentação foi o tempo todo sendo interrompida. Uma aluna pintava suas unhas durante a palestra. As salas da escola têm ar condicionado, é de tempo integral, logo oferece almoço aos alunos, tem Biblioteca e quadra de esportes descoberta. Os alunos têm celular, conta na Netflix, Facebook. O professor visitante saiu pensando qual é o futuro do País, se o que se aprende no ensino fundamental é mínimo. Os alunos são indisciplinados, desrespeitosos, desatentos, desconcentrados. Onde está a causa disso? Na metodologia de ensino, pedagogia, falta de autoridade em casa, falta de limites, a aprovação automática, direitos em excesso dos alunos, falta de expectativa de futuro, professores desmotivados pelos baixos salários ou desprestigiados, falta de dinheiro para investir? Uma preocupação. Quantas delas serão mães antes de concluírem o ensino médio? Quantos ali sonham? Quantos conseguirão realizar seus sonhos? Quantos entrarão no mercado de trabalho? Em que fatia do mercado, com todo esse despreparo? Quando foi perguntado qual o seu sonho, um aluno respondeu de pronto: “ficar rico.” O palestrante perguntou: “como?” Ele respondeu: “ganhando na loteria.”


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Dinheiro fácil. Quando o palestrante falou a conhecida frase de Sartre “não importava o que fizeram com você, e sim o que você vai fazer com o que fizeram com você”, e citou como um dos exemplos, o estupro, um jovem caiu numa gargalhada, o que foi de pronto criticado pelas meninas. A história relatada aqui é uma pequena amostra, mas pode representar o País. Desse jeito, qual a solução? Vocês já devem ter desconfiado! Esse palestrante sou eu. Já fui professor. Ensinei Química no ensino médio (nome atual) por três anos num Colégio Municipal em Paulista. Esse pequeno exemplo, para mim, reflete a situação do nosso Brasil. Um imenso caos, todos falam ao mesmo tempo e ninguém se entende, não se quer obedecer às leis e autoridades, muitos querem ganhar um dinheiro fácil. Espelha também a impunidade dos poderosos (hoje em franco declínio). A sensação que me deu foi que esses jovens não têm a menor ideia do mundo que os espera. O que é triste. Se já está difícil para os formados, muitos com mestrado e doutorado, quanto mais para os que fazem apenas o ensino fundamental e médio e, mesmo assim não aproveitam a instrução mínima. Esse imenso problema começa onde? Que será de um povo pobre e despreparado? Recife, 24/11/17


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SUBINDO AO MORRO DA CONCEIÇÃO Na minha infância, fui várias vezes ao Morro da Conceição. Papai visitava sempre uma família da igreja que morava lá. Dona Severina, Esmeraldina, Auristela e Guaraci. Lembro muito de um acidente ocorrido nos anos 60 exatamente na famosa Festa do Morro. Naquela época, era muito comum ter a festa profana ao lado da religiosa. Na noite do dia 8 de dezembro, ocorreu um curto-circuito nas instalações elétricas de algum equipamento da festa e ao gritarem: está pegando fogo, todos correram ladeira abaixo. Foi um acidente muito trágico. Muitos feridos, pais que se separaram de filhos, namorados se perderam das amadas, e assim por diante. Os jornais da época publicaram a foto de um amontoado de sapatos que foram largados ao longo da apressada descida do Morro. Há três anos, subo o Morro da Conceição na manhã do dia sete de dezembro. Sempre vou acompanhado com amigos para praticar meu hobbie favorito que é a fotografia. Nas vezes que fui, tirei boas fotos. Fui hoje, dia sete de dezembro com meu irmão Claudio. Amanhã será realizada a 113ª. Festa do Morro. Descemos do carro no Largo Dom Luís, local de boas recordações, pois ali tem uma casa de esquina onde moraram José Albuquerque, Judite, Tânia, Lúcia e Gláucia. Fui várias vezes com meus pais visitar aqueles queridos amigos. A partir do Largo, os ambulantes já ofereciam muitas coisas para o transeunte comprar. Pacote de vela e água mineral, “é um real” gritavam os vendedores. Depois foram aparecendo imagens da Santa, em gesso, telhas pintadas com alguns desenhos, camisas com imagens alusivas ao evento. Subimos lentamente apreciando sempre uma bela vista aérea da cidade do Recife. Às vezes, a ladeira ficava muito íngreme, mas chegamos ao topo. Na parte mais alta, muitos restaurantes e lanchonetes para todos os gostos. As missas se sucedem durante todo o dia. Tiramos duas fotos e fomos para a área que fica atrás da igreja, local onde está uma imagem da Santa. Ela fica numa base de concreto e é cercada por uma grade metálica, de forma que só as pessoas autorizadas podem tocar na estru-


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tura onde está a imagem. Ali vemos muitas pessoas fazendo seus pedidos ou agradecimentos à Santa. Uma trouxe um tijolo de 6 furos, simbolizando a construção da sua casa, outra entrega o filho com poucos meses de idade para que o voluntário da igreja faça uma oração, enquanto encosta a criança na estrutura. Uma moça chorava abraçada com outra. Vimos também uma senhora chegar se deslocando apoiando os pés e mãos no chão. Perguntei para a filha dela de onde sua mãe vinha e ela afirmou que estava subindo há uma hora e meia, tendo feito o trajeto todo e que o motivo era ter conseguido fazer uma cirurgia de retirada de um mioma. Muitas pessoas queimavam velas num local reservado só para isso. Vez por outra, chegava um senhor e apagava parte do fogo com uma garrafa d’água. Não vemos mais pessoas como nos anos sessenta, carregando cruz de madeira à semelhança de Cristo caminhando para a crucificação, nem ex-votos que são símbolos das graças recebidas. Um senhor explicava para um jovem que ele nunca havia passado para outra lei, fazendo referência a uma expressão antiga que dizia que quando uma se tornava evangélica, estava agora seguindo a “lei dos crentes”. Outra senhora chegou com um vestido azul por cima da roupa normal e ao chegar e após rezar próxima da imagem, retirou a roupa azul. As cores azul e branca eram as predominantes na festa. Uma criancinha de poucos meses tomou um banho de água mineral para refrescar do intenso calor do dia. Há dias, a Prefeitura do Recife fez um movimento para pintar todas as casas nas ruas de subida e descida do morro de azul e branco, o que fato aconteceu. Depois das onze e meia da manhã, sob o “sol causticante do Nordeste,” como dizia meu tio, pastor Vicente Felipe, descemos pela escadaria de concreto. Nesse trajeto, muitas pessoas estavam vendendo água mineral. Perguntei como estavam as vendas e dois disseram: “não vendemos nada até agora.” Passamos novamente na casa onde o casal Albuquerque e Judite moravam e Claudio tirou uma foto para mostrar aos irmãos. Voltamos para casa pensando na fé, na esperança e na religiosidade do povo brasileiro. Recife, 07/12/17.


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EM PORTUGAL SÓ TEM JOAQUIM E MANUEL? Não. Tem também ... Afra e Africana Alegria e Aleixa Alfreda e Amável Amora e Assunta Aramis e Antonela Benjamina e Bendevida Bianca e Briosa Caterina (com e) e Cristolinda Cinara e Concha Darcilia e Décimo Donatila e Durvalina Elisa e Esperança Ester e Élia Estrela e Edvina Fara e Fedra Feliz e Flor Genésio e Goma (masc) Gisela e Gloriosa Hemetério e Hoberta Iaco e India Ilse e Ima Joela e Joelma Jurandir (fem) e Jusa Leta e Lia Lisa e Lito Lua e Luana Mara e Mafalda Martim e Matilda Mem e Milu Natacha e Natalina Nélia e Noah


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Olga e Odilia Paloma e Pandora Pedro e Petra Rafael e Rudi Rute/Ruth e Ruca Salvador e Salvação (como segundo nome) Sol e Sofia Taís e Tauane Tito e Tita Tulio e Tulipa Umbelino e Ulrico Urso e Ursa Vida e Vidal Viriato e Virgulino Xica e Xico Yara e Yasmim Zilda e Zila. Recife, 14/12/17


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QUAL É O FILME DA TUA VIDA? Como gosto muito de cinema e, como Coach, pergunto sempre às pessoas qual foi o filme da sua vida. Cada pessoa gosta de um ou vários gêneros de filmes. Podemos dizer que há relação entre a sua personalidade e o gênero de filme que você mais aprecia. Há aquelas pessoas filmes de Ação, onde se destacam a determinação, liderança, foco, conflitos, tragicomédia e, muitas vezes, são os super-heróis. Outros são estilo Aventura, os quais notamos a coragem, enfrentando as incertezas e perigos. O gênero Comédia também é muito apreciado. Tudo é engraçado, não levam nada a sério. Já os intelectuais optam pelo Cult, onde você deixa a tela mais reflexivo e isso é passado para a vida. Pessoas estilo Documentário são aquelas que têm que provar tudo, mostrar o documento, etc. Pessoas Drama fazem de tudo um drama, chora, grita, se vinga. Já as de estilo Faroeste são as que resolvem tudo no duelo ou no tiro, são desbravadoras. Para as pessoas do estilo Guerra, o nome já está dizendo: a vida é uma guerra. Gostam da violência, de ver sangue, muitas vezes com boa dose de vingança. Para os Históricos, tudo tem uma história, e estão sempre se conectando ao passado. Os do tipo infantil, são mais crianças, sem maldade. O gênero Musical tão apreciado são os que dançam de acordo com a música, variam de acordo com as notas musicais, com o ritmo e dão o tom. O Policial é que mesmo gentil, desconfia de todos, vive investigando e toma como exemplo, o Sherlock Holmes. O estilo Romântico é aquele do carinho, do encontro, da atenção. Outros se encontram no gênero Suspense. Sempre imprevisível, pois nunca se sabe qual vai ser o passo seguinte. E para o Terror, a vida é um terror, cheio de figuras disformes. E qual é o seu? Descobriu? Recife, 11/01/18


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DA LAVAGEM DO CARRO AO LABORATÓRIO Há muito tempo que vejo numa praça triangular do Rosarinho (ruas Gal. Abreu e Lima, Regueira Costa e Visconde de Mauá) um grupo de rapazes lavando carros. Um dia resolvei lavar meu carro naquela praça. Inicialmente observei que tem líder. Autoritário, ele dá ordens e distribui os veículos para serem lavados de modo que todos tenham a mesma chance. Ele é sempre educado com os clientes. A água utilizada vem da própria praça e a energia elétrica para conectar o aspirador de pó, também. Todos os dias da semana, há uma boa frequência e no sábado, fica lotado. Uma coisa que me chamou atenção, foi que eles usam o mesmo procedimento, ou seja, o trabalho é padronizado. O lavador traz para junto do carro 5 ou 6 baldes de plástico de uns 10 litros cada, que são suficientes para a lavagem. Eles iniciam a lavagem, jogando água com um balde, nos para-lamas do veículo, com força suficiente para retirar a parte mais pesada de barro ou lama que tenha ficado aderida. Também faz parte do processo, a limpeza do veículo com xampu. No final, o carro é aspirado e está concluído o serviço. Cada vez que lavo o carro lá, é com um lavador diferente. Fiquei freguês. Só lavo o carro lá. Hoje fui a um laboratório de análises clínicas para que Ana fizesse alguns exames de sangue, inclusive a curva da lactose. Esse exame consiste em tomar em jejum, um produto com alta concentração de lactose com 300 ml de água e colher amostras de sangue com 30 e 60 minutos, para ver como o organismo se comporta diante do açúcar do leite. Essa parte do exame é feita numa sala chamada de repouso, na qual o cliente fica numa cadeira reclinada aguardando as duas coletas de sangue. Quando chegamos, já estavam presentes algumas pessoas na sala. Uma senhora do lado estava com o acesso instalado na veia e Ana perguntou se aquilo fazia parte do processo. A técnica de enfermagem disse que o procedimento era perguntar se o cliente quer ou não colocar o acesso. Logo, verificamos que não perguntaram


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a Ana. Quando Ana perguntou se poderia beber água, a vizinha disse ter sido informada que só depois de uns 20 minutos. Chega a vez de Ana ter o sangue colhido e a atendente de cara feia disse: “a senhora tem de 3 a 4 minutos para beber o produto.” Após 5 minutos, pressionou a paciente dizendo que o tempo já havia esgotado. Quando Ana terminou de beber o liquido, a técnica disse: “cuidado para não vomitar, senão vai ter que repetir o exame 4 dias depois.” Tive vontade de perguntar: “como se controla o vômito?” Ao dar o “concentrado”, outra técnica disse que a cliente deveria bebê-lo de uma vez só e, ao perguntar se poderia beber água logo em seguida, a profissional disse que sim e lhe deu de imediato um copo cheio d’água. Logo depois avisou: “alguns pacientes têm vontade de vomitar depois que bebem água.” Era um festival de grosserias. Chega uma terceira técnica. Ao ser perguntada se a paciente sempre tem que colocar o acesso, ela disse que não recomenda, pois, o material usado pelo laboratório não é de silicone e, sendo assim, é mais fácil de sair da veia. Cheguei à conclusão que o laboratório, apesar de famoso e estar sempre lotado, não tem procedimentos, para um simples exame da curva de lactose. Voltei para casa pensando, muitas empresas têm boas estruturas físicas, certificações, acreditações e proficiências mil, mas falta treinamento ao seu pessoal .... eu, hein, sou mais o processo de lavagem de carros! Recife, 12/01/18


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CONVERSAS DE CONSULTÓRIO 1 Certa vez, estava num consultório médico em Natal... quando cheguei, já estavam na sala de espera uma senhora de cabelos brancos, Eulália, sua neta Júlia, e Tereza, cuidadora da idosa. Depois de alguns minutos, apareceu um senhor de jaleco branco, Dr. João que, ao ver Júlia, lhe deu um longo e caloroso abraço. Em seguida, fez o mesmo com a sra. Eulália. Naquele instante, ele sussurrou no seu ouvido:” diga que não sou seu genro favorito!” Disse a ambas que em poucos instantes, atenderia à senhora e se retirou da sala de espera. A jovem deixou transparecer que o Dr. João havia sido seu padrasto dos dois aos quinze anos de vida. Daí entendi aquele abraço especial em Júlia. Entrei na conversa e a jovem me explicou que o pai dela, havia sido o primeiro marido de sua mãe, Carmem e que se chamava Carvalho. O segundo tinha sido o Dr. João e atualmente, namorava com homem chamado João Carvalho, por coincidência junção dos dois nomes. Ao ouvir essa história, dei uma boa gargalhada. Assim é melhor, disse ela, porque jamais a mãe trocaria o nome do namorado. Afinal fiquei sabendo por intermédio de Júlia, que o nome da atual esposa do Dr. João também se chamava Carmem, nome da primeira esposa. Falei pra ela: “isso são coisas do nosso inconsciente e que só Freud explica.” Sai cada conversa em consultório... Recife, 10/01/18, dia do 2º aniversário da minha neta Esterzinha


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CONVERSAS DE CONSULTÓRIO 2 Estava outro dia num consultório odontológico. Enquanto aguardava o atendimento, chegou um senhor grisalho, aparentando ter uns 60 anos. O televisor estava ligado num dos programas matinais sobre cozinha, no qual uma mulher fazia uma sobremesa, que parecia muito gostosa. O senhor chamado Delfino, falou para mim: “gosto muito de cozinhar, porém fazer sobremesa, não. Acho que é um próprio para mulheres, esse tipo de preparo”. Entrei na conversa e ele então falou que tinha vontade de escrever sua autobiografia e que o seu pai era uma figura muito interessante. Infelizmente, já havia falecido. Ele começou a contar uma história de seu pai. Certa vez, vinha com o seu pai pela Estrada do Coco em Sergipe, dirigindo seu carro, quando subitamente apareceu uma mulher à frente e ele a atropelou. Diante do acidente, ele parou o carro e disse: “Pai, vamos voltar.” O pai respondeu: “o que você fizer, eu apoio.” Delfino deu meia volta no carro para se encontrar com a acidentada, e tomou um grande susto, pois ela já estava de pé. Ele pediu desculpas e aquela senhora disse que não fora nada, pois ela estava tentando se matar. Ele perguntou o motivo. Ela prontamente respondeu que tinha acabado de encontrar seu marido com um outro homem na cama. Que tristeza, decepção, nunca imaginou que seu companheiro de tantos anos fosse capaz disso! Visando consolar a pobre infeliz, pai e filho a convidaram para tomar uma cerveja num bar próximo e acabaram tomando um belo porre. O pai animou a quase vítima: “largue esse homem, deixe ele fazer o que quiser e com quem quiser! Vá viver sua vida. Uma mulher jovem e bonita como você, quase morria por causa de um ......” Eles se despediram e prosseguiram viagem. Fiquei pensando... o Delfino realmente tem razão... o seu pai teria muitas histórias para contar se ainda estivesse entre nós. Quando eu já ia pedir para ele me contar outra dessa, a atendente disse: Sr. Carlos é a sua vez... Que pena!!! Aeroporto de Madri, 14/04/18


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ORDINÁRIO, MARCHE!! Final dos anos 60. Um grupo de jovens da Igreja Presbiteriana Independente do Recife vai passar o final de semana em Natal para participar de um evento evangélico. Parte do grupo fica hospedado na casa de dona Nair e seu Francisco, nas proximidades da Igreja onde haveria o Encontro. Sábado pela manhã, após um delicioso café na casa onde estavam hospedados, os jovens saíram a pé para a rua João Pessoa no grande ponto, lugar muito conhecido na cidade. No trajeto, eles teriam que passar por uma unidade militar, de pequeno porte. Naquele momento, estava havendo a troca da guarda daquela unidade. Os jovens caminhavam despreocupadamente pela calçada, quando o jovem Paulo, para dar uma de engraçado, diz bem alto: “Ordinário, Marche!” Os jovens riram, mas os militares escutaram e não gostaram da brincadeira. O sargento responsável pelo pelotão gritou: “pega o rapaz ali.” Prenderam o Paulo e o grupo seguiu para a Igreja, preocupado com o ocorrido e estudar uma estratégia para libertar o recém detido. Coitado do Paulo. Nunca havia ofendido nem a um pinto, e agora, preso. Lembraram na ocasião que o apóstolo Paulo havia sido preso também, porém por motivos diferentes desse. Os jovens chegaram à Igreja com o time incompleto, pois um havia ficado no quartel. De imediato, os que estavam presentes começaram a listar quem poderia ajudar a libertar o preso. Fala com o Pires, um Tenente da reserva, dizia um. Vê se Machado conhece alguém, falava o outro. Enquanto isso, no quartel, o jovem Paulo era submetido a um interrogatório. Nessa época de ditadura militar, todo jovem era um subversivo em potencial. - Qual é o seu nome? - Paulo Rodrigues - Você é de onde? - Do Recife, respondeu Paulo. - Trabalha com quê?


