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O CAMINHO

DE VOLTA Orientações para a liturgia em nossa igreja


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O CAMINHO DE VOLTA Orientações para a liturgia em nossa igreja


FICHA TÉCNICA Igreja Adventista do Sétimo Dia União Centro-Oeste Brasileira Presidente: Pr. Helder Roger Criação e desenvolvimento: Oitenta Conteúdo: Estêvão Queiroga, Pedro Anversa, Ruy Reis, Tiago Arrais Redação: Ruy Reis Design e Ilustração: Markeeto Silva Brasília - DF - Janeiro de 2015


INTRO

Encontro com Deus

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culto é um encontro. É o momento em que homens e mulheres se apresentam diante de seu Criador, para que Deus se revele ao homem. Desde o princípio, o maior privilégio que foi concedido à humanidade foi conhecer à Deus e conversar com Ele face a face. Neste livreto, apresentamos algumas considerações sobre o primeiro encontro da humanidade com Deus e como foi possível aos homens conhecerem a Deus. Abordaremos também o que aconteceu quando os homens, longe de Deus, se esqueceram de Sua face, e como Deus novamente se fez conhecer. Esperamos que essas considerações possam servir de reflexão à maneira como temos nos encontrado com Deus para adorá-lo em nossa vida, principalmente nos cultos que realizamos. É nosso desejo que possamos nos aproximar cada dia mais dEle, até chegar o dia em que veremos Seu rosto novamente.

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PARTE 1

Despertar

Ao nos reunirmos em adoração, precisamos renovar a ligação com aquele que é a fonte da nossa vida. O buscamos, nào somente por que podemos, mas porque precisamos dEle em todo tempo. Nosso culto nào é uma demonstração das coisas que podemos fazer por Ele e para Ele - cantar, pregar, ofertar ou orar - mas sim um reconhecimento do que Deus fez e faz diariamente por nós.

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Em nossa vida, devemos lembrar que o ser humano está intimamente ligado ao Divino, seja em sua aparência, seu respirar ou seu caráter. Para que tenhamos uma vida plena, a relação com Deus deve ser mantida. Assim como no dia de sua criação, o homem não deve perder de vista a face de Seu Criador.


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dão despertou para a vida ao sentir o hálito divino em seu rosto, enquanto seus pulmões se enchiam do fôlego de Deus. No amanhecer de sua existência, a face de Deus foi a primeira coisa que ele contemplou. Ali nascia a raça humana, e assim se deu o primeiro encontro da humanidade com seu Criador. Adão aprendeu do próprio Criador que havia sido formado pelas mãos divinas. Fora cuidadosamente modelado da terra do solo (adamah), e havia então recebido em seu corpo um hálito de vida (ruah) vindo dos lábios de Deus, que o havia transformado em um ser vivente (nefesh).1 Terra do solo + hálito/sopro de vida = ser vivente (adamah) (ruah) (nefesh)

Essa é a equação da vida tal como apresentada na bíblia, e pode nos dar algumas indicações sobre quem somos. Nossa vida é resultado da fusão entre o pó da terra e o sopro de vida vindo de Deus. Na ausência da matéria ou do sopro divino, a vida se desfaz. A vida de Adão só era possível enquanto Deus o sustentasse através de Seu hálito divino. O milagre da vida não havia ocorrido apenas em

sua criação, mas era um dom constante, que se desdobrava a cada dia. Muitas vezes colocamos bastante ênfase na origem da vida e na criação do homem, e acabamos por achar que a continuação da vida é algo corriqueiro, como se o seu prosseguimento fosse trivial. Não é. O dom da vida se manifesta a cada momento. Sem o sopro divino para nos sustentar, somos apenas pó. Em nosso próprio respirar estamos ligados a Deus, e não apenas em um plano espiritual remoto. Ao respirar e tomar consciência de si, o primeiro homem examinava seu corpo e seu entendimento. Percebeu que era semelhante a Deus. Com o tempo, compreendeu que a semelhança não se limitava a sua aparência, mas era também manifesta em seu próprio caráter. A lei de Deus corria em suas veias, e segui-la era tão natural quanto respirar. Ellen White afirma que “Adão e Eva na sua criação tinham conhecimento da lei original de Deus. Estava impressa em seu coração, e eles estavam familiarizados com as implicações da Lei sobre eles” (WHITE, Ellen G. Comentário Bíblico Adventista Vol 1. Pág. 1084).

