união marista do brasil www.umbrasil.org.br
EDIÇÃO 05
•
julho/2012
Protagonismo juvenil
Jovens estão conectados à realidade do país e do mundo e pensam no futuro das próximas gerações
Fé e política
9 772175 704007
Sem fronteiras ISSN 2175-7046
UMA publicação da União Marista do Brasil
Frei Betto destaca que elas devem caminhar juntas para garantir a inclusão de todos
4º Congresso Marista de Educação - edição internacional traz discussão sobre espaçotempos e horizontes na educação de infâncias e juventudes
A FTD tem livros de literatura tão envolventes, que você corre o risco de ficar mil e uma noites lendo sem parar.
Além dos lançamentos, no site, você tem mais mil opções de leitura pra lá de Bagdá, do Brasil, da China, da Europa...
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SUMÁRIO |
| EDITORIAL
Educação para
novos tempos Em torno do amor, da presença e dos valores herdados de Pe. Marcelino Champagnat, construímos uma educação de verdade em escolas, centros sociais e universidades
A Brasil Marista nasceu para ser uma revista que faz pensar. Uma publicação com conteúdo, com ideias que inspirem e que mostrem que apesar de vasto e diversificado, o Brasil dos Maristas fala a mesma língua. Em torno do amor, da presença e dos valores herdados de Pe. Marcelino Champagnat, construímos uma educação de verdade em escolas, centros sociais e universidades. Assim, nada mais justo que na nossa entrevista de abertura prestarmos uma homenagem a alguém que tão dignamente representa esse ideal. Ir. Lodovino nos apresenta em algumas páginas um pouco da sua vida, de como conduziu e conduz sua história e de qual deve ser a postura de um educador para fazer a diferença na vida dos seus alunos. Ele destaca que devemos ter competência no que ensinamos e coerência entre nosso falar e nosso agir. É sem dúvida uma excelente provocação às vésperas do 4º Congresso Marista de Educação. Com enfoque nas discussões sobre espaçotempos e horizontes na educação de infâncias e juventudes, o encontro trará grandes especialistas para fazer com que a Educação Marista multiplique seus espaçotempos e concretize as diferentes regionalidades, sempre com um enfoque especial.
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Ainda nesta edição falamos sobre uma juventude hiperconectada, que está atenta às realidades sociais no Brasil e no mundo que utiliza seus computadores, tablets e celulares para se unir em torno de pensamentos e ações para construir uma nova sociedade. Sim, ao conhecer estas pessoas, projetos e histórias de vida devemos retomar o otimismo e avançar no sonho que acreditamos.
a boniteza de sonhar Entrevista com Ir. Lodovino Jorge Marin
dilema digital
A influência da tecnologia na formação dos jovens
um plano para a educação
Esperando a aprovação do Congresso, o PNE 2011-2020
espaçotempo marista
Tempos e lugares concretizam a educação em contextos e momentos históricos
hiperligados
A juventude conectada para além da Internet e com uma clara visão do futuro
arte e cultura
Vistas como princípios educativos ressignificam a Educação
política e fé
Artigo especial de Frei Betto
vale adoecido
Campanha tenta preservar a saúde no Vale do Javari, Amazônia
presença marista
Os maristas na imensidão amazônica retratados no artigo do Ir. Sadi Cella
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Nossa revista tem muito mais. Temos artigos sobre a presença marista na Amazônia, a arte na educação e uma colaboração especial do Frei Betto sobre Fé e Política. Uma boa leitura e até a próxima edição, que terá como tema central as discussões e lições apresentadas no Congresso. Ir. Arlindo Corrent Presidente da UMBRASIL
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EDIÇÃO 05
•
JULHO/2012
Protagonismo juvenil
Jovens estão conectados à realidade do país e do mundo e pensam no futuro das próximas gerações
Fé e política
ISSN 2175-7046
Sem fronteiras 9 772175 704007
UMA PUBLICAÇÃO DA UNIÃO MARISTA DO BRASIL
Frei Betto destaca que elas devem caminhar juntas para garantir a inclusão de todos
4º Congresso Marista de Educação - edição internacional traz discussão sobre espaçotempos e horizontes na educação de infâncias e juventudes
A REVISTA BRASIL MARISTA é uma publicação da União Marista do Brasil (UMBRASIL) produzida pela Editora Ruah. ENVIE seus comentários para a redação pelos E-MAILS info@editoraruah.com.br / editorial@umbrasil.org.br 6 | BRASIL MARISTA
Conselho Editorial Ir. Antonio Quintiliano, Ir. Franki Kleberson Kucher, Ir. José de Assis Elias de Brito, Katiuscia Sotomayor, Monica Kondziolková, Ir. Paulo Henrique Martins, Rosângela Florczak, Ir. Rosmar Rissi e Ir. Valdícer Civa Fachi. Todos os direitos reservados. proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. todas as informações técnicas são de responsabilidade de seus respectivos autores.
Fotos: divulgação
E N T REVI STA
Educar com amor é fazer a
diferença
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Fã de Paulo Freire, que muito escreveu sobre a “boniteza” da missão de educar, Ir. marista Lodovino jorge marin, de 80 anos, fala sobre passado, presente e futuro e ensina que o maior legado dos Maristas é a educação integral
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ENTREVISTA |
| ENTREVISTA
Como era sua família? Onde nasceu e cresceu? Meus pais foram emigrantes vindos do norte da Itália, no final do século XIX, constituindo a denominada 4ª Colônia Italiana, que se radicou nas imediações da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Esses emigrantes formaram as cidades de Faxinal, Polêsine, Silveira Martins, Ivorá e os povoados de Arroio Grande e Vale Vêneto. Qual foi o primeiro contato com os Irmãos Maristas? Até meu ingresso no juvenato, em 1944, no atual Colégio Champagnat, de Porto Alegre, eu tinha uma vaga ideia de quem eram os Irmãos Maristas. Pelas informações que veiculavam entre o povo, sabia que os Irmãos Maristas lecionavam em colégios de renome, como era o Colégio Marista Santa Maria, cidade situada a 30 quilômetros do Vale Vêneto. Quando sentiu realmente que esta seria a sua vocação? Houve um momento especial?
Desde 1952, quando iniciei a lecionar, no Colégio Aurora, da cidade de Caçador, Estado de Santa Catarina, muitos elementos e aspectos concernentes à educação melhoraram. Saliento o contributo significativo proporcionado pela evolução das ciências humanas: antropologia, psicologia, sociologia, psiquiatria, filosofia, neurociência, teologia, pedagogia e demais ciências. Não foi apenas o crescimento, mas também melhorou imensamente o acesso ao conteúdo dessas ciências, por meio da imprensa, televisão e internet. Além disso, as tecnologias oferecem mais recursos para trabalhar os conteúdos de modo criativo no âmbito escolar.
“Penso que existem situações que tornam mais difícil a educação. As famílias, atualmente, têm dificuldade em trabalhar os limites e os valores com seus filhos”
Com sinceridade, devo dizer que, tanto o ser humano quanto o cristão ou religioso, são realidades inacabadas, em constante processo de construção. Por isso, foi ao longo da minha formação que se sedimentou em mim o sentimento e a certeza de que esta era a minha vocação. Quem foram seus grandes mestres? Indubitavelmente, os meus pais. Agora, na qualidade de educadores, destaco a Irmã Jacinta, religiosa do Imaculado Coração de Maria, minha professora do quinto ano primário. Dela recordo, além do senso materno com que ministrava suas aulas, que despertou em mim o gosto pela arte, porque soube destacar um desenho meu, perante os colegas de aula; bem como o Ir. Demétrio, marista, pela capacidade de incentivar para a leitura e para o estudo sério. 10 | B R A S I L M A R I S T A
O senhor trabalha há muitos anos com educação. Qual é a sua leitura a respeito?
Como um educador deve ser para fazer a diferença na vida das crianças e jovens? Neste aspecto, penso que é a competência e a coerência. Competência no que ensina e coerência entre o seu falar e seu agir. Gostaria também de salientar a importância dos gestos e palavras do educador na formação e ou deformação dos alunos. Todos nós temos a experiência do que significa um gesto, uma palavra de apoio, de valorização por parte de um educador ou educadora. Gosto de lembrar o fato narrado por Paulo Freire, quando adolescente. Confessa que se considerava anguloso, feio e menos capaz que os outros. O professor tinha o hábito de avaliar e comentar individualmente com os alunos os trabalhos escolares. Quando chegou a vez dele ser chamado, o professor fez um gesto de respeito e consideração pelo seu trabalho. Este fato Paulo Freire guardou por toda a vida e lhe
valeu como motivação e entusiasmo ao longo da sua vida profissional e de educador. Ultimamente, Paulo Freire, na obra intitulada “Pedagogia da Autonomia”, fala seguidamente da “Boniteza” da missão de educar. Esta expressão inspirou Moacir Gadotti a escrever o recente opúsculo intitulado “Boniteza de um Sonho”. Realmente, a missão de educar nunca será devidamente valorizada. Se considerarmos que cada criança, adolescente ou jovem é depositário de um cabedal imenso de potencialidades; que são imagem e semelhança de Deus; que Jesus Cristo teve em vida, gestos especiais e únicos de “abraçar as crianças” (Mc 10,14) e de “olhar com amor ao jovem” (Mc 10,20), podemos concluir que a tarefa de educar tem uma importância e uma boniteza incomensuráveis, que além da competência profissional exige a ação do Espírito e o auxílio da graça divina. Por isso Champagnat pedia aos Irmãos que falassem muitas vezes a Deus dos seus alunos.
O que definitivamente mudou para pior?
Penso que existem situações que tornam mais difícil a educação. Primeiramente, as famílias, atualmente, têm dificuldade em trabalhar os limites e os valores com seus filhos. É a sociedade neoliberal, que introduziu um viés mercantilista na educação, além da desvalorização da profissão de educador, fruto do descaso do governo e do consequente aviltamento do valor salarial. O que o senhor considera o maior diferencial da Educação Marista? A Educação Marista oferece uma proposta ampla e bastante completa de educação. Porque é baseada na educação integral, com destaque para a dimensão espiritual, quando fala em formar o “bom cristão” e para a dimensão da cidadania, quando fala em formar o “bom cidadão”. Porque propõe que o educador ame a todos os alunos, quer sejam crianças, adolescentes ou jovens, de modo equânime, condição básica para o crescimento da pessoa humana. Porque procura desenvolver o amor e a persistência no
Que tal falar um pouco sobre os pensamentos revolucionários em educação? Talvez seja melhor falar de experiências revolucionárias em educação, porque estas já concretizam os pensamentos revolucionários. Sempre aconteceu ao longo da história este fenômeno, desde Sócrates até os nossos dias. Uma das experiências inusitadas em educação ficou registrada na obra intitulada “Uma carta à minha Professora”. Esta obra relata a iniciativa realizada por um sacerdote italiano, do norte do país, que acolheu um grupo de adolescentes expulsos de diversas escolas. Deu-lhes livros e uma sala para estudar com a seguinte recomendação: “Aqui quem sabe mais, ensina ao que sabe menos”; e o grupo assim procedeu até entrar no ensino superior, quando escreveu o livro acima citado, que relata a sua caminhada formativa. Aqui no Brasil temos a experiência de Colégios Estaduais do Estado do Rio Grande do Norte, RN, orientados pelo cientista em neurologia, Prof. Miguel Nicollelis, onde os alunos recebem no início do ano escolar, por um grupo de professores, as explicações de como devem ser
trabalhados os recursos colocados à disposição e o que se espera deles. Neste ambiente, os alunos ao longo do ano escolar constroem os conhecimentos em cooperação. Ultimamente, Sugata Mitra, da Universidade de Newcastle da Inglaterra, um dos maiores pesquisadores em tecnologia educacional, fez a seguinte experiência: tomou um grupo de crianças pobres de um bairro de Nova Delhi, Índia. Deu-lhes um computador bem equipado, com acesso à internet e com todas as explicações em inglês. As crianças não conheciam o computador nem mesmo o idioma inglês. Em questão de alguns meses, as crianças, ensinando umas as outras aprenderam intuitivamente, como operar o computador e aprenderam o sentido das palavras em inglês. Para mim isto mostra que a educação deve ser cada vez mais com os alunos e não para os alunos. Ou expresso de outro modo: a qualidade da educação dependerá cada dia mais do envolvimento dos alunos e da autonomia e responsabilidade concedidas a eles, na construção dos próprios conhecimentos e da própria formação.
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| ENTREVISTA
PERFIL
trabalho, fatores fundamentais para o sucesso na construção do conhecimento, no desenvolvimento das ciências e da técnica. Porque quer que o educador seja uma presença amiga, mantendo relações simples e respeitosas com os alunos. Porque propõe o cultivo do espírito de família, baseado na cooperação e na solidariedade. Como o senhor busca se manter atualizado? O ser humano é um ser inacabado, em permanente movimento de busca de construção do seu ser e da história. Isto fundamenta todo o processo de formação pessoal do educador, quanto ao processo de formação das crianças, adolescentes e jovens no período escolar. Esta inconclusão está sendo o dinamismo que me levou e me leva a me atualizar. E um dos meios que favoreceu esta atualização é o gosto, a paixão, o amor pela leitura. Costumo dizer que para mim ela constitui “uma cachaça”, a tal ponto de ser uma referência para perceber e avaliar meu estado de saúde. Assim, quando não sinto disposição para a leitura, algo em mim não está bem fisicamente. Lembro que recebi vários castigos no período de formação, porque a leitura era facultada apenas aos domingos e dias feriados. Os dias da semana eram dedicados para fazer as tarefas escolares e eu não tinha paciência para esperar até domingo para prosseguir nas leituras.
A Internet é uma grande aliada da educação? Quando deixa de sê-lo? Realmente, a Internet se constitui hoje num grande meio de acesso a informações e ideias sobre as ciências e aos mais variados assuntos. Gosto da maneira como o escritor Paulo Freire enfoca o uso da Internet: ele afirma que não devemos divinizá-la nem diabolizá-la. Ela será extremamente útil como instrumento, como meio de acesso às informações dos diferentes conteúdos. Mas deixa de ser uma aliada da educação quando o aluno, a pessoa, limita-se ao uso da tecnologia como diversão, como “passatempo” e não a utiliza como recurso para pensar, construir seus conhecimentos, qualificar a tomada de decisões e melhorar sua profissão e vida.
“A Internet é um meio de acesso a informações. Gosto da maneira como Paulo Freire enfoca o uso: ele afirma que não devemos divinizá-la nem diabolizá-la”
O que gosta de ler? Gosto de livros de cunho formativo, nos mais variados domínios do saber. Para dizer que alimento algumas preferências, devo dizer que elas apontam para os assuntos ligados à espiritualidade, psicologia, antropologia, pedagogia, mais especificamente. Dentre os autores que escrevem sobre o tema da educação, destaco Paulo Freire e Miguel Arroyo, do Brasil, de outros países aponto Edgar Morin, Howard Gardner e Antoni Zabala.
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Neste ano temos o 4º Congresso Nacional Marista de Educação. Qual a sua expectativa?
Um congresso é sempre uma oportunidade propícia para que gestores, professores, pais e educadores reflitam sobre o seu modo de ser e agir educativos, e os confrontem com outras experiências, percepções e visões de renomados pesquisadores, nos diferentes domínios da educação. É também um momento de mútua ajuda, apoio e motivação entre educadores de diferentes localidades e realidades do país e do mundo, na árdua, mas igualmente bonita, tarefa de educar novas gerações. O 4º Congresso Marista de Educação - Edição Internacional está sendo meticulosa e carinhosamente planejado, a fim de proporcionar este espaçotempo de enriquecimento educacional, para todos quantos decidirem dele participar.
Paixão pela educação Nascido em 1931 em Cachoeira do Sul, no Rio Grande do Sul; superior adjunto da comunidade de Irmãos de Passo Fundo e assessor da pastoral do Colégio Marista Conceição e da Fraternidade Mãe Peregrina do MChFM, Lodovino Jorge Marin – também conhecido como Irmão Amadeu –, iniciou sua vida religiosa ainda em 1943, no Juvenato em Porto Alegre. Educação e Religião foram sempre suas duas grandes paixões e foi por elas que procurou trilhar toda a sua carreira e pensamentos. Assim, em 1959 graduou-se em Pedagogia pela PUCRS; em 1965 especializou-se em Orientação Educativa pela Faculdade de Filosofia Ciência e Letras de Ijuí, concluindo, ainda, uma especia-
lização em Vida Religiosa pela Lumen Vitae de Bruxelas em 1968 e outra em Supervisão Escolar, também pela PUCRS, em 1976. Com tal bagagem chegou em 2012 à Comunidade Marista de Passo Fundo, passando antes pela coordenação da Área de Missão da União Marista do Brasil; pela Lábrea – AM como Superior e Ecônomo da Comunidade e irmão de referência no pós-noviciado; pelo Colégio Marista São Pedro em Porto Alegre, como coordenador do Conselho Editorial da PMRS, entre outros tantos cargos que antecedem 2003, quando atuou como vice-coordenador da Assessoria de Pastoral, curador da PUCRS e diretor do Colégio Marista São Pedro.
