•
Ano Ano XXXl XXlX nº nº 1.085 1.000 www.usp.br/jorusp
Publicação da Superintendência de Comunicação Social São Paulo, de 26 de outubro a 1º de novembro de 2015
Cápsulas que curam?
Universidade de São Paulo
Pessoas de várias partes do Brasil – e até do exterior – têm buscado no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP cápsulas de fosfoetanolamina, que supostamente curaram pessoas do câncer. Médicos e pesquisadores discordam e dizem que a droga não pode ser usada porque não tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Páginas 4 e 5 Cecília Bastos
As cápsulas com a substância fosfoetanolamina
Os últimos dias de Herzog O assassinato de Vladimir Herzog, em 25 de outubro de 1975, é lembrado por professores da USP que conversaram com o jornalista em seus últimos dias Páginas 12 e 13
Instituto Vladimir Herzog
Virada Científica atrai centenas aos campi Realizada nos dias 17 e 18 de outubro, a Virada Científica apresentou mais de 400 atividades científicas nos oito campi da USP.
O jornalista Vladimir Herzog
Páginas 10 e 11
Marcos Santos
Atividade circense da Virada
Evento discute Política ambiental Propostas como maior atenção à área da saúde, feitas em encontro no dia 19, serão incorporadas à política ambiental da USP. Páginas 3
Página 2 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
EDITORIAL
Dois temas de alta relevância O Jornal da USP dá destaque, nesta edição, para dois fatos muito distintos, mas de suma importância para a sociedade. Um deles é a polêmica envolvendo uma substância que supostamente teria efeitos terapêuticos sobre o câncer, conhecida pelo nome de fosfoetanolamina. Produzida desde o início dos anos 90 no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, ela teve a distribuição restringida em junho de 2014 por portaria daquele instituto, uma vez que não possui registro nem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Desde então, pacientes vítimas de câncer têm obtido liminares na Justiça que garantem a entrega da droga. Enquanto médicos alertam para os riscos de ingerir um produto cujos efeitos pouco se sabe, os pacientes, seus familiares e advogados argumentam que não se pode negar uma última esperança para aqueles que estão em estado terminal. Os textos publicados nas páginas 4 e 5 desta edição ajudam a entender um pouco melhor essa polêmica questão. O outro fato destacado nesta edição se refere aos 40 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura por agentes da ditadura militar, no dia 25 de outubro de 1975. Trata-se de um daqueles trágicos fatos que não podem ser esquecidos, a fim de que estejam sempre presentes na memória nacional os estragos que uma ditadura é capaz de produzir. Especialmente quando se veem grupos que, diante da crise política e social do País, fazem a despropositada sugestão de um retorno dos militares ao governo. Ao discutir temas como esses, o Jornal da USP acredita dar uma importante contribuição para a sociedade brasileira.
Reitor Marco Antonio Zago Vice-reitor Vahan Agopyan Superintendente de Comunicação Social Eugênio Bucci Chefe Técnico de Divisão de Mídias Impressas Marcello Rollemberg
Editores: Jorge Maruta (Fotografia), Moisés Dorado dos Santos (Arte) e Roberto C. G. Castro Chefe de Reportagem: Cinderela Caldeira Redação: André Meirelles, Anilda de Fátima Alves de Souza, Carolina Oliveira, Cecília Bastos, Claudia Costa, Flávio Alves Machado, Izabel Leão, Leila Kiyomura, Marcos Santos, Maria Angela De Conti Ortega, Paula Lepinski, Priscila Nery, Sílvia Vieira e Thiago Castro O Jornal da USP (ISSN 2357-7401) é um órgão da Universidade de São Paulo (USP), publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Superintendência de Comunicação Social (SCS) da USP. CTP, Impressão e Acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Redação, Administração e Assinaturas: Rua da Praça do Relógio, 109, Sala 410, 4º andar, Bloco L, Cidade Universitária, São Paulo (SP), CEP 05508-050, Tel: (011) 3091-1530 (com Fátima). E-mail: jornausp@usp.br. Site: www.usp.br/jorusp.
OPINIÃO
ARTIGO
As torres de Babel de hoje massa, e literalmente “absorvendo” o felizes, distendidos, temos de consumir Estado em seu próprio benefício, me- cada vez mais. Somos empurrados para Diz a Bíblia que, após o grande dilú- diante poderosos lobbies que controlam uma esteira hedonista, em que correvio, os homens, orgulhosos de seus feitos, a promulgação de leis que legitimam mos cada vez mais rápido para escapar decidiram construir uma torre para al- seus malfeitos, ao invés de apoiar as de um crescente sentimento de inadecançar os céus, mas Deus, sabendo que, políticas públicas que deveriam estar quação. Haveria pouca lamentação, a partir daí, estariam dispostos a tudo, voltadas para o bem comum. adverte Monbiot, inclusive nos setores confundiu sua linguagem, para que não As torres de Babel do mundo de hoje mais aquinhoados, se comparassem sua mais se entendessem e se dispersassem são bem mais sofisticadas, não estão res- situação com aqueles que, em grande pelo mundo. A “civilização”, centrada tritas fisicamente às grandes edificações. parte do mundo, sequer conseguem em um futuro compartilhado, em in- Como outras “construções” humanas, satisfazer as necessidades mais básicas. teresses comuns, em propósitos coleti- apenas expressam as nossas modalidades Novos paradigmas de crescimento, vos, permaneceu, desde então, carente de estar-no-mundo, os paradigmas vigen- poder, riqueza, trabalho e liberdade predessas condições e, hoje em dia, vê-se tes de crescimento, riqueza, poder, traba- cisam ser incorporados às instituições defronte a um colapso lho e liberdade. Como educacionais, culturais, sociais, políticas global iminente, face à nossos rios poluídos, es- e econômicas. Nas nossas sociedades asPolíticas públicas corrupção, às desigualpelham a “civilização” simétricas, as diferenças de poder entre e projetos de pesquisa dades sociais, à deteriocontemporânea: um pessoas físicas e pessoas jurídicas (cordeveriam contribuir ração ecológica e aos rio, lembra Cameron porações de negócios) levam à definição para um modelo mesquinhos interesses Muir, é um espelho, fragmentada e reduzida dos problemas. políticos e econômicos. reflete o cuidado das Como se observa nas manchetes dos ecossistêmico de As “torres de Bapessoas pelas próprias jornais, nas políticas públicas, nos forcultura, e não bel” de hoje atraem vidas, sua morte lenta matos acadêmicos, grandes corporaser um reforço do turistas endinheirados vai além das questões ções de negócios continuam a exercer modelo atual de todo o mundo (inecológicas, é um sinal seu poder sobre os assuntos de Estado, clusive aqueles que se de relações sociais es- enquanto sua responsabilidade legal é enriqueceram graças à frouxidão das leis faceladas. Como cuidamos das relações esmaecida ao longo das estruturas ponos chamados países emergentes), ma- sociais e como cuidamos das relações eco- líticas e econômicas vigentes. ravilhados pelos prodígios tecnológicos lógicas constituem uma questão única. Em vez de aceitar as tendências atudos orgulhosos engenheiros e arquitetos Inovações tecnocráticas, a “revolução ais e projetá-las para o futuro (pesquisa que construíram os sofisticados arranha- dos dados”, não transformam a dinâmica exploratória), seria necessário definir -céus que proliferam nas grandes cida- de poder. O processo de mudança impli- previamente as metas desejáveis e busdes do mundo, graças a uma cornucópia ca agentes capazes de capturar atributos car novos caminhos para alcançá-las financeira jamais exaurida, que os cus- heterogêneos, comportamentos e inte- (previsão normativa). As estratégias de teia e permite as dispendiosas viagens de rações, a