NOTAS 1

Gênesis 2:7

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PARTE 2

REVELAÇÃO

Para recebermos a revelação divina em nossos cultos, precisamos estar abertos a todas as maneiras possíveis que Deus tem para se comunicar conosco. O culto que se concentra em tentar alcançar a Deus criando mecanismos formais, não propicia que o adorador entenda que é Deus quem tem interesse em se revelar a ele. Nas orações, nas canções, nos aconselhamentos mas, sobretudo, no estudo aproidundado de Sua Palavra.

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Perto de Deus, somos insignificantes, e não há nada que tenhamos que possa ser útil ao Criador do universo. Para que pudéssemos nos relacionar com Ele, foi preciso que Ele se revelasse, já que, por nós mesmos, seria impossível compreendê-lo. Deus quer se relacionar conosco porque nos ama.


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o se encontrarem com Deus, Adão e Eva estavam em severa desvantagem. Se fosse requerido que eles fizessem algo por seu Criador em troca da vida, o que fariam eles? O que teriam para oferecer ao Todo Poderoso? Nada. Se oferecessem o que tinham de melhor, se chegassem ao limite de sua capacidade, que proveito teria isto para Deus? Nenhum. “De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor? 1” Adão e Eva estavam à mercê de Deus. O casal, recém chegado ao mundo, estava diante do Criador e Sustentáculo do Universo. Homem e mulher não estavam apenas em situação de extrema vulnerabilidade, eles nem mesmo podiam compreender diante de quem se encontravam.2 Mesmo no ápice de sua inteligência, Adão e Eva não eram capazes de assimilar a vastidão do abismo existencial que os separava de seu 3 Criador. A glória de Deus era maior do que qualquer coisa que eles pudessem imaginar, sua grandiosidade e majestade excediam o entendimento humano. Ao olhar nos olhos de Deus, Adão e Eva se deparavam com o infinito. Como eles fariam para conhecer seu criador? Tendo sido criados pelas mãos de Deus, o coração de ambos estava

NOTAS 1 2

Isaías 1:11 Com quem vocês me compararão? Quem se assemelha a mim?

Isaías 40:25 O livro de Eclesiastes nos diz que Deus pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa entender a obra que Deus realiza desde o princípio até o fim. Eclesiastes 3:11 3

aberto para todas as manifestações divinas, e reconheciam em toda a natureza as digitais do Criador. Cada vez que o casal examinava as obras de Deus, das mais distantes até o mais íntimo de seu ser, das maiores às menores, eles vislumbravam a glória do Criador.4 Mas havia outra maneira de conhecer a Deus, certamente a mais maravilhosa de todas. Deus apequenou-se de tal forma que era possível a Adão e Eva pudessem estar com ele pessoalmente. Assim foi possível a Adão e Eva andarem ao lado de Deus sem serem consumidos por sua glória, e a contemplá-lo sem encherem-se de terror. Para que a humanidade se relacionasse com Deus, foi preciso protegê-la do esplendor divino. Deus precisou diminuir-se para tornar-se acessível. Que Deus tenha se sujeitado a se rebaixar para se revelar a Adão e Eva é algo espantoso. Eles não tinham nada para oferecer em troca ao Criador, nada que pudesse lhe interessar. Porque Deus se daria ao trabalho de se curvar somente para que esses seres pudessem conhecê-lo? O que a humanidade descobriu quando Deus se deu a conhecer 5 foi que Deus é amor. E o amor de Deus por Adão e Eva foi tamanho que ele humilhou-se a ponto de fazer-se insignificante, para que eles pudessem conhecê-lo e se relacionar com ele.

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Salmos 8:3 e 4 Amados, amemo-nos uns aos outros; porque o amor é de Deus; e qualquer que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus; porque Deus é amor. 1 João 4:7-8 5

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PARTE 3

EXÍLIO

Se, em nossa liturgia, buscamos antes a nossa vontade do que os princípios divinos, é certo que perderemos Deus de vista. Por não termos mais a lei de Deus escrita em nosso coração, somos particularmente vulneráveis. Nossa necessidade da revelação de Deus deve estar continuamente em nosso foco. Em tudo que fizermos, sua palavra deve ser o centro, ou nos perderemos em rituais vazios.