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- Sou estudante! - “Ah! eu conheço muito bem os estudantes do Recife. Um bando de subversivos, que querem desmoralizar as forças armadas!” Recife, nos anos da ditadura militar, sempre foi um reduto de esquerda. Na realidade, Paulo havia mentido, pois ele não era estudante e sim vendedor de publicidade das páginas amarelas de uma lista telefônica. Ele temia citar o nome da empresa onde trabalhava para não perder o emprego. Finalmente o tenente Pires conseguiu explicar aos militares que houve um equívoco. Aquele jovem não havia cumprido o serviço militar e não tinha a menor noção do respeito que era devido às autoridades militares. Dessa forma, o Paulo foi libertado e chegou na igreja aliviado do sufoco que havia criado. Prometeu que nunca mais daria ordem unida e não passaria nem na calçada do outro lado da rua de um quartel militar. Foi muito cumprimentado por todos e na segunda- feira retornou ao Recife e foi logo vender publicidade de páginas amarelas! Amarelar em quartel, nunca mais!! Recife, 12/08/17


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40 MINUTOS NO METRÔ DO RECIFE Na semana passada, fui de Metrô da Estação Central do Recife até ao Terminal Integrado de Passageiros - TIP. Não é a primeira vez que faço essa viagem, mas elas sempre são interessantes para o passageiro observador. Como estava um tempo meio chuvoso, logo na entrada você já poderia comprar uma sobrinha ou guarda-chuva, para o inverno que se aproxima. Após a compra do bilhete e passar na roleta, cheguei ao Embarque dos passageiros. Chamou minha atenção um jovem pregador da Palavra de Deus, com a Bíblia em punho, contando a história bíblica do rico e Lazaro, apelando para os que o ouviam que não havia escapatória do inferno. Ele estava no lado de quem ia para a Estação Central, de modo que os que estavam no sentido contrário, podiam ouvi-lo perfeitamente.” Bonitos são os pés dos que anunciam as boas novas”. A partir daí, não cessava de aparecer vendedores ambulantes dos mais diversos ramos. Um vendia nécessaire, gritando que era 10,00 reais cada. O outro vendia bolsas fazendo uma promoção imperdível: 3 bolsas agora, de 30,00 por 10,00 reais. Chegou a hora do creme dental Oral B. O vendedor informava que não era Colgate nem Kolynos. Esse é um produto indicado pelos dentistas. O preço, uma pechincha: 3 por 5,00 reais e lá fora é 3,50 reais cada, dizia ele. Proposta tentadora. Não podia faltar a gostosa pipoca. Uma moça comprou um saco do precioso alimento e já foi quebrando seu jejum. Eu estava sentado numas das cadeiras reservadas para preferenciais e sentou ao meu lado um idoso, com os olhos remelando um pouco. Fiquei preocupado que estivesse com conjuntivite e pudesse me contaminar. Ele só me perguntou uma vez o nome de uma Estação na qual o trem parou e desceu na outra. Lá vem o vendedor de Cremosinho... chega um rapaz com um pacote repleto do dito cujo. Passamos pela Estação Santa Luzia, e lá entra um rapaz com uma


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tela de arame fino, toda enrolada. Talvez a usasse para construir um galinheiro. A tela parecia o Brasil... todo enrolado. Quando menos espero, aparece um deficiente visual sem guia, mas apelando para a compaixão dos presentes. Sua solicitação era assim: “ajude o ceguinho. Quem dá, Deus abençoa. Quem não dá, Deus abençoa também.” Conseguiu agradar a todos. Parada na Estação Coqueiral. Os trens passam em direção à Estação Central, muito cheios, feitos “sardinha na lata”. Quantos trabalhadores em busca do pão nosso de cada dia, sem nem imaginar as falcatruas que tantos outros estão tramando com eles nas diversas instâncias do país. Outra estratégia de venda foi a do rapaz que entregava um kit com chicletes e na volta ou recebia o pagamento, ou o passageiro devolvia o kit. Como sempre tem alguém precisando de cola branca, chega o vendedor de Forte cola. Ele oferece. Se colar, colou. Estação Alto do céu... pelo menos há uma esperança. Outro vende pacotes com balinha de hortelã e outras de café. Para refrescar a vida e acordar tantas outras pessoas para o dia e para a vida. Como muitos sempre perdem os carregadores dos celulares, um outro ofereceu cabos das marcas Samsung e Motorola. Comunicação é tudo. 8:23 h da manhã... após 40 minutos de movimentada viagem, desço na Estação Rodoviária para seguir viagem para Natal. Nunca mais vereis aqueles rostos, mas por alguns instantes eles fizeram parte da minha vida. Recife, 10/09/17


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AS PAREDES TÊM OLHOS... Ao ver uma foto do escritório no qual trabalhamos durante alguns anos, a minha amiga Roberta Carletto me disse que “aquele prédio nos deu memória fotográfica, olfativa, palativa ... 6 anos de rotina! Como esquecer!? Está marcado em nossa memória. Mas, sabe Carlos Alfredo, são as pessoas que fazem o lugar. Vocês e nós é que fizemos a diferença”. Fiquei pensando sobre isso. E se as paredes vissem e tivessem memória? O famoso Coliseu de Roma deve ter visto imperadores, gladiadores, cristãos sendo devorados pelos leões... a torre Eiffel viu Charles de Gaulle, Hitler, políticos e famosos, brasileiros anônimos, muitos até fazendo self. As pirâmides do Egito viram os faraós veem milhares de turistas que as visitam sempre ... o templo de Salomão viu não só o rei Salomão como a rainha de Sabá... as pedras de Jerusalém viram o próprio Jesus, ensinar, curar e fazer milagres; os muros de Berlim viram a opressão e a divisão, filhos sendo separados de pais, ou irmãos de irmãos. A igreja de Genebra viu Calvino expor suas ideias políticas e religiosas na famosa Catedral e o Castelo de Wittemberg viu Lutero afixar suas 95 teses protestando contra os procedimentos religiosos da época. E o prédio no qual trabalhamos anos atrás? Quem ele viu? Com certeza, ele observou um grupo muito diversificado e interessante. Viu pernambucanos, potiguares, paraibanos, cariocas, paulistas, gaúchos e de gente de outros estados. Viu também torcedores do Sport, Náutico e Santa Cruz, do Central de Caruaru e também flamenguistas, vascaínos e botafoguenses, são-paulinos, corintianos e santistas, gremistas e colorados... viu pessoas de todos os partidos políticos, de todas as religiões, pessoas honestas e outras, nem tanto, pessoas de planejamento, contratação, projeto, gestão, fiscalização, segurança industrial, meio ambiente, RH e tantas outras. Pessoas alegres, bem-humoradas, contadoras de “causos” e outras, nem tanto. Uns focados em pessoas e outros no processo ou no resultado. Uns confiando nos cronogramas e outros dizendo que eles eram os últimos a saber. Uns brigando por centavos a favor da Companhia e outros, nem tanto.


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Uns que viajavam de ônibus para o trabalho e outros de carros. Todos ficando horas parados nos engarrafamentos sem fim. Uns se casaram; outros se separaram. Uns perderam entes queridos e ganharam outros tão fofinhos. Uns tiveram filhos e outros optaram em não os ter. Uns amaram morar por aqui, outros, nem tanto e muitos descobriram depois, que eram felizes e não sabiam. Uns se aposentaram; outros prosseguiram na luta. Muitos se comunicando bem e outros nem tanto, pois pensavam que tinham o “rei na barriga”. Quase todos choraram na despedida. Muitas pessoas poderosas na época ao vivo e depois as viu na TV em situação constrangedora, ou indo para trás das grades. Umas nos inspiraram e outras nos deram mal exemplo. Mas as comemorações dos aniversários dos colegas e amigos, eram sempre motivo de um almoço especial, para que fôssemos vistos pelo restaurante do Cabeça, Opará, Artur ou mesmo o Shopping Costa Dourada. O que valia mais era a bagunça no ônibus. Parafraseando Roberto Carlos “ Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi. ” Recife, 07/07/17


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ACAMPANDO NO VALE DO SENHOR Carnaval de 1965. Um ano antes, havia chegado na Igreja Presbiteriana Independente de Casa Amarela, da qual eu e minha família fazíamos parte, dois jovens sargentos da Aeronáutica, Genésio Moutinho e Ilço Aguiar. Eles eram egressos do Curso de Sargentos Especialistas da FAB em Guaratinguetá - SP. Genésio, catarinense de S. Francisco do Sul e Ilço do estado do Rio de Janeiro. Genésio era o presidente da União da Mocidade e implantou naquela Igreja o primeiro Acampamento de Jovens, no período de Carnaval. O local escolhido foi o Vale do Senhor, no bairro de Dois Unidos, no Recife, localidade muito vulnerável socialmente. Planejamento era um dos pontos fortes de Moutinho. Tratou logo de dividir o grupo em equipes para que o empreendimento tivesse sucesso e não sobrecarregasse ninguém. Foram sendo definidos os palestrantes, pessoal da cozinha, finanças, compras de mantimentos, louvor e assim por diante. O local escolhido era um orfanato dirigido pelo Sr. Edgar, muito dedicado àquela tarefa e era conhecido também por ser pai de várias filhas moças. O Vale dispunha de uma piscina de água (de rio) corrente que nos garantia o banho nos momentos de lazer, bem como à noite após a famosa Reunião Social. Como só havia alojamento para as moças, os rapazes tiveram que se virar dormindo em barracas de campanha do Exército. Eu me recordo que ao dormir numa das barracas, fui sorteado em usar uma grossa raiz de uma mangueira como travesseiro. A programação era variada. O dia começava com o café da manhã, culto, palestras, intervalo para banho e prática de esportes. Após o almoço, era livre até à noitinha, quando era servido o jantar. Após o jantar, havia o culto e em seguida todos os jovens se reuniam para uma atividade muito especial: a famosa reunião social. Comandada normalmente por Genésio, eram realizadas várias brincadeiras em casais ou isolados, onde a diversão e integração eram garantidas. As mais famosas eram: Macaco na roda, Três solteiros a passear, Bingo


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é o seu nome, entre outras. Dessas brincadeiras, surgiram muitos namoros e casamentos. Jovens de outras igrejas também participaram, como das presbiterianas da Encruzilhada e Madalena. Bem finalmente, chegava a quarta-feira de cinzas, onde tomávamos café e voltávamos para as nossas casas. Uns voltavam cantando: ó quarta-feira ingrata!!! Recife, 05/07/17


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MINHA VIAGEM COM LUIZ MELODIA Nos anos 80, eu viajava frequentemente de Natal para o Rio de Janeiro a serviço. Num desses retornos para a capital potiguar, vim num Air bus da Varig. A aeronave era nova, muito confortável e possuía além das 5 poltronas na área central, duas à esquerda e duas à direita. Era uma sexta-feira, à noite, e como se tratava do último dia da semana, as pessoas já entravam no avião bastante agitadas. Era para a maioria dos passageiros, a volta para casa depois de alguns dias fora. Eu já me encontrava sentado numa das duas poltronas do lado direito, quando vejo uma pessoa de trinta e poucos anos tentando achar seu assento. Ele chamou minha atenção pela sua roupa, pois estava com uma camisa e bermuda muito coloridas. Impossível não ser notado. A tripulação da aeronave fez algumas negociações, para acomodar outros passageiros, até que ele veio e sentou ao meu lado. Pensei comigo, ou ele é jogador de futebol ou artista famoso. Não poderia ser um advogado, pois se o fosse, estaria de paletó e gravata. Ele sentou, mas ainda estava muito agitado. Como vou descobrir o nome do meu companheiro de viagem? Eu não era muito ligado em futebol para saber se ele do Sport do Recife ou do Flamengo do Piauí, muito menos se era artista da novela das sete. Não perdi tempo e saquei aquela pergunta extremamente incomoda: -“como é o seu nome?” Pensei, vou ficar envergonhado por alguns instantes, porém mato minha curiosidade e fico bem sabendo o nome do famoso, que eu não tinha a menor ideia de quem era. Ele respondeu prontamente: Luiz Melodia. Não adiantou muito porque eu não lembrava de nenhuma de suas músicas. Depois vim saber que “Juventude Transviada”, que eu conhecia, era de sua autoria. Começamos a conversar, o que é uma boa prática para encurtar a viagem. Ele falou que estava indo para Natal para realizar um show no dia seguinte, sábado. Falei a ele que eu era evangélico e ele disse que o seu pai também era. Ele é da Igreja Batista do morro do Estácio. Tomei então a liberdade de mostrar a ele o que eu havia escrito recentemente. O título do meu texto era “O que não haverá no céu”.