dinâmica dos sistemas no nível “desenvolvimento”, os megaprojetos não lazer e acomodações em hotéis de luxo, populacional, ecológico, político e econô- consideram as necessidades humanas embora negue recursos à melhoria das mico. A transformação somente ocorre fundamentais, a integridade, resiliência e condições de saúde, educação, cultura quando, no planejamento e avaliação, beleza dos ambientes naturais e construe ambiente, cada vez mais precárias em é levado em conta o conjunto de todas ídos. As políticas públicas, os programas várias partes do mundo. as dimensões do estarde ensino, os projetos Megaeventos, promovidos por seg- -no-mundo na geração, de pesquisa deveriam Na ausência mentos privilegiados da política e da direção e controle dos contribuir para a trande uma ética economia e caracterizados por escân- eventos: íntima, intesição para um modelo fundamentada na dalos financeiros, são avidamente dis- rativa, social e biofísica. ecossistêmico de cultuputados por governos em todo o mundo, Na ausência de uma ra, ao invés de ser mais transcendência e de inclusive nos países caracterizados por ética fundamentada na uma filosofia coletiva, um elemento de reforço um enorme fosso entre os mais ricos e transcendência, na cado modelo atual (nãoa vida é manipulada os muito pobres. Enquanto as pessoas rência de uma filosofia -ecossistêmico). por interesses comuns são “entretidas”, enormes for- coletiva, inclusive de Setores públicos comerciais tunas florescem da noite para o dia, nas fé religiosa sustentável e privados, organizamãos de espertos entrepreneurs. Embora (Daniel Bell), a ciência, ções sociais, instituia sorte dos mais desfavorecidos continue a tecnologia, as comunicações e o mer- ções científicas e técnicas, os chamados atolada nos meandros do poder, os seto- cado dirigem agora todos os aspectos da stakeholders, deixariam de defender os res mais privilegiados podem desfrutar vida, que são facilmente manipulados seus interesses particulares em benefício das “torres de Babel” erguidas por so- por interesses comerciais ou ideologias da transformação solidária do atual sisfisticados hotéis, com seus playgrounds políticas. Em uma época em que Deus foi tema de coisas? É possível um mundo no e piscinas suspensas de mármore impor- “colocado entre parênteses”, prossegue qual sistemas internacionais imparciais tado da Turquia. Bell, valores e normas são vistos como de governança e agências transnacionais William E. Rees, cocriador da “pe- subjetivos, os laços sociais estão cada vez reguladoras tenham autoridade para gada ecológica”, afirma que as elites mais fracos e, apesar das comunicações implementar um conjunto de normas privilegiadas não irão abandonar vo- instantâneas, as pessoas têm grande di- de direito, valores e políticas públicas luntariamente o seu estado exaltado ficuldade em estabelecer e manter rela- destinadas à salvaguarda dos ambientes nem retirar a mão das alavancas do cionamentos significativos. naturais e construídos, do patrimônio poder. Elas têm capturado as agências O “mercado” afirma que temos cultural e, em última instância, da próreguladoras que operariam em prol do necessidades não satisfeitas, encora- pria sobrevivência da humanidade? interesse público, reforçando seu con- jando a busca de satisfação em seus André Francisco Pilon (gaiarine@usp.br) trole através dos meios de comunicação produtos efêmeros. George Monbiot é professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. social, da propaganda e dos eventos de observa que, para sermos sexy, bonitos, ANDRÉ FRANCISCO PILON
Superintendência de Comunicação Social MISSÃO:"Fazer a mediação, por meio de seus veículos, entre a USP e a Sociedade, noticiando, divulgando e apresentando as ações da Universidade de São Paulo de forma transparente para os públicos interno e externo”
● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 3 COMUNIDADE
AMBIENTE
Educar para mudar comportamentos Promovido pela Superintendência de Gestão Ambiental, evento na USP reúne especialistas do governo e de universidades da Inglaterra para discutir aspectos da política ambiental da Universidade – entre eles, a educação como meio de tornar os campi sustentáveis “Que a política de meio ambiente da USP esteja presente no coração de toda a comunidade universitária, como também no coração das autoridades da Universidade. A direção maior da USP precisa encarnar a política ambiental, porque, enquanto isso não for realidade, não teremos uma política ambiental que vá além do papel.” Foi o que disse o professor Marcos Sorrentino, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), durante a mesa redonda “Política Ambiental da USP”, realizada no dia 19, no Edifício da Reitoria. O evento foi promovido pela Superintendência de Gestão Ambiental (SGA) da USP, com o objetivo de discutir as metas do Programa USP Ambiental, promovido pela SGA. Estavam presentes o superintendente de Gestão Ambiental, Marcelo de Andrade Roméro, o ex-reitor da USP e ex-secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, José Goldemberg, o representante da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, André Luiz Moura de Alcântara, pesquisadores da University College London e da Association School of Architecture, ambas da Inglaterra, e representantes dos grupos de trabalho da SGA – responsáveis pela elaboração da política ambiental da Universidade –, como Sorrentino, ligado ao Grupo de Trabalho Educação Ambiental. Para Goldemberg, é preciso que a política ambiental da USP dê ênfase à reciclagem, ao desperdício de água e de energia e a edificações inteligentes, que utilizem energia solar e diminuam o uso do ar condicionado, por exemplo. Ele sugeriu que os responsáveis não foquem apenas na política geral, e sim nas ações mais diretas e nos programas já existentes. Roméro concordou e pontuou que, sobre a redução de energia, já há estudos sendo realizados para conseguir maximizar resultados e minimizar custos. O professor da Association School of Architecture Klaus Bode citou a necessidade de um olhar crítico sobre o uso do espaço na questão da mobilidade, como também da saúde e
Marcos Santos
O encontro da Superintendência de Gestão Ambiental, no dia 19: propostas serão incorporadas à política ambiental da USP
do bem-estar. Ele acredita que as pessoas conseguem entender melhor a importância de uma política ambiental se perceberem mudanças em sua qualidade de vida e, dessa forma, conseguem mudar de atitude. “O mais importante é educar. Primeiro, a educação para mudar o comportamento e a mente das pessoas”, acrescentou. O superintende da SGA acatou a sugestão e acrescentou que as questões de saúde serão incluídas nos grupos já existentes. Além disso, pretende pesquisar sobre a alimentação oferecida nos restaurantes dos campi e nos clubes da Universidade. Comunidade – O representante do Grupo de Trabalho Resíduos, Uso e Ocupação Territorial, professor Miguel Cooper, explicou que a política ambiental da USP não foca em tecnologia, mas sim na comunidade, “em como ela será afetada pelo meio”. Para Roméro, a intenção do programa ambiental da Universidade é que a USP seja um laboratório de práticas socioambientais para as cidades. No entanto, antes de isso acontecer, é importante fazer primeiro com que os próprios campi sejam bons para os seus usuários. “Por enquanto ensinamos uma coisa e fazemos outra.” Nesse sentido, a professora Sueli Angelo Furlan, representante do Grupo de Trabalho Áreas Verdes e Reservas Ecológicas, concordou que a USP não seja efetiva com o ambiente em sua própria casa. “Essa falta de