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Quando Adão e Eva pecaram, eles perderam tanto a presença do Criador quanto o conhecimento da lei de Deus, que estava em seu coração. Assim, eles ficaram sem os principais indicadores do caráter de Deus, e era uma questão de tempo até que perdessem Deus de vista.


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mesmo sopro que dava vida a Adão e Eva também lhes dava liberdade para aceitar ou rejeitar as palavras de Deus. Essa liberdade era tamanha que permitiu que eles agissem contra o próprio fôlego que os animava. Inexplicavelmente, Adão e Eva escolheram comer o fruto proibido. Sua transgressão os colocava não só contra a orientação divina, mas também contra a própria essência de seu ser. A lei de Deus estava em seu coração, mas eles 1 resolveram sufocá-la.

Assim, quando Adão e Eva se viram nus diante de Deus, uma drástica transformação havia ocorrido, e as folhas de parreira com as quais eles procuravam se cobrir seriam insuficientes para reverter sua condição. Apesar do fôlego de vida ainda encher seus pulmões, uma mudança funesta havia se operado. Sua sentença de morte fora assinada por eles mesmos.

A conseqüência imediata de sua desobediência foi o exílio. Adão e Eva olharam para a face de Deus pela última vez e saíram. Naquele instante,talvez eles não compreendessem exatamente o que era a morte, mas uma coisa era certa: o exílio da presença de Deus lhes afigurava o pior castigo que poderiam conceber. Desde sua vinda ao mundo, o homem podia contemplar a face de Deus e desfrutar de sua presença diariamente. Com o pecado, esse privilégio foi suspenso. Mais do que serem expulsos do Jardim do Éden, Adão e Eva foram privados de contemplar a face de Deus. Pelo resto de suas vidas, estariam eles distantes da presença de seu Criador, em uma ausência que seria duramente sentida até o fim. Quando reuniam seus filhos e filhas para contarem como haviam sido criados, sua mente se voltava para quando eles podiam andar com Deus. Em sua tristeza, eles se lembravam da promessa que Deus havia feito, de que um dia eles novamente olhariam nos olhos de Deus e sentiriam seu amor.

NOTAS 1

WHITE, Ellen. Patriarcas e Profetas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. Pág. 261.

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PARTE 4

IDOLATRIA

Até mesmo a cerimônia religiosa pode ser usada para dissimular a ausência de espiritualidade, e o formalismo prospera em tais condições. Ao buscarem santificar formas esvaziadas da presença de Deus, os homens acabam construindo ídolos para si. Se Deus não estiver no centro da liturgia, tudo o que fizermos será em vão. Nossas orações, músicas, ofertas, sermões, e tudo mais não passarão de imagens feitas por mãos humanas. Ao acrediitar que o encontro com Deus acontece através de nossas ações e não de Sua revelação, estamos assumindo o lugar que é devido a Ele em nossa religação.

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Ao se esquecerem do rosto de seu Criador, os seres humanos trocaram a adoração em espírito e verdade por uma rotina de cerimônias. Muitas vezes, tentavam obter o favor divino através de seus ritos, como se fosse possível barganhar com Deus. Entretanto, o formalismo desprovida da presença de Deus não passa de idolatria.


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onge de Deus e com corações de pedra, as sucessivas gerações depois de Adão e Eva esqueceram-se do rosto de seu Criador. Haviam se tornado cegos, surdos e insensíveis a qualquer coisa espiritual. Ao se aproximar a época determinada por Daniel para a chegada do Messias,1 o conhecimento de Deus havia se tornado escasso sobre a terra. Deus não abandonara a humanidade. Ele continuava a se comunicar com ela através daqueles que ainda se lembravam de Sua face, testemunhando sobre as revelações divinas. Entretanto, a maior parte dos homens e mulheres não conseguia mais discernir a fisionomia de Deus nos diversos ritos com os quais estavam habituados. O que antes havia sido adoração em espírito e verdade dera lugar a uma rotina de cerimônias, tradições e especulações. Destituídas do fôlego divino, as cerimônias não tinham mais poder algum sobre os corações. Homens e mulheres suportavam desgostosos o que eles percebiam como somente fábulas e falsidades.