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| Mテ好IAS DIGITAIS
Dilema digital
a influテェncia das novas tecnologias na transformaテァテ」o da juventude Por Vivian de Albuquerque
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Recentemente, uma pesquisa realizada pela Cisco – multinacional da área de informática especializada em redes – divulgou números sobre a importância da Internet para jovens de 14 países, incluindo o Brasil. Os resultados são surpreendentes. Antigamente o sonho de um jovem era ter um carro. O veículo era sinônimo de liberdade, autonomia e status. Hoje, o que ele quer mesmo é ter acesso à Internet. Foram 63% dos entrevistados, entre jovens profissionais e estudantes universitários. Até mesmo namorar fica em segundo plano, com 72% preferindo navegar na Internet a ter um companheiro real. Mas a dimensão dessa preferência é muito maior, principalmente quando a análise é feita sobre a influência das redes de comunicação na transformação social e política dessa “nova juventude”, que recebe nomes modernos como Geração Y, entre outros. Vários professores e pesquisadores hoje abordam o assunto. Isso porque entender essa relação dos jovens com a Internet, e todas as suas possibilidades, muda inclusive a forma de enxergá-los e de se relacionar – no mundo real – com eles.
Divulgação
Professor nas áreas de Jornalismo e Publicidade na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, Eduardo Pellanda é um desses estudiosos, pesquisando principalmente a questão da comunicação digital. E afirma: a própria geração Y já mudou. “Antigamente, tínhamos a televisão, o jornal e o rádio
como nossas mídias oficiais”, comenta. “E eles nos exigiam uma atenção unidirecional, com exceção para o rádio, que ainda nos permitia fazer outras coisas ao mesmo tempo. Hoje, a Internet e os mobiles nos permitem outro tempo de acesso. Podemos fazer várias coisas ao mesmo tempo e a Geração Y cresceu com essas múltiplas provocações. O bacana não é só consumir, mas conectar todas essas coisas. Fazer o trabalho da escola, ouvir música e conversar com o amigo no MSN. Há uma conexão de informações.” Informações mais que preciosas quando se pensa que esse jovem – assim como os adultos mais “antenados” – passou a ser também repórter cidadão.“Estamos numa fase de transição na qual ainda estamos aprendendo. Os filtros e critérios – assim como os têm os jornalistas oficiais – estão se tornando naturais, com uma espécie de maturação da audiência nas mídias sociais. E isso faz com que o jovem compartilhe e absorva mais informações, preocupando-se também com a qualidade do que divulga, para manter e conquistar seguidores. A repercussão é instantânea. Como professores, diante de tanta informação que pode se transformar em conhecimento, nos cabe provocar o aluno a desdobrar todas essas ideias. Incentivá-lo a ver o que se está divulgando nas redes sobre determinado assunto, entre amigos ou não, usando o ambiente que ele gosta e entende da Internet, para entender e participar de assuntos aparentemente complexos como a política, por exemplo.”
“Antigamente, tínhamos a televisão, o jornal e o rádio como nossas mídias oficiais. E eles nos exigiam uma atenção unidirecional, com exceção para o rádio, que ainda nos permitia fazer outras coisas ao mesmo tempo. Hoje, a Internet e os mobiles nos permitem outro tempo de acesso. Podemos fazer várias coisas ao mesmo tempo e a geração Y cresceu com essas múltiplas provocações” Eduardo Pellanda, professor nas áreas de Jornalismo e Publicidade da PUCRS
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Mídias digitais e o ensino e aprendizagem:
Roberto Dziura
| MÍDIAS DIGITAIS
questão de mediação
Coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) da USP e doutor em educomunicação, o professor Ismar de Oliveira Soares afirma que a preocupação maior deve ser não exatamente com as mídias, mas com a educação. Segundo ele, apesar das mídias digitais, a escola ainda tem se mantido distante da história contemporânea. “As mídias são apenas instrumentos”, comenta. “São boas ou ruins, dependendo do uso. O discurso que se prega hoje, na educação, não motiva os professores a adotar a cultura das mídias digitais porque está muito restrito aos meios e não ao fim. Ou seja, não há uma inter-relação da comunicação com a educação.” Oliveira diz que a proposta deve ser de um estudo de multimeios, no qual as próprias comunidades envolvidas produzam conteúdos de forma solidária, numa relação entre pessoas e não máquinas. “É isso que provoca a mudança e que tira o estigma sobre o computador pessoal como propriedade privada e inclusive intelectual. Alguns projetos em mídias digitais são nocivos à vida em comunidade por não observarem isso”, alerta. Ilustrando o efeito, Oliveira fala sobre pesquisas realizadas na Inglaterra, que mostram que o que existe é um discurso mercadológico em torno dos chamados nativos digitais. “O
que realmente ocorre é que eles encontram um novo brinquedo. Não há nada ainda que confirme que eles estão realmente aprendendo com as mídias. Antigamente, as crianças aprendiam muito mais empurrando um carrinho de madeira, sozinhas, junto com outras, que apertando um controle remoto dos carrinhos mais modernos. Novamente a questão do uso. A prefeitura de São Paulo trabalha com um projeto de imprensa jovem. Os jovens vão a eventos, fazem a cobertura, e publicam em blogs, jornais murais e isso é admirado pela sociedade. Isso sim produz ensino e aprendizagem. O que se precisa é avançar em políticas públicas nesse sentido. Elas apontam para a excelência das novas tecnologias na política pedagógica e melhoram inclusive a adesão dos alunos à escola, diminuindo a evasão. Pode-se, com as mídias, levá-los a discutir política, economia e sociedade de uma forma bem mais consciente e consistente.” OBJETIVOS DEFINIDOS – Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS e professor da Faculdade de Informática, Jorge Luis Nicolas Audy acredita que os jovens estão sim bem preparados para o uso das novas tecnologias e ambientes tecnológicos como o das redes sociais. O grande desafio, segundo ele, é ter a visão e os objetivos adequados.
“As mídias são apenas instrumentos. São boas ou ruins, dependendo do uso. O discurso que se prega hoje, na educação, não motiva os professores a adotar a cultura das mídias digitais porque está muito restrito aos meios e não ao fim. Ou seja, não há uma inter-relação da comunicação com a educação” Ismar de Oliveira, coordenador do NCE da USP e doutor em educomunicação BRASIL MARISTA|
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pucrs
| MÍDIAS DIGITAIS
“As mídias sociais como Facebook e Linkedin são belos exemplos de como usar as tecnologias na construção de novos relacionamentos e aprendizagem por meio da rede, de forma cooperativa e autônoma pelos nossos jovens. Ao mesmo tempo, demonstram como é importante termos uma visão estratégica do seu uso e objetivos, visando potencializar a tecnologia em prol de uma pessoa, uma comunidade ou da sociedade em geral” Jorge Luis Nicolas Audy, pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS e professor da Faculdade de Informática
“Isto vale tanto para a incorporação das novas tecnologias de aprendizagem online nos processos pedagógicos de nossas instituições de educação, como na forma como as redes sociais são utilizadas na busca de novos meios de interação e relação entre jovens do mundo inteiro, de suas comunidades locais de interesses comuns, sejam pessoais ou profissionais. As mídias sociais como Facebook e Linkedin são belos exemplos de como usar as tecnologias na construção de novos relacionamentos e aprendizagem por meio da rede, de forma cooperativa e autônoma pelos nossos jovens. Ao mesmo tempo, demonstram como é importante termos uma visão estratégica do seu uso e objetivos, visando a potencializar a tecnologia em prol de uma 18 | B R A S I L M A R I S T A
pessoa, uma comunidade ou da sociedade em geral.” Para o professor, a tecnologia simplesmente faz parte da vida dessa nova geração de forma natural, uma vez que cresceu, aprendeu, estabeleceu e consolidou relações pessoais e de grupo, por meio das tecnologias da informação e comunicação digitais. E, concordando com o que comentou Pellanda, afirma que os filtros e o bom uso são também quase que naturais. “Quem têm mais dificuldade, em alguns casos muitas, são os adultos e toda uma geração que não entende o papel das novas tecnologias para nossa juventude e se assustam com o que vêem, muito mais por total desconhecimento do que acontece, do que por qualquer outro motivo. Não se trata, como alguns dizem, de uma euforia digital
DIREITO DE INCLUSÃO – Coordenadora do curso de graduação em Tecnologia e Mídias Digitais da PUCSP e do trabalho de formação do Programa Um Computador Por Aluno, pela mesma instituição, em alguns estados brasileiros, a professora Maria da Graça Moreira concorda com a visão de que a nova geração nasceu mergulhada na cultura digital e está tranquilamente familiarizada com ela. Usa jogos eletrônicos, produz, interage e compartilha informações nas redes e, “provavelmente sente a não-presença das mídias e tecnologias na escola”. “A tecnologia provê a infraestrutura e dispositivos, o suporte à cultura digital, e para a comunicação, mas é seu uso que faz a diferença”, comenta. “O uso de diferentes mídias e tecnologias da informação e comunicação pode contribuir com
o processo de ensinar e aprender, mas esse processo dependerá da abordagem pedagógica do professor, pois as tecnologias em si não ensinam, dependem da mediação.”
que a questão da exclusão não se resume a estar ou não conectado. A tecnologia que permite a conexão somente desnuda aquilo que já está posto.”
Outro ponto importante levantado pela professora diz respeito à conexão. “Ela se configura como um dos princípios constitucionais da democracia e da economia nas sociedades. O não acesso e a não conexão impelem os indivíduos à exclusão digital e social. Temos o desafio da democratização da Internet e da participação em redes colaborativas e sociais como elemento de humanização, vislumbrando o que já está acontecendo em países e comunidades mais afastadas e cientes que a cultura digital não abrange as populações que não têm acesso à eletricidade e muito menos ao universo informatizado. No entanto, cabe pontuar
Maria da Graça diz já ter observado resultados relevantes no Programa Um Computador Por Aluno. Entre eles: mudanças e inovações nos tempos escolares, na dinâmica em sala de aula, no planejamento das aulas pelos professores e, principalmente, na sociabilidade, participação e interesse dos alunos nas atividades escolares. “Conseguimos inclusive pontuar uma maior aproximação das famílias com as escolas, a inclusão digital e social dos envolvidos e o desenvolvimento da autonomia dos alunos na busca de informações e soluções de problemas, com o aumento das expectativas em relação ao aprender e à escola”, conclui.
por parte dos jovens, mas de um trauma digital das gerações mais antigas.” A juventude é influenciada, segundo Audy, quando entende a tecnologia como ferramenta e não como fim. Quando funciona como plataforma poderosa de aprendizagem, crescimento e mudança. “Verificamos diversos exemplos nesse sentido em diferentes partes do mundo”, acrescenta. “Onde estas tecnologias de informação e comunicação estabelecem processos de mobilização social sem precedentes, seja em um ambiente local, por afinidade temática momentânea (por exemplo, a questão de uma eleição) ou em torno de um problema mais perene (questões ambientais), seja em um ambiente mais global (as transformações sociais recentes no Oriente Médio).”
“Conseguimos pontuar uma maior aproximação das famílias com as escolas, a inclusão digital e social dos envolvidos e o desenvolvimento da autonomia dos alunos na busca de informações e soluções de problemas, com o aumento das expectativas em relação ao aprender e a escola” Maria da Graça Moreira, coordenadora do curso de graduação em Tecnologia e Mídias Digitais da PUCSP e do trabalho de formação do Programa Um Computador Por Aluno, pela mesma instituição, em alguns estados brasileiros BRASIL MARISTA|
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Os Millennials e a EAD
ARTIGO
Pastoral conectada Internet é fundamental para encurtar
Por Thiago Araújo Silveira*
A Educação a Distância hoje não é mais uma tendência, é uma realidade! Principalmente no nosso País, onde a oferta de educação formal às vezes não atinge a população. Mesmo que pareça algo novo, esse processo de mediação já foi feito antes por ferramentas como o rádio, telégrafo, cartas, televisão, etc. Hoje, com os computadores e a Internet, e todas as suas multimídias, esse processo de mediação ganha uma nova forma, novos poderes, exigindo do professor e dos estudantes posturas diferentes. Sendo assim, ensinar e aprender também se diferenciam. Mas, não podemos esquecer, que é um processo de Educação como qualquer outro, que necessita de compromisso, incentivos, políticas e filosofias. Hoje, a EaD utiliza as mídias digitais para que ocorra eficientemente a comunicação entre os sujeitos, por isso é que elas são muito importantes. Podemos utilizar videoconferências,
webconferências, chats, webaulas, dentre outros, para proporcionar um momento de interação professor/aluno. Ou utilizar um fórum, mensagens instantâneas, e-mails para sanar quaisquer dúvidas dos estudantes. Outro exemplo interessante é utilizar vídeos e/ou simuladores para visualizar fenômenos ou eventos que não podem ser reproduzidos em sala de aula. Atualmente, o contato com a tecnologia deve ser incentivado para que o jovem e a criança fiquem a par do que acontece com a sociedade, que saibam trabalhar a informação e seus excessos, para que criem competências de trabalho em rede e aprendam a se expressar por meio dessas mídias. Nos colégios maristas, o trabalho é feito respeitando as características da EaD (mediação tecnológica, flexibilidade, trabalho em rede, automotivação etc.), mas oferecemos ainda um acompanhamento de trabalho e deixamos à disposição do estudante profissionais que vão assessorá-lo nas partes técnica e pedagógica do curso. Entretanto, em casa, a família precisa avaliar o tempo gasto e a qualidade do que é acessado pelo jovem/criança. É importante as crianças saberem que o acesso às mídias será acompanhado para que, em primeiro momento, sintam-se assistidas e responsáveis pelo conteúdo visto e postado, e, posteriormente, criem uma cultura de segurança na Internet, em que pessoas, relações, conteúdos, lazer e vida social-virtual sejam compartilhadas de maneira segura e saudável. * Thiago Araújo Silveira é analista de Tecnologia Educacional e coordenador dos cursos a distância do Núcleo Marista de Educação a Distância (NEaD) da Província Marista Brasil Centro-Norte
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Desde 2004, os jovens das Unidades Maristas estreitam os laços, formados nos encontros de pastorais, por meio das redes sociais. “Encontram-se” no Orkut, no Facebook e agora postam no YouTube vídeos para divulgar as atividades desenvolvidas nas unidades. O reforço acontece nos blogs, com notícias mais rápidas e complementares. “Tenho 23 anos e trabalho no Setor de Pastoral da Província Marista Brasil Centro-Sul, agora denominada Grupo Marista”, conta Bruno Manoel Socher. “Há mais de dois anos auxilio nesse trabalho de comunicação com a juventude. Temos inúmeras juventudes e uma delas é formada por aqueles que estão nos meios urbanos, estudando em um dos turnos e, no outro, conectada. Por isso essa forma de comunicação é tão importante. Comecei a trabalhar em 2009 com os maristas e, com a rapidez dos avanços da tecnologia, ficou
tudo mais fácil. Fizemos o blog, o Twitter e, assim, conseguimos atingir inúmeros jovens a cada dia com muito mais rapidez e praticidade. Com o Twitter, surgiu a Twitcam, que é uma plataforma que nos permite fazer conferências ao vivo e fazer com que algumas unidades, por não disporem de aparelhos de videoconferência de alto custo, não precisem viajar até mais de 400 km, como é o caso de Dourados (MS), para participar de videoconferências com todas as unidades do Grupo Marista. O fato é que, se queremos estar junto da juventude, precisamos nos conectar de forma sutil e inteligente, sem sermos invasivos e tentando utilizar a mesma linguagem dos jovens. Estamos no mesmo meio e nem por isso precisamos agir como eles agem e falar como eles falam, pois, se assim o fizermos, podemos até ter o efeito contrário e distanciálos cada vez mais.”