efetividade incomoda a todos nós, pesquisadores e professores, que formamos pessoas que atuam nos governos. Também sabemos que somos fortes em formação e informação, mas não tão fortes em transformação. Ainda gastamos recursos não em conformidade com a legislação, quando canalizamos rios e derrubamos mata. Temos que mudar a forma de pensar a natureza”, ressaltou. A professora Joana Carla Soares Gonçalves, representante do Grupo de Trabalho Edificações Sustentáveis, acredita que a USP é um resumo dos problemas que a cidade enfrenta. “Portanto, resolver esses problemas ajuda a socie-
dade em geral. A melhor forma de influenciar alguém é fazer com que quem está no poder dê bons exemplos, construindo edifícios autossustentáveis, por exemplo, para que as pessoas possam ver e seguir como exemplo”, declara. André Luiz Moura de Alcântara, da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, destacou que somente através da educação ambiental a política ambiental se tornará possível. “A educação ambiental é um
instrumento para a mudança de comportamento”, disse. E fez uma ressalva: “Que não fique restrito a um conhecimento técnico, mas sim seja um pacto entre toda a comunidade, visando a um maior uso de todos os recursos da Universidade. Que todos sejam parte integrante e não apenas indivíduos educados, mas educadores. Que a consciência individual os leve a fazer parte do todo e agir pensando no bem maior da USP, do espaço comum, para criar algo que dure”. Ao fazer um balanço do evento, Marcelo Roméro ressaltou que a reunião proporcionou várias contribuições importantes, principalmente de representantes do governo, que afirmaram estar desenvolvendo políticas de educação ambiental e querer se alinhar com a política da USP. Outras sugestões relevantes foram a criação do Grupo de Trabalho Saúde, o treinamento prático dos alunos e a proposta de treinamento de 600 professores para serem multiplicadores entre outros professores.
Página 4 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● COMUNIDADE
QUÍMICA
A polêmica das cápsulas azuis e brancas A esperança de cura para os que sofrem com os diferentes tipos de câncer tem levado familiares e amigos a se enfileirar nas portas do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP em busca da fosfoetanolamina – substância que supostamente tem poderes terapêuticos contra o câncer. São pessoas que vêm do Brasil e de outros países na expectativa de encontrar uma solução clínica que não está ao alcance da realidade dos funcionários e dos professores LEILA KIYOMURA Em São Carlos
Um laboratório como tantos outros da Universidade de São Paulo, instalado em uma pequena sala retangular de, no máximo, 28 metros quadrados. Nesse espaço de pesquisa universitária, com vidrarias como béquer, pipetas e balão volumétrico e equipamentos como destilador e estufa – além de bancadas, pia e reagentes – é que foi sintetizada a fosfoetanolamina ou fosfoamina. Uma substância que, nos últimos dois meses, foi noticiada pelos jornais, revistas, sites e blogs do mundo inteiro como “um possível remédio contra o câncer”. A notícia acabou resultando em uma procura desenfreada de pessoas do Brasil e de outros países na tentativa de poder ajudar amigos e familiares que estão sofrendo com os diversos tipos da doença. E em centenas de recursos judiciais que impõem ao Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP – onde, desde o início dos anos 90, a droga é produzida – a liberação do fornecimento da substância química para uso clínico. Uma decisão que exige a entrega das cápsulas, mesmo com as justificativas da Universidade de São Paulo, através de
comunicado oficial, de que “a fosfoetanolamina não é remédio” e que “foi estudada como um produto químico, não existindo demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença”. No dia 20 de outubro, a reportagem do Jornal da USP foi ao campus de São Carlos para ouvir os pesquisadores, professores, funcionários, familiares e amigos de pacientes. O vice-diretor do IQSC, Éder Tadeu Gomes Cavalheiro, professor do Departamento de Química e Física Molecular, ao mostrar o laboratório, argumenta: “Como vocês podem ver, não temos uma indústria química ou farmacêutica. Os nossos laboratórios são espaços de pesquisa. Não temos condições de produzir essa substância em larga escala”. O professor esclarece que as cápsulas são feitas de forma artesanal e por um único pesquisador. “O que nos preocupa é que a substância não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a produção de medicamentos.” Sem aprovação – Cavalheiro alerta que não há estudos clínicos concluídos, o que poderia durar anos. “Também não há confirmação científica do seu eventual espectro de ação nem
Cecília Bastos
As cápsulas de fosfoetanolamina: produzidas desde os anos 90
de como utilizá-la de maneira proveitosa e segura. Ainda assim, temos atendido às liminares em condições extremamente precárias, pois o IQSC é uma unidade educacional. Reforço que não é uma fábrica de medicamentos nem de insumos químicos. Não dispõe da patente do processo de fabricação nem de estrutura para atender à demanda exigida pelo volume de determinações judiciais. Enquanto isso, há anúncios de advogados na internet se oferecendo para impetrar mais e mais pedidos.” O professor faz uma retrospectiva dos fatos que acabaram envolvendo a fosfoetanolamina. “Em junho de 2014, a diretoria do IQSC baixou portaria regulamentando a produção e distribuição de drogas, ou seja,
não só a fosfoetanolamina, com a finalidade medicamentosa ou sanitária no âmbito da unidade. Em nenhum momento a portaria teve a finalidade de proibir pesquisas desenvolvidas no instituto. Desde então, pessoas passaram a recorrer a ações judiciais solicitando a utilização de uma substância que estava sendo estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice, visando a seu uso como medicamento para a suposta cura do câncer. Houve deferimento de ações liminares, num entendimento de que o IQSC deveria fornecer a referida substância, mesmo que não houvesse registro da droga junto ao órgão regulador da produção e distribuição de medicamentos no País.”
O professor que está à frente da pesquisa da fosfoetanolamina desde o início dos anos 1990 é Gilberto Orivaldo Chierice, apontado pela revista Superinteressante, nos anos 80, como um dos 100 cientistas mais importantes do Brasil. Ele detém a patente da droga e a USP não tem coautoria nessa patente. Até a publicação da referida portaria, ele fazia a doação gratuita das cápsulas. Segundo o comunicado oficial do IQSC, o estudo foi realizado de forma independente pelo professor Chierice, que estava ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros. “Esses estudos independentes envolveram a metodologia de síntese da substância e contaram com a participação de outras pessoas, inclusive pessoas que não têm vínculo com a Universidade de São Paulo”, informa o comunicado. No dia 20 de outubro, o Jornal da USP procurou conversar com o professor Chierice. Porém, ele não estava em São Carlos, onde reside. Sem bula – Com a decisão judicial, a substância química tem sido entregue via correio no endereço que consta na petição inicial. “As pessoas que obtiverem a liminar não devem ir ao instituto para retirar a substância”, informa a Assistência Técnica de Direção
NA ACADEMIA, NA JUSTIÇA E NA MÍDIA Início dos anos 90
2013
O professor Gilberto Chierice se aposenta. O professor Gilberto Orivaldo Chierice, do Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), começa a fazer pesquisas com a substância fosfoetanolamina. Cápsulas de fosfoetanolamina passam a ser oferecidas gratuitamente por Chierice para ser tomadas por pacientes com câncer. Há relatos de cura de pacientes com câncer que tomaram as cápsulas de fosfoetanolamina, o que faz aumentar a procura pela droga.