Enquanto isso, a maior parte daqueles que professavam o nome de Deus buscavam apenas o seu próprio interesse e sua hipocrisia era patente.2 Apesar de todo seu aparente zelo, Deus era um estranho para eles. O rito, por sua vez, era certificado como se dotado de propriedades mágicas. O formalismo era tal que, se o próprio Deus tivesse descido dos céus e passeado pela brisa da tarde em Jerusalém, poucos o teriam reconhecido. Ao perderem Deus de vista, os homens tentaram manter suas cerimônias e tradições vivas. Incautos, muitos dos que incentivavam o desenvolvimento dessas formas inertes e desprovidas da presença de Deus acabavam por construir um formalismo santificado por eles mesmos e não por Deus. Inversamente ao que aconteceu na criação, quando Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, os homens construíram formas à sua imagem e semelhança. Todavia, a forma santificada por homens tem um nome na bíblia: se chama idolatria, e os deuses de criação humana são apenas formas inertes e sem vida,

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sejam objetos, costumes ou rituais, mesmo aqueles feitos em Seu nome. Só Deus pode gerar o fôlego de vida, que vivifica tanto a carne quanto o espírito. Muitos corações sinceros buscavam inutilmente o favor divino através de ritos e cerimônias, buscando aproximar-se de Deus através de seus próprios esforços. Entretanto, quando esses adoradores julgavam ter algo com que pudessem comprar o favor de Deus, o culto assumia a forma de uma barganha. Não era em nada semelhante à forma humilde com que Adão se aproximava de seu Criador. A barganha, por sua vez, era uma das marcas dos cultos gregos e romanos. Seus deuses foram criados à imagem dos homens, e eram acometidos por toda sorte de paixões e aflições: eram suscetíveis, vulneráveis, atraiçoavam-se e invejavam-se mutuamente. Eram deuses que aceitavam oferendas para favorecerem os homens. Portanto, de certa forma esses deuses podiam ser manipulados pelos indivíduos. Dessa forma, quando gregos e romanos sacrificavam animais, o seu intuito era agradar seus deuses em troca de favorecimento.

De maneira oposta, o Deus de Adão não encontrava satisfação no sacrifício de animais. Visto que o culto sacrificial dos judeus tinha por objetivo apontar para a morte de Cristo, afirmar que tal prenúncio alegraria ao Senhor é menosprezar o amor do Pai pelo Filho. O sacrifício servia para que os homens se lembrassem da promessa, para que eles enfim entendessem a missão do Messias. Deus não precisava do sacrifício para si. O Deus Criador não é sugestionável, e não tem necessidade alguma que se faça algo por ele. Aqueles que tentam manipular a Deus demonstram a sua incompreensão do fato de ser ele o Criador e nós suas criaturas.3 Quando homens insistem em comover a Deus através de seus próprios esforços, demonstram total desconhecimento de seu caráter. Sua grandeza é glória nos ultrapassam, e o favor divino é oferecido de graça. Deus age em favor da humanidade porque assim decide, motivado por amor.


NOTAS 1

Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, e sobre a tua santa cidade, para cessar a transgressão, e para dar fim aos pecados, e para expiar a iniqüidade, e trazer a justiça eterna, e selar a visão e a profecia, e para ungir o Santíssimo. Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar, e para edificar a Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, haverá sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e o muro se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta e duas semanas será cortado o Messias, mas não para si mesmo; e o povo do príncipe, que há de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será com uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas as assolações. E ele firmará aliança com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oblação; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador. Daniel 9:24-27

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Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade. Mateus 7:21-23 3

Não abras a boca precipitadamente, e não se apresse o teu coração a proferir palavra alguma diante de Deus; porque Deus está no céu, e tu sobre a terra. Portanto sejam poucas as tuas palavras. Eclesiastes 5:2

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PARTE 5

REENCONTRO

Jesus Cristo mostrou como Deus se relaciona com os homens: de forma pessoal e direta. Em nossos cultos, precisamos tomar cuidado para que nada se interponha entre nós e Deus. Mesmo artifícios designados a facilitar nossa vida podem infelizmente se tornar intermediários entre nós e Deus. Sua voz deve falar mais alto que qualquer outra voz. E é o ouvir esta voz que constroi relacionamento íntimo entre Deus e o homem.

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Como a humanidade havia perdido Deus de vista, Ele precisou se revelar novamente, na pessoa de Jesus Cristo. O Messias veio como um homem humilde, e esteve com homens e mulheres pessoalmente. Um dos encontros pessoais que Jesus teve foi com um leproso samaritano, a quem ele curou. O samaritano, ao reconhecer o que Jesus havia feito por ele, recebeu uma benção ainda maior do que a cura.


