Design como meio de expressão

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DESIGN COMO CANAL DE EXPRESSÃO



Design como canal de expressão Significado e Meios

De acordo com escritora e designer, norte-americana, Ellen Lupton (2014) foi no início dos anos 90 que se estimularam debates com a finalidade de ajudar os designers a instaurar conteúdo (p.11). Baseados no termo “The Designer as an Author”, Lupton reavivou questões levantadas pelo ensaísta alemão Walter Benjamin, acerca da passagem do designer como autor para produtor (p.11). A autoria afastava o designer dos meios de produção, defendendo o seu uso apenas como finalidade estética. Este conceito foi contestado pela primeira vez durante os movimentos vanguardistas, na década de 1920, em busca da importância da elaboração do projeto. Alguns artistas da época, como Laszlo Moholy Nagy proveniente da Hungria, lutaram pela necessidade da liberdade de expressão, que os levou a expandir os meios de produção, de comunicação e à quebra de barreiras entre áreas como: a fotografia, a pintura ou a tipografia. A novidade e a experimentação ganharam poder. Para aprimorar este conceito veio o termo “The Designer as Producer” (p.12). Este termo, e modo de trabalhar, consciencializa o designer da importância do domínio das técnicas de produção como um meio para atingir um fim. No design gráfico foi desvalorizada a utilização do livro como o único formato possível de comunicação, surgindo então a utilização de panfletos, cartazes e anúncios. Conforme referido por Benjamin em 1934, para além dos artistas adotarem um conteúdo político, estes teriam de revolucionar os meios através dos quais o seu trabalho é produzido e distribuído (p.13). O produtor deve questionar-se sobre a finalidade do seu projeto, o material escolhido, o público-alvo e possíveis acompanhamentos para enfatizar o objeto final (p.17). O cartaz, como prática do design gráfico, sempre esteve no intermédio de ser considerado design, arte, ou até mesmo arte com propósito comercial. Um artista que se destaca nesta atividade é o pintor e designer gráfico croata Boris Bućan. Conforme nos esclarece o escritor britânico Rick Poynor (2016), Bućan tomou o papel de produtor da sua arte, quando se responsabilizou por todos detalhes, adotando uma atitude que é analisada juntamente com o conceito de produtor defendido por Benjamin. Comprovação disso é, na década de 1970, a sua presença nos seus próprios cartazes, e a utilização de outras técnicas como a fotografia (para.9). Tal foi mencionado por Rick Poynor, a respeito de Bućan e da sua técnica:


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Imagem 1 Zagreb : Karate klub Tempo, 1976.


Significado e Meios

“(...) the designer inserts himself between the viewer and the ostensible subject of the poster to remind us that he is present at all times controlling the levers of the communication process” (Poynor, 2016, para.13). Estas evoluções foram acompanhadas pelo desenvolvimento de novos sistemas de software. Estes sistemas alteram as tarefas dos designers, aumentando as suas capacidades e consequentemente a quantidade do seu trabalho, muitas vezes em demasia. Ser produtor, mesmo com estes progressos, é valorizar o acto de conceber, juntamente com a criatividade. O produtor passou então, não só a ter o funcionamento técnico conectado com a autoria, como também a atividade corporal ligada à produção. A liberdade de expressão aliada ao controlo absoluto de um projeto - desde o domínio do conteúdo até à sua forma - foi obtida, na sua completude, na década de 90, mesmo já praticada anteriormente. O artista passa a ter a função e o dever de pensar no seu trabalho como um todo, obtendo consciência de que todas as suas escolhas terão consequências no produto final. Partindo da análise desta conquista retomamos ao artigo do artista Boris Bucán, analisando o seu método de desenvolvimento aplicado ao auge da produção dos seus cartazes, entre a década de 60 e de 70. Inicialmente era portador de um estilo linear, todavia a partir de 1973 revelou uma construção mais conceptual, utilizando frequentemente a fotografia, em parceria com o fotógrafo polaco Željko Stojanović. Esta mudança é também referida no site da galeria polaca, Galeria Arsenal: “Strong reduction, a minimalistic approach, echoes of pop art, are characteristics of his posters from the early 1970s. Then he started to made posters in the spirit of conceptualism, using photographs and language media. (...) Bućan developed an astute and recognisable pictorial language using photographs of generally known subjects, images from the mass culture such as cartoons, human figures, faces, animals and so on, which he often subsequently coloured and using photo montage turned into wondrous and often provocative pictures.” (para.4) - imagem1. Esta visão foi marcante no processo do crescimento do design gráfico, uma vez que levantou questões importantes sobre a diferença entre a arte e o design. Bućan tinha um ponto de vista muito próprio quanto à função de um cartaz e do que este deveria conter. Um cartaz tinha que demonstrar liberdade de expressão, liberdade para interpretação e personalização: “In Bućan’s view, a poster that reproduces an example of the artist’s art, which is what often happens with exhibition posters, is not a poster at all. A poster must be a work in its own right, a free interpretation, and should contain elements designed specifically for it.” (Poynor, 2016, para.5). Para além destas características, era um designer com atitudes muito íntegras e de imposição dos seus princípios. Só realizaria um trabalho se este preserva-se a sua essência e o seu conceito, caso contrário este seria negado. Existe uma separação entre o artista e o cliente que deve ser salvaguardada (para.10).