2014
2015
10 de junho
26 de agosto
A Portaria nº 1.389/2014, da diretoria do IQSC, determina que a produção e distribuição de drogas com finalidade medicamentosa só podem ocorrer com a apresentação de licenças e registros expedidos pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Como as cápsulas de fosfoetanolamina não têm aprovação da Anvisa, a produção e a distribuição do produto são paralisadas. Pacientes com câncer entram na Justiça para obter a droga. Centenas de liminares são concedidas, autorizando a entrega das cápsulas.
Em entrevista ao site G1, o professor Gilberto Chierice afirma que produzia 50 mil cápsulas por mês, 60 por pessoa. Ele acusa a Anvisa de “má vontade” por demorar em aprovar a droga. “Se existisse boa vontade, isso já tinha sido aplicado em hospitais do governo, como dados experimentais”, disse.
6 de outubro
8 de outubro
9 de outubro
O Supremo Tribunal Federal (STF) concede medida cautelar para uma paciente com câncer do Rio de Janeiro, que suspendeu a decisão do TJ-SP.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspende liminares que garantiam o fornecimento das cápsulas de fosfoetanolamina.
Aumenta o número de liminares solicitando a droga. Em nota publicada em sua página na internet (www. iqsc.usp.br), o IQSC afirma que a USP não possui acesso aos elementos técnico-científicos necessários para a produção da substância, “cujo conhecimento é restrito ao docente aposentado e à sua equipe e é protegido por patentes (PI 0800463-3 e PI 0800460-9)”. Na mesma nota, o IQSC ressalta que não dispõe de dados sobre a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos e não dispõe de médico para orientar e prescrever a utilização da referida substância.
O desembargador José Renato Nalini, presidente do TJ-SP, reconsidera o pedido de suspensão de entrega da fosfoetanolamina.
COMUNIDADE ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 5
do IQSC. “Uma vez expedida a liminar, o Instituto de Química de São Carlos recebe a notificação através do oficial de Justiça e encaminha a substância. As pessoas não pagam nada, só o serviço do correio, que é cobrado do destinatário”. A Assistência deixa claro que a fosfoetanolamina não é entregue às pessoas pelo instituto. As cápsulas brancas e azuis, em pacotes com 60 comprimidos, são entregues sem bula ou informações sobre efeitos colaterais e contraindicações. “No comunicado oficial, o Instituto de Química de São Carlos reitera que não tem dados sobre a eficiência da substância no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos. Não tem conhecimento da existência de controle clínico das pessoas que consumiram a substância e não dispõe de médico para orientar e prescrever a utilização da substância”, diz a Assistência Técnica. De acordo com a portaria publicada pela diretoria do IQSC, a produção e distribuição de drogas só podem ser liberadas com a apresentação de licenças e registros. E a fosfoetanolamina sintética não tem a permissão da Anvisa. “Essa portaria se refere a todas as substâncias experimentais e a sua meta é
normatizar os procedimentos dentro da Universidade.” Segundo Éder Cavalheiro, que fez mestrado e doutorado sob a orientação do professor Orivaldo Chierice, não há nenhuma intenção do Instituto de Química de São Carlos de desqualificar os estudos realizados sobre a fosfoetanolamina até o momento. Ele critica as divulgações inadequadas pela mídia e redes sociais. “Há uma profusão de informações, algumas mais, outras menos precisas, que estão induzindo as pessoas a crer que há uma fonte inesgotável de um elixir milagroso disponível na USP de São Carlos e que basta ir apanhá-lo para se livrar da doença. Isso, infelizmente, não é verdade, pelas razões já expostas. Diariamente, dezenas de pessoas acorrem ao IQSC, buscando o referido ‘medicamento’ e não podemos atendê-las, levando a frustração e mais sofrimento para doentes e familiares”, observa. “Por isso, é preciso esclarecer os interessados de que não temos condições de fornecer a referida substância em quantidade suficiente para atender a uma demanda dessa magnitude. Ao mesmo tempo, é importante sensibilizar os diferentes níveis do Judiciário para tais questões.” Cecília Bastos
Comunicado afixado no IQSC: telefones não param de tocar
13 de outubro USP divulga comunicado em que afirma que a fosfoetanolamina não é remédio e que foi estudada como um produto químico. Afirma ainda que não existe demonstração cabal de que o produto tenha ação efetiva contra a doença e que não desenvolveu estudos sobre a ação da droga nos seres vivos nem estudos clínicos controlados em humanos. No mesmo comunicado, a USP destaca que a Universidade não é uma indústria química ou farmacêutica e que não tem condições de produzir a substância em larga escala. “A produção da substância em pauta, por ser artesanal, não atende aos requisitos nacionais e internacionais para a fabricação de medicamentos.”
16 de outubro Em nota enviada ao site UOL, a Anvisa afirma que a fosfoetanolamina não tem comprovação de eficácia contra o câncer e sua distribuição à população é ilegal. Na nota, a Anvisa afirma que não recebeu nenhum pedido de avaliação para registro da substância.
A expectativa de quem acredita Cecília Bastos
O Instituto de Química de São Carlos da USP: desespero
A orientação do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP de que a fosfoetanolamina não está sendo entregue no campus não consegue deter as pessoas de todo o Brasil e até de outros países, que chegam ao campus em busca da droga. Muitas já entraram na Justiça, mas querem informações que possam aliviar a expectativa de ver filhos, pais e amigos curados. “Já me explicaram, mas a angústia de ver a minha mãe sofrendo é muito grande”, contou Christian Gama, servidor público em Manaus. “Ela tem 57 anos e já fez cirurgias, quimioterapias... Nada adiantou. Ela viu na televisão sobre esse possível remédio e me pediu para buscar. Sei que não existe milagre. Sei também que não foi testado em seres humanos. Mas minha mãe não se importa em ser cobaia.” Já o engenheiro Carlos Campos veio do Rio de Janeiro. “É a terceira vez, nestes últimos dez dias, que venho para São Carlos. Meu filho tem 9 anos e está com câncer no
17 de outubro
Em matéria no jornal O Estado de S. Paulo, o oncologista Gilberto Amorim afirma que abandonar o tratamento tradicional contra o câncer para experimentar as cápsulas de fosfoetanolamina pode trazer sérios prejuízos para os pacientes. “As pessoas não sabem os efeitos colaterais e podem deixar de fazer um tratamento que vai ser curativo em troca da indústria do desespero”, disse.