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om tamanha incompreensão sobre a natureza divina, era preciso que mais uma vez Deus se revelasse para que pudéssemos nos relacionar com Ele. Desta vez, entretanto, Deus se curvaria muito mais longe do que qualquer um poderia imaginar. Ele se rebaixaria a ponto de transpor a distância imensurável que o separava da humanidade e assumiria a insignificante forma humana. Na terra, Deus encarnado seria apenas mais um carpinteiro que havia crescido na Galiléia — uma posição irrisória dentro do drama humano. Entretanto, ele vinha como o Cordeiro de Deus, o sacrifício que havia sido prometido a Adão. Deus se faria humano, para que pudéssemos conhecê-lo na pessoa de Jesus Cristo.1 E Cristo se humilharia até o fim, para que Deus o Pai fosse honrado. Cristo não veio como um legislador, para com eloqüência defender os interesses de Deus entre os grandes da nação. Cristo não veio como um príncipe para reivindicar o trono de Davi e através da força levar o seu reino para os confins da terra. Cristo não veio como

um escriba, para mudar os conceitos da nação através da erudição de seus escritos. Cristo não veio como um chefe militar, para com seus exércitos libertar os oprimidos e trazer o juízo às nações. Cristo não veio como um artista excepcional, para comover as massas através da sensibilidade de suas obras. Jesus Cristo tinha todas as qualidades necessárias para qualquer um destes papéis, mas não confiou em seus próprios méritos. Em sua missão na terra. Ao invés disso, o seu hábito era dos mais comuns: ele se encontrava com as pessoas pessoalmente e conversava com elas. O trabalho do Salvador nesta terra, em que curou, ensinou, consolou, repreendeu, amou, foi feito durante o seu convívio com o povo. Alguns dos encontros que Jesus teve são narrados na bíblia. Cristo irradiava o caráter de Deus, e encontrar-se com ele pessoalmente era uma experiência transformadora. Dos muitos encontros narrados na bíblia, aquele que se deu entre Jesus e os dez leprosos nos traz um ensinamento importante:

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A caminho de Jerusalém, Jesus passou pela divisa entre Samaria e Galiléia. Ao entrar num povoado, dez leprosos dirigiram-se a ele. Ficaram a certa distância e gritaram em alta voz: “Jesus, Mestre, tem piedade de nós! “ Ao vê-los, ele disse: “Vão mostrar-se aos sacerdotes”. Enquanto eles iam, foram purificados. Um deles, quando viu que estava curado, voltou, louvando a Deus em alta voz. Prostrou-se aos pés de Jesus e lhe agradeceu. Este era samaritano. Jesus perguntou: “Não foram purificados todos os dez? Onde estão os outros nove? Não se achou nenhum que voltasse e desse louvor a Deus, a não ser este estrangeiro? “ Então ele lhe disse: “Levante-se e vá; a sua fé o salvou”. Lucas 17:11-19

Todos os leprosos haviam sido curados, mas apenas o samaritano reagiu a esta cura. Teriam sido os leprosos dignos da benção recebida? E havendo o samaritano voltado, seria um sinal de que ele era o mais indigno dentre os dez, o único que não teria merecido a benção? Ou seria ele o único digno? A questão aqui não é sobre o merecimento, mas sobre reconhecimento. Apesar de todos serem pecadores2 e terem recebido livremente a benção3, independentemente de seu mérito, apenas o samaritano percebeu a dimensão do que lhe havia acontecido. Tendo recebido a graça divina, ele se volta para Deus em louvor e agradecido se prostra aos pés de seu salvador. E aqui acontece algo maravilhoso: a cura da lepra era apenas uma pequena parte do milagre, porque, para aquele que voltou, Jesus ofereceu a salvação. A benção plena, embora estivesse livremente acessível a todos, foi acolhida por apenas um. Jesus Cristo veio para esta terra oferecer a salvação a todos. Aqueles que se voltarem para Ele poderão novamente olhar nos olhos de Deus.