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Lembro hoje que citei no texto alguns programas de televisão, entre outras coisas. Para surpresa minha, ele mostrou o meu escrito para alguns integrantes da sua equipe que também estavam no voo. Ele achou muito engraçado o que eu havia escrito. A partir, daí passou a se referir a mim como Batista, como um sinônimo de evangélico. “Esse Batista é maluco”, dizia ele. Num dado momento, falei para ele:- “Ainda vou te ver cantando no coral da Igreja Batista do Estácio”. Depois desse dia passei a acompanhá-lo na TV sempre que ele aparecia. Hoje à tarde, quando estava num posto de gasolina trocando o óleo do carro, ouvi a notícia da sua morte aos 66 anos, pelo rádio. Perguntei a dois jovens que estavam perto, se o conheciam. Disseram que não. Quanto eu cantarolei a música “Juventude Transviada”, ambos disseram: a música eu conheço. Fui para casa assobiando ... “Lava roupa todo dia, que agonia Na quebrada da soleira, que chovia Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada Uma mulher não deve vacilar Eu entendo a juventude transviada E o auxílio luxuoso de um pandeiro Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada Uma mulher não deve vacilar...” Assim caiu a ficha. O Brasil perdeu sua “pérola negra”. Recife, 04/08/17


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OS 50 ANOS DE UMA CASA MUITO ESPECIAL Papai comprou a casa na fase final da construção no ano de 1966 e terminou a obra. Ela fica no bairro da Encruzilhada, próxima a uma praça e ao Mercado do bairro. Nos anos 60, a rua não era nem calçada. Quando papai e mamãe foram morar naquela casa, ambos tinham 41 anos de idade. Incrível!! Nesta época, eu estava no cursinho pré-vestibular de Eng. Química. Esta casa presenciou muitas histórias importantes. Mamãe durante muitos anos confeitou bolo com muito esmero, especialmente de noiva. Dali saíram vários deles. A casa era sempre hospedagem garantida para inúmeros pastores e seminaristas amigos de papai... Sebastião Moreira, Jose Machado, Adiel Figueiredo, Francisco Pereira, Jonan Cruz, Francisco Moraes, Leontino Farias e tantos outros. O Seminário Betel Brasileiro, localizado em Joao Pessoa, sempre enviava jovens seminaristas para passar o fim de semana trabalhando nas igrejas do Recife. E onde é que as moças ficavam hospedadas? Nessa mesma casa. Não poucas vezes papai chegava da Igreja com um “batalhão” de alunas do Betel para almoçar. Os amigos dos filhos e filhas eram sempre presentes, seja para estudar ou mesmo só bater papo. Nem vou listar para não deixar algum de fora. Todos os meus irmãos (ãs) saíram daquela casa para casar. O quarto de estudo, com um quadro verde, escutou muitas discussões sobre Química, Física e Matemática e os quartos, ouviram debates sobre teologia e política. Morei naquela casa até 1971, quando casei pela primeira vez. Durante todo o tempo em que morei lá, estávamos sob o regime da ditadura militar. Amigos e parentes de Natal ou de outras cidades, sempre tinham o seu lugar garantido, seja num final de semana, ou passar umas férias lá. A mesa da cozinha era sempre cheia. O café da manhã era aguardado por causa da gostosa tapioca de coco, adoçada com leite de coco e o cuscuz de Mira ... só de lembrar, “dá água na boca”. Se a cozinha era o lugar dos encontros da alimentação, o terraço era das conversas boas, piadas e muitas gargalhadas.


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Vários cachorros e gatos também marcaram sua presença ali. O cachorro Petit, muito conhecido dos amigos e parentes, morreu de velhice e está enterrado no jardim, após o terraço. Os gatos sempre tiveram o mesmo nome... Nino. Acho que até a oitava geração. Um fato curioso que aconteceu também ali, foi um suicídio que ocorreu numa árvore que fica na calçada em frente. Quando mamãe viu, estava um homem enforcado, pendurado. Depois de alguns instantes, a corda se rompeu e o corpo inerte veio ao solo. Também tinha um personagem que todos os domingos passava após o almoço para pedir um dinheiro, comia a sobremesa e ia embora. Seu nome era Eliseu. Ele possuía alguma deficiência mental, era evangélico e sempre imitava algum pregador falando, nem que para isso, cuspisse em quem o estava assistindo. Também tinha alguns jovens que dormiam na porta da casa e pela manhã eram encontrados. Kátia me lembrou de Zé da Praça, um deficiente mental que corria atrás do povo e dizia que ele teria ido à guerra e ficado louco por isso, marchava e tocava corneta. Walter, mais conhecido como Rosinha, que se travestia e que ajudava em várias casas do bairro e também às crianças a organizar e ensaiar as festas de São João. Cabeção era um temido ladrão que se entregou ao álcool e dormia na calçada lá de casa, protegido pela pequena árvore chamada de “coração de negro” e dizia não deixar nenhum marginal encostar por ali. Tinha sempre uma refeição garantida. A casa guarda também uma recordação das enchentes do Recife. Na de julho de 1966, que não entrou água dentro de casa, mas dava para passear no bote inflável de Eduardo entre a casa e a praça. Na de julho de 1975, a água escura e barrenta do rio Capibaribe cobriu mais de um metro dentro de casa. Os que moravam em casa na época, tiveram de subir para o apartamento dos vizinhos no primeiro andar, para escapar do imenso transtorno daqueles dias. Um dia papai saiu daquela casa numa ambulância e foi para uma UTI, onde depois de quarenta e dois dias, veio a falecer. Até hoje aos 92 anos, mamãe mora lá. A casa também foi um prolongamento dos filhos através dos netos.


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Alguns moraram lá enquanto faziam faculdade no Recife. Todos os netos e bisnetos de papai e mamãe brincaram naquele terraço e subiram nas grades como se fosse uma escada. Essa casa foi comprada porque mamãe não gostava da anterior, localizada no bairro de Casa Forte, devido ao excesso de muriçocas. Papai vendeu uma e comprou a outra. Como são as escolhas da vida! Umas pequenas muriçocas foram a causa dessa mudança e consequentemente, de termos morado naquela casa e presenciado todos esses fatos nos últimos 50 anos. A primeira casa do casal foi uma pequena casa em Natal. Na minha infância, papai cantarolava uma música de Silvio Caldas: “Tu não te lembras da casinha pequeninha, onde o nosso amor nasceu? tinha um coqueiro do lado, que coitado, de saudade já morreu...” Recife, 13/07/17


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VOLTANDO AO COLÉGIO AMERICANO BATISTA Hoje, visitando a FENELIVROS no Centro de Convenções em Olinda, me deparei com um stand do Colégio Americano Batista. Eu e Alfran, meu irmão mais velho, estudamos lá de 1962 a 1965. Eduardo também estudou noutro período. Fiz terceiro e quarto anos do Curso Ginasial e primeiro e segundo do Científico, hoje, ensino médio. Comecei a olhar o material do stand e vi um livro comemorativo dos 100 anos do Colégio, publicado há 14 anos. Ao folhear superficialmente o material impresso, percebi muitas fotos interessantes, que me fizeram retroceder no tempo. Vi fotos dos ex-diretores como Pr. Merval Rosa e Pr. José Florêncio Rodrigues; do Pr. José Florêncio Jr, capelão; Dona Julinha, segunda esposa do pastor José Florêncio, professora de História; D. Ligia, de Geografia; Alan Magalhães Costa, de Inglês; Dr. Arnaldo Poggy, médico e professor de Química e Ciências. Ele só tinha um pulmão e falava muito baixo. A turma tinha que que colocar as cadeiras em torno da sua mesa para que ouvíssemos as suas aulas. Não precisa nem dizer que aprendi muito pouco de Química. Vi fotos também de Cleomenes Niceas, que uma vez foi expulso da sala de aula e até uns anos atrás foi diretor de uma grande rede de televisão, em Pernambuco. Também consta na publicação fotos dos irmãos Ramalho, Elmyr, arquiteto, Elyr, médico e Edyr, dentista, sendo que o primeiro casou com minha prima Nildinha. Foi interessante ver fotos do pastor Florêncio Júnior, quando terminou o Seminário Batista, muito jovem ainda e mais recentemente com os cabelos todos brancos. Ele atualmente é professor na UNB. Relembrei dos anos 60, quando o Colégio, como os demais do Recife, separava em salas diferentes os meninos das meninas no Ginasial e os juntava no Científico. Durante o Ginasial, só víamos as meninas de longe na Lecção (palavra de origem desconhecida que significava os momentos de meditação da Palavra de Deus ou assuntos culturais), em alguns dias da semana logo após o recreio.


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Contei para as funcionárias do Colégio alguns causos da época. O primeiro era que no final do turno da manhã, enquanto os alunos esperavam seus pais, ficavam aguardando as moças, alunas do Colégio Vera Cruz, passarem e diziam em coro: “um, dois, um, dois,” ritmando o passo delas. O normal era elas se desconcentrarem e perderem o rebolado. O outro fato era um aluno que tinha a mania de tirar as duas hastes metálicas que energizavam os ônibus elétricos (“banana”), quando os mesmos paravam em frente ao Colégio. Esse ato desligava a alimentação elétrica do ônibus, de maneira que sob o protesto dos passageiros, o motorista descia o veículo para fazer a ligação elétrica do mesmo, mediante a recolocação da “banana”. As moças devem ter pensado que essa turma dos anos 60, perturbava demais! Não vi fotos, mas me lembrei das aulas de Português, do Prof. Otaciano Acioly; de Física, do prof. Sidrack de Holanda Cordeiro; de Desenho do prof. Baltazar; de Augusto Pinto, de Geografia e OSPB; de História, de Dona Lucíola, com uma mecha branca nos cabelos; Matemática do médico Dr. Amorim, no Ginasial e do prof. Silas Vilar, no Cientifico, Juvenal prof. de Geologia. Isso sem falar do time de futebol de campo, que contava com Severino (Sevinho), Cléo Niceas, Carlos Henrique, Gerson, Roosevelt e tantos outros, que nos deram muitas alegrias com suas vitórias nos jogos estudantis. Falei para as expositoras do Colégio sobre aqueles hoje famosos, que foram alunos nos anos 60 como Ildibas, que se formou em Engenharia e Teologia, trabalhou na CHESF e foi diretor do Colégio; Ubiraci, Eliezer Ruchansky, Lívio Maliconico, Ana Liria e Maria de Jesus, fizeram medicina; Aloisio Sotero, excelente professor de Química, Eng. Agrônomo, foi Superintendente da SUDENE e ministro da Educação; Washington Amorim Jr, Engenheiro e prof. da UFPE, Vera, que tinha um fusca com teto solar, Larry, juiz do trabalho, Ubiratan, Engenheiro, Flávio, Elza, Lea, José Maria, Ajalmar, João Dantas, Marco Polo, poeta e escritor; Nélson Ferreira Filho, Alfredo César de Oliveira Coelho, que foi barbaramente assassinado depois de alguns anos de médico. Da turma de meu irmão Alfran, lembro também de Paulo Fernan-


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do, Engenheiro e empresário; Daniel, Economista, que foi morar nos Estados Unidos; Sevinho, José Edson e Garibaldi Gurgel, médicos, sendo esse último ex-deputado estadual de Pernambuco, Cirosi, pastor. No momento chamado de Lecção, vi muitas coisas interessantes, porém a que nunca esqueci foi a mensagem do Pr. José Florêncio Rodrigues baseada no livro de Josué (1.8). “Não te mandei eu? Não pasmes nem te espantes, pois, o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares”. Lá aprendemos o Hino do Colégio que dizia assim: “Para frente ó mocidade, cheia de fé e de bondade! Avancemos na peleja, tendo a vitória por certeza! Nada nos abaterá. Cada qual aprenderá a vencer com paciência, Buscando em Deus a sapiência!” Bons tempos aqueles do CAB. Recife, 14/03/17


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BONS TEMPOS EM NATAL Em primeiro de janeiro de 1982, todo o pessoal do Setor de Engenharia do então DEPRO – Departamento de Exploração e Produção da Petrobras foi transferido para o SEGEN – Serviço de Engenharia. Nessa turma, vieram o Celso (chefe da obra); Ivelise (secretária); Heleno Lira, Josué Galvão (cearense); Benildo (desenhista); Coroa e Simão, Tuma (paraenses); Scavaza, Clalmir (paraibano de Sousa); Rogério Liguori (paulista que casou com uma potiguar e ficou na terra); Romeu (mineiro); Ademar e outros. Em primeiro de maio de 82, fui transferido da obra da Obra da Construção de Fertilizantes Nitrogenados, de Sergipe (FAFEN-SE) para Natal. Oportunidade ímpar. Nascido em Natal, tendo sido criado no Recife e já tendo morado em Porto Alegre e Aracaju, tenho a oportunidade de morar pela primeira vez na minha cidade natal. Natal do Forte dos Reis Magos, cidade do Sol, do maior cajueiro do mundo, do morro do Careca, da Praia de Ponta Negra, da Praia do Forte, da Ponte de Igapó, da Redinha, do Aeroporto de Parnamirim que serviu na época da 2ª guerra mundial como Trampolim da Vitória. Fazia poucos anos que havia sido descoberto petróleo no Rio Grande do Norte e o SEGEN estava começando a gerenciar as suas obras naquele estado. O nosso primeiro escritório era uma casa de primeiro andar, na rua Jundiaí, bem perto da Av. Hermes da Fonseca. As obras inicialmente eram Plataformas do campo de Ubarana (PUB-01 a 13), Plataformas do campo de Agulha (PAG-01 a 02) e Estação de compressores de Ubarana (ECUB) em Guamaré, distante 180 km de Natal, entre outras. Depois foram surgindo o Terminal de Guamaré, ampliação da ECUB, Estações coletoras Estreito A e B, Josué era o chefe do setor de Montagem e Heleno no Planejamento e Contratação. Eu trabalhava com Heleno na atividade de Planejamento e Ademar na contratação. Ivelise era a secretária do chefe Celso. Ela tinha uma característica


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ímpar: falava com o telefone. Quando ouvia o som do aparelho e não estava na sala, ela saia gritando: “já vou telefone...” outros já estavam quando cheguei, o Agnelo e Nelson, paranaenses. Tereza Cristina era uma jovem engenheira capixaba que trabalhava com Heleno com materiais. Depois se transferiu para Recife, tendo sido permutada pelo Wagner. Na viagem de ida para o Recife, o carro que ela dirigia derrapou na estrada e acho que capotou, tendo Tereza quebrado o pé. Ainda no ano de 1982, o Celso foi substituído na chefia da obra, vindo para o seu lugar o Tadeu, gaúcho que se encontrava trabalhando no Recife. Tadeu tratou logo de arranjar um lugar mais amplo para o nosso escritório. Após diversas tentativas de alugar salas, resolveu construir um amplo escritório na Rua Cap. Mor Gouveia, próximo às instalações do antigo DEPRO, depois E&P e atual UN RN CE. Ao mesmo tempo, a obra foi reestruturada, ocasião em que recebemos muitos colegas de fora do estado. Veio Paulo César Dutra da Silva, (Paulão) para a divisão de montagem; o Castrillon, para o setor de montagem de Guamaré; o José Jorge para a montagem do mar e Herrera para o Suprimento. Depois foram chegando o Paulo Nóbrega, Emilson Oshikawa, ,,,,Numa fase posterior chegou o Do Vale, Mauricio Pimentel, Ronald, Giovani, Gilberto, de saudosa memória, ... Josué Albuquerque, que foi um dos pioneiros em Guamaré, Júlio César, Júlio Máximo, Joaquim, Kênia, Betacele, Sotero, Fandovaldo, Luciene, Maxwell, Lázaro, Lenira, Lobato, Luiz Henrique, Marcelo Maia, Nicodemos Maia, Magnus Artur, Márcio, Márcia, Mendonça, Natalino, Morais, Fátima Marque, Rita de Cássia, Marcos, Humberto e tantos outros. Se Aracaju marcou nossas vidas pelo nascimento dos filhos, Natal foi pela educação dos mesmos. A maioria deve se lembrar do CEI, Tutubarão – escola de natação, CCAA – curso de Inglês e assim por diante. Hoje, os meus filhos e de tantos outros colegas que residiram em Natal na década de 80-90 são formados e estão na vida profissional, graças à formação adquirida em Natal naquela época. Nesses 13 anos em Natal, vimos muita coisa. Os tremores de terra


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em João Câmara balançavam nossa cama em Lagoa Nova; um avião supersônico quebrou a barreira do som e causou um grande susto na população, pelo barulho que fez. Lá em Natal, tomamos contato pela primeira vez com um microcomputador, bem como com os primeiros cursos de informática. Os micros eram equipamentos com discos imensos de 8 polegadas. Quando tínhamos concluído as obras previstas para aquela época, a obra se transferiu para Fortaleza, para construirmos a Lubrificantes do Nordeste (LUBNOR). Fomos em 1985 e a equipe retornou em 1998, ocasião em que me aposentei. Saí de Natal, criança aos dois anos de idade e voltei, formado, empregado da Petrobras, casado, com dois filhos. Foi uma experiência maravilhosa, conheci muita gente boa e aprendi com cada um deles. De vez em quando, fazemos o Encontro da turma de Natal. Valeu, Natal! Recife, 20/01/18


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SONHO SOBRE A TAMARINEIRA Certo dia, passava de ônibus em frente ao Hospital Ulisses Pernambucano, mais conhecido como Hospital Psiquiátrico da Tamarineira e vi uma colega da Implementação do Empreendimento da Refinaria do Nordeste - IERENEST, esperando a chegada do seu ônibus, exatamente em frente ao referido Hospital. No mesmo dia, eu a adverti do perigo que corria em ficar em frente ao manicômio e ser confundida com alguma de suas pacientes e ser conduzida para dentro do prédio por engano. Imaginei a cena. - Pega essa moça, que está querendo fugir daqui. - Moço, eu não sou daí. Sou petroleira, vim de Manaus e trabalho na Petrobras, na construção da Refinaria Abreu e Lima. - Sei. Você já é a terceira pessoa esse ano, que diz trabalhar na Petrobras. - Moço, eu sou Engenheira de meio ambiente. - Aqui já tem uma dizendo que também é Engenheira de meio ambiente. Com vocês duas, o ambiente fica completo. - Eu trabalho com Diógenes. - Aqui também tem um que vive com uma lamparina na mão, dizendo ser Diógenes. Procura tanto e até agora só achou uma barata. - Pode ligar pra lá. Trabalho com Camila, outra engenheira. - Aqui tem uma dizendo ser Camila Pitanga. Diz que já trabalhou na novela das oito. - Deixe eu pegar meu ônibus. Hoje eu tenho uma reunião com Ulisses. - Aqui também tem um que diz ser Ulisses, personagem da “Odisseia” de Homero. - Eu tenho que falar com Homero, que é do meu ônibus. - Aqui tem um que diz que escreveu a” Odisseia” e a” Ilíada”, diz ser Homero e tem sempre discussões homéricas com os outros. Cria um bode e vive correndo no pátio. - Vou lhe dizer com quem trabalho: Maia...