cérebro. Ele não pode esperar mais. Quero tentar esse remédio mesmo sem bula. Eu sei que tem histórias desesperadoras. Mas acho que deveriam selecionar por idade. E meu filho tem uma vida pela frente.” O cardiologista Vagner Rodrigues, que reside e trabalha em Jaú (SP), também estava na porta do prédio da Administração do IQSC querendo informações. “Moro em Jaú e vim aqui para saber como devo proceder para conseguir essa substância para uma conhecida”, conta. “Eu sou médico, mas entendo que a esperança é muito importante, que o estado psicológico ajuda no tratamento. A minha mãe tomou as cápsulas de fosfoetanolamina doadas pelo professor Gilberto e ela dizia que era o melhor remédio. Eu mesmo, sendo médico, como posso duvidar do que ela sentia?” O vendedor Mario Teixeira mora em São Carlos. Veio ao campus para se informar sobre os procedimentos para conseguir as cápsulas. “Sei
18 de outubro
que o professor não é médico. Ele mesmo diz isso. Mas fazia questão de conversar, ver as radiografias e ele também dizia que aquelas cápsulas estavam sendo pesquisadas. Um dia perguntei por que ele não vendia a fórmula para algum laboratório no exterior. E ele disse que a sua meta não era ganhar dinheiro, e sim ver as pessoas curadas com um remédio que poderia, um dia, ser distribuído nos postos e nos hospitais de graça. Aqui na cidade ele é respeitado. Teve gente que tomou a fosfoetanolamina e morreu de câncer. Mas há outras que se curaram. Porém, o resultado depende de muitos fatores.” As histórias dos que sofrem com os vários tipos de câncer estão no cotidiano cotidiano dos funcionários do IQSC. “É nessa hora que gostaria de ser médico. Tudo o que eu posso fazer para ajudar é ouvir. Vou para casa com a imagem das pessoas doentes. É triste ver gente que veio de longe. Muitas vezes eles se desesperam. Outro dia, uma moça empurrou a assistente administrativa porque achava que ela tinha as cápsulas guardadas na bolsa", diz um dos funcionários Nos laboratórios, nas secretarias, recepção, os telefones não param de tocar. Os funcionários da comunicação e assistência administrativa mostram os e-mails que recebem do exterior e de todo o Brasil. Uma realidade dramática do câncer, que é a segunda doença com maior incidência de mortes no Brasil, atrás apenas das doenças cardiovasculares.
19 de outubro
20 de outubro
Em Editorial intitulado “Justiça pré-científica”, o jornal Folha de S. Paulo critica o comportamento da Justiça, que autorizou a distribuição das cápsulas. “As liminares concedidas não só ignoram princípios básicos da pesquisa científica como também colocam em risco a vida dos mais de mil pacientes autorizados a receber um composto a respeito do qual praticamente nada se sabe”, diz o Editorial.
No programa “Fantástico”, da Rede Globo, o médico Drauzio Varella afirma que não existe uma droga única capaz de curar os vários tipos de câncer.
O ministro do STF Luiz Edson Fachin afirma que a decisão de liberar a droga para uma paciente do Rio de Janeiro foi “excepcional”, em razão do estado terminal da paciente, e que isso não representa um precedente.
Decisões da Justiça
Em coluna no UOL, a jornalista Cláudia Collucci escreve que “a inércia da USP gerou a histeria” em busca das cápsulas de fosfoetanolamina. “Como o professor passa anos e anos fabricando e distribuindo uma substância fora dos protocolos de uma pesquisa clínica, dentro do ambiente universitário, e a USP não fica sabendo? Quem pagou a matériaprima gasta para fabricar essa droga? E o funcionário que operou a máquina? É preciso que a USP apure muito essa história, puna os responsáveis e torne tudo transparente. Eu, como contribuinte, quero muito saber quem pagou essa conta.”
A polêmica na mídia
Página 6 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● COMUNIDADE
EVENTO
Os desafios da educação física escolar Promovido pela Escola de Educação Física e Esporte, seminário vai discutir práticas docentes e aproximar a Universidade das escolas do ensino básico Fotos: Cecília Bastos
CAROLINA OLIVEIRA
Não é segredo que ser professor é uma tarefa extremamente desafiadora. No cotidiano em sala de aula, o docente precisa não apenas transmitir determinados conteúdos, mas lidar com novas tecnologias, balancear classes amplamente heterogêneas e suprir as mais diversas necessidades dos alunos. E quando se trata de Educação Física, o desafio é ainda mais distinto, uma vez que professores dessa disciplina enfrentam questões bastante específicas. Visando a discutir um pouco mais sobre as questões relativas ao ensino, sobretudo nessa área, o Seminário de Educação Física Escolar chega à sua 13ª edição com o tema “Sentir, pensar e agir na docência”. O evento ocorre de 6 a 8 de novembro, com discussões que giram em torno da temática do professor. “Falaremos sobre a globalidade e a identidade da ação docente”, explica o professor Walter Correia, professor da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e presidente da comissão organizadora do evento. Tal postura já vinha sendo adotada nas últimas duas edições: enquanto o seminário deste ano analisa o sentir, pensar e agir na docência, o evento em 2014 falava sobre a prática docente e, no ano anterior, sobre os saberes docentes. “Escolhemos um assunto que fosse atrativo do ponto de vista profissional e, por isso, temos o tema da docência sob diferentes enfoques, um para cada edição”, diz Correia. Diálogo – Vinculado ao Departamento de Pedagogia do Movimento do Corpo Humano da EEFE, o seminário é voltado principalmente a professores do ensino básico. A ideia é que os profissionais da área possam trocar experiências sobre as práticas desenvolvidas, além de aproximar as escolas da Universidade e do meio acadêmico. Para o professor Correia, a relação entre academia e escola é essencial. “Esse é o próprio desafio da política educacional: como criar mecanismos e estratégias para que esse diálogo possa acontecer. Um diálogo que esteja pautado sobre os desafios e as questões práticas e profissionais dos professores”, diz. “É um trabalho importante, mas que exige uma mudança
A quadra da Escola Municipal Jardim da Conquista, em São Paulo: evento vai reunir professores do ensino básico
de postura do ponto de vista da academia, que deixa de ser um lugar de um pressuposto saber acima do saber dos profissionais, mas sim um saber de outra natureza.” Por isso, além das tradicionais palestras acadêmicas, o evento inclui apresentação de trabalhos dos próprios docentes inscritos, para que eles também possam compartilhar seus resultados com os demais presentes. “O professor esclarece onde foi realizada a experiência, que turmas foram envolvidas, qual era o objetivo da prática, conteúdos explorados, estratégias utilizadas e destaques sobre o processo”, explica Correia. Para esta edição, foram inscritos 380 projetos. O professor Luciano Basso, docente da EEFE e secretário da comissão organizadora, aponta que as atividades foram pensadas justamente para que o professor visitante se sinta à vontade para expor suas ideias. “Como a gente cria voz para o professor? No seminário, o professor tem suas ideias divulgadas para os próprios professores”, diz. “Criamos não só um lugar de transmissão, mas um lugar de troca.” As demais atividades do evento seguem a mesma linha. Oficinas de jogos, ginástica, lutas e dança abrirão as ações do seminário, visando, segundo o professor Correia, a estimular a própria interação entre os professores. “Colocamos as oficinas para que elas possam acolher os professores a partir de uma atividade que eles próprios têm como valor: a linguagem do movimento”, diz. “São oficinas de curta du-
ração, para que eles possam chegar e interagir com os colegas.” O seminário também trará a exposição “Cenas do Cotidiano Escolar”, com fotografias enviadas pelos próprios professores.