Programa Um Computador Por Aluno aumenta a expectativa em relação ao aprender
Foto: Maria da Graça
A geração de que falamos, os chamados Millennials, não mais se impressiona com os aparatos ou efeitos tecnológicos, pois já são comuns a seus sentidos e experiências. Eles se interessam por professores diferentes, que não apenas saibam usar e falar de tecnologias, mas que saibam adequar suas linguagens, que são convincentes, plurais, versáteis e flexíveis como eles são. Professores que fazem e usam com precisão e destreza ferramentas simples ou avançadas.
distâncias e aumentar sinergia entre jovens
“O fato é que, se queremos estar junto da juventude, precisamos nos conectar de forma sutil e inteligente, sem sermos invasivos e tentando utilizar a mesma linguagem dos jovens. Estamos no mesmo meio e nem por isso precisamos agir como eles agem e falar como eles falam, pois, se assim o fizermos, podemos até ter o efeito contrário e distanciá-los cada vez mais” Bruno Manoel Socher, Setor de Pastoral do Grupo Marista BRASIL MARISTA|
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| MÍDIAS DIGITAIS
Aprender para CONHEÇA 10 NOVOS PARADIGMAS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOs DE MÍDIAS DIGITAIS
transformar
Fabiane Gontijo é Analista de Tecnologia Educacional do Colégio Marista de Brasília, o Maristão. A escola atende a 1.330 alunos entre 15 e 17 anos, mantendo, desde 2010, um Núcleo de Apoio Educacional que planeja a implantação de projetos educacionais envolvendo a tecnologia. “Em 2011, por exemplo, trabalhamos com fóruns em redes sociais nas áreas de sociologia e filosofia; com um projeto de construção de blog, como ferramenta de apoio à aprendizagem de Língua Portuguesa, entre outras ações”, conta a analista. Para que as iniciativas surtam resultado, todo o corpo docente é capacitado por meio de um projeto de Sala Interativa – espaço voltado aos professores, para a preparação de aulas enriquecidas por recursos tecnológicos multimídia. Os resultados são bem interessantes. Dos 56 professores da escola, 87% fizeram uso do ambiente oficina para estudos ou preparação de suas aulas. Destes, 48% tornaram-se assíduos frequentadores, considerandose ainda que 88% deles têm mais de 30 anos e somente 23% já tinham feito uso de recursos tecnológicos como lousa digital, computador ou Twitter. “Ainda estamos em fase de implantação das novas tecnologias, mas queremos aproveitar as experiências até agora para ver o que os professores fizeram e estão dispostos a fazer na sala interativa, e também para uma melhor gestão do uso pedagógico da sala, para que não seja usada como um laboratório sofisticado de informática, desqualificando sua proposta”, explica. “Já foi o tempo em que você precisava aprender tudo antes para, somente depois, poder ensinar um pouco do que sabia, ou seja, para passar o seu conhecimento. Os novos paradigmas são bastante diferentes”, conclui. 22 | B R A S I L M A R I S T A
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Aprenda enquanto utiliza, e utilize enquanto aprende Aprenda errando e corrigindo xplore novas maneiras E de aprender I ntegre-se às redes sociais e aprenda colaborativamente xplore possibilidades e E seja criativo Seja autônomo, não espere passivamente por ajuda e nem desista sem antes tentar
Um plano para a
educação
Tenha prazer na aprendizagem Compartilhe conhecimento, dúvidas e sonhos
Enviado pelo MEC ao Congresso para
nsine o outro a aprender E a aprender
aprovação, o Plano Nacional de
steja eternamente E insatisfeito
por 12 artigos e um anexo com 20
Educação (PNE 2011-2020) é composto metas para a área, uma das mais importantes quando se fala em real
Fontes:
crescimento de um país. Um dos focos
■ The Top 100 Tools for Learning 2011 List: Uma listagem com a 150 ferramentas mais utilizadas por professores e profissionais do ensino.
principais está no magistério. Mas, como
■ Quais habilidades em tecnologia os professores devem ter em sala de aula?: Artigo publicado no "Estadão.Edu".
da Educação dominam as propostas
sempre, a qualidade e a abrangência
■ Habilidades do século XXI: excelente artigo do Prof. Pedro Demo, PhD da Universidade de Brasília, abordando as habilidades que o professor e o aluno devem ter no século XXI.
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| EDUCAÇÃO
O surgimento das primeiras ideias de um plano que tratasse de educação para o território nacional coincide com a instalação da República no Brasil. Com o desenho de um novo quadro social, político e econômico, a educação se impunha como condição fundamental para o desenvolvimento do País. Mas foi em 1932 que o Manifesto dos Pioneiros da Educação – elaborado por um grupo de educadores da elite intelectual brasileira – propôs realmente uma reconstrução educacional: um plano com sentido unitário e com bases científicas. O documento teve grande repercussão e resultou na inclusão de um artigo específico na Constituição Brasileira de 1934, que declarava ser competência da União fixar o Plano Nacional de Educação “compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução em todo o território do País”. A ideia prosperou e nunca mais foi abandonada. Em 1962 surgiu o primeiro PNE, ainda não na forma de um projeto de lei, mas como uma iniciativa do MEC. Eram metas qualitativas e quantitativas a serem alcançadas em um prazo de oito anos. Com a Constituição Federal de 1988, 50 anos após a primeira tentativa oficial, ressurgiu a proposta de um plano de longo prazo – e com força de lei, contemplado no artigo 214. De lá para cá, vários foram os ajustes e adequações. E terminado e avaliado o Plano 2001-2010 – a primeira experiência da vigência de um Plano Nacional de Educação aprovado por lei – as atenções voltam-se ao Plano 2011-2020, em fase de aprovação.
“A UMBRASIL apresentou várias emendas que tiveram como objetivo garantir a participação das entidades privadas sem fins lucrativos no direito de obter recursos públicos para a realização – de forma solidária – do PNE 2011-2020. Salientando que recursos públicos não são do Governo, mas públicos e que, portanto, as entidades sem fins lucrativos também podem ter acesso a eles”, comenta Arlete Dias, assessora da Associação Paranaense de Cultura (APC) e umas das participantes da comissão da UMBRASIL na elaboração das propostas de emendas. “Mesmo com dois anos de atraso na votação, a aprovação do PNE pelo Congresso e a sanção presidencial farão com que cada Estado tenha o ajuste de seus Planos de Educação à luz das metas propostas, com um novo desenho da arquitetura da educação – por município e Estado – compondo o sistema nacional. Com a apresentação das emendas, também procuramos garantir a participação da sociedade civil nos Conselhos e Fóruns de Educação.” Vale destacar que a apresentação de sugestões de emendas pode ser feita por qualquer entidade ou cidadão. Porém, a emenda deve ser assinada por um deputado, podendo ou não ser acatada pela mesa diretora ou comissão especial. As emendas também podem ser vetadas na votação final no plenário ou ainda votadas pela Presidência. “Portanto, não há nenhuma garantia de que as emendas por nós sugeridas sejam efetivamente contempladas no PNE”, acrescenta Arlete. “Temos mesmo de esperar pelas votações e pela sanção.”
“A UMBRASIL apresentou várias emendas que tiveram como objetivo garantir a participação das entidades privadas sem fins lucrativos no direito de obter recursos públicos para a realização – de forma solidária – do PNE 2011-2020” Arlete Dias, assessora da Associação Paranaense de Cultura (APC) e umas das participantes da comissão da UMBRASIL na elaboração das propostas de emendas 24 | B R A S I L M A R I S T A
O Secretário Executivo da Associação Nacional de Educação Católica (ANEC), Daniel Cerqueira, comenta que o plano anterior foi bonito no papel, mas com boa parte de suas metas não cumpridas e que, por isso mesmo, nesse processo de articulação de uma possível intervenção, o que se procurou foi torná-lo mais factível. “O conteúdo tem emendas, muitas. Mas ainda deixa um pouco a desejar. A extinção do PROUNI, por exemplo, foi algo que não passou. O que sentimos é que é um plano ainda muito fragmentado. Mas é cedo para avaliarmos os impactos.” Sobre os recursos a ele destinados, o secretário também enfatiza a questão do aspecto público. “A educação é um direito de todos”, diz. “Sendo assim, é de natureza pública. As instituições católicas são privadas sem fins lucrativos, muitas vezes complementando a atuação do poder público, notadamente naqueles municípios nos quais ele não tem como atuar. Por isso a visão do recurso público só para a escola pública é tão tacanha e reducionista. Porque atuamos como instituições públicas, porém não estatais, diferentemente do ensino simplesmente privado”, conclui. Coordenadora Executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), que reúne ONGs, fundações e outros grupos de controle social das políticas públicas, Iracema Nascimento não discute exatamente a questão dos recursos públicos, mas os valores propostos ao PNE. Segundo ela, a Campanha realizou um levantamento que concluiu que 7% do PIB, como apresentado pelo Governo, não são suficientes para cobrir as metas, como agora apresentadas. “Nosso estudo mostra que são necessários pelo menos 10%. E é isso que temos levantado no Movimento PNE Prá Valer.”
“As instituições católicas são privadas sem fins lucrativos, muitas vezes complementando a atuação do poder público, notadamente naqueles municípios nos quais ele não tem como atuar. Por isso a visão do recurso público só para a escola pública é tão tacanha e reducionista” Daniel Cerqueira, Secretário Executivo da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (ANEC)
Assim como a UMBRASIL, a ANEC e a CNDE centenas de entidades, movimentos sociais, grupos e associações apresentaram emendas. Parte delas contempladas e outras não. Uma vez votado no Congresso, o PNE segue ao Senado – onde deverá receber novas emendas e passar por nova votação – só então chegando à sanção presidencial. BRASIL MARISTA|
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| EDUCAÇÃO
As metas do novo Plano Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de Educação Infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos. Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária. Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade. Meta 6: Oferecer Educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de Educação Básica. Meta 7: Atingir as seguintes médias nacionais para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): Ideb
2011
2013
2015
2017
2019
2021
Anos iniciais do ensino fundamental
4,6
4,9
5,2
5,5
5,7
6,0
Anos finais do ensino fundamental
3,9
4,4
4,7
5,0
5,2
5,5
Ensino médio
3,7
3,9
4,3
4,7
5,0
5,2
Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a alcançar o mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor escolaridade no País e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional. Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional. Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) na 26 | B R A S I L M A R I S T A
forma integrada à Educação profissional nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Meta 11: Duplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta. Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. Meta 13: Elevar a qualidade da Educação Superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de Educação Superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores. Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores. Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, que todos os professores da Educação Básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. Meta 16: Formar 50% dos professores da Educação Básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua área de atuação. Meta 17: Valorizar o magistério público da Educação Básica a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente.
Relembre as metas do Plano anterior: Meta 1: Universalizar o Ensino Fundamental. Meta 2: Implantar o Ensino Fundamental de 9 anos. Meta 3: Assegurar a EJA para 50% da população que não cursou o ensino regular. Meta 4: Reduzir em 50% a repetência e o abandono. Meta 5: Erradicar o analfabetismo até 2010. Meta 6: Atender 50% das crianças de até 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos. Meta 7: Implantar o piso salarial e planos de carreira. Meta 8: Aprimorar sistemas de informação e avaliação.
Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar. Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em Educação até atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto do País. BRASIL MARISTA|
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| ESPECIAL
Espaçotempo Marista:
Muito complicado? Vamos tentar esclarecer: guardadas as devidas proporções, na educação marista no Brasil, a expressão espaçotempo – aqui utilizada no Projeto Educativo do Brasil Marista– refere-se à concepção de que a educação e os processos educativos se concretizam em contextos e momentos históricos factuais, o que os tornam cultural e socialmente relevantes aos sujeitos e às realidades onde estão inseridos. Um exemplo prático é o projeto Órbitas Urbanas, desenvolvido no Colégio
Marista Arquidiocesano de São Paulo, em 2011. “Sempre trabalhamos, no Projeto Educativo Marista, com a dimensão da sustentabilidade. O Projeto Órbitas Urbanas surgiu como fruto de um projeto anterior com os estudantes do ensino médio”, explica o professor de História Murilo Resende. “Os professores das diferentes áreas se reuniram e surgiu a ideia: analisar a questão da sustentabilidade no centro da cidade de São Paulo. Trânsito, mobilidade, lixo, poluição, moradia, lazer e cultura, entre outros muitos aspectos.” O nome Órbitas Urbanas surgiu da própria metodologia do projeto. Partindo de determinadas estações de metrô e a elas voltando, os alunos e professores, em longas caminhadas, observaram de perto a realidade. Realidade que foi registrada em
fotos, filmagens, artigos, manifestos e divulgada no Facebook, em blogs e outras mídias sociais. “A ideia era que o aluno observasse o centro de São Paulo, registrando e transformando as informações em outras linguagens. No final, foi criado um grande painel com fotos em preto e branco, um croqui com o mapa por onde passaram as expedições e crônicas sobre a região”, explica Murilo. Os alunos, na faixa dos 16 anos, percorreram oito roteiros, interagindo em tempo real, através do Twitter. “Conseguimos usar a cidade e os espaços públicos para dar aulas especiais”, comenta o professor de História. “E no encerramento, os alunos também puderam ler seus manifestos a um deputado estadual presente. Não foi apenas um passeio de escola, mas um ato Professor Paulo Mendes
Tempo e lugar de crescimento
Originalmente aplicado à Física, o termo espaçotempo designa – na ciência – o sistema de coordenadas utilizado como base para o estudo das chamadas relatividades. Neste sentido, um ponto do espaçotempo, na perspectiva da Física, poderia ser designado como um acontecimento, com local e hora onde ocorreu, ocorre ou ocorrerá.
Presente em todo o Brasil e em quase 80 países do mundo, o instituto marista potencializa sua missão em diferentes espaçotempos educativos. Por Vivian de Albuquerque
BRASIL MARISTA|
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| ESPECIAL
Em busca de respostas significativas: 4º Congresso Marista de Educação traz discussão sobre
Professor Paulo Mendes
espaçotempos e horizontes na educação de infâncias e juventudes
político, no qual nossos alunos puderam se posicionar sobre o que viram na cidade, sugerindo inclusive soluções.” Escola como espaçotempo da educação marista – “Analisar a escola marista sob a ótica dos cenários e teorizações contemporâneos implica compreendê-la como espaçotempo de educação, de evangelização, de produção e circulação de culturas, de elaboração/reelaboração de saberes e conhecimentos e de produção de sujeitos pautados nos valores cristãos”, explica Mércia Procópio, assessora da Área de Missão da UMBRASIL, tomando como base o Projeto Educativo produzido em parceira com as três províncias do Brasil Marista. “A escola é compreendida como espaçotempo, pois se materializa num tempo e lugar localizados, precisos, específicos, numa história e geografia cotidianas, nas quais nos formamos como sujeitos da educação – da educação marista.” 32 | B R A S I L M A R I S T A
A educação marista, praticada em todo o brasil, multiplica espaçotempos educativo-evangelizadores, considerando as diferentes regionalidades e culturas dos muitos “Brasis”. Define-se assim a escola marista a partir de uma concepção sistêmica e contemporânea de escola como espaçotempos: de pastoral – que articula fé, cultura e vida; de investigação e produção de conhecimentos; de criação; de aprendizado político e ético; de construção de projeto de vida; de formação continuada dos profissionais da educação; e de avaliação contínua. “Adotamos, portanto, uma concepção de escola que contempla e articula múltiplos espaçotempos formativos; comprometida com as realidades das crianças, adolescentes e jovens, com os apelos e pautas da sociedade contemporânea e com a defesa e promoção do direito à educação integral de qualidade para todos e todas”, conclui Mércia Procópio.