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Imagem 2 The Firebird and Petrushka, 1983.

Imagem 3 Der Zerbrochene Krug, 1991.


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Já no seu processo de criação sempre deu maior importância à imagem, deixando a tipografia ocupar um papel secundário, dispensado-a sempre que possível ou dando-lhe o menor destaque. Mais tarde, na década de 1980, resolveu essa adversidade trabalhando a tipografia como uma imagem - imagem 2 e 3. O seu processo de criação, como já foi referido, sofreu diversas alterações. Teve início numa base minimalista, em seguimento foi adicionado a fotografia e numa fase final a cor : “In the early 1980s brought a radical turn in his approach, representation and manner of shaping an idea, visible in the increasingly lavish use of colour and form which became the dominant bearers of artistic expression.”(Bonjeković‑Stojković,s.d, para.5). Com o desenvolvimento de novos meios de consumo de informação, como anúncios televisivos, a comunicação física (em especial o cartaz) perde a credibilidade. Posto isto, a sua dedicação à criação de posters, que durou cerca de 20 anos, foi abandonada no início da década de 1990. (para.?) Sem dúvida que a prática do conceito do designer como produtor marcou um novo caminho para a inovação dentro da área. Esta criação de conteúdo está aliada a um momento particular da história do design. Segundo o curador e designer nipo-americano Andrew Blauvelt (2008), o design atravessou três grandes fases. Na primeira fase, no início do século 20, o pensamento e a prática do design partiam da procura de uma sintaxe visual, racional e universal onde a forma gerava forma. Na segunda fase, na década de 1960, é explorado o design e a importância do conteúdo essencial, aliado à sua comunicação. Na terceira inicia-se uma exploração da dimensão performativa. Porém, é na segunda fase que este texto se centra, analisando essencialmente a inclusão de conteúdo na produção e na afirmação do designer como produtor. Como referido por Lupton (2014), o auge destas mudanças no design gráfico foi atingido, entre a década de 1980 e a década de 1990, através da reivindicação de “autoria”. Relembrando com palavras de Blauvelt (2008), esta atitude criou o significado de design atribuindo um valor simbólico, uma dimensão semântica e um potencial narrativo: “focused on design’s meaning-making potential, its symbolic value, its semantic dimension and narrative potential, and thus was preoccupied with its essential content.”(para.4), explorando caminhos que abriram portas para a inovação. O artista tomava todo o controlo das suas decisões, porém deixava um regalo para o público: a liberdade para interpretar o significado do seu trabalho. A liberdade de reflexão e interpretação, estão muito presente nos trabalhos de Bućan - imagem 4. Outros trabalhos de destaque na década de 1980, foram produzidos pela “Cranbrook Academy of Art”. Retomando à linha de pensamento da segunda fase do design, defendido por Blau-


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Imagem 4 Boris Bućan, Marija Braut and Peter Dabac: Photographs, Student Center Gallery, silkscreen, 1969


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velt, agora numa vertente mais politizada, a criação de diretrizes e regras assentes num ambiente caótico de justiça social é fundamental para o processo de criação de um designer. O grande coletivo de arte norte americano, Gran Fury, criado em 1987 é um grande exemplo da prática da organização de meios para atingir um fim. Estes foram um grupo de ativistas baseado num modelo anárquico, seguindo a exploração máxima sobre um tema de grande importância na altura: “It was a collective organization, formed in 1987, whose primary aim was to take direct political action to get those with HIV/AIDS access to medical treatment, to increase research into and education about the disease, and, ultimately, to stop its spread”(Clementes, 2012, para.4). Este grupo materializa o conceito defendido por Lupton e por Blauvelt. Tal como Bućan, os Gran Fury atingiram e expandiram a sua liberdade de expressão, através da exploração dos meios possíveis para tal, aplicados na produção ou na distribuição do seu trabalho, sem nunca abdicar dos seus ideais. Os seus canais de produção passaram por pintura ou fotografia. Já os seus métodos de distribuição assumiram diversas dimensões: desde cartazes, cartões postais, vídeos, exposições em museus ou até mesmo laterais de autocarros e metro. Estes meios permitiram-lhes uma maior projeção e envolvimento das pessoas no tema. Marcado pela diferença, pela materialização, pela presença e o facto de serem expostos maioritariamente na rua, os trabalhos realizados por este grupo não permitiam a ninguém ficar indiferente. Estas atitudes cederem-lhes um carácter de intemporalidade: “At numerous points during the panel presentations, the members of Gran Fury that were present pointed out the painstaking work that they did to marry content and form — trying to make sure that what people remembered when they walked away from a poster, for instance, was the message, not necessarily the medium.”(Clementes,2012,para.10). O trabalho político foi colocado num contexto artístico. Foi trabalhada uma crítica de carácter político, e devido à sensibilidade do tema foi ponderado todo o processo que este teria de atravessar. Um bom exemplo disso foi o projeto “Kissing Doesn’t Kill : Greed and Indifference Do”, de 1990, baseado na representação de indivíduos do gênero feminino e masculino com diferentes orientações sexuais e raciais a beijarem-se. “The first stage of the project was a mass mailing of a postcard-sized image of young men and women of different sexual and racial orientations kissing; it was accompanied by the text, “Kissing Doesn’t Kill: Greed and Indifference Do.” The back of the card read “Corporate greed, government inaction and public indifference make AIDS a political crisis.” The image was intentionally designed to resemble a well known clothing industry ad campaign.”(Creative Time, s.d.). O projeto tomou então corpo nas mais diversas formas, desde um cartão postal, passando pelo cartaz, terminando na fachada de um autocarro. Foi