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- Conheço bem esse pessoal. Aqui tem um Maia que diz que o mundo vai acabar em 2012. Estamos de olho nele o tempo todo. - ... com Marcos Cezar. - Temos aqui uns cinco que se dizem Césares de Roma. Estou vendo se eles chegam a uma conclusão de quem manda mais. - Vou ter que ligar para Heleno! - Aqui tem um que se diz grego, ou melhor, Heleno e vive fazendo cortando uns morrinhos lá no fundo do terreno. - Eu preciso falar com o Ricardo. - Sim, Ricardo. Aqui tem um dizendo que é inglês e tem coração de leão. Eu acho mesmo que ele tem é o leão no coração, ou seja, é do Sport. - Lá eu tenho uma amiga Gabriela, que poderia dizer quem eu sou. - Temos um aqui que se diz Jorge Amado, só para dizer que é o mais amado. Ele diz que está escrevendo um romance sobre uma tal de Gabriela. - Eu conheço o colega Sócrates que também trabalha na Obra. Pode ligar para ele. - Ah, sei. Aqui também tem um alvirrubro, que vive dizendo: Eu só sei que nada sei... Parece que ele tem razão. - Só falta você dizer que nessa Refinaria também trabalham Fagner, Anastácia, Reis dos Reis, Anchieta, Dilma, Alice... - Exato. Todos esses trabalham lá. Como você sabe? - Pode trazer a camisa de força para levar a moça que diz trabalhar com todos esses personagens famosos... De repente nossa colega acorda com uns gritos: - Acorda Alessandra, que já vai começar a solenidade de desapropriação do terreno da Tamarineira para a construção de um parque público. Vamos assistir. Viva o Dia do Meio Ambiente!!! - Ufa. Que susto! Tive um sonho tão estranho, disse Alessandra que, atravessou a rua e foi assistir ao evento. Recife, 01/05/08


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A MULHER VIRTUOSA Versão contemporânea de Pv. 31:10-31 Mulher virtuosa contemporânea, quem a achará? O seu valor excede o de grandes poupanças e de aplicações na Bolsa. O coração do seu marido confia nela, e não haverá falta de rendimentos financeiros, inclusive do Bitcoin. Busca materiais sintéticos e de bom grado trabalha na sua máquina de costura elétrica. Da Delicatessen da esquina traz o seu pão integral, o bolo de chocolate, o iogurte light e o leite desnatado. Liga para o disk pizza, quando vai receber os amigos. Pela manhã, a secretária já se levanta e vai comprar o café da manhã na Loja de Conveniência aberta 24 horas. Dá tarefas à sua diarista, liga o forno micro-ondas, a máquina de lavar louças, a cafeteira elétrica, a máquina de lavar roupas e a secadora, pois trabalha fora. Leva os filhos para a Escola e para as aulas de Inglês, mandarim e natação. Passa no Banco 24 horas para retirar o dinheiro da semana. Paga as suas contas pela Internet. Examina a carteira de ações e adquire algumas. Compra uma nova loja com os rendimentos das aplicações. Declara seu imposto de renda sem sonegação. Reduz seu colesterol fazendo a sua caminhada diária, fortalece os seus braços na academia, malhando e fazendo Pilates. Na idade apropriada, faz a reposição hormonal e evita a osteoporose. Faz a prevenção do câncer regularmente. A sua TV por assinatura não se apaga de noite. Assiste sempre os filmes e séries do Netflix e os noticiários. Amanhece o dia ouvindo as notícias pelo rádio enquanto vai para o trabalho. À noite se atualiza vendo os telejornais. Ela navega na Internet, comunica-se via Skipe. Participa das redes sociais, como o Facebook e Instagram. Tem o seu próprio blog e fotolog. Fala com os amigos distantes usando o Skipe. Lê regularmente nos e-books. Faz back up dos seus arquivos na nuvem. Possui seu o iPad. Estende as mãos no teclado e digita seu


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trabalho no Word, as suas mãos clicam no mouse sem fio. Dá dinheiro ao rapaz, que faz malabarismos e ainda estende as mãos aos sem teto. Participa dos programas de voluntariado e de empreendedorismo social. No tocante à sua casa, não teme o calor, pois dorme com o split sempre ligado. Compra suas roupas no Shopping Center, sem ser escrava das grifes da moda, pagando com cartão de crédito, para contar pontos em sua milhagem. Seu marido é estimado entre os empresários, quando vai às reuniões dos homens de negócio. Fala no celular com sabedoria, exceto quando está dirigindo seu carro. Tem muitos arquivos importantes no seu lap top. Quando viaja, leva um Net Book. Faz download das músicas preferidas no Spotify. Comunica-se constantemente pelo WhatsApp. Tira fotos dos filhos e dos netos e faz selfie com o celular e envia para as amigas. Assiste aos Jornais pela Internet. Utiliza para estudo, a Bíblia da mulher. Está atenta ao bom andamento da sua casa eletrônica e almoça no self-service, com sucos de fruta da época e verduras orgânicas. Faz coleta seletiva para tornar o planeta sustentável. Adquire produtos que sejam ecologicamente corretos, de empresas que tenham responsabilidade social. Logo cedo, os filhos se levantam em silêncio para não a acordar. Seu marido deixa um bilhete dizendo: “um beijo para você, mulher empreendedora.” Muitas mulheres têm equipamentos eletrônicos, mas os teus ganham de todas elas. Enganosa é a cirurgia plástica e vã a lipoaspiração e a gastroplastia, mas a mulher que teme ao Senhor, essa será louvada. Recife, 20/12/18


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JETRO, CONSULTORIA É AQUI Os livros que tratam do assunto Consultoria Empresarial se reportam a 5 fases num projeto de Consultoria. São elas a Entrada e contato, Coleta de dados e diagnóstico, Feed back e decisão de agir, Implantação e o Término. O segundo livro da Bíblia registra um episódio de grande aprendizado para todos nós. O cenário era o povo judeu na sua caminhada pelo deserto, em direção à terra prometida sob o comando de Moisés. Um certo dia, quando Moisés se achava acampado, junto ao monte de Deus, o seu sogro Jetro o visita e apresenta algumas sugestões para o trabalho dele. Nos nossos dias, diríamos que Jetro fez um trabalho de Consultoria para Moisés. Senão vejamos: Jetro avisou a Moisés da sua chegada. Moisés saiu ao seu encontro e o beijou; e indagaram pelo bem-estar um do outro. Moisés contou a seu sogro tudo o que o Senhor havia feito a Faraó e aos egípcios por amor de Israel. Jetro fez o que chamamos de “aquecimento”. Ele criou um clima favorável para a conversa. Isso é o que é chamado de Entrada e contato. No dia seguinte, ele chegou e fez uma observação direta dos fatos, que é uma metodologia de coleta de dados. Ele observou que o povo ficava em pé desde a manhã até ao pôr do sol, esperando serem atendidos pelo líder israelita. Jetro apresentou uma qualidade notável num Consultor, que é a sensibilidade. Ele foi sensível ao sofrimento do povo. Temos sido sensíveis ao sofrimento e dificuldades dos outros? Ele obteve as informações por parte de Moisés através de duas perguntas. -“Que é isto que fazes ao povo? Por que te assentas só, e todo o povo está de pé diante de ti, desde a manhã até ao pôr do sol?” Em seguida, ele concluiu afirmando: “Não é bom o que fazes. Sem dúvidas desfalecerás, assim tu como este povo que está contigo: pois isto é pesado demais para ti; tu só não o podes fazer.” Podemos chamar a isso de Coleta de dados e diagnóstico.


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Quem deveria ajudar o grande líder naquela tarefa de julgar o povo? Quais os critérios para selecionar esse pessoal? Fazer concurso interno? Idade? Prova de títulos? Exames psicológicos? Jetro apresentou os seguintes critérios: deveria ser do povo judeu; deveriam ser capazes, pois do grande conjunto formado pelo povo de Deus, ele deveria formar um sub conjunto dos homens que fossem capazes para julgar; agora dentre os capazes de julgar deveria formar um outro sub conjunto formado por aqueles que fossem tementes a Deus; dos tementes a Deus, ele escolheria os que fossem homens de verdade, isto é, que merecessem confiança; e finalmente, dentre os homens de verdade seriam escolhidos os que aborrecessem a avareza, que fossem honestos em tudo. Que filtro de malha fina esse apresentado por Jetro! Um outro princípio introduzido por Jetro e que tem sido muito usado como modelo nos compêndios de Administração foi a delegação. Ele aconselhou dividir o povo em grupos de mil, estes em grupos de cem, que por sua vez, seriam subdivididos em grupos de cinquenta, e por último em grupos de dez. O importante é notar que ele delegou as tarefas que eram fáceis, pequenas, rotineiras, ou seja, processos que estavam estabilizados. As causas graves iriam para Moisés. Não se delegam inovações, causas graves ou processos em fase de instabilidade. Jetro também tratou da divisão das tarefas, ou seja, a descentralização. Ele alertou a Moisés que, centralizando o trabalho de julgamento, este seria pesado. É impossível alguém fazer tudo sozinho. Estamos utilizando os mesmos critérios indicados a Moisés? Estamos descentralizando a liderança das atividades das nossas empresas ou instituições? Conhecemos o potencial da nossa equipe? Estamos escolhendo pessoas capazes ou aqueles que concordam conosco? Escolhemos as de maior potencial? Indicamos os homens de verdade ou os mais simpáticos? Estamos escolhendo pessoas que aborrecem a avareza ou aqueles que são os nossos amigos ou do nosso grupinho. Estamos delegando os processos já estabilizados, cujos resultados são previsíveis ou delegamos somente os “abacaxis” que não queremos descascar?


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Uma característica importante em Moisés foi saber ouvir. Ele ouviu e atendeu às palavras de Jetro. Temos ouvido aqueles que nos aconselham, que sugerem melhoria para os nossos métodos de trabalho, ou somos os “donos da verdade”, que já sabemos tudo? Temos tido a humildade de aprender com os demais? Eu chamaria a isso de Feedback e decisão de agir. Imediatamente Moisés atendeu às palavras de seu sogro e fez tudo quanto este lhe dissera. Escolheu Moisés homens capazes de todo o Israel, e os constituiu por cabeças sobre o povo. Estes julgaram o povo em todo tempo; a causa grave trouxeram a Moisés, e toda causa simples julgaram eles. Isso é chamado de Implantação - fase importante e necessária em todo Processo de Consultoria. O remédio pode ser o melhor que existe, mas só fará efeito se for tomado. Existe em nossos dias a Síndrome da segunda-feira. Fazemos um curso durante a semana inteira e na segunda-feira seguinte, nós não aplicamos nada do que vimos no curso. Às vezes, temos sugestões maravilhosas que nos foram dadas, porém nunca a pomos em prática. Moisés teve sucesso porque as utilizou. Então se despediu Moisés de seu sogro e este se foi para a sua terra. Isso é o que podemos chamar de Término do trabalho de Consultoria. Uma vez feita a Consultoria, cabe a quem a recebeu, implantar e gerenciar o processo. Cabe ao Consultor se retirar. Quem implanta o processo de mudança é o dono do processo, não o Consultor. Quantas lições podemos extrair desse pequeno trecho da antiga Bíblia! Queremos concluir enfocando dois aspectos: primeiro, a Bíblia continua sendo um livro atual. Nela, podemos encontrar desde a maneira de nos relacionarmos dia a dia com o nosso semelhante, até princípios de Administração, passando por cidadania, gestão, ética, moral, educação de filhos, finanças, esperança, fé e tantos outros; e segundo, como é importante e útil a Consultoria dentro de qualquer empresa. Qualquer área da empresa pode estar carente de melhorias e é nessa hora que precisamos ter a humildade de solicitarmos o apoio de pessoas com mais experiência e conhecimento para nos auxiliar.


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Tenhamos a humildade de Moisés, que foi a de colocar em prática os conselhos do seu sogro Consultor. Recife, 01/12/18


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VENDO FANTASIAS Li hoje numa loja perto do meu apartamento a seguinte placa: vendo fantasias. Evidentemente que são para serem utilizadas no carnaval que se aproxima. No carnaval, muitos se fantasiam, seja de rei ou rainha, princesa, palhaço, índio, médico, enfermeira, pirata, bombeiro, Lula, Dilma, Nestor Cerveró, saci pererê, Pierrot, Colombina, mendigo, melindrosa, crianças viram super heróis, homens usam chupeta, homem vira mulher e vice-versa e tudo mais onde a imaginação chegar. Segundo a psicanálise, é nessa hora que muitos trazem lá do inconsciente essas fantasias. Papéis que não podem ser desempenhados na vida real são utilizados no Carnaval, porque nessa época do ano, tudo pode. Mas como diz Jobim, “Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval. A gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho, pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira. Pra tudo se acabar na quarta-feira.” Recife, 14/02/15


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O BAÚ DE DARCILA Nos domingos à tarde, nós ficávamos doidos para irmos ao cine São Luiz; mas nem eu nem Alfran tínhamos coragem de pedir dinheiro à D. Chiquinha, minha mãe de criação e avó dele; então mandávamos Carlos (candidato a ouvir o “NÃO”). Quando ela não estava com a veia boa, gritava pra ele: “vocês pensam que eu estou cagando dinheiro?” e lá vinha Carlos com “o rabo entre as pernas” e eu e Alfran morrendo de rir. Às vezes, íamos também falar com Dalila, prima de Albuquerque, que era porteira do cinema. Eu dizia para ela que Lídia pedia para nos deixar entrar (mentira); ela mandava a gente aguardar e quando o “chefe” se afastava, a gente corria para dentro, sem ingresso, claro. Carlos lembra que, uma vez Alfredinho foi expulso do cinema por estar rindo demais durante um filme. Nas férias, já era decretado por D. Chiquinha que todos nós iríamos tomar remédio para verme (óleo de rícino). Então na fatídica noite, ela obrigava a gente a tomar o remédio, em seguida chupar laranja-limão para tirar o gosto horrível, deitar e esperar o “efeito”. O “aparelho” e os penicos que o digam. Era um festival de cólicas e náuseas. Amanhecíamos todos enjoados. Costumávamos fazer aviões de papel com as páginas da revista “O Cruzeiro”, que Albuquerque comprava, e jogávamos nos ônibus que passavam, procurando acertar as pessoas, através das suas janelas. Os nossos “pontos de tiro” eram as janelas da sala, que como eram muito altas, ficávamos sobre um tablado de madeira, tipo um caixão. Nessa peraltice, até Alfredinho (tio e primo) também estava. E tome “carão” de Lídia e D. Chiquinha. Carlos lembra que quando passava um ônibus (lotação) em frente, indo no sentido Alecrim, saiam da base aérea local (patamar da janela), uns 6 aviões de papel em direção ao objeto do bombardeio (parecia a esquadrilha da fumaça). Uma vez, um dos nossos gritou: “parece que atingiu uma pessoa e ela vai descer na próxima parada.” Foi um corre-corre, um tal de se esconder atrás das portas. Mas foi só um susto. Como éramos pequenos, eu tinha a