“A escola é compreendida como espaçotempo, pois se materializa num tempo e lugar localizados, precisos, específicos, numa história e geografia cotidianas, nas quais nos formamos como sujeitos da educação – da educação marista” Mércia Procópio, assessora da Área de Missão da UMBRASIL
De 17 a 20 de julho, cerca de 2,5 mil pessoas entre educadores, pesquisadores das escolas maristas e de outras redes confessionais, públicas e privadas, participarão em São Paulo, no Anhembi Parque, do 4º Congresso Marista de Educação, edição internacional, sobre o tema “Espaçotempos e horizontes na educação de infâncias e juventudes”. O objetivo é possibilitar o diálogo, bem como a apropriaçãode conceitos acerca da educação das infâncias e das juventudes na contemporaneidade, para propor práticas e políticas que promovam o direito à educação de qualidade. Um dos conferencistas já confirmados é o professor Miguel Arroyo, da Faculdade de Educação da UFMG, leitor crítico do Projeto Educativo do Brasil Marista. Seu tema será “Políticas Públicas, Direitos e Educação.” “Ao longo das décadas, vivemos um momento educativo no qual a ditadura não apenas expatriou grandes educadores, mas a própria educação do sistema”, comenta Arroyo. “O Projeto Mais Educação, do MEC, volta a elevar a educação como um direito. O ensinar e o aprender, trazendo, para o tempo da escola, dimensões da educação humana que não estão presentes, muitas vezes, no contraturno: cultura, arte, memória, identidade, educação plena. E isso para formar um sujeito ético, corpóreo, íntegro, sensual, com acesso a outras dimensões formadoras. No projeto marista, fiz uma análise crítica, mas extremamente positiva. Merece destaque o processo de sua elaboração: uma produção coletiva, que respeita as diversidades e peculiaridades culturais e regionais e que tem, como ponto de partida, as demandas que vêm da realidade social contemporânea e da rica história da educação marista. A proposta recupera uma concepção de educação, o
que é urgente diante do movimento de expatriação de educação das escolas e dos currículos.” Arroyo entende que o que os maristas buscam é uma educação humana plena. O que se torna ainda mais relevante quando se leva em conta que a infância, adolescentes e jovens que chegam à escola hoje não estão mais preocupados apenas em ter um emprego um dia. O que eles buscam é se afirmar como sujeitos culturais. “Se afirmam em desafios éticos, ao construir sua liberdade, ao enfrentar limites muito restritos, e quanto aos próprios conteúdos”, complementa. Um exemplo, segundo o professor, refere-se aos conteúdos feministas. Nos conteúdos tradicionais não se trabalha esse assunto. E as meninas que chegam agora na escola são completamente diferentes de suas mães. “Mas isso tudo não está na escola. Não está na Química, na Biologia ou na Matemática”, diz. “Diante dessa nova contemporaneidade, que exige uma leitura mais crítica do jovem, é necessária outra proposta de educação. E é o que a proposta marista apresenta. Ela é muito mais sensível à infância, à adolescência e à juventude e às reais transformações por que passam. É formadora. Não só enche a cabeça de conteúdo. Por isso é séria e contemporânea”, garante. BRASIL MARISTA|
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Projeto Contextura
| ESPECIAL
Assim, explica a assessora, nunca em nenhum outro período da história a humanidade viu se transforma-
rem ou ruírem, de forma tão rápida, as certezas sobre as quais os modos de vida são organizados e controlados. “A contemporaneidade assiste ao surgimento de novas categorias sociais – como, por exemplo, múltiplas infâncias e juventudes –, novos modos de produção e de organização do trabalho, maneiras inéditas de organização das instituições sociais, como a família, a escola, a Igreja e as empresas. Somem-se a isso novos produtos e processos culturais, novas produções simbólicas, novas subjetividades e redes sociais. O que acontece é que a educação e seus atores veem-se diante de uma realidade tal no contexto mundial, que exige a construção de um novo olhar para apreendê-lo e de uma nova inteligência e sensibilidade para interagir com ele e seus diversos contextos. Valorizando o indivíduo como sujeito de direitos, a educação marista cria oportunidade para o acesso a espaçotempos sociais, culturais e educacionais”, complementa.
Em Viamão, no Rio Grande do Sul, ressignificar o ensino é desafio de todos Metodologia inédita de ensino, implantada em 2009 na 3ª série do Ensino Médio, no Instituto Marista Graças, em Viamão, Rio Grande do Sul, o Projeto Contextura foi ampliado, no ano passado, para todos os níveis de ensino. Até mesmo o 1º e o 2º ano do Ensino Fundamental receberam o Projeto Contexturinha.
“No projeto marista, fiz uma análise crítica, mas extremamente positiva. Merece destaque o processo de sua elaboração: uma produção coletiva, que respeita as diversidades e peculiaridades culturais e regionais e que tem, como ponto de partida, as demandas que vêm da realidade social contemporânea e da rica história da educação marista” Miguel Arroyo, leitor crítico do Projeto Educativo do Brasil Marista 34 | B R A S I L M A R I S T A
Divulgação
Miguel Arroyo
O Instituto aliou o espaço físico à proposta educativa, ampliando a capacidade do aluno de dominar novas informações, de relacioná-las com conhecimentos prévios e aguçando a vontade de aprender de outras maneiras. “Ressignificar o ensino tem sido um desafio a todos os que acreditam que a escola deve ser um espaço de aprendizagens”, explica Dilce Teresinha Gonçalves, diretora responsável – na época – pela implantação do projeto na escola. Envolvendo a arte como princípio educativo, o Contextura propõe novas formas de ensinar e de aprender. “A mediação na construção do conhecimento é desenvolvida numa proposta metodológica que promove o despertar da curiosidade, a criatividade e o desejo de aprender por meio da articulação de temáticas e conteúdos das diversas áreas do conhecimento”, ressalta Dilce.
“Espaço e tempo sempre foram tratados como duas dimensões distintas. Grandes físicos, tais como Einstein e Heisenberg, desenvolveram percepções variadas dessas duas dimensões. Heisenberg, com seu princípio da incerteza, por exemplo, determinou que é impossível saber, ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de um elétron que orbita o Núcleo Atômico. Já no Contextura, espaço e tempo podem ser entendidos como uma única dimensão. No processo de aprendizagem há muita pluralidade. Seres humanos são sempre diferentes, aprendem de jeitos diferentes, portanto, tratar do espaço e do tempo de forma simultânea é levar isso em consideração. Essa nova metodologia contribui para o aprendizado no que diz respeito às inovações. Inovar na educação é preparar estudantes para novas demandas do planeta. Essa é a grande inovação do Contextura.” Airton Depauli Jr, 3ª ano do Ensino Médio – Projeto Contextura. Divulgação
NOVOS TEMPOS – “Os contextos contemporâneos, configurados nas últimas décadas, em especial no início deste século, possuem uma singularidade que os diferencia e distingue profundamente dos cenários do século passado no que tange aos aspectos econômico, político, cultural, socioambiental e tecnológico”, concorda a professora Ana Maria Eyng, da PUCPR, assessora na elaboração do Projeto Educativo no Brasil Marista. “Isso se deve a fatores como a globalização da economia e de seus mercados; o enorme e rápido avanço tecnológico; as trocas pluri e interculturais entre sujeitos, povos e nações; a reorganização dos Estados perante os desafios da nova ordem econômica mundial; as novas descobertas científicas e os grandes desastres ambientais que vêm impactando a vida no planeta Terra.”
Para colocar essa nova metodologia em prática, uma das iniciativas foi a transformação dos laboratórios de Física, Química e Biologia e da Sala de Projeção do Ensino Médio em salas ambientadas. Os alunos passam a trocar de ambiente de acordo com o componente curricular, trabalhando em conjunto e construindo uma rede de conhecimentos. Todas as salas de aula do Ensino Médio, do 1º e 2º anos, 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental, bem como as paredes dos corredores e das áreas de uso comum receberam inúmeras imagens: fotografias, fórmulas, obras de arte, textos literários, poesias, formas geométricas, maquetes, mapas e exercícios. Elas dão nova atmosfera aos ambientes, impressionam e instigam. BRASIL MARISTA|
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Pablo Contreras
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Hiperligados Não se engane, os jovens estão conectados não só à Internet, mas à realidade do País e do mundo. Muito mais que simples espectadores, são atores, que pensam no futuro e na sustentabilidade das próximas gerações Por Vivian de Albuquerque
Criada por publicitários gaúchos que queriam conhecer as tendências de consumo e comportamento jovem, a Agência BOX1824 divulgou, gratuitamente, uma pesquisa que mostra quem é a nossa “nova” juventude. Uma juventude que não conheceu a Ditadura. Nunca temeu a inflação. E que agora se conecta de formas diversas com “seu” mundo. Os nomes variam, mas um dos mais comuns é Geração Y. É tentando compreendê-la que a pesquisa “O Sonho Brasileiro” (www. osonhobrasileiro.com.br) revela os resultados obtidos nas entrevistas com mais de 1,7 mil jovens, de 173 cidades, de 23 estados, com idade entre 18 e 24 anos. A pesquisa mostra que 85% dos jovens acreditam que a Internet contribui para seu aprendizado; 92% acreditam que suas ações podem mudar a sociedade e 83% acreditam que
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diferentes partidos possam se unir em torno de uma mesma causa. Nas entrevistas qualitativas, os discursos deixam os números ainda mais claros. Um dos jovens disse: “A gente já percebeu que o dinheiro público é desviado sistematicamente em todos os âmbitos. Eles governam tendo como direção as suas próprias demandas, então, uma coisa importante é a gente atuar independente disso.” Outro comentou: “Eu não sonho com nenhuma revolução de parar a cidade. Enxergo meus sonhos muito no contexto do dia-a-dia”. E é assim, decidida, participativa, influenciadora, que essa nova geração vai ganhando espaço e, por isso mesmo, merece ser entendida e educada de forma diferente.
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Coordenadora da Casa da Juventude de Goiânia, a socióloga e mestre em ciência da religião, Carmem Lúcia Teixeira, fala no jovem como um novo sujeito frente ao mundo. Um novo sujeito, histórico, preocupado com temas como sociedade, política e religião. “Ele enxerga o mundo sob uma nova perspectiva”, esclarece. “Por isso o modo de o educarmos e de concebermos a escola precisa ser alterado. Não podemos mais repetir as antigas fórmulas, porque elas negam a possibilidade de escutarmos esse novo sujeito. O mundo diz que eles são apolíticos. Mas eles acabaram de realizar a Conferência Nacional da Juventude. Na religião, as pastorais da juventude tem um significado fantástico, guardando a defesa à vida numa nova religião.”
apresentarmos coisas superficiais é muito grande”, completa. “Transformamos valores em aparência. Uma religião vazia, por exemplo, não atrai a juventude. Principalmente uma juventude não-dualista, que não qualifica as coisas em boas ou más. O jovem de hoje gosta de Funk e MPB. Ouve rock, mas curte música clássica, trabalhando a diversidade de forma natural.” Surge aí, para a socióloga, mais um risco: os exageros, justamente pela falta de referência. Os skinheads, os homofóbicos, a violência exacerbada. Não há como definir o jovem, principalmente por ele viver e conviver em diferentes realidades. “Os próprios jovens maristas não são um só. Para entender o jovem de hoje, depende da porta que ele abre para podermos conhecê-lo”, conclui.
Os próprios jovens maristas não são um só. Para entender o jovem de hoje, depende da porta que ele abre para podermos conhecê-lo
Pontos positivos nessa imersão pelo mundo jovem não faltam. Ainda de acordo com a pesquisa da BOX1824, nossos jovens são sonhadores (34%), responsáveis (28%), batalhadores (28%), comunicativos (28%), entre outros adjetivos. São também sensíveis, e muito, à sua realidade. Setenta e seis por cento acreditam que o próprio bem-estar depende do bem-estar da sociedade onde vivem. Participam, para isso, de projetos sociais (36%) ou pelo menos procuram conhecê-los (75%).
Para a socióloga, não se pode dizer que essa juventude de agora é mais ou menos com relação à anterior. É simplesmente outra. Assim, quem é do século passado precisa aprender a escutá-la para poder interagir. “Não é uma questão de adaptação, mas de construção”, alerta. “Essa geração nos desafia a isto. Temos certo ‘medo’ dessa ‘nova’ juventude porque não a compreendemos. O que acaba acontecendo é que os pais renegam à escola e a escola renega aos Carmem Lúcia Teixeira, pais, porque muitos desses jovens, Coordenadora da Casa da em determinados aspectos, sabem Juventude de Goiânia mais que nós. Eles não têm medo de apertar botões e nós, não raro, Professor na área de Relações Internacionais e não sabemos para o que serve um celular. Nós coordenador da área de Responsabilidade Social, damos conta de uma atividade e eles dão conta de Marcelo Homma trabalha com um curso de Jovens escutar música, prestar atenção à aula e falar no Empreendedores Sociais, parte daIniciativa Jovem celular, tudo ao mesmo tempo.” Anhembi Morumbi (IAM), programa em parceria com a Sylvan/Laureate Foundation e a InternaResta saber, segundo Carmem, quem será o novo tionalYouth Foundation. O objetivo é reconhecer, adulto que acompanhará o novo jovem, porapoiar e dar visibilidade a jovens empreendedores que, caso contrário, as consequências podem ser sociais, que sejam autores ou co-autores de projetos gravíssimas, uma vez que o jovem, por mais que com impactos positivos. saiba, ainda precisa de referências. “O risco de 38 | B R A S I L M A R I S T A
Anualmente, o IAM seleciona 20 jovens inscritos, concedendo prêmios como incentivo a outros apoiadores. Todos os selecionados passam a integrar uma rede global de jovens empreendedores sociais, líderes em todo o mundo, para troca de experiências, informações e apoio mútuo. “Não creio que se possa generalizar uma característica dos jovens na atualidade como ‘empreendedores’, somente por sua condição de ser jovem. Entretanto, vejo que há um potencial enorme, hoje em dia, para que a juventude assuma atitudes empreendedoras ou mesmo se descubra empreendedora, principalmente no que diz respeito ao empreendedorismo social”, comenta Homma. “Os meios de comunicação de massa, em contexto de relações globalizadas, mas principalmente a propagação das mídias sociais e a rede virtual de informações, têm proporcionado uma conscientização mais profunda sobre certas questões sociais, ambientais, de qualidade de vida e de direitos humanos, o que instiga muita inquietação nas pessoas em direção a uma ética cidadã universalizada. Nesse ambiente de estímulo à reação, por meio de formas e canais variados, o jovem é o segmento mais sensível da sociedade e com maior intensidade de respostas e de articulação, porque frequentemente acredita em ações que vão além dos limites impostos pela correlação de forças e de poder do cotidiano. O jovem é o ator privilegiado neste ambiente atual, premido pela necessidade de realização, pela disposição de assumir riscos e por autoconfiança, no mais característico espírito empreendedor”, conclui.
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SIMPLESMENTE DIFERENTE
Batuque Arte Nos finais de semana, Henrick se reunia em sua casa, com um grupo de amigos, todos amantes de música. Como não tinham dinheiro para comprar os instrumentos, faziam batucadas nas panelas, baldes e potes. Os garotos da vizinhança adoravam e ficavam assistindo do portão. Henrick decidiu que aqueles momentos não poderiam ser restritos a ele e seus amigos, mas a comunidade também precisava de uma alternativa de acesso à arte. Em 2008, entregou um projeto para oficinas de percussão e dança em um espaço público educacional e cultural da Prefeitura de São Paulo. Tão logo foi aprovado, começou, juntamente com o grupo de amigos, a desenvolver o trabalho. Nascia o projeto Batuque Arte - Tambores do Brasil, uma ação cultural realizada por jovens moradores da comunidade da Pedreira, zona sul de São Paulo.
O grupo atende, voluntariamente, mais de 200 crianças e adolescentes ensinando percussão, canto e danças populares, que mesclam ritmos, danças e cantos tradicionais do Brasil e da África com a cultura advinda da realidade social da própria comunidade. “Para mim, foi o resultado de um trabalho em rede”, comenta Henrick. “Sou fruto de projetos sociais, nos quais participei de várias atividades artísticas. Desde pequeno, sempre morei na comunidade. Acredito que essa experiência plantada em mim gerou a vontade de mudar e multiplicar. O Batuque Arte, desde que foi criado, tem essa ideia. Os próprios alunos hoje já estão dando aulas e multiplicando o que aprendem conosco, dentro de suas habilidades. Isso mantém o projeto vivo, com o mesmo nome ou não, numa grande rede do bem.”
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Pablo Contreras
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A mesma juventude Com a contemporaneidade, mudam os desafios da educação, mas os jovens seguem querendo mudar o mundo
Em 2012, o Projeto Comunitário da PUCPR completa uma década de existência com muitas histórias para contar. Aluno do décimo período do curso de Direito, Douglas Mazura precisava cumprir as horas do Projeto Comunitário. Procurou pela coordenação e descobriu que havia vaga apenas numa escola municipal – a Coronel Durival Britto e Silva – no bairro Cajuru, Curitiba. Até aí, tudo bem. A surpresa veio com a atividade: ensinar os alunos da escola a fazer crochê e decoupage. “Não havia vagas em outras opções”, lembra. “Mas, como o objetivo era – honestamente – cumprir as horas exigidas, aceitei.” O que ele nem sequer imaginava é que acabaria se apaixonando pelos alunos, pela escola e pelo projeto. “Conversando com a diretora, percebi que poderia fazer algo diferente: ensinar Xadrez, coisa que pratiquei muito quando mais novo.” 40 | B R A S I L M A R I S T A
Logo, o que seria apenas uma oficina, tornou-se uma prática destinada a lapidar talentos e quebrar o estereótipo de que o Xadrez era algo da sociedade ou de “nerds”, como comenta o próprio Douglas. “Os alunos tinham entre 6 e 23 anos – e eu 21. O contato com o Xadrez destruiu barreiras de ordem econômica e social. No último dia, realizei um torneio com direito a medalhas. Percebi que é fácil – e com tão pouco – fazer a diferença para outras pessoas. Uma experiência que será levada comigo para o resto da vida”, emociona-se. Assim como Douglas, nos 10 anos de Projeto Comunitário os bons exemplos só se multiplicam, superando a marca dos 60 mil acadêmicos participantes em todo o Paraná, consolidando uma grande rede de cidadania. Se em 2002 eram 21 os cursos participantes, em 2010 chegaram a 65. Se em 2002, o projeto teve 962 inscritos, em 2010
foram 8.075. Números que provam que fazer o bem faz mesmo bem, principalmente quando se fala em uma formação profissional voltada ao ser humano. Apenas 36 horas. Este é o tempo que o acadêmico destina, obrigatoriamente, ao Projeto Comunitário. As instituições parceiras definem a demanda e a equipe técnica verifica quais alunos têm condições de atendê-la. O projeto já esteve em mais de 800 locais, comunidades, instituições diferentes, reunindo mais de 45 mil acadêmicos. Jovens que fizeram e fazem a diferença envolvendo-se em questões econômicas, culturais, políticas e sociais.