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Imagem 5 Evan Garza leading a tour in front of Gran Fury’s Kissing Doesn’t Kill: Greed and Indifference Do, 1989.

Imagem 6 Gran Fury, Kissing Doesn’t Kill, Greed and Indifference Do (Muni Bus installation), ink on vinyl, 1990.


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garantido com sucesso o maior número de espectadores para o problema em questão - imagem 5 e 6. A liberdade de expressão presente no projeto referido, que aborda um tema social marcante, é a reflexão da importância do papel do designer na criação do conteúdo transmitido, aliado ao uso dos métodos de produção do projeto. Refletindo que a prática do design auxilia na liberdade de expressão, esta é considerada tanto como uma necessidade do autor como também do leitor/receptor/observador, o que acrescenta ao designer uma responsabilidade social. A evolução dos formatos de comunicação, desde cartazes, a aplicações nas superfícies de autocarros têm uma importância avultada. Estes expandiram possibilidades para uma nova exploração temática, levando a uma maior entrega por parte dos designers aos seus projetos. O carácter intemporal é uma característica destes mesmos, que, nos dias de hoje, são considerados objetos de estudo da disciplina e que nos comunicam muito mais do que um simples conjunto de palavras ou imagens. Tudo isto foi apenas possível com a quebra de barreiras entre as diversas áreas que nos rodeiam, estimulando a construção de conceitos sólidos e por fim a sua devida comunicação. O questionamento e a análise levaram a um entendimento deste processo, que embora tenha feito parte da história do design, deve ser lembrada nos dias de hoje. Em suma, o texto crítico “Design como meio de expressão” permite reforçar a importância do conhecimento de um designer perante os desafios que encontra, sem esquecer o objetivo de criar impacto para que a partilha não desvaneça.



Referências Bibliográficas

Lupton,E. (2014). The Designer as a producer. PLI Arte & Design, 5, 11-19. Retirado em maio 26, 2020 de https://drive.google.com/ file/d/1v1gRYuMoP6Cx5Vbz4mBz1k1Ob5onMqFL/view. Blauvelt, A. (2008, março 1). Towards Relational Design. Design Observer. Retirado em maio 26, 2020 de https://designobserver.com/feature/towards-relational-design/7557. Poynor, R. (2016). Take my concept. Eye Magazine. Retirado em maio 26, 2020 de http://www.eyemagazine.com/feature/article/take-my-concept. Bonjeković‑Stojković, K. (s.d). Boris Bucan - Posters. Arsenal galeriaMiejska. Retirado em maio 26, 2020 de http://www.arsenal.art.pl/en/ exhibitions/boris-bucan/. Clements, A. (2012, novembro 21). We were not making art, we were at war. Hyperallergic. Retirado em maio 26, 2020 de https://hyperallergic.com/60650/ gran-fury-in-2012/. S.d (s.d). Creative times. Retirado em maio 26, 2020 de http://creativetime.org/projects/kissing-doesnt-kill-greed-and-indifference-do/ Imagem 1 - Disponível em: <http://www.artnet.com/artists/boris-bucan/ karate-klub-tempo-zagreb-boris-miocinovic-4PT1NhFJrajRkUmtubZQNQ2> Acesso em jun 2020. Imagem 2 - Disponível em: < http://collections.vam.ac.uk/item/ O76128/the-firebird-and-petrushka-poster-bucan-boris/ > Acesso em jun 2020. Imagem 3 - Disponível em: < https://www.vintagepostersonly.com/products/ der-zerbrochene-krug-by-boris-bucan > Acesso em jun 2020. Imagem 4 Disponível em: < https://designobserver.com/feature/the-conceptual-posters-of-boris-bucan/37889 > Acesso em jun 2020. Imagem 5 Disponível em: < https://blantonmuseum.org/2016/04/felix-gonzalez-torres-aids-act-up/ > Acesso em jun 2020. Imagem 6 Disponível em: < https://nursingclio.org/2013/12/03/visual-campaigns-against-aids-then-and-now/ > Acesso em jun 2020.


ESAD Escola Superior de Artes e Design 1º Ano, Mestrado de Comunicação Estudos Contextuais Texto Crítico “Design como canal de expressão” Marisa Espinheira Luísa Villas Boas 2020


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