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impressão de que a janela era enorme. Também jogávamos bola de gude (biloca) no quintal; só eu de menina! Tinha um tal de “matão” que eu não entendia o que era; eu só entendia bater uma bolinha na outra. Alfredinho roubava muito no jogo. De vez em quando, íamos “atacar” o sítio de pai Alfredo (pai de D. Chiquinha) que morava perto; ele, deitado na rede, ou numa espreguiçadeira, no alpendre, via-nos correndo de fininho, então se erguia dizendo: “para onde vão? Voltem!” Como ele tinha uma carvoaria em casa, a gente esperava ele ir vender carvão a alguém que chegasse e “perna pra que te quero”. E entrávamos. Tinha manga, caju, goiaba, pitomba seriguela etc. Carlos comentou que acha que é por isso que sempre que vai ao Shopping Plaza no Recife, só almoça no restaurante Seriguela. Às vezes, eu e Alfran éramos acometidos de um “frouxo” para rir à mesa, sem ver de quê! Então Lídia, filha de D. Chiquinha, ficava possessa. Quanto mais ela reclamava, mais nós ríamos e acabávamos sendo expulsos da mesa; aí que a gargalhada era grande! Vizinho à casa de Lídia tinha uma barbearia, de “Seu” Pedro, pai de Raimundinha. D. Chiquinha dava dinheiro para Carlos cortar o cabelo e ele voltava com um corte tipo “escovinha”, que quase não se notava que tinha sido cortado; ele ouvia tanto “carão” de D. Chiquinha!... Já Alfran, cortava bem rebaixado, deixava cheio só em cima (como a vovó gostava). Uma vez, eu fui com D. Chiquinha a Recife. Eu e Alfran pegávamos a bicicleta e íamos andar ao redor de uma praça, em Casa Forte; o maior perigo, entre os ônibus. Enquanto um pedalava, o outro ficava no banco da praça. A maior doideira! Nas férias, Nenzinha, irmã de D. Chiquinha, nos levava para tomar leite na vacaria, no Baldo, onde tinha um riacho onde tomávamos banho também. Às 5 horas da manhã, levantávamos e cada um levava um copo com açúcar e VIC-MALTEMA (o Toddy de hoje). Ia a corriola toda: eu, Alfran, Edinar, Edinor, Idenilde, Ivan etc. Só que tinha um porém: Carlos tinha preguiça de escovar os dentes e ninguém


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queria ficar junto do “Zé Boquinha”... Dormíamos no mesmo quarto, eu e Alfran, e ficávamos até muito tarde contando anedotas e piadas; jogando conversa fora. Enfim, são muitas lembranças que se perderam no tempo. Lembro as risadas estrondosas de Alfran. Éramos “unha e carne”, fomos criados juntos e depois que Alfredo, pai de Alfran e Carlos se mudou para Recife, nos reuníamos nas férias, então era aquela algazarra. Pela manhã, tomávamos cuscuz com leite, pão assado com leite com café. Não tinha moleza; Lídia me mandava juntamente com Alfran passar manteiga no pão e assá-lo na grelha. À tarde, vitamina de banana com pão quentinho (a padaria era em frente). Carlos lembra que a sopa de feijão, à noite, na casa de Lídia era inesquecível. Ainda hoje ele sente o cheiro. Há uma foto, eu com Alfran no colo (inclusive está na sala de Leninha, minha filha, numa montagem, que ela fez só de fotos antigas). Ah! Lembro que Carlos era gago! Ka...ká...ká....Quando o “negócio enganchava” era aquela risadagem. Ele chorava e D. Chiquinha brigava com a gente. Carlos lembrou da penteadeira no meu quarto. Estava escrito nela e em outros lugares a frase HEI DE VENCER. Depois de muitos anos, depois de me ver médica, Carlos se lembrou de como essa mensagem foi forte na minha vida. Lembrou também que eu colecionava fichinhas de plástico coloridos que eram os comprovantes que havia sido pago o transporte (lotação). Eu vinha do colégio e entregava parcialmente as fichas das colegas e sempre ficava com algumas, para coleção. Os carnavais em Natal tinham obrigatoriamente bonitos carros alegóricos. Vavá, meu noivo na época, uma vez desfilou num e a gente achava o máximo ele chegar em casa de D. Chiquinha com Lança perfume. Por falar nela, tomávamos porre nessa época, pois era permitido. Coisas da juventude transviada, diriam alguns. Carlos diz que também havia o corso (carros circulando pelo centro da cidade) e ele ia com os irmãos e primos, dar umas voltas, sendo que o motorista do carro era o pai dele, Alfredo Maciel.


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Carlos afirma que a vovó Chiquinha gostava muito de ouvir novela no rádio e que ela ficava com Alfran dormindo no colo, ouvindo. No dizer de Carlos, Alfran era o neto preferido, primeiro neto... No almoço domingueiro, lá vem a galinha guisada e Carlos e ele brigavam pelo coração da mesma. A avó dava o coração para Alfran e dava a Carlos a moela que era parecida, e ele ficava pensando que a galinha tinha dois corações. Uma vez fui com Carlos assistir a um programa de rádio, num sábado à tarde na rádio Poti. Era muito comum na época, programas de auditório nas emissoras de rádio. Carlos lembra que, como era época próxima ao carnaval, jogavam do palco serpentinas de papel em direção aos presentes no auditório. Carlos diz que a vovó Chiquinha usava uma expressão inesquecível: “deixa de celebro, menino”. Celebro vem de celebrar, comemorar. Era quando um de nós estava muito agitado, fazendo confusão com os outros. Pense naquela pequena casa com os irmãos de Carlos e os cinco filhos de Albuquerque e Lídia, fora os primos que moravam perto e vizinhos. Era a maior confusão para tomar banho, se arrumar para irem à igreja aos domingos, etc. Carlos reconhece ser muito grato a Lídia e Albuquerque por nos ter aturado tanto. Dona Maria, a lavadeira, lavava a roupa às segundas-feiras. Profunda conhecedora da Psicologia Infantil, toda semana ela trazia um pacote de confeitos e distribuía com todas as crianças da casa. Eram umas balinhas de baixo preço, acho que gasosas (tipo da época), mas que causava grande alegria em todos. Criança se contenta com pouca coisa. Como não existia na época computador, telefone celular, vídeo game, vídeo cassete, tv a cabo, televisão, etc. éramos felizes e não sabíamos, pois jogávamos dominó, ludo, dama, bola de gude, pegávamos varetas, tirávamos manga no sítio do bisavô e principalmente, convivíamos com as pessoas que ainda hoje, nos são muito caros. E plagiando o rei Roberto Carlos, são muitas, muitas emoções! Agora, cada um de nós tomando o seu rumo, nos encontramos com filhos, netos, cabelos grisalhos... Convivemos com as alegrias, triste-


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zas, decepções, conformismos. Isso faz parte da nossa existência. O que importa é que, quando quisermos nos sentir novamente criança, vamos lá, abrir o baú de recordações e sonhar... sonhar...sonhar... Tenho Alfran como uma pessoa muito querida, que foi muito importante na minha infância/adolescência. Éramos cúmplices em tudo. O tempo, que é implacável, faz com que tenhamos pelo menos na nossa memória, relances dos bons tempos. Isso ajuda a preservar os nossos sentimentos, massagear a nossa alma e acariciar a saudade, quando ela nos bate à porta. Viva o passado quando ele se faz presente. Ao escrever essa crônica, por vezes ri; outras tive os olhos marejados de lágrimas. Tirei essas histórias do fundo do baú. Darcila Chagas Natal, RN


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CONFRATERNIZAÇÃO DE 2014 Precisávamos fazer a confraternização de final do ano do Partido Carnavalesco - PC, que faz parte do Instituto de Estudos de Otimização de Curriculum Vitae – IEOCV. Primeiro veio a ideia de que deveria ser supersecreta, em lugar desconhecido e incerto e que não pudéssemos pronunciar algumas expressões tais como: lavo meu carro num lava a jato, Refinaria de Açúcar, CPI (Código Pernambucano de Informação), etc. No máximo, com amigo secreto, ou melhor, secretíssimo. Marcamos no bar Cabra entre quase amigos. Foram chegando os participantes do Instituto de Estudos de Otimização de Curriculum Vitae – IEOCV - Silva Filho, Charles Alfred, a Famosa, Montila, Lima de Campina Grande, Descartes, a mãe de Ester, Sr. Matias, o baixinho do Santa Cruz, a mineira, a presidente, Robson Crusoé e duas idosas, minha cara Elisa e Mari. Sentimos falta do Ramos de Oliveira conhecido como devagar, devagarinho. Contamos história dos nossos colegas como Amado mestre, o tocador de Frei Martinho, cidade da Europa, o tocador de Israel, Martinho da vila, da música natalina Hosana nas alturas e Alex de Gravatá. Falamos também do novo programa Minha Casa Nova, Minha Vida Nova. Lembramos das manchetes dos jornais que falam do ano com muita venda de roupas, principalmente a grife Diesel, notadamente as calças de número 50. Os pratos foram, variados... Espetinhos à História dos Tornados HDT e interligações de calabresas, tudo frito em panelas de S inox, além da caipirinha extra muros. O Bar tem uma potente casa de força. Falamos muito nas obras a serem concluídas na comunidade do coque, aqui no Recife. Falaram até numa tela a ser instalada, mas acho que não tem nada a ver com a malha fina do imposto de renda. Lembramos de alguns colegas de confraternizações de outrora, como: Gabriela do romance de Jorge Amado; Juliana, a princesa de Camaragibe; Ricardinho, o magrinho; Sr. Teixeira, que adora fazer as receitas de Ana Maria; Braga, o vendedor de automóveis; Lu da dança


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do ventre livre, Papai Noel, e É 3 kilos (sic) de pimenta (E3KP), torcedora doente do Spor; a moça de Caruaru que foi vendida ao Santos; Sid, o trocador de tomadas; Ricardo Cruz Credo, torcedor do Sport; o Times que toma uísque envelhecido em barris de Carvalho; Nat que é descendente de Benjamim Button, já que nasceu bem velhinha e está cada dia ficando mais jovem e bonita. Recordamo-nos de bons filmes como:” Anastácia”, “Ulisses”,” Marcelino pão e vinho”, “Homero”,” Alice no país das maravilhas”, “A lista de Schindler”, “No tempo das diligências, um bom faroeste;” O dia em que a terra parou”, “Os melhores anos de nossas vidas”,” Quem quer ser um milionário”, entre outros. A noite foi chegando e alguns saíram apressados para pegar o trem 2, pois o trem 1 já havia partido. Esses dois trens vão diariamente para o conhecido município de Abreu e Lima. Na saída, ao pagar o estacionamento de dez reais, dei uma nota de vinte e o rapaz falou: não tenho troco. Você quer em bala de menta ou ações da Petrobras? Assim, não dá né! Recife, 14/12/14


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JANTAR COM O BRIGADEIRO Lauro foi um grande amigo que tive e que o conheci no dia em que comecei na Petrobras, em junho de 1974. O encontro foi no Setor de Pessoal da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas, no Rio Grande do Sul. Ele um Engenheiro Eletricista niteroiense e eu, um potiguar vindo do Recife. Ele ainda morou um ano na capital gaúcha e voltou para o Rio e eu fiquei dois anos e meio e fui para Aracaju, Natal, Fortaleza e estava nessa época no Recife. Sempre que eu ia ao Rio de Janeiro a serviço, era um almoço garantido com ele naqueles restaurantes do centro do Rio. Era muita conversa e boas risadas. Ele sempre com aquele bom humor do carioca. Ele gostava muito dessa frase: “Eu me amarro em comer frango à cubana, por causa da banana frita.” Os tempos passaram... e depois de alguns anos uma vez Lauro me informa que está vindo até o Recife para ir até Fernando de Noronha com a Vanda, sua segunda esposa. Fomos recebê-lo no Aeroporto, juntamente com um amigo do casal, que também residia em Boa Viagem, à beira mar, no Recife. O amigo prontamente colocou as malas do casal num veículo da Aeronáutica e quando eu lhe perguntei o endereço da casa, ele disse apenas para eu segui-lo. Foi o que fizemos. Segui o veículo oficial e para surpresa minha, ele entrou numa casa onde reside o comandante do Comando aéreo do Nordeste. Depois de muita conversa e água de coco, descobri que se tratava simplesmente do Brigadeiro Comandante daquela instituição militar. Como eu pensava que era só receber o casal no Aeroporto e levá-los para a casa dos amigos deles, eu estava de bermuda e chinelos... No final da tarde, a esposa do Brigadeiro nos convidou para jantarmos com eles. Em alguns momentos, estávamos jantando com o comandante e esposa, com todas as mordomias que o cargo oferece. Uma salada, o prato quente, a sobremesa, tudo isso regado a um vinho verde, que não vi o nome. Só não fiquei para dormir, porque não fui convidado.


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Depois eu vim entender que Vanda era irmã de um amigo do então brigadeiro, quando os mesmos eram alunos da academia militar. Daí essa amizade entre os dois casais. Só o amigão Lauro me fazia entrar numa dessa!!! Lamentavelmente, Lauro veio a falecer poucos anos depois em decorrência de um câncer no cérebro. Recife, 20/10/14


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ESSES POTIGUARES... A minha avó fazia um cocó no seu cabelo e o prendia com uma marrafa, que era muito usado nos anos 60 para mulheres da sua idade, sessenta e poucos anos. Na casa dela, tinha um “quarador”, para estender as roupas após ensaboá-las. Quando ela ia à feira, sempre trazia “alfenim” para os netos. Ela falava que no tempo de segunda guerra mundial, como a “casinha” era do lado de fora da casa, ela sempre mantinha nos quartos um “capitão” debaixo da cama. Após a cozinha, havia uma “latada” onde estava instalada a torneira de lavar louça. Dentre as suas vizinhas, duas sempre passavam à sua porta quando iam visitar os netos. Maria sempre reclamando na “dor nos quartos” e Joana, tinha uma “padaria” que chamava a atenção de todos na rua, sendo que a primeira era “vitalina” convicta. Ela tinha o costume de se “deitar com as galinhas.” Quando os primos se reuniam à noite para dormir e a conversa estava animada, ela sempre gritava: “olha essa latomia aí, meninos!” Cicero, que morava próximo, era um jovem de olho “acatitado” e que usava umas “calças de pegar siri”. Mesmo assim, na sua rua ele era definido como sendo um “bode”; já o seu irmão Onofre era tido como um “caboré.” Ele sempre comprava alguma coisa na “cigarreira” da esquina. Joaquim, outro amigo da família, parecia mais um “papangu” e sempre passava comendo “quebra-queixos” que comprava na esquina. Dizem até que ele tem um “parafuso frouxo.” Onofre, neto mais velho, era um “capa-verde.” Quando dava na “veneta” saía visitando doentes e fazendo orações. Carminha, sua irmã, usava sempre um “pega-rapaz” que era um sucesso. Diziam que no trabalho, depois do almoço, ela era sempre vista “pegando uma traíra.” No café da tarde, ele não abre mão de comer o “grude” de Extremoz. A brincadeira preferida dos netos era “coelho-passa.” Aquilo era um “chamariz” para as crianças vizinhas. Quando iam juntos para


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Martins, na zona serrana do estado, eles não gostavam da “cruviana.” Tinham que se agasalhar muito. Hermanilton, que frequentava as brincadeiras dos meninos, parecia um “Zebedeu.” Sua mãe dizia que ele ainda não havia “desarnado” na escola e ainda tinha um cabelo “deslambido.” Contam que ele é o maior “grude” com a namorada. Uma vez fui numa loja que imprimia convites e enquanto aguardava a vez, observei que tinha um rapaz do lado de dentro do balcão, que só olhava o movimento e não atendia a ninguém. Então perguntei: -“você poderia me atender?” Ele respondeu “de pronto”: -“não trabalho aqui. Estou só de cabido.” Depois dessa experiência atípica, deixei minha terra Natal, e voltei para Recife, onde eu estava acostumado com “arretado,” complexo de superioridade, Reginaldo Rossi, como rei, a maior avenida em linha reta do mundo, maior bloco de carnaval do mundo e ver todos os dias os rios Capibaribe e Beberibe se unirem para formar o Oceano Atlântico. Recife 02/10/14