Marista Brasil Centro-Norte e diretor-secretário da UMBRASIL, revelam como a pedagogia marista está se adequando à contemporainedade, investindo ainda mais no que sempre foi prioridade: estimular a criança e o jovem a participar e fazer a diferença, para garantir a sustentabilidade da sua e das próximas gerações. Marilúcia Resende, assessora de Pastoral do Grupo Marista, reforça o papel protagonista que o estudante marista desenvolve em várias frentes de atuação: “No trabalho com a Pastoral Juvenil Marista (PJM), por exemplo, percebemos, cada vez mais, que os jovens se mobilizam de maneiras diferentes. Nos vários espaços dos quais participa, compartilha suas crenças e valores, gerando compromissos sociais e ações transformadoras locais”.
“O jovem de hoje tem mais consciência do impacto que pode causar na sociedade. Ele sabe que, para que mudanças ocorram, é preciso estar ligado à realidade à sua volta. O mundo atual exige cada vez mais pessoas que compreendam essas mudanças e estejam engajadas aos mecanismos capazes de gerá-las. A Pastoral Juvenil Marista (PJM) e a AIESEC, uma organização mundial de estudantes, pelas quais sou apaixonada, foram os mecanismos que encontrei para provocar a mudança ao meu redor. É aí também que a Internet e as outras mídias entram. A Internet é o principal meio de expressão do jovem atual, mantendo-o conectado a diferentes backgrounds e opiniões sobre os mais diversos assuntos. A Revolução no Egito, por exemplo, é prova do que a Internet é capaz de produzir. E os jovens foram as peças-chave para que esse fator de mudança ocorresse naquele
país. Acredito que a tendência é que o jovem esteja cada vez mais envolvido em questões sociais, políticas e econômicas – não só do Brasil, mas também em nível mundial. Isso porque eles estão se desafiando cada vez mais, deixando para trás aquele estereótipo do jovem que pensava em se formar para ganhar estabilidade financeira. O jovem atual não só quer ter sucesso na carreira, como também quer se destacar em outros ramos e realmente fazer a diferença. A tendência é que isso cresça e passe de geração em geração.” Depoimento de Julia Azevedo Sapucaia, 19 anos, ex-aluna do Colégio Marista Nossa Senhora da Penha, Vila Velha, ES. Atualmente
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Exército de gente boa
“O mundo urge por mudanças significativas na ordem da sustentabilidade, da economia, da cidadania, da consciência crítica; todo esse contexto implica em novas lideranças com novos sentidos para as gerações do presente e do futuro. Assim, nesse cenário, entra a educação marista como resposta evangelizadora socioeducacional ao mundo contemporâneo. Tudo isso depende muito de como formamos nossos estudantes, protagonismos das crianças, adolescentes e jovens hoje farão mudanças significativas em diversos espaçotempos. Aescola e os educadores não podem ficar de fora dessa metamorfose. Nós somos a cidade e nos somos todos cuidadores de uma nova humanidade de nosso planeta”. As palavras do Ir. José Wagner Rodrigues da Cruz, vice-provincial da Província
cursa o 3º período da FDV – Faculdade de Direito de Vitória e coordena os intercâmbios voluntários da AIESEC na mesma cidade (maior organização de estudantes universitários ou recém-formados, presente em 111 países, voltada ao desenvolvimento de jovens lideranças). BRASIL MARISTA|
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Fazendo a diferença Campanha Nacional Contra a Violência e o Extermínio de Jovens é um compromisso comum das Pastorais da Juventude do Brasil
A faixa etária que vai dos 15 aos 29 anos representa, de acordo com o IBGE (2010), 26,8% da população brasileira, ultrapassando 51 milhões de jovens, distribuídos em medidas proporcionais entre homens e mulheres. Segundo relatório feito pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (RITLA), morrem, por dia, em média 54 jovens vítimas de homicídio no Brasil; e ainda vale lembrar que um estudo inédito divulgado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos estima que 33.504 adolescentes brasileiros serão assassinados em um período de sete anos, que vai de 2006 a 2013. O levantamento foi realizado pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e com o Observatório de Favelas. A estimativa foi feita com base em 42 | B R A S I L M A R I S T A
dados de 2006, considerando-se a hipótese de que as circunstâncias observadas naquele ano sejam mantidas. Também o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros de 2008 apontou que todos os anos 17.000 jovens são assassinados no país. A Campanha Nacional Contra a Violência e o Extermínio de Jovens, planejada ainda em 2009 com a presença de mais de 30 jovens, é um compromisso comum das Pastorais da Juventude do Brasil que, de modo articulado, assumiram a bandeira, com ações políticas de denúncia da violência, associadas a movimentos de promoção da justiça por meio do combate ao machismo, ao sexismo, a homofobia e ao racismo; lutando contra o sistema capitalista e defendendo a vida da juventude. “É uma ação articulada de diversas organizações para levar a toda sociedade o debate sobre
as diversas formas de violência contra a juventude, especialmente o extermínio de milhares de jovens que está acontecendo no Brasil”, explica Joaquim Alberto Andrade Silva, assessor da Área de Vida Consagrada e Laicato da UMBRASIL e membro da Comissão Nacional de Assessores e Assessoras da Pastoral da Juventude. “O objetivo é avançar na conscientização e desencadear ações que possam mudar essa realidade.Trabalhamos em torno de alguns eixos”, explica o assessor. “Formação política e trabalho de base, ações de massa e divulgação da campanha; e o monitoramento e denúncia quanto à violação dos direitos humanos pela mídia.” Um dos projetos destaques dentro das ações da Pastoral é o “A Juventude Quer Viver”. Grupos de jovens em todo o Brasil reúnem propostas para pautar políticas públicas e sociais de/com/
Marcha mostra a organização da juventude
para a Juventude, como forma de promover sua participação e protagonismo, garantindo que os autores dessas instâncias sejam os próprios jovens. Outro exemplo citado por Joaquim para destacar como a juventude atual é engajada socialmente é o “Estatuto da Juventude”, um avanço nas questões de políticas públicas para a área. “A Juventude sempre esteve conectada à sua realidade, a seu modo, respondendo de maneiras diversas a depender da realidade, condição, região, grupo identitário”, acrescenta Alexandre Piero, daCoorde-
nação Nacional da Pastoral da Juventude, representante da PJ no Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE). “A rejeição aparente à política tradicional, por exemplo, não deixa de ser um posicionamento político. No momento de construção da identidade social que cada jovem vive, olhar os clamores que saem da realidade e onde cada um entende que pode colaborar neste contexto é um dos pontos cruciais de como se vive a condição de ser jovem.” Para Piero, a participação da juventude aparece de formas diferentes ao longo do tempo. Mas
hoje ganha visibilidade, principalmente pelas redes sociais. “A juventude quer produzir sua própria comunicação e expressão e dar vazão à sua forma de ler e interpretar o mundo, muitas vezes em oposição às construções até então vigentes”, acrescenta. Piero comenta que ainda há muito a ser feito, mas as novas formas de participação já podem e devem ser celebradas. Chamar o jovem de alienado é um discurso vazio, segundo o assessor, mantido pelo interesse de deixar o jovem sob controle, o que é quase incontrolável hoje em dia. BRASIL MARISTA|
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Um novo significado para a educação Ainda são poucas as iniciativas que adotam a arte e a cultura como princípios educativos no Brasil, mas os resultados já mostram que este é um caminho promissor, quando se tem em vista o diálogo multi e pluricultural Por Vivian de Albuquerque
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“Envolver arte e cultura na educação amplia a criatividade e o raciocínio. E isso vale na escola, na comunidade e também em casa, onde os pais podem e devem conversar sobre temas diversos com seus filhos, mostrando as diferenças culturais”. A professora Guadalupe da Silva, de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, coordenou um projeto multidisciplinar sobre o dia da consciência negra que acabou recebendo o Prêmio Arte na Escola Cidadã, do Instituto Arte na Escola, organização social que incentiva, reconhece e qualifica o ensino da arte, por meio da formação continuada de professores do ensino básico. A premiação celebra o trabalho de arte-educadores, que, como Guadalupe, fortalecem o ensino de crianças e jovens por meio de boas práticas pedagógicas de ensino da arte.
Trasmissão lúdica “A educação é a transmissão da cultura de uma geração para outra. Quando isto é feito com arte, o ciclo se completa com efetividade”, comenta Evelyn Berg Ioschpe, diretora do Instituto Arte na Escola. “São poucas, ainda, as iniciativas que utilizam arte e cultura como princípio educativo no Brasil, quando pensamos na Educação Formal - aquela que se dá
nas escolas. O maior ganho que o Brasil teve foi o de manter a obrigatoriedade do ensino das artes no Ensino Fundamental, pois todas as pesquisas apontam para os avanços do aluno que participa de programas de arte : avanços no raciocínio espacial, na ampliação do universo de referências culturais, na percepção e no discernimento crítico, bem como no prazer de estudar - o que implica em menores índices de evasão escolar, por exemplo.”
VALORIZAÇÃO DA CULTURA Integrante da Gerência Educacional da Província Marista Brasil Centro-Norte, como analista e responsável pelo setor de arte e esporte, o Ir. Eduardo D’Amorim está desde 1964 no mundo das artes. Antes de ser marista era ator, sempre voltado à arte popular do Nordeste. Segundo ele, quem educa na escola “cria um clima”. E se esse clima for positivo e agradável, tudo fica muito melhor. “A diversão é importantíssima na educação”, comenta. “Podemos falar no homem das oito inteligências apontado por Gardner: lógica, linguística, corporal, naturalista, interpessoal, intrapessoal, espacial e musical. A arte desenvolve inteligências. A capoeira, por exemplo, desenvolve as oito. Uma arte que veio dos negros e que perdura até hoje.”
Fotos: Professora Guadalupe
O projeto de São Leopoldo levou o prêmio Arte na Escola Cidadã
Dança e música fazem parte do cotidiano do Colégio Marista de Surubim, Pernambuco
Ir. D’Amorim afirma que as escolas hoje estão preocupadas com duas coisas: a excelência acadêmica e a captação e retenção de alunos. “A excelência acadêmica não pode ser um objetivo, mas uma consequência de um clima lúdico e da inteligência relacional. Com isso, a fidelização acontece de forma natural, porque o aluno que se sente bem não sai. A captação acontece quando a escola aparece extramuros. E nada melhor que a arte para possibilitar isso. Por isso a cultura e a sua arte devem ser vistas como princípios educativos. Porque são disciplinadoras e formam para a vida.” Ele foi aluno de figuras ilustres como Paulo Freire e Ariano Suassuna, que participa, este ano, do 4º Congresso Marista de Educação - Edição Internacional, falando justamente sobre a contribuição da arte para a Educação.
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“A diversão é importantíssima na educação” Ir. Eduardo D’Amorim, da Gerência Educacional da Província Marista Brasil Centro-Norte
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Confira o depoimento de Márcia Medeiros Machado, mestre em Educação pela PUCPR, professora, arte-educadora e produtora cultural, atualmente dedicada à supervisão de estágios em cursos de Pedagogia “ Tive professores que, como verdadeiros modelos, pregavam o valor da cultura e da arte como esperança de um futuro melhor. Meu último e mais forte contato com o
Raquel de Carvalho Pereira, 18 anos, estudou no Colégio Marista Champagnat de Taguatinga, Distrito Federal. Atualmente cursa direito na universidade católica de brasília. Nos tempos de colégio, participou ativamente dos grupos de dança e também de outras atividades ligadas à arte e à cultura. E o envolvimento foi tanto que, mesmo na universidade, não perdeu essa ligação
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Mundo Marista foi como professora em uma Instituição de Ensino Médio Técnico. Como professora em uma instituição de ensino médio técnico, pude perceber a necessidade dos coordenadores em inserir às atividades, além do conteúdo curricular, os valores fundamentados na filosofia cristã, abordados de forma ecumênica em encontros voluntários semanais. O Núcleo da Pastoral consegue promover, de forma lúdica, a união e o respeito entre os jovens, utilizando-se inclusive da arte como instrumento. Com certeza este é o grande diferencial marista em relação às escolas de ensino laico. A arte e a cultura podem fazer parte dos princípios educativos e colaborar com o ensino-
“Ainda danço. O serviço de arte e cultura dos maristas oferece várias linguagens artísticas e, além de estudar, eu ajudo a professora com as meninas menores. Na escola, a dança me ajudou a aprender e fortalecer outras coisas: disciplina, vontade, crença em mim mesma, concentração, cultura, superação. E até mesmo a paixão pela dança. Desde pequena estou envolvida com a arte,
Muito além da biblioteca:
-aprendizagem de qualquer disciplina, tornando o processo mais atrativo e prazeroso. Tive experiências diferentes sobre esta questão: a arte como instrumento, capaz de favorecer e reforçar a construção de projetos coletivos (em vários níveis de ensino); a arte no ensino informal, mobilizando comunidades na descoberta de sua própria capacidade criadora; e a arte em sala de aula, não necessariamente aplicada na respectiva disciplina, mas como metodologia transdisciplinar. Neste último caso, acompanhei alguns alunos antes e durante o envolvimento em atividades artísticas e os resultados em relação à melhoria da cooperação, concentração, responsabilidade e outros fatores foram incríveis.”
no grupo marista, espaços renovam-se e se tornam centros de informação e de cultura Disseminar práticas e fortalecer as ações educativas inovadoras para o incentivo à leitura, à produção cultural e ao desenvolvimento humano, por meio de relatos de projetos realizados em algumas bibliotecas da Rede Marista de Solidariedade e da Rede Marista de Colégios. Foi com essa ideia que nasceu a publicação “Bibliotecas: centros de informação e cultura”, uma iniciativa da província Centro-Sul. De forma leve, quem conta as histórias são os bibliotecários, que assim assumem o papel de educadores e mobilizadores na utilização das bibliotecas pelas comunidades nas quais estão inseridas.
Arquivo pessoal
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que proporciona sensações únicas: chama a atenção e desperta a curiosidade para o novo, o diferente. Nos ensina o valor e a importância de respeitar várias culturas. É um aprendizado para a vida.”
“Desde 2006, a Rede Marista de Solidariedade coordena um grupo de trabalho composto por bibliotecários, coordenadores pedagógicos e assessores, com o objetivo de qualificar o atendimento realizado nas bibliotecas, a partir do estudo de referências, pesquisas e projetos em desenvolvimento”, explica Bárbara Pimpão Ferreira, coordenadora educacional da DEAS – Diretoria Educativa de Ação Social. “O resultado foi a sistematização do Programa Biblioteca Interativa, que apresenta orientações e linhas de ação para o desenvolvimento de vários projetos nos Centros Educacionais e Sociais Maristas dos municípios de São José (SC), Cascavel (PR), Ponta Grossa
(PR), Londrina (PR), Maringá (PR), Almirante Tamandaré (PR), Ribeirão Preto (SP), Campinas (SP), São Paulo (SP), Samambaia (DF) e Dourados (MS). Entre eles, o atendimento a crianças, adolescentes e comunidade para consulta do acervo; mediação da aprendizagem por meio de diferentes linguagens; desenvolvimento de projetos que despertem o prazer da leitura e da interação com o livro; promoção do acesso à rede de informação e integração com outros espaços de informação e produção cultural. A publicação nasceu a partir dessas experiências.” Com 127 páginas, e organizada por Bárbara, Angélica Maria de Almeida Rodrigues, Soeli Terezinha Pereira e Viviane Aparecida da Silva, a publicação, segundo a assessora, pretende contribuir na garantia de direitos, em especial quanto ao direito de acesso à informação e à cultura, por meio da socialização de projetos e ações que propiciam a reflexão e a criação de novas informações e conhecimentos.