“A Universidade dialoga muito menos com a sociedade do que deveria. Por isso, iniciativas como a do seminário são louváveis”, aponta o professor Clóvis de Barros, docente da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP e um dos palestrantes do evento. “A academia precisa aprender com os professores do ensino básico, para poder fazer uma tarefa: pegar o conhecimento produzido na Universidade e colocá-lo a serviço dos cursos de licenciatura”, diz Walter Correia. Para o professor da EEFE, esse distanciamento entre academia e escola acaba tornando os cursos de licenciatura menos completos, de modo que os futuros professores se formam estando menos preparados para lecionar. “Ainda são cursos teóricos, distantes da produção de conhecimento. Há um distanciamento da relação teoria e prática”, diz. O 13º Seminário de Educação Física Escolar acontece entre os dias 6 e 8 de novembro, na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. As vagas já estão esgotadas, mas interessados podem se inscrever em uma lista de espera no site do seminário (http://seminarioefe.org).
Dilemas da prática docente
Walter Correia: problemas da educação afetam a educação física
Professor durante mais de dez anos em turmas da educação infantil ao ensino médio, Walter Correia – docente da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP – aponta que ainda há muitos desafios envolvendo a educação física escolar. Para o professor, muitas questões não se restringem apenas à educação física, mas abrangem todas as disciplinas. “Não quer dizer que a Educação Física não tenha precariedades. Mas, muitas vezes, a precariedade não está na Educação Física, mas na política de educação como um todo”, diz. Um exemplo é a precarização do trabalho, já que muitas escolas não oferecem condições de desenvolver boas práticas. Correia afirma que um dos
maiores problemas é a falta de uma política de formação continuada para os professores. “Nós não conseguimos ainda, como política pública, ter um modelo de gestão que dê sustentabilidade a docentes do ponto de vista material e salarial”, aponta. Outro ponto destacado pelo professor é a grande heterogeneidade entre os estudantes, que vêm de contextos pessoais, familiares e culturais diferentes. “Como fazer a mediação de relações humanas dentro da escola com alunos de realidades tão distintas?”, questiona Correia. “Isso é um desafio para a educação, e ainda não temos todos os instrumentos para lidar com esse fenômeno tão complexo.” No caso da educação física, as diferenças comportamentais
entre os alunos tornam as atividades ainda mais desafiadoras, já que muitos sentem vergonha de praticar os exercícios propostos. “Quando eu faço um exercício de matemática, não fico tão em evidência como quando eu estou fazendo um exercício na Educação Física”, aponta o professor Basso. Além disso, é comum que as aulas da disciplina sejam vistas como meras atividades de recreação. “A aula de Educação Física, muitas vezes, é vista como uma extensão do recreio, entendida dentro de uma perspectiva muito mais diversionista do que puramente pedagógica”, avalia o professor Clóvis de Barros. Ainda assim, na opinião do professor Correia, a Educação Física se encontra “em franca evolução”. Atualmente, as práticas na disciplina vêm sendo transformadas, indo além dos jogos com modalidades tradicionais e ampliando a gama de atividades, além de buscarem um processo de inclusão que englobe todos os alunos, e não apenas aqueles que já possuem habilidades motoras e esportivas. “Sempre tem o professor que solta a bola, aquele que trabalha com pouquíssimos temas de maneira reprodutora. Mas essa fotografia vem sendo mudada lenta e progressivamente dentro da escola”, diz.
COMUNIDADE ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 7
NOTAS
Estudo da Esalq orienta Plano de Irrigação O diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, professor Luiz Gustavo Nussio, e o vice-diretor, professor Durval Dourado Neto, estiveram no dia 15 de outubro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Brasília, para reunião com a ministra Kátia Abreu. O encontro teve por objetivo a apresentação do estudo “Análise Territorial no Brasil para o Desenvolvimento da Agricultura Irrigada”, desenvolvido pelos professores Gerd Sparovek e Dourado Neto, em parceria com o Ministério da Integração Nacional (MI). O estudo apresentado foi incluído no Plano Nacional de Irrigação, por meio da Portaria nº 115, de 18 de junho de 2015, publicada no Diário Oficial da União e assinada pelo ministro de Estado da Integração Nacional, Gilberto Magalhães Occhi. A partir dessa definição, os projetos públicos que envolvem o tema deverão ser planejados e implantados conforme o relatório da pesquisa, que avaliou 168.843 mil bacias hidrográficas do País, sendo cerca de 5 mil hectares cada. Como resultado, a pesquisa demonstrou que o Brasil tem potencial para expandir em até 61 milhões de hectares suas terras irrigadas, o equivalente a 10 vezes o atual. Segundo o professor Nussio, a apresentação faz parte de uma ação da Diretoria em buscar projetos de alçada institucional que atendam a demandas nacionais. “Conseguimos um grande avanço nesse aspecto, com a reunião no Mapa, colocando a Esalq à disposição para projetos futuros”, afirmou. O diretor ressaltou, ainda, que a atividade está alinhada às metas da Reitoria da USP em fazer com que as unidades se dediquem mais a estudos em consonância com as políticas públicas e com as demandas da sociedade. “É uma maneira de fazer as equipes trabalharem de forma mais integrada, com ações mais abrangentes.” Para Durval Dourado Neto, o resultado do estudo traz um fato novo, já que, segundo a FAO, o Brasil possui 29 milhões de hectares irrigáveis. Ou seja, a pesquisa coordenada pelos docentes da Esalq indica um número bem superior a esse.
INTERIOR
Esperança de cura na religião Tese de doutorado mostra a importância da religiosidade para idosos que precisam se submeter à hemodiálise Marcos Santos
Consolo: pacientes buscam religião como forma de estratégia, conforto ou fonte de esperança RAQUEL DUARTE De Ribeirão Preto
Tese de doutorado defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, que investigou o bem-estar espiritual e a religiosidade de idosos em tratamento hemodialítico, aponta que idosos que realizam hemodiálise encontram na religiosidade características positivas para lidar com situações que a doença gera. A crença também traz qualidade de vida e alívio durante o tratamento hemodialítico, revela o estudo. A pesquisa foi feita pela enfermeira Calíope Pilger em Ribeirão Preto e teve como objetivo analisar a relação entre o bem-estar espiritual, a religiosidade, o enfrentamento religioso e espiritual, as variáveis sociodemográficas, econômicas e de saúde com a qualidade de vida de idosos que se encontram em tratamento. Os idosos que realizam hemodiálise precisam se adaptar a um novo estilo de vida que a doença renal crônica lhes impõe. Nessa nova vida, diz a pesquisadora, eles se deparam com o uso contínuo de medicações, mudança nos hábitos alimentares e a dependência de outras pessoas e de aparelhos para adaptações à nova realidade da sua vida, e isso pode levá-los à depressão, problemas emocionais e existenciais.