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JACARÉ NO LAGO SUL Certo dia, alguém viu um jacaré no lago sul, na área de uma Refinaria muito longe daqui. Os nossos especialistas foram investigar e ficaram surpresos com o que viram. Eles acharam vários jacarés: tinha jacarés Sênior, Plenos e Júnior, jacarés aposentados e jacaré-coroa. Tinha até uma jacaré fêmea estagiária. Se alguma coisa dava errado no lago, já sabiam de quem era a culpa. Acharam um que se dizia gerente e outro, coordenador. Viram jacarés de todo tipo: uns pequenos, outros muito grandes, um gordinho que se atreve a andar de bicicleta; outros que fazem dieta; outro jacaré fêmea quer fazer redução de estomago. Tem jacaré que usa sapato muito alto. Tem até jacaré surfista e outros que pegam jacaré. Tem jacaré de papo amarelo, ou seja, só tem papo. Tem jacaré-de-óculos, jacaré-de-campo, jacaré pernambucano(a), carioca, paraibano(a), baiano(a), mineiro(a) e até de Caruaru, Camaragibe e Gravatá. Tem jacaré alvi-rubro, tricolor e rubro negro. Também tem santista. Tem jacaré bilíngue, pois falam com os Aligator. Tem uma jacaré fêmea que fala até alemão e outra, com nome de presidente da república. Tem jacaré que arquiva plantas (literalmente). Tem jacaré fêmea que teve trigêmeo, jacaré com jacarezinho, nascido há pouco tempo, e jacaré que não quer reproduzir a espécie. Tem um jacaré que libera os demais jacarés, após um dia de trabalho no lago. Esse mesmo jacaré já fez de tudo no lago sul e já foi proprietário de mais de 50 carcaças para se locomover. Já vendeu bolo de carne de jacaré em forma de rolo, que era o maior sucesso. Tem jacaré que faz projeto de casa para outros jacarés, uns fazem licitação para que outros jacarés empresários construam essas habitações; outros que estão construindo um jacaréduto para que possam passear no píer. Tem jacaré que coordena o meio ambiente, ou seja, legislam em causa própria. Eles nos informaram que tem jacaré cantora que de vez em quando vai lá tirar fotos para melhorar o lago... Tem jacaré que adora abraçar diariamente outros jacarés (uns 12 abraços por dia); outro que só diz palavrão e uma fêmea que faz dança do


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ventre na água. Outro dia passou um filme no lago sul, cujo título era Meu nome não é Jacaré. Tem jacaré apressado; tem quem fala muito de filosofia e afins; tem jacaré querendo ser crocodilo; tem jacaré neto; jacaré que não sai de Sena e outra cujo nome é marca de uísque. O leitor pode não acreditar, mas tem jacaré que quando viaja de férias para outros lagos, faz até relatório da viagem. Outro jacaré deixou o lago e foi trabalhar em terra firme. Tem jacaré pombo, mas que não voa nada, tem até um que quando muda de toca, troca todas as tomadas das paredes por umas mais novas. Tem um jacaré fêmea já sana, e outra sakura. Eles são tão avançados que têm até senha. Acharam a senha de um em cima de uma pedrinha: EJ1E, que traduzindo na sua própria linguagem significa: Esse jacaré é um esperto. Outra senha achada: E2JT (é dois jacarés tarados). Só eles entendem essa linguagem. Descobriram que 2 jacarés são vizinhos, vizinhos de porta. Além de passarem o dia no lago, ainda são vizinhos. Os jacarés estão organizando um bloco formado só por jacarés para o próximo carnaval. É o JOCOTÓ. Eles concorrem com o bloco de outro animalzinho que mora perto do lago: é o Galo da Tarde. Como todo bom jacaré pernambucano, eles dizem que o Lago Sul é o maior lago do mundo... em linha reta... Os nossos pesquisadores só não encontraram um jacaré fêmea chamada Luísa que, no dia da visita, estava num lago muito gelado no Canadá. Recife, 31/01/12


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ANDANÇAS PELA RUA DA PALMA Numa manhã de sábado, fui receber umas lentes novas para os meus óculos e, como tinha que esperar uma hora e meia para que as lentes fossem instaladas na armação, fui perambular pelas ruas do centro do Recife. Saí da Praça Maciel Pinheiro em direção da Rua da Imperatriz Tereza Cristina. Muitas lojas novas, cujos vendedores disputavam os clientes no grito. Locutores faziam a propaganda da sua loja através de megafones. No final da rua, ainda existe a Livraria Imperatriz, cujos proprietários eram judeus. Está pior do que há 30 anos. Lembrei que a floricultura na margem do Rio está no mesmo lugar. Atravessei a ponte metálica que separa a Rua da Imperatriz da Rua Nova. Como sempre, pedintes estendendo a mão na direção dos transeuntes, implorando dinheiro para comprar um pão. Cenas deprimentes. Lembro da minha infância, um homem que ficava pedindo esmolas e que tinha um aspecto de quem havia sido todo queimado, e segundo diziam, ele havia se acidentado num tacho de usina de açúcar. No centro do Recife, há uma aplicação financeira sem igual no mundo inteiro. Os vendedores do estacionamento chamado de Zona Azul, compram um bilhete por um real e o vendem por dois. Negócio melhor do que esse, não há. Na tentativa de comprar uma cartela da zona azul diretamente na fonte e evitar os atravessadores, cheguei à Rua da Palma, rua essa que me traz muitas recordações da infância e adolescência. Finalmente, cheguei em frente de onde foi o número 432, que era o endereço da empresa de papai. Daquele pequeno prédio, ele tirou o sustento para nos educar em bons colégios particulares do Recife, o que possibilitou a conclusão do nível superior de todos os filhos. O endereço telegráfico era OLIEL e o primeiro telefone foi 7923, isso mesmo, só os quatro dígitos. Lembrei-me ali de sua equipe: Pio, Yaponira, Rodrigues, Milton, de


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Campina Grande, Aldo, Antônio, Valdomiro, Noêmia, Eunice, Julinha entre outros. Durante algum tempo, tanto eu como meu irmão mais velho, Alfran, também trabalhamos um expediente nas férias escolares. No trecho da rua onde existiu aquela empresa da família, existem hoje bem em frente, dois motéis no primeiro andar de dois edifícios. Vieram à minha memória cenas de quando papai fechava a loja aos sábados ao meio-dia e saia no seu carro para um posto de gasolina na Rua da Concórdia para abastecer o mesmo. Uma cena que ficou gravada na minha memória, foi uma ocasião em que no final do expediente dois jovens de rua começaram uma briga e um deles quebrou uma garrafa e partiu com o gargalo na mão para matar o outro. Rapidamente aparece um senhor e com voz firme e autoritária mandou que o rapaz largasse a garrafa de vidro e eles pararam a briga. Naquela rua existiam a Mesbla, Viana Leal, (onde foi instalada a primeira escada rolante do Nordeste e onde hoje ainda existe o nome da empresa na parede do edifício com azulejos azuis), Casa da Borracha, Rei dos parafusos e tantas outras como Leon Guedes Correa, da igreja batista, amigo de papai e que vendia eletrodomésticos. Em algum momento, papai teve um escritório de contabilidade no primeiro andar daquele edifício. Vi também uma esquina onde funcionava o Banco do Povo, aonde papai ia frequentemente fazer empréstimos (chamados de papagaio), para capital de giro para sua empresa comercial. Próximo à Rua da Palma, havia um caldo de cana onde papai nos levava para o lanche da tarde. Ali tomávamos caldo de cana com algumas gotas de suco de limão. Por ali também aprendi a tomar chá mate, que no início achava com um gosto muito ruim e depois me acostumei até que virei consumidor do Dunga Mate da Rua Nova. Havia no final da Rua da Palma, um prédio muito simples que abrigava a Primeira Igreja Presbiteriana do Recife, hoje localizada na Rua das Creoulas. Certa ocasião, papai trocou ideias com Pio para fazer uma publicidade sobre a especialidade da empresa que era peças para Chevrolet.


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Pio, num excesso de honestidade, escreveu “temos quase tudo para o seu Chevrolet”. Na linguagem dos marqueteiros de hoje, diria que temos tudo ... Aproveitei o passeio, e fiz uma turnê na frente dos antigos cinemas, que hoje deram lugar a lojas: Moderno, cujo ar condicionado era tão gelado, que era sentido por quem passava na calçada, Art Palácio e Trianon. No entorno desses últimos, os prédios estão bastante estragados, com uma fedentina de urina horrível nas suas calçadas. Ao lado da Praça Joaquim Nabuco, ainda existe o Restaurante Leite, um dos mais tradicionais da cidade, fundado em 1882. Voltei para casa pensando que hoje aprendi mais uma lição. Lembrei-me daquele ditado: “Se a vida lhe der um limão, faça dele uma limonada”. Ao invés de reclamar porque ficaria uma hora e quinze minutos esperando pela montagem dos óculos, aproveitei para fazer uma viagem no tempo – anos 60 e 70, que foi de grande valia para a minha vida. Recife, 31/01/12


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O QUE É, O QUE É? Você faz no parque, Na praia, no campo. Em pé, sentado, deitado. Até acocorado. Pela manhã, à tarde ou à noite. Pelas madrugadas. Antes, durante ou depois das festas. Com muita roupa, pouca ou nenhuma. No carro, avião ou trem. No ônibus, com ou sem passageiros. No sol, ao luar. No claro ou no escuro. Com muita luz ou pouca. Na cama, no sofá ou na cadeira. No quarto, sala ou cozinha. Na varanda ou no banheiro. Na rede ou na banheira. No campo de futebol ou quadra de basquete. Na Escola ou na Universidade. Pobres e ricos podem fazer. Na feira ou no supermercado. Ao nascer ou no pôr do sol No elevador ou nas escadas. Pode ser feito por iniciantes ou por experientes. Podem ser tentados diferentes ângulos. Você não deve tremer na hora. Muito praticada por casais de namorados. Quando bem feita, dá muita satisfação. O que é, finalmente? É a fotografia. Recife, 12/12/11.


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HOMENAGEM A HOMERO Nas minhas crônicas, não poderia faltar uma ou mais referentes a Homero, colega e amigo que convivemos durante alguns anos na Obra de construção da Refinaria Abreu e Lima em Ipojuca, PE. Andamos durante muito tempo no ônibus da Companhia de casa para o trabalho e vice-versa, diariamente por uns 8 anos. E ainda íamos almoçar novamente no ônibus, durante algum período. Havia um grupo do qual faziam parte Marcos Cézar, Ricardo, Robertinha, Rene, e eu que sempre brincávamos com as maravilhosas histórias que ele nos contava. Eu dizia: que se alguém tentasse criar um personagem de ficção bem exótico, não conseguiria chegar perto da figura de Homero. Ângela, sua maravilhosa esposa, nós a chamamos de Santa Ângela. Seus filhos, simpáticos, disciplinados, gente boa, ambos estudantes de Medicina, são realmente pessoas maravilhosas. Mas quem foi Homero? Homero foi um poeta da Grécia Antiga, ao qual se atribui a autoria dos poemas épicos” Ilíada” e” Odisseia”. Mas conheci um outro Homero. Quem é ele? Século 21, ano 2010. Quando nasceu era Homero baby. Aos 14, Homero adolescente. Na sua juventude, Homero namorador. Ao contrair núpcias com Ângela, Homero casado. Vieram os filhos, Homero pai. Começou a torcer pelo Náutico, Homero alvirrubro. Começou a trabalhar, Homero trabalhador. Ao se graduar em Administração, Homero Administrador. Dono de 100 carros, Homero comprador. Tornou-se fabricante de alimentos, Homero fabricante de bolo de rolo. Passou a criar animais, Homero criador de bodes. Entrou na Petrobras, Homero petroleiro. Participou de uma palestra e saía de instante em instante... Homero expectador.


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Foi trabalhar no LSERV, Homero apoiador. Veio para a gerência de Planejamento e Controle, Homero planejador. Seu futuro... Homero gerente. Começou a praticar esportes, Homero corredor. Comprou um apartamento e se tornou... Homero síndico. Quis vender o apartamento e comprar uma casa no Poço da Panela... Homero poço de dinheiro. Alugou uma casa de Marcos em Tamandaré... Homero inquilino. Seus sonhos e ideais são... homéricos. Após esse tempo de convivência, ele se tornou Homero amigo. E hoje, 06/04, Homero aniversariante. Recife, 06/04/10


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A CASA QUE VIROU EDIFÍCIO Passei no sábado passado na Rua Raimundo Freixeiras, no bairro de Casa Amarela para mostrar a Dona Norminha, vizinha de mamãe, uma das casas onde moramos, a de número 151 daquela rua. Tive uma grande surpresa. A casa estava sendo derrubada para em seu lugar ser construído um edifício. Voltei depois do almoço com Claudio, entramos na casa já com o teto derrubado e tiramos algumas fotos. A volta aquela casa depois de 50 anos - eu disse 50 - nos trouxe muitas recordações. Ali, vimos mamãe ir para a maternidade buscar o pequeno Claudio. Naquele domingo, 14 de setembro de 1958, Dona Zefinha, mãe de Judite, ficou conosco preparando uma deliciosa galinha. Lembrei da garagem, na qual Edmilson - nosso primo - morou algum tempo, bem como Paulo Manso, tio de papai e até Vicente Filipe, irmão de mamãe. Nesse local, quase surgiu um circo, pois Juninho de Vicente enchia a boca de querosene e soprava numa chama e saía uma labareda. Na época, estava passando no cinema o filme Trapézio – rodado em 1956 com Gina Lollobrigida, Tony Curtis e Burt Lancaster. Joélia também fazia parte deste circo. Naquele quintal, criamos preás, pombos, um periquito, patos, cachorro, galinha etc. Os pombos e os preás se reproduziam demais. Na lateral da casa, tinha areia de praia. Certa vez, Moacir Marinho, amigo de papai, que tocava acordeom – foi tirar umas fotos de Eunice, que ainda existem. No terraço de trás, jogávamos bola, jogo de tampa de refrigerante e nos divertíamos a valer. Naquela época, só havia na casa o banheiro social. Nele, tinha uma banheira, fora os diversos componentes. Eu me lembro - e Alfran confirmou - que uma vez deixei o chuveiro numa posição que quem abrisse a torneira, levava um banho e a vítima do dia foi Mira, que trabalhava lá em casa. Eu jogava bola com Eduardo, no jardim. Quando eu ganhava, ele saía chorando pra reclamar a mamãe.


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Uma vez, houve um acidente em frente à nossa casa. Um carro atropelou uma mulher. Segundo Mira, foi tentativa de suicídio. Em frente ficava uma vacaria - não sei como cabia. Íamos muito lá. Uma cena que não esqueci até hoje foi a castração de um porquinho. Depois colocaram cinza no local. O animal saiu em disparada... acho que ele corre até hoje. Fiquei traumatizado com aquela cena. Outro fato daquela casa, foi que, um dia, um frango xadrez, que eu tinha, pulou para o terreno baldio que ficava ao lado. Prontamente fui resgatá-lo. Estava descalço e não olhei para o chão. Quando percebi havia pisado numa lata aberta e tive um grande corte no calcanhar do pé esquerdo. Levantou um “chaboque”. Mamãe veio socorrer com a ajuda de Alba que morava perto e botou - não sei se foi álcool ou vinagre - e só me lembro de uma bacia cheia de água com sangue. Mamãe não me levou para o Pronto Socorro, pois tinha receio do tratamento que davam lá. Naquela casa, ouvimos pelo rádio a copa de 1958 - Brasil, campeão do mundo na Suécia. Alfran lembrou que às vezes íamos para o Ginásio Bandeirantes (já foi derrubado e em seu lugar existe uma oficina de automóveis), de carona na carroça de seu Zé, o leiteiro. Hoje, vejo que seu Zé tinha grande sabedoria popular. Ele dizia sempre que a gente crescia, quando dormia. Não sei quem contou a ele, mas hoje isso é provado cientificamente. Naquela casa, Mira aquela jovem chegada de Natal, conheceu Luís. Desse romance, nasceu Marcos. Lembro muito bem de Luís chegando da jornada diária trazendo a sua carroça cheia de capim para o gado. Certa vez, ele nos deu um preá do mato que havia pegado enquanto cortava capim. No lado direito de quem entra na casa, passando o terreno baldio, morava uma família que se dizia do Dr. Raul. Recordo-me que os seus filhos eram muito arrumadinhos - Mauricinhos hoje - e não tinham muito contato com chão, areia e mato. Do outro lado, existia uma casa inacabada e muito mato, onde vinha um rapaz e trazia uma cabrita para pastar.