De forma leve, quem conta as histórias são os bibliotecários, que assim assumem o papel de educadores e mobilizadores na utilização das bibliotecas pelas comunidades nas quais estão inseridas. BRASIL MARISTA|
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Arte e escola em fusão de Surubim (Pe) para o mundo Desde a sua fundação, nos anos 60, o Colégio Marista de Surubim, Pernambuco, tem uma forte tradição musical, revelando talentos locais não apenas para a cidade e o Estado, mas para o mundo. E é com orgulho que os professores que lidam com esses jovens contam as suas histórias. “Das entranhas do colégio, saíram duas das mais importantes bandas de bailes da região: Os Meigos e os Vibrant’s”, comenta o professor de Música Arthur Amaro de Araújo Filho, o Tuca, como é mais conhecido. “O colégio também revelou o pianista de jazz e bossa nova Tony Yukatan, que já tocou com personalidades como Steve Wonder e George Benson.”
“Utilizamos a arte como um meio de transformação e desenvolvimento do indivíduo, para ele entender o seu corpo e o mundo que o rodeia. Se os alunos vão se transformar em grandes artistas só o tempo irá dizer, mas com certeza são melhores cristãos e virtuosos cidadãos com os trabalhos desenvolvidos no Colégio, que juntam a arte e educação”
Outro exemplo? A banda de rock Hanagorik, que tem em seu currículo quatro turnês pela Europa e cinco trabalhos gravados, além de fazer parte do dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira.
Igor Batista de Sá, professor de Teatro do Colégio Marista de Surubim
Também saiu do Surubim o espetáculo “Lampião Iluminado”, apresentando o rei do cangaço como uma peça de resistência da cultura nordestina; influência do Irmão Eduardo D’Amorim. No final de 2011, o que marcou a história artística e cultural do Surubim foi o Auto de Natal, que deixou o pátio da escola e ganhou as ruas da cidade. Envolvendo música, teatro, dança e artes plásticas – e com total adesão dos educadores, educandos e funcionários do colégio –, cativou o público e a
Arquivo/Surubim
Registro do Auto de Natal no colégio de Surubim
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prefeitura, que lhe destinou a Rua João Batista, uma das principais da cidade, como novo palco. “Foi como um fechamento para os trabalhos desenvolvidos durante todo o ano”, comenta Tuca. “Um fechamento com chave de ouro, uma vez que o Auto está ligado a um período de sentimentos cristãos e à magia que envolve o Natal. Para mim, ter apenas um dos professores envolvidos no ensino com arte e cultura já representa a chance de desenvolver projetos que eu talvez nunca tivesse tido a chance de desenvolver em outras escolas. É um aprendizado constante na arte e, principalmente, na vida.” “Utilizamos a arte como um meio de transformação e desenvolvimento do indivíduo, para ele entender o seu corpo e o mundo que o rodeia. Se os alunos vão se transformar em grandes artistas só o tempo irá dizer, mas com certeza são melhores cristãos e virtuosos cidadãos com os trabalhos desenvolvidos no Colégio, que juntam arte e educação. Se é que em algum momento elas se separam”, concorda o professor de Teatro Igor Batista de Sá.
Diálogo e consciência:
Cultura como princípio nas ações da Igreja
A Igreja Católica tem intensificado o trabalho pastoral nas questões culturais do povo brasileiro. No Ano Internacional dos Afro-descendentes, no Brasil, não foi diferente. “A pastoral afro-brasileira já tem vinte anos de caminhada e se tem publicado diversos subsídios na perspectiva de ajudar os agentes de pastoral a fortalecerem a sua missão na Igreja”, comenta o Padre Ari Antônio dos Reis, presbítero da arquidiocese de Passo Fundo (RS) e assessor da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB. “A ação evangelizadora compreende também a ação organizada em prol dos direitos da população afro-brasileira, que ainda vive em condições de fragilidade social. Basta ver que do percentual de 16 milhões de pessoas que vivem em situação de miséria, 70% são afro-brasileiros. Este dado não é mágico. Consideramos resultado do processo histórico de discriminação dos negros”, esclarece. Segundo o assessor, o racismo, a discriminação e o preconceito, além de ferirem a dignidade da pessoa, no caso dos negros têm os condenado à situação de miséria
e pobreza. A Igreja tem consciência do processo e busca, pela ação evangelizadora, colocar-se ao lado desse grupo social. “Temos uma preocupação especial com a situação dos povos quilombolas e dos jovens negros vítimas da violência. O Documento de Aparecida e o texto das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil referenciam esta proposta eclesial”, comenta. Cabe à pastoral afro-brasileira liderar a missão e manter um diálogo com os movimentos que atuam em prol da causa do negro. Para isso são realizados seminários anuais de formação, voltados aos agentes de pastoral nas regionais e dioceses. “Temos visto muitos avanços no trabalho. Alegra perceber a consciência do valor da negritude da cidadania. No entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer. Contamos com a força de Deus nesta missão e com o apoio da Igreja que, como advogada dos pobres, coloca-se ao lado do povo negro”, conclui.
“Alegra perceber a consciência do valor da negritude da cidadania. No entanto, ainda temos um longo caminho a percorrer” Padre Ari Antônio dos Reis, presbítero da arquidiocese de Passo Fundo (RS) e assessor da Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB BRASIL MARISTA|
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| ARTIGO
Política
aos olhos
da fé
As importantes contribuições das ciências políticas não podem ser ignoradas pela reflexão teológica latino-americana se queremos compreender os mecanismos que excluem milhares de pessoas dos direitos fundamentais à vida Por Frei Betto
Por encontrar em minhas convicções religiosas, cristão que sou, a motivação para o engajamento político, sinto-me no dever de refletir a respeito da relação entre fé e política, o que suscita, com extensão a todo o País, o Movimento Fé e Política, cujos encontros nacionais, promovidos desde 2000, atraem milhares de militantes interessados em aprofundar o tema. “Não há nada mais político do que dizer que a religião nada tem a ver com a política”, diz o bispo sul-africano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz. Na América Latina, não se pode separar fé e política, assim como não seria possível fazêlo na Palestina do século I. Na terra de Jesus, detinha o poder político quem tinha em mãos também o religioso. E vice-versa. Talvez soasse estranho, hoje, a certos ouvidos introduzir a leitura do Evangelho falando dos atuais chefes de Estado. No entanto, ao iniciar o relato da prática de Jesus, Lucas primeiro a situa no contexto político e informa que “já fazia quinze anos que Tibério era imperador romano. Pôncio Pilatos era governador da Judéia, Herodes governava a Galiléia e seu irmão Felipe, a região da Ituréia e Traconites. Lisânias era governador de Abilene. Anás e Caifás eram os presidentes dos sacerdotes” (3, 1-2).
Nem mesmo em Jesus é possível ignorar a íntima relação entre fé e política, ainda que para alguns cristãos pareça estranho aplicar certas categorias àquele que nos assegura, por sua ressurreição, a vitória, em última instância, da vida sobre a morte e da justiça sobre a injustiça. Que Jesus tinha fé o sabemos pelos textos que falam dos longos momentos que passava em oração (Lucas 4, 16; 5, 16; 6, 12). Ora, só quem necessita aprofundar sua fé entrega-se ao encontro orante com o Pai. A oração é para a fé o que é o adubo para a terra ou o gesto de carinho para o casal que se ama. O Evangelho nos fala até mesmo das crises de fé de Jesus, como as tentações no deserto (Mateus 4, 1-11; Marcos 1, 12-13; Lucas 4, 1-13) e o abandono que sentiu na agonia no Horto das Oliveiras (Mateus 26, 36-46; Marcos 14, 32-42; Lucas 22, 39-46).
Nem mesmo em Jesus é possível ignorar a íntima relação entre fé e política
Foi sob o símbolo da cruz que a colonização ibérica da América Latina promoveu o genocídio de milhares de indígenas e o saque de riquezas naturais. Sob a silenciosa cumplicidade da Igreja Católica, negros foram trazidos da África como escravos. Com a conivência das Igrejas cristãs, instalou-se em nossos países o sistema burguês de dominação capitalista. Portanto, não se trata de vincular fé e política somente quando se refere à ala progressista das Igrejas cristãs. O fato de fé e política estarem sempre associadas em nossas vidas concretas, como seres sociais que somos – ou animais políticos, na expressão de Aristóteles – não deve constituir uma novidade senão para aqueles que se deixam iludir por uma leitura fundamentalista da Bíblia, que pre-
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tende desencarnar o que Deus quis encarnado. A fé é um dom divino a quem vive neste mundo. No Céu, será vã, pois se verá a Deus face a face. Portanto, a fé é um dom politicamente encarnado, que se justifica nessa conflitividade histórica, na qual somos chamados, pela graça, a distinguir o projeto salvífico de Deus.
Há quem insista que Jesus se restringiu a comunicar-nos uma mensagem religiosa que nada tem de política ou ideológica. Tal leitura só é possível se reduzida a exegese bíblica à pescaria de versículos, arrancando os textos de seus contextos. Ora, não é só o texto que revela a Palavra de Deus, também o contexto social, político, econômico e ideológico, no qual se desenrolou a prática evangelizadora de Jesus. Todos nós, cristãos, somos inelutavelmente discípulos de um prisioneiro político. Mesmo que na consciência de Jesus houvesse apenas motivações religiosas, sua aliança com os oprimidos, seu projeto de vida para todos (João 10, 10), tiveram objetivas implicações políticas. Por isso não morreu na cama, mas na cruz, condenado por dois processos políticos. BRASIL MARISTA|
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Já na introdução de seu evangelho, Marcos mostra como as curas operadas por Jesus – o homem de espírito mau, a sogra de Pedro, os possessos, o leproso, o paralítico, o homem de mão aleijada – desestabilizaram de tal modo o sistema ideológico e os interesses políticos vigentes que levaram dois partidos inimigos – dos fariseus e dos herodianos – a fazerem aliança para conspirar em torno de “planos para matar Jesus” (3, 6). Vê-se assim que as implicações políticas da ação salvífica de Jesus tornaram-se tão graves e ameaçadoras que induziram Caifás, em nome do Sinédrio, a expressar “melhor que morra apenas um homem pelo povo do que deixar que o país todo seja destruído” (João 11, 50). E como situar, no contexto da Palestina do século I, a questão ideológica? Lucas registra que “Jesus crescia tanto no corpo como em sabedoria” (2, 52). Era, pois, um homem de seu tempo e que, segundo Paulo, “pela sua própria vontade abandonou tudo o que tinha e tomou a natureza de servo e se tornou semelhante ao homem” (Filipenses 2, 7). A divindade de Jesus não transparecia por uma consciência que pudesse emergir completamente de seu contexto cultural e sobrepairar, onisciente, acima do tempo e do espaço. Tal possibilidade adequa-se à imagem grega de deus e não à imagem bíblica. Jesus era Deus encarnado e possuía a mesma natureza do Pai. Ora, para o Novo Testamento, “Deus é amor. Quem vive no amor vive em união com Deus e Deus vive em união com ele” (1 João 4, 16). Portanto, Jesus era Deus porque amava assim como somente Deus ama. E nisto consiste a nossa imagem e semelhança com Deus: é divina a natureza de todo amor de que somos capazes. E o somos como abertura a Deus, que nos habita mais profundamente do que o nosso próprio eu, e nos faz acolher o próximo. No entanto, nossa consciência, como a de Jesus, permanece tributária de nosso lugar social e de nosso tempo histórico. Em Jesus, Deus acolheu preferencialmente os oprimidos, em cujo lugar social se encarnou e a partir do qual anunciou a universalidade de sua mensagem de salvação. Não houve, portanto, neutralidade. Jesus assumiu a ótica e o espaço vital dos pobres. Seu ponto de vista era a vista situada a partir de um ponto, o da Promessa que ressoa como bem-aventurança aos que injustamente foram privados da plenitude da vida. 54 | B R A S I L M A R I S T A
Havia também em Jesus um vínculo profundo entre sua fé e a ideologia apocalíptica, que o fez esperar com tanta expectativa a eclosão do Reino de Deus ainda para a sua geração (Marcos 9, 1). Muitos exegetas estão de acordo que a crise maior de Jesus foi constatar não haver coincidência entre seu tempo pessoal e seu projeto histórico. O Reino, antecipado em sua vida e ressurreição, exigiria a Igreja como sacramento histórico capaz de anunciá-lo, testemunhá-lo e prepará-lo na acolhida do dom de Deus. Não obstante, predomina entre os muitos cristãos a ideia de que a mística nada tem a ver com a política. Seriam como dois elementos químicos que se repelem. Basta observar como vivem uns e outros: os místicos, trancados em suas estufas contemplativas, alheios aos índices do mercado, absorvidos em exercícios ascéticos, indiferentes às discussões políticas que se travam em volta deles. Os políticos, consumidos por infindáveis reuniões, correndo contra o relógio da história, mergulhados no redemoinho de contatos, análises e decisões que saturam o tempo e não abrem espaço sequer ao convívio familiar, quanto mais à meditação e à oração!
Mística x política De fato, certa concepção de mística é incompatível com certo modo de fazer política. A vida religiosa está imbuída deste conceito de que contemplativo dá as costas ao mundo para postar-se diante de Deus. Todavia, não é no Evangelho que se encontram as raízes desse modo de testemunhar o absoluto de Deus, mas sim em antigas religiões précristãs e nas escolas filosóficas gregas e romanas, que proclamavam a dualidade entre alma e corpo, natural e sobrenatural, sagrado e profano. O monaquismo, surgido no século IV como afirmação da fidelidade evangélica perante o desfibramento da emergente Igreja constantiniana (leiam-se as cartas de São Jerônimo), não teve alternativa histórica senão a de nutrir-se na ideologia em voga: o platonismo. A ideia de uma natureza humana conflitantemente dividida entre carne e espírito representou, para a espiritualidade cristã, o que a cosmologia de Ptolomeu significou
antes das teorias científicas de Copérnico e Galileu – quem se dedica às coisas do mundo, à pólis, arrisca-se à perdição. A santidade era concebida como negação da matéria, mortificação (morte) da carne, renúncia da vontade própria, fruição de êxtase espiritual. Nessa ótica atomística de se compreender a relação da pessoa com a divindade havia acentuada dose de solipsismo: o cuidado do aprimoramento espiritual do eu sobrepunha-se à exigência evangélica de amor aos outros. Como nem a discussão em torno do sexo dos anjos deixa de ter reflexos políticos, tal concepção pagã da mística – que conduziu por desvios a espiritualidade cristã – serviu de matriz às utopias políticas da República de Platão; das Cidades de santo Agostinho; das propostas de Thomas Morus e Tomás de Campanella. Na Igreja, o equívoco alcança o seu ponto alto na Idade Média, confinado entre as fronteiras políticas do poder eclesiástico e na ideia de que o Reino de Deus se estabelecera neste mundo. É interessante constatar que grandes místicos foram simultaneamente pessoas mergulhadas na efervescência política de sua época: Francisco de Assis questionou o capitalismo nascente; Tomás de Aquino defendeu, em “O regime dos príncipes”, o direito à insurreição contra a tirania; Catarina de Sena, analfabeta, interpelou o papado; Teresa de Ávila, "mulher inquieta, errante, desobediente e contumaz" – como a qualificou dom Felipe Sega, núncio papal na Espanha, em 1578 –, revolucionou, com são João da Cruz, a espiritualidade cristã. Por mais que as escolas espirituais do Ocidente antigo tenham a ensinar, bem como as obras dos místicos cristãos, é no Evangelho que se encontram os fundamentos da mística cristã. A vida de Jesus não busca a reclusão dos monges essênios e nem se pauta pela prática penitencial de João Batista (Mateus 9, 14-15). Engaja-se na conflitividade da Palestina de seu tempo. O Filho revela o Pai andando pelos caminhos e, seguido por apóstolos, discípulos e mulheres, acolhe pobres, famintos, doentes e pecadores; desmascara escribas e fariseus; cerca-se de multidões; faz-se presença incômoda nas grandes festas em Jerusalém; enfim, é perseguido e assassinado na cruz como prisioneiro político.