NOTAS 1

No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus. Ela estava com Deus no princípio. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito. Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram. Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade. Pois a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por intermédio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido. João 1:1-5, 14, 17-18 2 Na verdade que não há homem justo sobre a terra, que faça o bem, e nunca peque. Eclesiastes 7:20 3

Tudo sucede igualmente a todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como ao que teme o juramento. Eclesiastes 9:2

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PARTE 6

ADORAÇÃO

A liturgia em nossa igreja assume várias formas. Há muita discussão sobre como deve ser a forma ideal de nossos cultos. Essa discussão tem seu lugar. Há, no entanto, uma constante a ser mantida: O culto agradável a Deus é aquele feito em espírito e verdade.

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Nossos próprios esforços não tem o poder de tornar nossa adoração mais aceitável a Deus. Podemos, entretanto, seguir os passos do samaritano quando formos comparecer diante de Deus: reconhecendo a benção que nos foi concedida, nos voltarmos a Deus em busca de sua presença e louvamos o nome de Cristo enquanto nos prostramos a seus pés.


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uando nos aproximamos de Deus para adorá-lo, não devemos nos enganar: As roupas que usamos, as músicas que escutamos, aquilo que comemos, os nossos atos de caridade, a piedade de nossos ancestrais, a nossa posição social, as ofertas que fazemos, o nosso conhecimento da bíblia, nosso esforço por guardar os mandamentos divinos: nada disso vai nos livrar da morte. Se nem Adão e Eva em seu auge tinham algo a oferecer a Deus, muito menos nós em nossa imperfeição. Estamos nus diante de nosso Criador e nossa justiça própria apenas aumenta a nossa inadequação. Assim, nos aproximamos de Deus não como quem traz recursos em busca de um bom negócio, mas como quem humildemente se prostra diante do Todo Poderoso e implora por sua vida. Unicamente o sangue de Cristo pode nos capacitar a comparecer diante de Deus. Ao nos aproximarmos de Deus, podemos seguir o exemplo do leproso samaritano:

próprio Deus quem buscou restabelecer uma relação pessoal que havia sido rompida pela raça humana. Não há nada que possamos fazer por nós mesmos, a não ser decidir como vamos reagir à iniciativa divina.

Primeiro, humildemente reconhecemos a benção que nos foi concedida. Tal como aconteceu com o leproso samaritano, a nossa salvação passa pelo reconhecimento do que Deus fez por nós. Foi o

Em seguida, nos voltamos para Deus em busca de sua presença2. Aqueles que buscavam a presença de Jesus eram integrados à comunidade de seus discípulos, da qual era um privilégio fazer parte.

Assim, se recebemos uma benção, não é porque sejamos merecedores, mas sim porque Deus é bom. E se não há merecedores, somos todos iguais perante Deus. Embora saibamos essa verdade de cor, ainda agimos como se uns fossem mais iguais do que outros.1 Se algumas vezes ainda nos julgamos melhores, mais dignos, mais preparados, mais humildes ou mais convertidos do que outros, é porque ainda não entendemos nossa condição real e o sacrifício de Jesus Cristo. Entretanto, deveríamos entender nossa própria vulnerabilidade e perceber que somos igualmente carentes. Não fosse a graça divina, ninguém se salvaria.

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dignidade da nossa adoração. Entretanto, até mesmo o samaritano nunca poderia ter se aproximado de Jesus, se fosse passar por um crivo formal. O homem que fora curado trazia apenas humildade e gratidão. Há quem possa argumentar que o samaritano trazia o que ele tinha de melhor, por isso a sua adoração foi aceita. Entretanto, a ideia de que o nosso melhor é o suficiente para Deus pode ser enganosa. Caim trouxe o melhor do seu trabalho como oferta para Deus, e assim fazendo confiou mais nos seus próprios méritos do que nos de Jesus, prenunciados no sacrifício do cordeiro.5 Muitos há que não gostam do culto em comunidade. Ora, Jesus sempre buscou o convívio com as pessoas, o contato pessoal. Entre os primeiros cristãos, a vida em comunidade era a regra.3 Porque seríamos diferentes do mestre, ou nos julgaríamos melhores do que seus discípulos? Hoje, ao buscarmos a Deus em comunidade, desviamos o foco de nós mesmos, temos nossos olhos abertos para o outro e obtemos o privilégio da presença de Deus.4 Finalmente, louvamos o nome de Cristo enquanto nos prostramos a seus pés. Quantas vezes discutimos que forma deve assumir a adoração em nossas igrejas, enquanto o primordial passa despercebido. Devemos antes nos lembrar do que significam os ritos e cerimônias do qual nos servimos para adorar a Deus, para não acontecer de estarmos promovendo formas vazias de vida. A verdadeira adoração a Deus vem de um espírito agradecido. Por vezes somos erroneamente levados a crer que a adoração a Deus depende de uma forma específica. Assim, quando não atingimos determinado padrão formal, podemos mesmo duvidar da