Nesse sentido, a religião é utilizada pelos pacientes como enfrentamento para as situações estressantes da vida, segundo Calíope. “Eles usam a fé como uma forma de auxiliar as consequências emocionais negativas que vieram depois da doença ou então dos momentos difíceis que precisam vivenciar.” Para os idosos, algumas questões são apontadas como importantes dentro da religião, como estar conectado com Deus e o encontro com pessoas em igrejas ou templos religiosos. Com isso, relatam, dividem a mesma crença, a realização de ações sociais, como grupos de oração e visitas aos doentes, e a fé, que auxilia nas dificuldades que a vida impõe. Dos 169 idosos questionados, 125 eram do sexo masculino, e 44, do sexo feminino, com idades entre 60 e 99 anos. Do total, 104 fazem parte da religião católica, 35 da religião evangélica, 15 da religião espírita e um da budista. Os demais não possuem religião. Para obter os resultados da pesquisa, Calíope utilizou alguns métodos, entre eles o Índice de Religiosidade de Duke, que mensura três das principais dimensões do envolvimento religioso relacionadas a desfechos em saúde: Religiosidade Organizacional (RO), que é a frequência a encontros religio-
sos; Religiosidade Não Organizacional (RNO), frequência a atividades religiosas privadas; e a Religiosidade Intrínseca (RI), que se refere à busca de internalização e vivência plena da religiosidade como principal objetivo do indivíduo. Mulheres – O estudo constatou que as mulheres apresentaram maior RO, RNO e RI quando comparadas aos homens. Os idosos com até 80 anos de idade apresentaram maior RO, porém, os com 80 anos ou mais apresentaram maior RNO e RI. Alguns índices indicaram que, quanto maior a idade e o número de comorbidades, menor a RO. Outro dado é que, quanto maior o tempo de tratamento hemodialítico, maior a religiosidade. Segundo a pesquisadora, os idosos afirmaram que a doença renal crônica é vista como uma das piores e mais sofridas doenças, pois, após os rins pararem de funcionar, o paciente necessita realizar o processo de hemodiálise. O processo permite a remoção das toxinas e do excesso de água do organismo, a partir da filtragem do sangue em um rim artificial por meio de uma máquina, o que é feito três vezes por semana, com duração de quatro horas cada sessão. “O tratamento hemodialítico promove o equilíbrio do corpo e mantém a vida”, diz Calíope.
É nesse momento que os pacientes buscam a religião, diz a pesquisadora, como forma de estratégia, conforto ou fonte de esperança para enfrentar a situação em que se encontram. Para a pesquisadora, tal prática é importante, uma vez que ajuda a administrarem o seu dia a dia. “Percebo a importância da religião como suporte social, pois é uma forma de o idoso se socializar. Mas muito importante também é a esperança, o conforto que a crença em algo superior proporciona à saúde física, mental e social. Além de representar uma estratégia de enfrentamento de situações estressantes”, afirma ela. Calíope lembra que, diferente de pessoas em outras fases da vida, os idosos possuem suas singularidades e especificidades, nas dimensões físicas, sociais, emocionais e espirituais. “Na parte espiritual, as particularidades dos idosos estão relacionadas às questões existenciais e à busca pela cura e conforto.” A tese “Estudo correlacional entre bem-estar espiritual, religiosidade, enfrentamento religioso e espiritual e qualidade de vida de idosos em tratamento hemodialítico” foi defendida em maio último, com orientação da professora Luciana Kusumota.
Página 8 ● De 26 de outubro a 1º de novembro CIÊNCIA de 2015 ●
TECNOLOGIA
Imagens bem definidas Em pesquisas feitas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), pesquisadores do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria obtêm mais precisão em tomografias Fotos: Assessoria do CEPID
LEONARDO ZACARIN Especial para o Jornal da USP
O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (Cemeai), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, vem realizando estudos em parceria com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), um dos quatro laboratórios do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que está localizado em Campinas (SP). A pesquisa que vem sendo desenvolvida utiliza o maior acelerador de partículas da América Latina para realizar tomografias. Uma das diferenças para um tomógrafo convencional é que, nesse estudo, o que gira é o objeto dentro do tomógrafo. As reconstruções das imagens internas começam na emissão da luz síncrotron. Quando os feixes incidem no objeto, ele é dividido virtualmente em 2.048 camadas. Cada uma dessas camadas é uma imagem com quatro
Radiografia milhões de pontos (pixels), que, quando observados em três dimensões, são chamados de voxels. Cada voxel é um cálculo a ser feito para reconstruir a imagem. Análise – Segundo o pesquisador do Cemeai Elias Helou Neto, a pesquisa busca melhorar a análise dos voxels. “Nós queremos modelos mais sofisticados, com métodos que precisem de poucas iterações para convergir em uma solução boa, e que cada uma dessas iterações tenha
Tomograma
um custo computacional reduzido”, explica. O diretor científico do LNLS, Harry Westfahl, ressalta outra diferença para um tomógrafo convencional. “No tomógrafo de hospital, você tem objetos grandes e faz tomografias com voxels da ordem de milímetros. Aqui, os objetos são pequenos e os voxels são da ordem de mícrons”, afirma. As atividades do centro são realizadas dentro de um ambiente interdisciplinar, enfatizando-se a transferência de tecnologia e a educação e difusão do conhecimento para as aplicações industriais e governamentais. As atividades são desenvolvidas nas áreas de otimização aplicada e pesquisa operacional, mecânica de fluidos computacional, modelagem de risco, inteligência computacional e engenharia de software. O Cemeai é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financia-
dos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O centro é especialmente adaptado e estruturado para promover o uso de ciências matemáticas (em particular matemática aplicada, estatística e ciência da computação) como um recurso industrial. Além do ICMC, o Cemeai conta com outras seis instituições associadas: o Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), o Instituto de Matemática Estatística e Computação Científica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Faculdade de Ciências e Tecnologia, também da Unesp, o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e o Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP.