Dentro dessa atividade pastoral, com fortes repercussões políticas, Jesus revela-se místico, ou seja, alguém que vive apaixonadamente a intimidade amorosa com Deus, a quem trata por Abba – termo aramaico que exprime muita familiaridade, como o nosso “papai” (Marcos 14, 36). Seu encontro com o Pai não exige o afastamento da pólis, mas sim abertura de coração à vontade divina. Fazer a vontade de Deus é a primeira disposição espiritual do místico. Essa vontade não se descobre pela correta moralidade ou pela aceitação racional das verdades de fé. Antes de ser conquista ética, a santidade é dom divino. Portanto, nas pegadas de Jesus, o místico centra sua vida na experiência teologal; sua conduta e crença derivam dessa relação de amor com Deus. Teresa de Ávila dirá isso com outras palavras: “A suprema perfeição não consiste, obviamente, em alegrias interiores, nem em grandes arroubos, visões ou espírito de profecia, mas sim em adequar nossa vontade à de Deus” (Fundações 5, 10). A oração é o hábito que nutre a mística. Mesmo Jesus reservava, entre tantas atividades, momentos exclusivos de acolhimento do Pai em seu espírito. “Permanecia retirado em lugares desertos e orava” (Lucas 5, 16). “Ele foi à montanha para orar e passou a noite inteira em oração a Deus” (Lucas 6, 12). Para aprofundar a fé, a oração é tão importante quanto o alimento para nutrir o corpo ou o sono para recuperar energias. No entanto, mesmo dentre o ativismo das grandes cidades, nós cristãos encontramos tempo para comer e dormir. Se o mesmo não ocorre com a oração, não é apenas por culpa nossa. No Ocidente, perdemos os vínculos que nos ligavam às grandes tradições espirituais e somos herdeiros de um cristianismo racionalista, fundado no aprendizado de fórmulas ortodoxas, bem como pragmático, voltado à promoção de obras ou ao desempenho imediato de tarefas. Fazemos do cristianismo uma resposta mais próxima de nossa fome de pão do que de nossa fome de beleza. A dimensão de gratuidade – essencial em qualquer relação de amor – fica relegada a momentos formais, rituais, de celebrações, sem dúvida importantes, mas insuficientes para fazer da disciplina da oração um hábito que permita penetrar os sucessivos estágios da experiência mística. BRASIL MARISTA|
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Sem repetir erros passados – como formar partidos confessionais ou crer que, por ser cristão, alguém é melhor político – deve-se buscar a síntese entre a política, como exercício de transformação libertadora da sociedade, e a mística, como conversão permanente ao Amor 56 | B R A S I L M A R I S T A
Ao contrário de certas escolas pagãs, a mística cristã não visa a oferecer uma técnica que leve o crente às núpcias espirituais com a divindade – embora isso possa ocorrer como dom misericordioso do Pai. Antes, quer ensinar a amar – assim como Deus ama – as pessoas com as quais se convive, a comunidade com a qual se está comprometido, o povo a que se pertence e, especialmente, os pobres, imagens vivas de Cristo. “Ninguém jamais contemplou a Deus. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é perfeito” (1 João 4, 12). O amor de Jesus a seu povo era proporcional à sua fidelidade ao Pai. Por isso, aceitou o cálice, não reteve para si a sua vida, porque entendeu que o Pai a exigia para seu povo (Marcos 14, 36). É aqui que a experiência mística encontra seu ponto de contato com a atividade política. O exercício político como acúmulo pessoal de poder – mesmo na Igreja – é incompatível com a experiência mística. “... o maior dentre vós tornese como o mais jovem, e o que governa como aquele que serve” (Lucas 22, 25-26). A política que não se baseia democraticamente na participação popular tende a ser privilégio de um grupo, de uma casta ou de uma classe. A participação popular deve abranger as três esferas da vida social: politicamente, por mecanismos que permitam a todos participar das decisões; ideologicamente, pelo direito de crítica e pelo dever de autocrítica; economicamente, pelo igual direito de acesso aos bens necessários à vida. Fora disso, ainda que com o título de democracia, o que há são estruturas idolátricas de poder, pois se impõem ao povo como forças onipotentes, oniscientes e onipresentes. Para o político que usufrui delas, a política é uma perversa maneira de pretender se comparar a Deus. É o Olimpo no qual o desejável se torna possível. Daí por que muitos políticos burgueses, cercados de incontáveis fortunas e ameaçados pela idade avançada, ainda insistem em suportar até mesmo revezes e humilhações na atividade política – para eles, uma espécie de divinização do próprio ego. Fora do poder ou da função política se veriam insuportavelmente reduzidos à própria identidade.
“... e o que governa como aquele que serve”. Nessa dimensão evangélica a política é compatível com a mística, pois as exigências fundamentais coincidem: descentralização de si nos outros, fidelidade à vontade alheia e humildade no compromisso com a verdade. Inúmeros militantes políticos, sobretudo quando ainda não chegaram ao poder, vivem essa mística, a ponto de aceitarem, na tortura, antes morrer do que trair a causa abraçada. As adversidades de uma prática política oposta à situação dominante são, por vezes, comparáveis à disciplina ascética necessária à dilatação mística: as privações físicas, o anonimato na clandestinidade, a fé no processo histórico e no povo, a esperança de vitória, o dom de si a cada momento de risco etc. Ainda que não haja uma consciência teológica dessa experiência, é inegável que toda prática de amor – na qual o bem dos outros se coloca acima do próprio bem – é a realização plena do mistério de Deus na vida humana, pois “aquele que permanece no amor, permanece em Deus e Deus permanece nele” (1 João 4, 16). Para o cristão, em sua consciência teológica, essa dimensão mística deve ser apreendida como experiência teologal: no seu amor aos outros vive o amor do Pai. “O domínio da política – declarou o papa Pio XI a 18 de dezembro de 1927, em discurso dirigido à Federação Universitária Italiana – que considere os interesses da sociedade toda, é o campo mais vasto da caridade, da caridade política, da qual se pode dizer que nenhuma outra lhe é superior”. Por que a política é a forma mais perfeita de caridade? Porque diz respeito a todos e a quase tudo, do preço do pão às disciplinas que se ensinam nas escolas, da qualidade dos programas de TV ao sistema social de saúde, tudo depende do projeto político vigente. Ora, sem repetir erros passados – como formar partidos confessionais ou crer que, por ser cristão, alguém é melhor político – deve-se buscar a síntese entre a política, como exercício de transformação libertadora da sociedade, e a mística, como conversão permanente ao Amor. Aceitar que a mística nada tem a ver com a
política seria desencarnar Jesus da história e afirmar que as coisas de Deus não servem para este mundo que ele criou. O que de mais íntimo Deus pode nos dar – a união espiritual com ele já nesta vida – estaria reservado àqueles que fazem o movimento contrário ao de Jesus: saem da conflitividade histórica para “melhor” viver a sua fé. A proposta evangélica vai em outra direção: a comunhão com o Pai manifesta-se na união com o povo livre dos sinais de morte (Apocalipse 21, 3-4). Na oração que o Senhor ensina há uma relação dialética entre o mergulho na fé e a promoção da justiça: ao Pai Nosso pedimos o pão nosso. E nos Evangelhos – das bodas de Caná aos discípulos de Emaús – é na partilha do pão, símbolo dos bens necessários à vida, que se manifesta a bondade do Pai. A cruz é o símbolo católico do Cristianismo. Pena que a confissão religiosa que celebra a vida como dom maior de Deus adote como símbolo um instrumento de morte. Cruzes são adequadas nos cemitérios, sobre tumbas. Não é o caso de Jesus, que deixou vazio o seu túmulo de pedra. A sua morte não é o fato central da fé cristã. É a ressurreição. Como diz Paulo, não houvesse Jesus ressuscitado, a nossa fé seria vã (I Coríntios 15, 14). Como simbolizar a ressurreição? Até hoje não conheço quem tenha se mostrado suficientemente criativo para consegui-lo. Há pinturas e imagens em que Jesus aparece revestido de um corpo glorioso, mas parecem evocar um homem ao sair do banho… Na Igreja primitiva, era o peixe o símbolo secreto da fé cristã em referência ao batismo pela água. Assim como os peixes vivem nas profundezas do mar e dos lagos, mergulhados nas catacumbas os cristãos renasciam pela água batismal. Ali foram encontradas várias pinturas de peixes. Para santo Agostinho, Cristo é o peixe vivo no abismo da mortalidade, como em águas profundas (De Civitate Dei XVIII, 23). Além disso, peixe, em grego – ichthys – era considerado acróstico de Iesous Christos Theou (H)yios Soter (Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador). BRASIL MARISTA|
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Opressão e libertação Na América Latina, vive-se hoje num contexto de opressão/libertação. Não se pode imaginar aqui uma vivência cristã politicamente neutra ou capaz de unir religiosamente o que as relações econômicas injustas contrapõem antagonicamente. Para nós cristãos latino-americanos, comprometidos com o projeto do Deus da Vida, a existência da pobreza como fenômeno coletivo nos exige, em nome da fé, uma tomada de posição. Tal realidade comprova que o projeto de justiça e felicidade proposto por Deus ao ser humano, descrito nas primeiras páginas do Gênesis, foi rompido pelo pecado. As vítimas dessa ruptura são principalmente os pobres, destinatários e portadores da Palavra de Deus. Por isso Jesus se colocou ao lado deles. Não o fez por serem os pobres mais santos ou melhores do que os ricos, mas simplesmente porque os pobres são pobres – e a existência coletiva de pobres não estava prevista no projeto original de Deus, pelo qual todos deveriam partilhar os bens da Criação e viver como irmãos e irmãs. Ninguém escolhe ser pobre. Todo pobre é vítima involuntária de relações injustas. Por isso os pobres são chamados bem-aventurados, pois sobretudo eles nutrem a esperança de mudar tal situação, de modo que a justiça de Deus prevaleça. 58 | B R A S I L M A R I S T A
Em busca da
liberdade
Foi a perseguição romana que induziu as comunidades a adotarem a cruz, instrumento de suplício e morte do Império. Nela, Jesus foi sacrificado. A mais antiga cruz que se conhece data do século IV, gravada no portal da igreja de Santa Sabina, em Roma, no monte Aventino, anexa ao convento que abriga o governo geral da Ordem Dominicana. Cessada a perseguição à Igreja, a cruz passou da clandestinidade para a centralidade nas torres de igrejas e capelas. E, aos poucos, sombreou o Cristianismo. A ponto de a Via Sacra, antes da reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II, contar com apenas catorze estações. Encerrava-se com a morte no Calvário. Hoje, são quinze. A ressurreição de Jesus é o ponto culminante dessa forma de devoção cristã. A predominância da cruz incutiu no catolicismo uma espiritualidade lúgubre. Padres e beatas
vestiam-se de preto. O riso, a alegria, as cores, pareciam banidos da liturgia. Enfatizava-se mais a morte de Jesus pela redenção dos pecados e, de quebra, as penas do inferno, que a sua ressurreição como vitória da vida, de Deus, sobre as forças da morte. Mais dor que amor. Como simbolizar a ressurreição? Através de algo que expresse a vida. E não conheço melhor símbolo que o pão. Alimento universal, é encontrado em quase todos os povos ao longo da história, seja feito de trigo, milho, mandioca, centeio, cevada ou qualquer outro grão ou tubérculo. E possui uma propriedade especial: come-se todos os dias, sem enjoar. “Eu sou o pão da vida”, definiuse Jesus (João 6, 48). Porque o pão representa todos os demais alimentos. E a vida, como fenômeno biológico, subsiste graças à comida e à bebida. São os únicos bens materiais que não podem faltar ao ser humano. Caso contrário, ele morre. No entanto, é vergonhoso constatar que,
hoje, segundo a FAO, 842 milhões de pessoas vivem, no mundo, em estado de desnutrição crônica. Isso em países ditos cristãos, muçulmanos, budistas… Para que serve uma religião cujos fiéis não se sensibilizam com a fome alheia? Por que tanta indiferença diante dos povos famintos? O que significa adorar a Deus se ficamos de costas ao próximo que padece fome? (I João 3, 17). Jesus fez da partilha do pão e do vinho, da comida e da bebida, o sacramento central da comunidade de seus discípulos – a eucaristia. Ensinou que repartir o pão é partilhar Deus. Na Palestina do século I havia miseráveis e famintos (Mateus 25, 34-45; Lucas 6, 21). Muitos empobreciam em decorrência da perda de suas terras, do peso das dívidas, dos tributos exigidos pelo poder romano, dos dízimos cobrados pelas autoridades religiosas. Diante disso, Jesus assumiu a causa dos pobres e promoveu um movimento indutor da partilha dos bens essenciais à vida (Marcos 6, 30-44), onde o fio condutor é o alimento e, em especial, o pão. Desde o início de sua militância, a partilha do pão foi a marca de Jesus (Lucas 1, 53; 6, 21). A comensalidade era a expressão vivencial mais característica de sua espiritualidade, para a qual havia uma íntima relação entre o Pai (o amor de Deus e a Deus) e o pão (o amor ao próximo). Deus só pode ser aclamado como “Pai Nosso” à medida que o pão não for só meu ou teu, mas nosso, de todos. É o que explica a ausência de preconceitos por parte de Jesus quando se tratava de sentar-se à
mesa com pecadores e publicanos, ainda que isso lhe valesse a fama de “comilão e beberrão” (Lucas 7, 34; 15, 2; Mateus 11, 19).
da viúva – o desapego (Marcos 12, 41-44), da chicotada no Templo – a indignação frente à injustiça (João 2, 13-22).
Partilhar o pão era um gesto tão característico de Jesus que permitiu aos discípulos de Emaús o identificarem (Lucas 24, 30-31). E a ceia tornou-se o sacramento por excelência da presença e da memória de Jesus (Marcos 14, 22-24; 1 Coríntios 11, 23-25).
Pão – bem essencial à vida, dom maior de Deus, que se fez carne e pão, a ponto de Jesus afirmar “o pão que darei é a minha carne para a vida do mundo” (João 6, 51). Se já não temos, entre nós, a presença visível de Jesus, ao menos adotemos, como sinal de sua presença, isto que ele mesmo escolheu na última ceia – o pão. Sinal de que somos também seus discípulos, empenhados em tornar realidade, para todos, “o pão nosso de cada dia”, os bens que imprimem saúde, dignidade e felicidade à nossa existência.
Não haverá completa justiça enquanto não se puder viver a liberdade como mística O pão – eis o símbolo (= aquilo que une) mais expressivo da prática de Jesus, a ponto de transubstanciá-lo em seu corpo. E todo pão que se oferece a um faminto tem caráter sacramental, pois Jesus identificouse com quem tem fome (Mateus 25, 34). Portanto, é ao próprio Jesus que se oferece. Às vésperas de sua morte, Jesus antecipou-nos a sua ressurreição ao dividir com seus discípulos, na ceia, o pão e o vinho. Ele se deu a nós. No gesto de justiça, ao partilhar o pão (significando todos os bens da vida) nós nos damos a ele. Eis o sentido evangélico da comunhão. É o que retratam a parábola do filho pródigo, na qual o perdão é celebrado em torno da comida, o “novilho gordo” (Lucas 15, 1132); e os episódios do bom samaritano – o cuidado (Lucas 10, 29-37); da mulher cananeia – a cura (Mateus 15, 21-28); do óbulo
Não haverá completa justiça enquanto não se puder viver a liberdade como mística, ou seja, na dimensão de que uma pessoa é tanto mais livre quanto mais descentrada de si mesma e centrada no Outro e nos outros. Do mesmo modo, nesse mundo e nessa cultura de proporções globais, em que o pobre é uma inumerável coletividade, o amor não pode ser mais pensado e vivido somente em termos de relação interpessoal. Torna-se também exigência política, de entrega da vida ao resgate da fraternidade e da sororidade entre homens e mulheres, de compromisso libertador. Isso não significa racionalizá-lo a ponto de, a pretexto do coletivo, ignorar o pessoal. A raiz e o fruto de toda transformação social que se queira completa serão sempre únicos: o coração humano, aí onde a divinização da pessoa transborda para a divinização da história.