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O piso da casa é o mesmo, Alfran recordou, bem sobre os azulejos das paredes do terraço da entrada. Ele calcula que moramos naquela casa durante 4 anos. Papai vinha almoçar em casa todo santo dia, fato comum na época e depois voltava para a loja na Rua da Palma. Alfran lembrou que Edmilson pegava uma toalha de banho, a esticava e dava umas lapadas nas costas de Marina (uma menina que morava lá em casa e que Vicente havia distribuído suas irmãs entre as diversas famílias da igreja). Logo que Marina chegou, mamãe disse pra ela: “vá brincar com Eunice”, na época com uns 3 anos. Ela “de pronto” respondeu: “eu não gosto de vadiar, não.” Não gostar de vadiar, caiu em desuso. Fomos os primeiros moradores da casa. Ela era bonita e nova. Com certeza, ela marcou profundamente as nossas vidas como crianças, pois aquelas imagens ficaram passando em minha mente, enquanto escrevia essa pequena crônica. Recife, 06/02/08


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E LAURO SE FOI Choramos a partida do Lauro. Para mim foi mais que um irmão. Os encontros na vida não acontecem por acaso. Dia 10 de junho de 1974, Canoas – RS, Refinaria Alberto Pasqualini, chego eu pela manhã vindo do Recife, para ser admitido na Petrobras. Enquanto aguardo que localizem a autorização para minha admissão, encontro um carioca, simpático, conversador, cheio de prosa. Era o Lauro, vindo de Niterói com o mesmo objetivo meu. Assim nos conhecemos. Fomos admitidos no mesmo dia, com as matrículas sequenciadas. Como a Petrobras só dava hospedagem nos primeiros dez dias, após nossa chegada em Porto Alegre, tratamos de arranjar lugar parar morar. Rapidamente consegui uma família que alugava quartos nos dois apartamentos e dias depois de nossa chegada, estávamos morando no mesmo apartamento da Dona Noemi. Nós dois, engenheiros estagiários, juntamente com o Eng. Luz, hoje falecido, começamos a Ampliação da Refinaria Alberto Pasqualini, em Canoas – AMRAP. Saíamos muito, viajávamos pela serra gaúcha, assistimos corrida no Autódromo de Tarumã, jogávamos baralho com outros amigos e assim por diante. Quando minha esposa perdeu nosso primeiro filho no final da gravidez, em março de 1975, lá estava o Lauro, junto nos momentos difíceis. Um belo dia, quando voltávamos do almoço, o nosso chefe, Osmar Cruz Costa, informa para o Lauro, que o seu sogro acabara de se suicidar no centro de Niterói e pela primeira vez o vi sem graça. Ele falou: “o que eu vou dizer para a Olga?” E viajou de imediato para o Rio, juntamente com sua esposa. Lauro sempre foi uma figura ímpar. Uma vez, íamos no carro dele e sem querer entrou na Free way que liga Porto Alegre a Tramandaí. Quando vi, lá estava Lauro dirigindo de ré numa rodovia bastante movimentada. Após um ano, ele consegue junto ao Superintendente no Rio, o Adolfo Paes de Barros, se transferir de volta para o Rio.


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Eu trabalhava em Canoas – RS, mas tinha o desejo de retornar ao Nordeste. Um dia Lauro me telefona e informa que o Menezes seria o chefe adjunto da obra de construção da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados de Sergipe e que eu poderia fazer contato com ele para ir trabalhar em Aracaju. Foi o que eu fiz e em pouco tempo, estava sendo transferido para aquela cidade. Depois, ele mudou de empreendimento e após 2 anos e meio morando no Sul, fui para Aracaju. Sempre que eu ia ao Rio, era compromisso obrigatório, almoçar com ele, nos restaurantes próximos ao Edifício Sede. O tempo foi passando e logo ele deixou o então Serviço de Engenharia e foi trabalhar com materiais na área de importação. Nossas famílias eram amigas, os meus filhos brincaram com os filhos dele na infância. Vi Gisele e Leandro crescerem. Passamos uma ocasião dez dias em sua casa, em Niterói, e depois fomos passar uma semana em São Lourenço em Minas Gerais. Passaram-se os anos, veio a separação dele da Olga, depois a aposentadoria. Logo depois, eu também me aposentei e vim morar no Recife novamente. Quando voltei à Petrobras como contratado em 2001, trabalhando em SUAPE – PE, me lembrei que Lauro poderia retornar ao trabalho, também como contratado. Fizemos contato e para alegria nosso, em pouco tempo, lá estava o Lauro trabalhando no mesmo Empreendimento que eu, só que ele na Sede e eu na obra. Sempre comentávamos que o mundo dá muitas voltas. Começamos juntos como estagiários e estávamos novamente na mesma empresa, mesmo empreendimento, agora na condição de aposentado e contratado. Numa de suas passagens pelo Recife, fomos visitar a Casa da Cultura, para comprar artesanato, o Alto da Sé de Olinda, onde repentistas disseram que parecíamos deputados e rimos muito disso tudo. Em junho de 2006, no exato dia em que a seleção brasileira foi derrotada e saiu da Copa, quando chego em casa, minha esposa me dá a triste notícia, que soubera por e-mail, através da Vanda, que Lauro havia


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retirado um tumor maligno no cérebro. Foi um choque muito grande para mim. Naquele momento, eu antevia tudo o que poderia acontecer. Só não sabia em quanto tempo. Nesse instante, chorei amargamente. Na minha primeira ida ao Rio, após a cirurgia, fui visitá-lo juntamente com a Josiane, colega nossa de trabalho. Ao chegarmos no quarto onde ele estava, Josiane falou: “surpresa.” Ele simplesmente repetiu a palavra e nos olhava profundamente sem poder falar praticamente nada. Em outra ida ao Rio, ele já estava melhor, inclusive ele e Vanda me apanharam no Aeroporto e almoçamos juntos na Ilha do Governador. Ele estava com um bom senso de orientação, informando para Vanda determinada rua que deveria entrar para chegar ao Hotel onde me hospedaria. Na terceira e última vez que o vi, foi muito deprimente. Fui ao seu apartamento no Leme e ele já estava sem poder andar, falando pouco, só repetindo trechos de frases e tendo sua mãe também doente, ao seu lado. Eu saí do seu apartamento e chorei intensamente no elevador. E assim, ontem soubemos ao, meio dia, pela esposa que ele estava em fase terminal. Achamos que poderia durar mais uns dias. Mas, que nada. Às 23 horas, partia o nosso querido Lauro. Descansou do sofrimento causado pela enfermidade. O câncer venceu a batalha derrotando o seu corpo. Mas o seu espírito, não. Recordamo-nos sempre do Lauro, alegre, brincalhão, gozador, como a grande maioria dos cariocas. Há poucos dias, soube que ele iria ser avô, pois a Gisele está grávida. Precisamos contar para os seus netos, quem era o Lauro. Tive poucos amigos na minha trajetória e LAURO foi um deles. Uma presença marcante na minha vida e da minha família. Ele não esquecia a data do meu aniversário nem a do meu casamento. Eu nem sempre me lembrava do seu aniversário em 13 de dezembro. Nesses 33 anos e 2 meses que nos conhecemos, foi gratificante ter o Lauro como amigo. Que DEUS possa dar aos familiares e amigo o conforto pela sua ausência e que o seu espírito possa descansar em paz junto ao Pai eterno. Recife, 22/08/07


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SALA DE ESPERA DA UTI Nós, os que estamos lá, temos algo em comum. Temos algum pai, mãe, esposo, esposa, irmão, irmã, colega de trabalho, amigo, lá na UTI. Uns chegam para a visita e logo vão embora, pois o seu paciente obteve alta. Outros demoram. Frequentam a sala por um mês ou mais. Aos poucos, vamos nos conhecendo uns aos outros. Vamos descobrindo os nomes, onde moram, de que os seus queridos estão padecendo. Se foi cirurgia ou AVC, se infarto ou pneumonia. Um dia você conforta, no outro é confortado. Há dias em que todos precisariam ser confortados e animados. E quando chega a hora da visita e falta alguém? Há aquela preocupação. Será que o parente dele já partiu ou teve alta? Lá não se sabe o status social de ninguém. Lá, ninguém tem mais que ninguém. Ninguém é mais que ninguém. Momentos de alegria são poucos. Há poucos momentos de melhora. Mas também a sala de espera é um lugar de fé e até de oração. De desabafo, de confidências, de terapia, de choro. E a matemática da sala? Há quantos dias o nosso querido está lá? Casos são contados, revelações são feitas. Esperanças são reerguidas. Requisições de exame são assinados, protestos são externados. A porta principal, às vezes, se abre com 10, 20 ou 90 minutos de atraso. Não importa. Os frequentadores desta sala esperam pacientemente, ou às vezes, com impaciência. O corredor que dá acesso à porta interna da UTI, esse é frio. Frio porque a temperatura é mais baixa, frio, porque estamos mais perto dos pacientes e da realidade. É o corredor que mostra o semblante de cada um após a visita. Tristezas, esperanças, desesperanças. Alegria, poucas vezes. Mas a porta da UTI é também a porta da esperança. Ali também é onde acontecem os milagres. No meio de aparelhos que apitam, respiradores os mais diversos, monitoração etc. sempre resta a esperança


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que o nosso ente querido, saia para o apartamento ou para casa, para nunca mais voltar. Outros vão direto para o céu, descansar em paz. Recife, 13/02/99 (papai faleceu 21 dias depois da escrita dessa crônica).


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AMIGOS PARA SEMPRE Estudei no Ginásio Bandeirantes, no bairro de Casa Amarela, nos anos 60 e um dos meus melhores colegas era Alfredo César de Oliveira Coelho. No terceiro ano ginasial eu e Alfran, irmão mais velho, fomos estudar no Colégio Americano Batista. Quando cheguei na sala no primeiro dia de aula, quem eu encontrei? Alfredo César. Ele era magro, alto, simpático e fácil de fazer amizades. Estudamos na mesma sala o terceiro e quarto anos do ginásio. Ele morava perto da entrada do Sitio da Trindade e da praça do Encanamento e se referia de vez em quando que o pai trabalhava no Banco do Brasil. Ao iniciarmos o curso Científico, separamo-nos, eu continuei no Americano Batista e ele foi para o Colégio Nobrega. Nos encontramos uma vez antes do vestibular. Ele falou que não iria fazer vestibular para Medicina naquele ano, pois iria viajar com a família de carro para o sul do país, em gozo de férias. O tempo foi passando e uma vez por outra me encontrava com ele no entorno do bairro onde morava e conversamos um pouco. Nessa época, ele já cursava Medicina. Meu segundo filho nasceu e ficamos com uma dúvida quanto ao seu nome. A mãe queria João Marcos. Não colou. Pensei em colocar Alfredo em homenagem ao meu pai, mas não sei de onde apareceu Alfredo César. Seria meu inconsciente? Ficou Alfredo Cesar mesmo. Quando meu filho Cesar tinha dois anos, morávamos em Aracaju e estávamos em férias no Recife e o levamos para uma consulta a um pediatra Dr. João, que era noivo de uma enfermeira, chamada Sandra, que havia sido colega de Zara no Instituto de Medicina Infantil de Pernambuco - IMIP. Como João sabia que eu conhecia Alfredo César (médico), ele o chamou para que nos víssemos e conhecesse o xará dele. Conversamos um pouco e nos despedimos. Conheci no Recife um urologista chamado José Aureliano que conhecia Alfredo César e o elogiou como sendo um excelente cirurgião urológico.


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Ano de 1980 e eu morava em Aracaju. Era costume meu aos sábados comprar o Diário de Pernambuco para me manter atualizado com as notícias do Recife. Sempre tive o hábito de ler obituário nos jornais. Naquela manhã, ao ler o jornal pernambucano, tomei um susto ao tomar conhecimento do falecido do meu grande amigo da infância. Foi um choque tremendo. Senti um calor percorrendo meu corpo. De imediato, telefonei para Sandra a que me detalhou o ocorrido. Como urologista, fez uma cirurgia de próstata num policial civil e o mesmo ficou com problemas de ereção. Esse paciente já havia ido algumas vezes falar com o meu amigo que o havia informado que isso era em decorrência da cirurgia e que procurasse um psiquiatra para tratamento. No dia do crime, o policial chegou armado ao consultório do médico e falou para a atendente que iria ter uma conversa rápida e sairia logo. Ao entrar no consultório, deu dois tiros na cabeça do médico e fugiu. O Alfredo não foi logo socorrido, então, já chegou no Pronto Socorro morto. Sempre que conto essa história para alguém, fico pensando como um sonho de tantos anos, pode ser destruído numa fração de segundos. Quem sabe, quais os sonhos dos pais, em ver um filho médico? Ou do próprio Alfredo? Alfredo César deixou a esposa, que morreu anos depois, uma filha e muitas saudades daqueles que conviveram com ele. Recife, 16/10/18 (escrito numa barbearia enquanto os presentes discutiam sobre o futebol pernambucano e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018)


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COMO ERA FÁCIL ADOTAR UMA CRIANÇA Quando morava em Natal, tivemos uma empregada doméstica, Marlene, que engravidou. Ela era jovem e já era o sexto filho sem pai. Um dia, ela comentou com Zara que gostaria que alguém adotasse seu filho. Nessas conversas das mulheres da igreja que frequentávamos, surgiu o assunto e Vânia falou que sabia de um casal que estava buscando fazer uma adoção. A mãe foi comunicada e confirmou sua intenção. Poucos dias depois, a Marlene deu à luz seu bebê. No dia seguinte, levamos o recém-nascido de carro de Natal ao Recife, onde o casal, residente em São Paulo, estava em gozo de férias. O neném estava bem de saúde, porém tinha somente um par de mamadeiras, algumas fraldas e roupinhas improvisadas. Naquela época, não havia controle de nada relativo à adoção de crianças. Chegamos em Olinda no início da noite e no local combinado (em frente à Igreja Presbiteriana de Olinda), dá-se o encontro e a “adoção” da criança. A nova mamãe ficou muito emocionada, indo às lágrimas, com aquele presente de Deus para a sua vida. O que teria se passado na cabeça daqueles pais naquele instante? Que responsabilidade! Que futuro sonhavam em dar àquele bebê que, a partir daquele instante, estava em suas mãos? Despedimo-nos e fomos para Recife, relaxar um pouco do estresse que foi trazer uma criança sem muitas condições numa viagem de pouco mais de três horas de automóvel. O casal e o recém-nascido foram para casa se preparar para a primeira noite com choro, cólicas, mamadeiras à noite, compra de enxoval... e após dois dias, retornariam para a capital paulista. Ufa! Final feliz! Fizemos nosso papel. Propiciamos que o garoto tivesse uma criação por um casal de classe média e, a mãe, embora saudosa, se sentir bem em saber que seu filho seria cuidado em melhores condições do que ela poderia propiciar. Fiquei depois pensando... como é fácil adotar uma criança em nosso país.


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Passados uns vinte e cinco anos, tudo mudou... dado ao abuso de se adotar ou até “vender” crianças, criou-se um protocolo muito grande. Atualmente seria um crime se fazer isso. Hoje, se eu quisesse promover um encontro de mãe e filho, não poderia, porque perdi o contato com a mãe. Recife, 15/10/18 (Dia do Professor).


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QUE PELADA BOA!!! Ontem, conversava com o meu amigo Resende e ele começou a contar uma história no tempo das peladas que ele jogava quando adolescente em Carpina, município próximo do Recife. Parece que eu via a descrição dele. Os jovens da cidade de Carpina, cujos pais viviam bem financeiramente iam até a Usina Petribu jogar com os operários daquela unidade fabril. O campo, digo, gramado, era o que menos tinha. Um pouquinho aqui, um montinho ali e muito chão batido preenchia o restante do citado campo. Os jogadores locais olhavam para os da cidade com um certo ar de inferioridade, achando que eles se achavam superiores, o que não era verdade. Engraçado mesmo eram os nomes dos jogadores: o mais conhecido deles era o FURA, cujo apelido se originou de uma simples história. O jogador chegou um dia mais cedo em casa e se encontra com um cidadão, trocando carícias com a esposa dele. Como todo marido traído, procurou se vingar. Pegou uma faca peixeira e saiu atrás do traidor pelas ruas da pequena cidade, animado pelos que passavam no local, que aos gritos diziam: ”fura ele, fura ele.” O traído não furou ninguém, mas o apelido ficou. Mas quando Fura furava um gol era um delírio para a pequena e desorganizada torcida. O time da Usina tinha um método peculiar de amarrar as chuteiras. Eles amarravam o cadarço tanto por baixo da mesma como na própria canela. Eles usavam também uma sunga cujo cós era dobrado e quando cobriam a cintura com a camiseta, ficava saliente esse cós. Ele lembrou também do Pé troncho, que como o nome dizia, nunca chutava para o gol adversário. A bola quase sempre saía muito longe das traves ou até mesmo, pela lateral. E outro famoso era o Fuinha, que prefigurando o Neymar que só viria 40 anos depois, era um cai, cai danado... Hoje quando vi Neymar cair nos jogos da última Copa, só lembrava de Fuinha. Grande zagueiro.