Quando Jesus foi confrontado com uma questão sobre a forma da adoração, ele prontamente afirmou: Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade. João 4:23-24 Cristo deixa bem claro que a adoração feita a Deus em espírito e em verdade é a única válida e agradável a Deus. Quando Jesus Cristo esteve entre nós, ele advertiu a Marta de que esta se afadigava com muitas coisas, enquanto uma só era necessária6. Se nos atarefamos em excesso, perdemos a chance de desfrutar da companhia do Salvador. Assim, reconhecendo o que Deus fez por nós, buscamos sua presença, e humildemente e agradecidos o louvamos, até que venha o dia em que nós possamos adorá-lo face a face.


NOTAS 1

Assim como no livro “A revolução dos bichos”, de George Orwell.

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2

E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração. Jeremias 29:13

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3

E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar. Atos 2:44-47

WHITE, Ellen. Patriarcas e Profetas. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007. Pág. 41.

E aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa; e tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Marta, porém, andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude. E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada. Lucas 10:38-42

4

Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. Mateus 18:19-20

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GUIA PRÁTICO

O CAMINHO DE VOLTA

Em nossos cultos, temos seguido os passos do Samaritano que foi curado da lepra? Propomos aqui algumas perguntas dividias de acordo com os passos que o samaritano tomou para se aproximar de Jesus. Reuna-se com a sua igreja, e procure responder estas perguntas com sinceridade. 1. Temos reconhecido quem é Deus e o que ele tem feito por nós? • Em nossa adoração, temos reconhecido nosso diminuto tamanho perto do Criador do universo e a nossa dependência dEle a cada instante? • Aceitamos verdadeiramente que somos amados por Deus ou sempre criamos condições para que Ele nos ame e ame os outros? • Percebemos que somos todos - dentro ou fora da comunidade pecadores e igualmente carentes da graça de Deus? • Compreendemos que Deus não precisa de nós e que mesmo quando nos pede algo é para nosso próprio benefício? • Estamos convencidos de que Deus nos deu tudo o que temos ou pensamos ter algo que vem de nós mesmos ou que nos pertence? 24


2. Temos nos voltado para Deus? • A presença de Deus tem sido real na percepção de nossa igreja? • Nossos cultos tem sido eventos em que Deus se faz presente, em oposição a meros programas de entretenimento? • O Espírito Santo tem agido através de nós para transformar a vida do nosso próximo? • Temos tido encontros pessoais com nossos irmãos, muito além de um “bom sábado” cortês? • Nossa religiosidade tem sido viva e atuante todos os dias, sem se limitar aos sábados? • Se nossa igreja deixasse de existir, a vizinhança sentiria falta? • E se a vizinhança fosse embora, nossa igreja sentiria falta? • Temos usado nossa visão liturgica para adorar a Deus com humildade ou para julgar outros dentro e fora de nossa comunidade? NOTAS

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3. Temos adorado a Deus em espírito e verdade? • Nossa adoração tem sido significativa e plena e não apenas um conjunto de atos pré-estabelecidos executados mecanicamente? • Quando nos reunimos para louvar a Deus, temos louvado como um grupo, não nos mantendo isolados uns dos outros? • Ao estudarmos a palavra de Deus, temos tido a oportunidade de meditarmos na mensagem que ela nos traz ou já recebemos uma interpretação pronta de um único preletor? • A habilidade do pregador tem ofuscado os ensinamentos bíblicos? • Nossas orações tem sido oportunidades para abrirmos o coração diante de Deus, sem um roteiro pré-estabelecido? • Nossa música tem sido feita em gratidão e humildade? • Nossos cânticos tem sido uma resposta à revelação divina, e não fruto de nossos próprios caprichos e formalidades?

Se a maior parte das perguntas foi respondida positivamente pela igreja, é possível que sua comunidade esteja no Caminho de Volta, buscando a Deus em espírito e verdade. No entanto, é bem provável que haja respostas negativas. Enxerguem nestes pontos oportunidades de buscarem viver de maneira ainda mais plena a revelação e o Amor de Deus.




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