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Assim, a vivência da fé cristã na América Latina supõe inevitavelmente um posicionamento político. Seja do lado das forças de opressão, como o fazem aqueles que condenam a violência política dos oprimidos, sem se perguntarem pelos mecanismos de violência econômica do capitalismo; seja do lado das forças de libertação, como todos nós que comungamos a opção preferencial pelos pobres. É fato que as nossas referências ideológicas nem sempre nos permitem reconhecer com clareza a própria posição em que nos encontramos. Há cristãos que sinceramente percebem os sintomas – a miséria, as enfermidades, a morte prematura de milhões – e não chegam a descobrir as causas de tais problemas sociais. Em geral, tais pessoas e setores ocupam o lugar social reservado àqueles que usufruem de privilégios sociais e/ou patrimoniais, como detentores da propriedade privada de bens simbólicos e/ou materiais. Estes elaboram uma teologia que procura legitimar os mecanismos de dominação através do sequestro da linguagem, promovendo-a à esfera da abstração, como se o discurso religioso pudesse, de alguma forma, deixar de ser também político. Essa arqueologia da linguagem possui exemplo singular na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10, 25-37). A resposta do doutor da Lei não estava teologicamente equivocada, mas carecia de incidência política, como se a linguagem da fé servisse para diluir, na esfera dos conceitos, realidades contraditórias e conflitivas. Jesus preferiu um segundo discurso – situado no aqui-e-agora do homem que descia de Jerusalém a Jericó – capaz de decifrar e denunciar as diversas posturas teológicas/políticas da conjuntura em que viviam: o sacerdote, o levita e o samaritano. Ora, fazer teologia a partir das aspirações libertadoras dos pobres é recuperar a força profética e sacramental do discurso sobre a fé, ainda que consciente de que, em última instância, cabe o silêncio de nossa parte e, de outra, a manifestação inefável do Espírito de Deus (Romanos 8, 26-27). A teologia que hoje se produz na América Latina a partir dos pobres – conhecida como Teologia da Libertação – assume conscientemente sua incidência política e suas mediações ideológicas. 60 | B R A S I L M A R I S T A
Trata-se de uma teologia que não nasce do limbo acadêmico das universidades ou das bibliotecas, mas sim da luta de milhares de Comunidades Eclesiais de Base que fertilizam a nossa fé com o sangue de inúmeros mártires como frei Tito de Alencar Lima e monsenhor Oscar Romero, de El Salvador, abatidos pelas forças da opressão. Nos Documentos de Santa Fé, que estabeleceram as diretrizes das políticas externas dos governos Reagan e Bush pai, em 1980 e 1989, a Teologia da Libertação é considerada a ameaça maior aos interesses norte-americanos no Continente. Em resposta a esta ameaça, surgiu a Igreja Eletrônica, de perfil pentecostalista, que dispõe de ampla rede de satélites, emissoras de TV e rádios, revistas e jornais. Na prática da luta por justiça é que os cristãos latino-americanos entram em contato com forças políticas e ideológicas aparentemente contrárias ao universo da fé. Não se trata de um diálogo formal entre Igrejas e partidos ou entre cristãos e políticos de esquerda. Trata-se de uma prática comum junto ao mesmo povo, contra o imperialismo e o neoliberalismo, e a favor dos mesmos direitos dos pobres e do futuro de justiça. Tal aproximação a partir da prática tem sido igualmente benéfica a cristãos e militantes de esquerda. O inimigo, aliás, não faz distinção entre um e outro; trata-nos a todos como comunistas ateus e, hoje em dia, terroristas, pois nada pior para ele do que ver-se desprovido de sua legitimidade religiosa, que acoberta seus reais interesses.
Teoria marxista Nem sempre foi fácil a aproximação entre cristãos e marxistas. Havia preconceitos e temores de ambos os lados. Na maioria dos países que ingressaram na esfera socialista, as Igrejas cristãs tinham se aliado às antigas classes opressoras. Por isso, na década de 1960, alguns setores cristãos latino-americanos abandonaram a Igreja e a própria condição de cristãos, à medida que a luta revolucionária os levou a descobrir a teoria marxista. Porém, a crise enfrentada pelas concepções dogmáticas marxistas, após as denúncias dos crimes de Stalin e a queda do Muro de Berlim, e
A fé abre-nos ao imperativo da vida, mas não oferece mediações analíticas e instrumentos políticos necessários à construção do projeto de fraternidade social as mudanças operadas na Igreja Católica, refletidas nas novas formulações do Concílio Vaticano II, propiciaram condições para outros cristãos se engajarem em processos revolucionários em nome da fé cristã Hoje, na América Latina, cristãos e marxistas atuam juntos nos mesmos movimentos populares, nos mesmos sindicatos combativos, nos mesmos partidos progressistas. Não se quer confessionalizar os instrumentos de luta política, pois a divisão da sociedade não se dá entre crentes e não-crentes, e sim entre opressores e oprimidos. Uma série de acontecimentos mudou o perfil da América Latina nos últimos 50 anos. A renovação da Igreja Católica pelo Concílio Vaticano II, as conferências episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979), a crise das concepções desenvolvimentistas e da Aliança para o Progresso, a vitória da Revolução Cubana e a nova hegemonia política do capital internacional – na forma de ditaduras militares – foram fatores que levaram muitos cristãos a se engajarem na luta social e, a partir desse compromisso com os oprimidos, a se depararem com a realidade gritante da pobreza coletiva. Não foi o marxismo que levou amplos setores cristãos a descobrirem os pobres. Foram os pobres que levaram os cristãos a descobrirem a importância das mediações analíticas. Diante de tanta miséria foi preciso perguntar por suas causas estruturais e pelas condições de sua superação.
Hoje, as mudanças no Leste europeu obrigam a Teologia da Libertação a revisar sua concepção de socialismo e a rever os fundamentos do marxismo. Não se trata apenas de um esforço teórico para separar o joio do trigo, mas sobretudo de restaurar a esperança dos pobres e de abrir um novo horizonte libertário à luta da classe trabalhadora. Ignorar a profundidade das atuais mudanças é querer tapar o sol com a peneira. Admitir o fracasso completo do socialismo real é desconhecer suas conquistas sociais – sobretudo quando consideradas do ponto de vista dos países pobres –, e aceitar a hegemonia perene do capitalismo. É preciso detectar as causas dos desvios crônicos do regime socialista e redefinir o próprio conceito de socialismo. A fé abre-nos ao imperativo da vida, mas não oferece mediações analíticas e instrumentos políticos necessários à construção do projeto de fraternidade social. As importantes contribuições das ciências políticas não podem ser ignoradas pela reflexão teológica latino-americana se queremos compreender os mecanismos que excluem milhares de pessoas dos direitos fundamentais à vida. E a contribuição das teorias econômicas e sociais à teologia não ameaça a integridade de nossa fé, pois não se pode aceitar o marxismo, por exemplo, como religião ou a fé cristã como mera ideologia.
Frei Betto é escritor, autor de Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin (Editora Vozes), entre outros livros BRASIL MARISTA|
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Fotos: José Rosha
| SUSTENTABILIDADE
Lançada ainda em Outubro do ano passado, uma campanha envolvendo diversos parceiros – incluindo os irmãos maristas – vem chamando a atenção para a precariedade da saúde dos indígenas do distante Vale do Javari, no Amazonas. Sofrendo com doenças como a hepatite, a malária e a tuberculose, os índios morrem sem auxílio e, com a campanha, vêm a público, pedir por socorro. Não importa a etnia – Marubo, Mayoruna, Kulina, Matis ou Kanamari – o problema é o mesmo. Segundo dados da UNião dos povos indígenas do vale do javari (univaja), há 40 anos, só o povo Marubo era formado por quase 20 mil pessoas. Há dez anos, a conta não ultrapassava os dois mil e agora os números diminuem cada vez mais e de forma acelerada.
Vale adoecido
Campanha chama a atenção para a saúde dos indígenas no Vale do Javari Por Vivian de Albuquerque, com colaboração de Jose Rosha, da Amazônia
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Em diversas reportagens, que reproduzem o que acontece na campanha, os índios afirmam ter apenas um serviço de saúde de urgência e nunca de prevenção. Dizem que as mulheres morrem no parto por falta de atendimento. E assim também padecem – principalmente com a hepatite – os idosos e as crianças. “A luta por saúde deixou de ser uma briga por políticas públicas que atendam aos indígenas e passou a ser contra o extermínio”, alertam em suas declarações.
Nas contas da UNIVAJA, somente em 2010, num período de 40 dias, 12 crianças Kanamari faleceram. Grande também é o número de orfãos, cujos pais morrem das mesmas doenças
Fala-se dos índios que têm contato com a civilização, mas não há como saber a realidade de grupos isolados que se recusam ao contato com a sociedade, caso dos Korubo e de outros 13 dos quais nem o nome se sabe. Nos que se comunicam, mais de 85% da população já está contaminada por um ou mais vírus da hepatite, sobretudo a do tipo B, a mais grave de todas. Nas contas da UNIVAJA , somente em 2010, num período de 40 dias, 12 crianças Kanamari faleceram. Grande também é o número de órfãos, cujos pais morrem das mesmas doenças. Por isso a campanha “Povos Indígenas do Vale do Javari: Unidos Pela Saúde, Pela Vida”, que recebe apoio de diversas organizações. Entre elas, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e o Instituto Marista, atuantes naquela região. Na página do CIMI, por exemplo, é possível acessar o modelo de um abaixo-assinado e de uma sugestão de carta a ser enviada às autoridades (http://www.cimi.org. br/pub/Arquivos/abaixo_assinado_valedojavari.pdf e http://www.cimi.org.br/pub/Arquivos/sug_carta_campanha_valedojavari.pdf ). A Campanha também recebe doações na conta do CIMI, no Bradesco, agência 2239 e conta corrente 29289-3.
Festivais culturais ajudam a combater o luto nas tribos
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| SUSTENTABILIDADE
Dia “D” em prol da Vida no Vale do Javari O dia 10 de maio foi marcado por manifestações, em Manaus, em defesa da vida dos povos do Vale do Javari. A data foi escolhida como dia “D” da campanha para mobilizar todos os segmentos sociais em apoio à luta daqueles povos por políticas de saúde eficazes e eficientes contras as endemias que estão matando lentamente os Kanamari, Marubo, Kulina, Mayoruna (Matsés) e Matis. Com a iniciativa os indígenas tentam pressionar o Governo Federal a adotar medidas urgentes para controlar os vários tipos de hepatites – sobretudo dos tipos “B” e “Delta”, além da malária, tuberculose e outras. “Nossos principais problemas de saúde, especificamente aqui no Vale do Javari, são hepatites que já vitimaram muitas pessoas, muitas famílias indígenas durante décadas e décadas. A hepatite foi constatada desde a década de 80, quando chegou a Funai”, diz Jorge Marubo, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI), de Atalaia do Norte. Luta Pela Vida – “Um dos relatos mais comoventes sobre a situação atual do
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Vale do Javari foi feito por Kurá Kanamari durante a Assembleia Nacional do Conselho Indigenista Missionário, em outubro do ano passado em Luziânia (GO)”, comenta Ir. Edina Pitarelli, membro da Coordenação Regional do Cimi Norte I (AM/RR). “Ele relatou, de forma muito contundente, a luta dos Kanamari contra as doenças – que não é diferente dos demais povos do Vale do Javari. São mais de 300 mortos em dez anos. Segundo ele , em 2010 foram 17 óbitos, entre crianças e jovens. Mais cinco óbitos, em 2011. E também em 2011, no mês de janeiro, morreu uma liderança jovem, o professor Edilson. Ele disse que ‘hoje a gente só lamenta porque perdemos essa liderança, não só os Kanamari mas todo o povo do Vale do Javari, porque, tal como ele, lideranças também perderam suas vidas por causa dessas doenças”’. Segundo Edina, a tristeza toma conta das aldeias a cada “parente” perdido. Eles sentem-se enfraquecidos tanto física quanto espiritualmente. Por causa das doenças, são obrigados a parar de trabalhar, plantar suas roças, praticar seus rituais e até de acreditar que
as autoridades possam fazer alguma coisa por eles. “Apesar de tudo isso, eles não se sentem vencidos”, completa. “Depois de vários dias de luto, quando eles choram a mortes dos entes queridos, eles procuram retomar o ritmo normal da vida. Foi por essa razão que os Kanamari começaram, há cerca de quatro anos, a realizar festivais culturais, mostrando suas danças, suas músicas e parte de seus rituais.”
Drama Antigo O drama da saúde dos povos indígenas do Vale do Javari não é recente. Segundo um informe do final de 2010, da organização da sociedade civil Centro de Trabalho Indigenista (CTI), nos últimos 11 anos morreram 325 indígenas na área, 8% da população. Somente em 2003, foram 30 óbitos, grande parte deles causados pela epidemia de hepatite B. O primeiro caso da doença que afeta o fígado foi registrado em
1980, em um relatório apresentado pela antropóloga Delvair Montagner à Funai. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas se a população do Vale do Javari estivesse realmente imunizada. Mas até hoje nenhum esquema de vacinação foi realizado adequadamente na terra indígena. O intervalo entre a primeira, a segunda e terceira doses, com prazos estabelecidos
para que a vacina seja eficiente, nunca foi cumprido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), instituição governamental que foi responsável pelo atendimento à saúde indígena no Brasil de 1999 a outubro de 2010. Em substituição à Funasa, foi criada a Secretaria Especial da Saúde (SESAI), que ainda briga com os números assustadores no Amazonas.
São várias as dificuldades, mas a pior delas é a falta de imunidade a doenças como a hepatite
“Hoje, para não ficarmos tristes, para não só ficarmos na solidão chorando, os Kanamari realizam seus festivais culturais envolvendo outros povos da região. Essa festa a gente realiza conforme a nossa realidade, a realidade da nossa cultura. É o momento da gente esquecer um pouco do sofrimento”, diz Kurá Kanamari. “Nós queremos que as pessoas se manifestem em apoio à nossa atual situação, porque precisamos de toda ajuda possível”, explica Jáder Comapa, coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari. “Estamos sendo aniquilados por doenças que nossos pajés não conseguem curar.”
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| PRESENÇA MARISTA
Presença Marista na Amazônia Por Ir. Sadi Cella
A presença marista na Amazônia ocidental brasileira já tem 45 anos, sendo a cidade de Lábrea (AM) o primeiro ambiente a receber os Irmãos e Leigos Maristas (1967). A amplidão amazônica foi, aos poucos, tendo a presença marista mediante às antigas províncias maristas brasileiras, envolvendo regiões específicas. Assim, São Paulo abrangeu o vale do rio Purus e Manaus (AM); Santa Maria, o Estado do Acre; Santa Catarina, o Estado de Rondônia; Porto Alegre, o Alto Solimões (AM); Rio de Janeiro, o antigo Goiás; e Brasil Norte, o Estado do Pará. A partir de 2002, com a reestruturação marista na região, surgiu o então Distrito Marista da Amazônia (DMA), abrangendo os estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima e Mato Grosso, com sede em Porto Velho (RO). O Distrito é composto pelos Irmãos autóctones e por Irmãos missionários oriundos de todas as Províncias maristas brasileiras. Em 2012, o Distrito conta com sete comunidades de Irmãos e formandos e duas fraternidades do Movimento Champagnat da Família Marista (MChFM). Juntam-se a eles os grupos juvenis, leigos colaboradores e simpatizantes da vida marista. Com a parceria das várias Congregações Religiosas presentes na região, a obra evangelizadora é levada adiante de forma simples e comprometida com a Igreja e 66 | B R A S I L M A R I S T A
a sociedade locais, em vista da construção do Reino de Deus. Não possuindo obras de grande envergadura, os campos de atuação giram em torno da educação escolar conveniada, assistência social, pastorais diversas, ação indígena, missionariedade em todos os campos possíveis e acessíveis aos Irmãos e Leigos com a Igreja e as instituições locais.
A Amazônia é cobiçada por grupos interessados, não tanto em sua preservação, mas no aproveitamento de seus recursos para fins de interesse privado, deixando a população local sem vez e sem voz As cidades contempladas pela presença dos Irmãos são: Porto Velho (RO), Rio Branco e Cruzeiro do Sul (AC), Boa Vista (RR), Manaus, Tabatinga e Lábrea (AM). Somados a essas, há parceiros em outros lugares, onde os Irmãos atuam esporadicamente com animação, formação cristã e promoção humana.
A presença marista percorre ambientes sui generis nas cidades, na imensidão dos rios, lagos e florestas desse universo de biodiversidade. Com ações formativas, educativas e proféticas, Irmãos e Leigos são sinais da presença de Jesus Cristo, Maria e Champagnat para os povos da região. Em sintonia com a Igreja da Amazônia, os maristas buscam uma ação inculturada em meio às crianças, jovens e famílias, preservando seus valores, superando limitações, defendendo a vida em plenitude em todas as suas formas. A Amazônia é considerada hoje a segunda região estratégica do mundo. É cobiçada por grupos interessados, não tanto em sua preservação, mas no aproveitamento de seus recursos para fins de interesse privado, deixando a população local sem vez e sem voz. Passa-se por cima do povo enganando-o com ilusões de melhoria de vida. Acuadas em sua cultura, sem assistência e iludidas pelas promessas políticas, pelo consumismo e as atrações urbanas, as pessoas acabam deixando o interior, engrossando as periferias das cidades como Manaus, Tabatinga, Rio Branco e Porto Velho. Caem facilmente na miséria material, no mundo das drogas e na prostituição. Esse, certamente, é o maior desafio não só para os maristas, mas para toda a Igreja e a sociedade de bem. BRASIL MARISTA|
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