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Ao nos despedirmos, Resende só faltou dizer:” assisti a jogos de futebol na Arena de Munick, no Maracanã e na Bobonera, mas não troco nada disso por uma boa pelada no campinho da Usina Petribu de Carpina.” Recife, dia da criança de 2018


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CAUSOS DE HOMERO Bode no carro Homero contou que certa vez ele precisava transportar uns bodes e a maneira que ele pensou foi no seu carro. Era um automóvel pequeno. Ele não contou conversa. Colocou uns bodes dentro do carro e outros na mala. O pior aconteceu. O veículo que dirigia foi parado pela Polícia Rodoviária Federal e pediram para ele amarrar o bode dentro do carro. A gente brincava dizendo que ele havia colocado o cinto de segurança no bode e tudo ficou resolvido. E o pior, é que ele naquela noite ia para um casamento com sua esposa, Ângela. Quantidade de carros que ele teve Uma vez voltávamos do almoço do Shopping Costa Dourada, no Cabo de Santo Agostinho, quando alguém perguntou a ele quantos carros já havia possuído. Ele falou que eram 100. Ninguém acreditou e diante dessa desfeita, ele começou a citar um por um, citando a marca do automóvel, cor, o motivo da compra, etc. Todos acreditaram e ninguém perguntou mais por isso. Ficamos todos convencidos. Fabricante de bolo de rolo Ele nunca deixou de falar das suas proezas como fabricante de bolo de rolo, num período que ainda não o conhecíamos. Ele sempre disse que usava o doce Tambaú como recheio e, quando uma vez alguém deu um pedaço desse bolo para ele comer, o mesmo, após provar a delícia disse: “esse doce não é Tambaú, não.” Esse mote pegou e sem que alguém trazia um pedaço de bolo para comermos alguém gritava: “esse doce não é Tambaú, não.” Casamento com Ângela Quando Homero conheceu a sua futura consorte, foi falando ousadamente: vou me casar com você no próximo ano. Dito e feito. Palavras de um profeta. Casaram depois de seis meses e foram morar na casa do dele no município de Igarassu. Era uma casa de campo, muito simples. Mas foi o que ele ofereceu e ela topou. Daí entendemos porque Ângela é conhecida como Santa Ângela.


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Pedido de namoro da filha Carol Essa foi contada pelo namorado de Carol, sua filha. O futuro candidato a namorado de Carol marcou uma audiência para conversar com o futuro sogro. O jovem ensaiou tudo que ia dizer ao pai da moça, criou coragem e foi. Chegando lá, aparece Homero e o jovem solta o verbo, diferente de tudo que havia pensado antes. Homero escuta tranquilamente e diz para o jovem: “eu vou pensar e lhe darei a resposta daqui há dois meses.” Segundos de tensão e angústia até que ele deu dois passos atrás e lhe disse: “Estou brincando. Podem namorar.” Que alivio, suspiraram todos!!! Esse Homero nos prega cada susto!! Só não foi Guia de cego Como Suape fica há uma hora de carro da minha casa, a gente costumava conversar muito durante o trajeto. Uma ocasião, estávamos eu, ele e o nosso gerente Heleno Lira. Durante o transcorrer da viagem, Homero ia mostrando todos os pontos que ele já havia tido negócios. Ele falava assim: “já aluguei esse galpão, já vim ver essa loja, já vendi bolo de rolo naquele estabelecimento” e assim por diante. Foi a viagem inteira. Ao chegarmos perto de nossas casas, Heleno, que até então se achava calado, falou: “Homero já fez de tudo. Só não foi guia de cego.” A partir daí, sempre que ele dizia que já havia feito alguma coisa no âmbito profissional eu repetia a frase: “Homero já fez de tudo. Só não foi guia de cego.” Negociação que ele fez e ganhou no final Essa é da sua fábrica de bolo de rolo. Contam que no dia em que Homero teve que demitir 35 funcionários, juntou todos no pátio e disse: “Quem eu chamar está demitido!” E foi chamando um por um em ordem alfabética... O pessoal que tinha nomes com T e Z já estavam quase enfartando de tanta espera!!! Recife, 19/10/18


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DOS ANOS 70 AOS NOSSOS DIAS Junho de 1974. Ernesto Geisel era o presidente da república, gaúcho, terceiro depois do regime militar. Havia sido eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional com 400 votos a favor e 76 contra. Tinha assumido em 15 de março e havia deixado a presidência da Petrobras em julho do ano anterior, depois de quase 4 anos naquele posto. A presidência da Petrobras era ocupada pelo vice-almirante Faria Lima, que posteriormente ocuparia o governo do Rio de Janeiro. Ele seria substituído depois pelo general Araken de Oliveira e em seguida pelo Shigeaki Ueki, advogado, que havia sido ministro de Minas e Energia no governo Geisel. Naquele mesmo ano, ocorreu a descoberta de poços de petróleo na Bacia de Campos. Nesse contexto, no dia 10 de junho de 1974, eu fui admitido na Petrobras, na Obra de ampliação da Refinaria Alberto Pasqualini em Canoas, Rio Grande do Sul. Já se passaram mais de 40 anos. Presto aqui uma homenagem aos colegas que deram do seu suor pela Companhia, nos anos 70 e antes e aos que hoje têm menos de 40 anos de idade e que continuam os trabalhos na empresa. Abordarei aqui como funcionava a ENGENHARIA, na época chamado SEGEN (Serviço de Engenharia), nos anos 70 e como funciona hoje. Nos anos 70, o grande equipamento de um escritório era a Máquina de Datilografia. As pessoas faziam o curso de datilografia para abrir as portas para o primeiro emprego. O digitador profissional era muito rápido, pois datilografava utilizando todos os dedos e sem olhar para o teclado. Todos os documentos, tabelas e contratos eram datilografados. Os cálculos eram feitos, utilizando-se de Calculadoras manuais (marca Facit) e posteriormente, elétricas. Um grande avanço foi a chegada da xerox, o que facilitava em muito a reprodução dos documentos.


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Todos os documentos e correspondências eram transportados através de malotes (percurso Sede/obra e vice-versa). Atenção especial era dada ao Arquivo técnico. Todos os projetos e desenhos eram impressos e arquivados em “pentes” no arquivo técnico, para as devidas consultas. Quando se falava copiar e colar um texto em papel, isso era feito literalmente com papel, tesoura e cola. A pessoa digitava o novo texto, recortava e colava no lugar do errado. Uma revisão de contrato era um festival de tirinhas. Depois se tirava uma cópia xerox e estava pronta a nova folha original. Ao chegar qualquer documento na secretaria da obra, esse documento circulava de mesa em mesa com uma folha de acompanhamento para que todos os envolvidos tomassem conhecimento. Os documentos levavam muito tempo para que todos os interessados o lessem. O grande aliado do pessoal do escritório era o papel carbono. Quando se necessitava de um documento com cópia, o texto era datilografado em várias vias, sendo que entre uma e outra tinha o papel carbono. O problema era quando havia erro na digitação, onde cada palavra ou pontuação era retirado do papel com o auxílio de lâmina ou estilete. O negócio era complicado. As gerências eram mais autoritárias (não todas), fruto ainda da ditadura. As reuniões eram bem focadas na obra e as Atas eram datilografadas ou manuscritas e distribuídas entre os envolvidos através de cópia xerox. A Petrobras comprava todos os materiais e equipamentos e detalhava os projetos. Possuía almoxarifados em galpões ou a céu aberto e no final da obra sobravam muitos materiais. Até diziam que “quando se terminava a construção de uma refinaria, existia uma outra desmontada no almoxarifado.” Os contratos de montagem eram, na sua maioria, por administração. A Contratada admitia todos os empregados com autorização da Fiscalização e a Petrobras pagava na medição mensal os salários, encargos, aluguel de equipamentos e ainda a taxa de administração da


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empresa. Quanto à estrutura, o chefe da obra ficava na obra e o superintendente ficava no Rio de Janeiro e fazia a ligação com a alta administração. A Superintendência contava com Supervisores de Planejamento e de Projeto e Suprimento. O SEGEN, por sua vez, tinha 3 adjuntos, um da área industrial, outro da área de dutos e outro para os assuntos de Sede. A Bíblia do gerenciamento era o MAGES – Manual de Gestão de Empreendimentos, em papel, cujas atualizações eram feitas com o envio das folhas revisadas e nós a substituíamos nos exemplares da Obra. A Refinaria de Paulínia - REPLAN em São Paulo era chamada a refinaria dos 1.000 dias, por ter sido construída em menos de 3 anos, o que não deixa de ser uma façanha para a época. Os serviços de apoio, aluguel de veículos, copa, copiadoras, refeitório eram todos contratados e fiscalizados pelo Setor de Apoio Administrativo da obra. O Sistema de cadastramento do contrato e medição era o BDC – Base de Dados Contratuais no antigo sistema operacional DOS. Quanto à Segurança Industrial era voltada mais para EPIs e Treinamento de combate a incêndio. Eram comuns as Auditorias internas realizadas pelo órgão de auditoria interna da Companhia – AUDIN. As visitas do gerente ou adjunto do SEGEN à obra eram semestrais. A atuação da fiscalização era mais no campo e eram realizadas através das Rotinas da fiscalização. A obra do COFEN foi a primeira a utilizar o sistema relativo à garantia da qualidade. Havia um contrato para obras civis, outro para montagem industrial, montagem de esferas, de tanques e assim por diante e, consequentemente uma gerência de civil, outras de montagem etc. O principal foco do gerenciamento era a obra propriamente dita, uma vez que não havia tantos sistemas para serem utilizados, gerenciados e alimentados e as licitações eram feitas pela conhecida Lei 8.666.


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Para o acompanhamento gráfico da obra, havia um grande quadro na sala de reuniões que mostrava o andamento semanal, curvas previstas e realizadas, projeções, etc. Havia encontros semestrais ou anuais das “comunidades” de planejamento, suprimento, construção e montagem. Tinha a duração de dois ou três dias e eram realizadas comumente num hotel na região serrana do Rio de Janeiro. Eram apresentados vários trabalhos e ministradas palestras, porém o maior fruto desses encontros era a integração entre os diversos especialistas de cada área, o que facilitava a troca de informações ou “figurinhas” como eram chamadas. Sempre que tínhamos um problema similar ao já apresentado ou comentado, fazíamos contatos para a troca de experiências. Havia um órgão na Sede do Serviço de Engenharia que realizava a Estimativa de custos para as licitações. Vida dura aquela do fiscal de obra. Os veículos da fiscalização eram sem ar condicionado. Com o calor e as janelas abertas, o veículo ficava cheio de poeira. Nem tampouco existia protetor solar para os empregados utilizarem quando ficavam expostos ao sol. Os meios de comunicação mais comuns eram o telefone e o telex, os quais eram transmitidos por operadores de telex, que tinham a sua linguagem própria. Ponto era pt, virgula era vg, ponto e vírgula era pt vg, abrir e fechar aspas era “abraspas” e “fechaspas” e assim por diante. As ligações interurbanas eram solicitadas à telefonista, que ao concluir a ligação a “passava” ao solicitante. A Petrobras tinha em seu quadro essa função que foi extinta, bem como as de motorista, ascensorista, porteiro, etc. As grandes ferramentas de planejamento da época eram a Curva S (50% e 60%) e a Estrutura Analítica do Projeto - EAP. Daí se calculava o avanço físico previsto e realizado. O planejamento era feito através de Rede PERT (Program Evaluation and Review Technique) e CPM (Critical Path Method) o qual era desenhado em papel. Dava um grande trabalho construir uma rede, quando o número de atividades era muito grande. A atualização de


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uma rede também era um trabalho muito lento. Existiam reuniões semanais com as empreiteiras onde se discutiam o avanço físico semanal, previsto e realizado no mês e até o mês. Como sempre, elas estavam atrasadas. Havia relatórios mensais da obra com fotos preto e branco e depois, coloridas. Como fruto da ditadura, para ser admitido na empresa, tínhamos que preencher a Ficha de Investigação Social, onde a Divisão de Investigação - DIVIN pesquisava ligações do empregado com movimentos estudantis e políticos. Essa ficha era atualizada anualmente. Só havia pessoal próprio e os treinamentos eram convencionais. A Assistência médica supletiva se restringia a médicos, dentistas, hospitais, laboratórios, etc. Hoje, nos escritórios, temos Computadores e notebooks, os quais podem ser utilizados a distância, bem como processadores de texto, planilhas eletrônicas, banco de dados, Power Point e muitos outros aplicativos. As impressoras que usamos podem imprimir com tinta preta ou colorida, a jato de tinta ou a laser. Não precisamos mais de datilógrafas. O próprio usuário digita nos teclados dos computadores. Comunicamo-nos através da Internet, Intranet, Correio eletrônico, same time, canal Petrobras, vídeo e áudio conferência, etc. as fotos passaram a ser digitais, inclusive enviadas pelo celular. Até as redes sociais estão na Companhia, Face book e a Conecte, de uso interno. Utilizamos o SIGEM para nosso arquivamento técnico, todo de forma digital. A antiga cópia com recortes de tesoura e cola passou a ter comandos simples no computador: é só clicar Control C e Control V no teclado do computador, que tudo é alterado da maneira mais simples possível. Os arquivos para serem recebidos/enviados não precisam mais do malote, pois podem ser recebidos/transmitidos on line através de correio eletrônico ou área de transferência, quando se trata de arquivos mais pesados. Abandonamos as cópias feitas através do papel carbono, pois as


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fazemos diretamente nas nossas impressoras. As atas de reunião manuscritas ou datilografadas deram vez ao PROAR, sistema no qual ele próprio envia avisos de que falta cumprir alguma tarefa. Quanto ao gerenciamento, as nossas lideranças são bem mais democráticas, onde o subordinado avalia o gerente imediato. Os contratos agora são chamados de Engineering, Procurement and Contruction - EPC, ou seja, a contratada elabora o projeto, adquire os materiais e executa a construção. A Petrobras não tem mais almoxarifado nem pessoal de Suprimento, não compra os materiais e consequentemente, não há sobras de material. A estrutura agora mudou e o gerente geral divide o seu tempo entre o Rio de Janeiro e o local da obra. Não há mais manuais em papel. Está tudo na Intranet, de onde são atualizados tantas vezes quantas se fizerem necessário. Os documentos podem ser autorizados pelas gerências a distância, de casa mesmo, através de um dispositivo chamado Token (dispositivo eletrônico gerador de senhas). Atualmente todos os serviços de apoio, Recursos humanos, etc. são prestados pelos chamados Serviços Compartilhados. Hoje, a área de Saúde, Medicina ocupacional e Segurança do trabalho têm a maior importância na obra Atualmente, além das Auditorias internas, temos também as auditorias do Tribunal de Contas da União - TCU, órgão criado pela atual constituição. O TCU é um órgão administrativo autônomo e independente que auxilia o Congresso Nacional no exercício do controle externo dos recursos públicos federais. Atualmente, são frequentes as visitas à Obra dos diretores, presidente da Companhia entre outras. A fiscalização, hoje, é mais para controlar processos e alimentar sistemas. É evidente que o foco na obra está disperso. Têm sido focadas muitas outras atividades como Segurança, Meio ambiente e Saúde - SMS, Sistema de Gestão Integrado - SGI, Auditorias comportamentais, etc. As licitações, desde 1997, são pelo decreto lei nº 9478 e são muito


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usadas as modalidades de convites, mesmo quando se enquadram como Concorrência ou Tomadas de preços e o gerenciamento é por Unidade de implementação de empreendimento. Todas as semanas é separado um horário para cada uma das gerências apresentar seu Diálogo diário de Segurança, Meio Ambiente e Saúde - DDSMS, e durante 15-30 minutos são apresentadas palestras e outras formas de comunicação sobre o tema. O planejamento está dotado de algumas expressões tais como curvas rundown, tornado. Também são usados softwares como Primavera e MS PROJECT entre outros. Quanto aos recursos humanos, além dos Treinamentos convencionais, Aprendizado por observação – Shadowing, os profissionais têm pós-graduação, MBA, PMI entre outros. A força de trabalho agora é composta de pessoal próprio além dos contratados. Em quarenta anos, quanta coisa mudou, como podemos ler acima. Os últimos anos foram caracterizados por muitos desmandos, roubalheira e desonestidade. Diretores afastados e presos. Lamentei ter completado os 40 anos que trabalhei na Companhia, tanto como funcionário, como nos últimos anos, como contratado, de maneira tão triste. Não houve inauguração da Refinaria onde encerrei minhas atividades profissionais, devido à ausência de clima para tal festividade. Recife, 01/06/15.


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