NOTAS
Vidros com íons geram luz de alta eficiência A utilização de vidros ópticos dopados com íons terras raras luminescentes (elementos químicos também conhecidos como lantanídeos) permite gerar luz branca com potencial aplicação em iluminação de mais alta eficiência, conforme demonstrou uma recente pesquisa do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, coordenada pela professora Andrea de Camargo, do Grupo de Ressonância Magnética do instituto. Na busca por alternativas energéticas de baixo custo e alta eficiência, os dispositivos que geram luz branca e que são baseados em vidros dopados podem ser utilizados na forma de placas iluminadoras e filmes finos, com maior apelo estético, substituindo lâmpadas fluorescentes tradicionais que contêm mercúrio (substância tóxica) e gases de alto custo. Os vidros são materiais importantes em várias áreas tecnológicas, especialmente na de materiais ópticos e luminescentes, oferecendo as vantagens de baixo custo, alta estabilidade química e versatilidade de formas e tamanhos. A utilização desses dispositivos para iluminação de ambientes já é comum em alguns países, como Japão e China. Embora as vantagens desses equipamentos sejam evidentes e o uso desses dispositivos esteja se difundindo, sempre há a necessidade de buscar novas composições de materiais que possam ser mais interessantes, sob vários pontos de vista. As aplicações luminescentes, no branco ou em outras cores, se estendem ainda a telas de notebooks e smartphones. Há diferentes formas de gerar a luz branca. Na maior parte das vezes, ela é obtida através de uma metodologia chamada White LEDs, ou W LEDs, na qual a luz em questão é originada por meio da combinação de três LEDs: azul, verde e vermelho. Outra forma de conseguir luz é através da associação de um LED azul com cerâmicas do garnet de aluminato de ítrio, que, quando excitado pelo LED, apresenta emissão de banda larga na região do amarelo. A combinação entre as cores azul e amarela permite obter uma emissão de luz próxima do branco, mas não de um branco puro, devido à ausência de contribuição do vermelho. De São Carlos
●CIÊNCIA De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 9
SAÚDE
Não invasiva, sem dor nem anestesia LED pode tratar lesão que gera câncer de colo do útero, mostra pesquisa desenvolvida no Instituto de Física de São Carlos Fotos: Cecília Bastos
THIERRY SANTOS
as lesões, eliminando-as com apenas 20 minutos de iluminação em contato com o colo do útero.
De São Carlos
As lesões que causam câncer de colo do útero – ou câncer cervical – podem ser tratadas de forma não invasiva, através da Terapia Fotodinâmica (TFD), na qual é utilizado um creme e um sistema (portátil e versátil) que integram duas ponteiras com LEDs – uma emitindo no azul e outra no vermelho. O protocolo clínico inovador se refere a uma pesquisa que teve início em 2011, sob a coordenação do professor Vanderlei Bagnato, do Grupo de Óptica do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. Considerada uma das doenças que mais matam mulheres no mundo – sendo que no Brasil é o segundo tipo de câncer mais prevalente no sexo feminino –, o câncer de colo do útero é uma doença que se desenvolve a partir da Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC), lesão que é causada pela infecção do vírus HPV (a sigla em inglês para papilomavírus humano). A infecção ocorre predominantemente pela via sexual e a manifestação dos sinais e sintomas depende do sistema imunológico do portador, bem como de outros fatores de risco, como o início precoce da vida sexual, múltiplos parceiros sexuais e tabagismo. Existem mais de 150 tipos de HPV descritos na literatura, sendo que eles são divididos em dois grupos – de baixo e alto risco –, dependendo da capacidade do vírus em desenvolver lesões benignas, como o condiloma, ou, se for um tipo
viral oncogênico, o câncer de colo do útero. Esses vírus agem de forma lenta e silenciosa no organismo humano, daí a importância de as mulheres realizarem o exame Papanicolau anualmente. É por intermédio desse exame que se pode detectar alterações no colo do útero, aumentando as chances do diagnóstico da doença antes mesmo de ela evoluir para o câncer no local.
No estudo realizado no IFSC, até este momento, os pesquisadores aplicaram em 70 pacientes com NICs de baixo e alto grau o creme que contém a substância chamada aminolevulinato de metila (MAL), precursora de outra molécula, a protoporfirina IX (ou PpIX), substância que, após ter sido excitada pelo LED vermelho, produz um oxigênio reativo e tóxico para
Tratamento – A pesquisadora Natália Inada, que integra o time de pesquisadores do IFSC e atua nessa linha de investigação desde 2008, diz que a técnica é muito vantajosa, porque, ao contrário do procedimento comumente realizado, a TFD trata as lesões de forma não invasiva, preservando o colo do útero das pacientes. Além disso, segundo a pesquisadora do IFSC, basta uma sessão para que uma paciente seja tratada sem anestesia, dor e ambulatório. Na técnica convencional, sendo diagnosticado o NIC de alto grau, é realizado um procedimento cirúrgico (CAF ou Cirurgia de Alta Frequência) em que, geralmente, mais de 2 centímetros (cm) de profundidade e 3 cm de extensão do colo do útero são removidos. Os efeitos colaterais da CAF comumente incluem hemorragia e, por vezes, o estreitamento do colo do útero, o que é chamado de estenose do colo do útero. “Isso pode diminuir a fertilidade”, explica Natália. De acordo com a pesquisadora, o creme já foi testado em mais de 600 pacientes com câncer de pele no Departamento de Dermatologia do Hospital Amaral Carvalho, em Jaú, no interior de São Paulo, estando em fase de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que deverá emitir ainda este ano a aprovação para que uma indústria farmacêutica brasi-
leira possa produzir e comercializar o medicamento no Brasil, diminuindo os custos da TFD para o Sistema Público de Saúde (SUS). O equipamento foi desenvolvido, desde 2008, a partir de uma colaboração estabelecida com o ginecologista e pesquisador Welington Lombardi, do Ambulatório de Saúde da Mulher, em Araraquara. Neste ano, os pesquisadores também iniciaram uma parceria com Renata Belotto, do Hospital Pérola Byington – Centro de Referência em Saúde da Mulher, em São Paulo. “Graças a essas colaborações e à dedicação intensa da pós-doutoranda Fernanda Carbinatto, do IFSC, desde o ano passado, estamos alcançando ótimos resultados com o potencial de indicar futuramente esta como a técnica de escolha para tratamento das NICs”, afirma Natália. O Grupo de Óptica consolidou uma colaboração com um pesquisador da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, bem como com duas empresas nacionais. Através dessas cooperações e do financiamento público da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Saúde, o sistema, que recebeu o nome de Cerca (de “cervical cancer”), já foi aprovado por especialistas e está na fase final das certificações para o início de sua produção. O artigo desse trabalho está disponível no endereço http://proceedings.spiedigitallibrary.org/proceeding. aspx?articleid=1840989.
Thierry Santos
O equipamento usado na Terapia Fotodinâmica (TFD): sistema portátil e versátil
Bagnato, Natália, Fernanda e Renata: técnica promissora
Página 10 ● De 26 de outubro a 1º de novembro ESPECIAL de 2015 ●
MEMÓRIA
O trágico início do fim da ditadura militar Há 40 anos, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog –diretor de Telejornalismo da TV Cultura e professor da USP – gerou na sociedade brasileira a indignação e a desconfiança que contribuíram para enfraquecer o regime dos generais HÉRIKA DIAS E VALÉRIA DIAS Agência USP de Notícias
O dia 25 de outubro passado marcou os 40 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, que em 1975 foi assassinado por agentes da ditadura militar então em vigor no Brasil. A vida e a morte de um dos jornalistas mais importantes para a história recente do País teve seus desdobramentos na USP, onde Vlado (seu nome verdadeiro) foi professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) por um breve período antes de ser morto. A ida de Herzog para a ECA ocorreu devido à saída de vários professores no primeiro semestre de 1975. O professor Sinval Medina, coordenador do curso de Editoração, havia sido reprovado, de forma arbitrária, em seu exame de qualificação para o mestrado, o que o levou a perder o cargo de professor. Em solidariedade, outros professores pediram demissão em maio do mesmo ano: Cremilda Medina (esposa de Sinval), Paulo Roberto Leandro e Walter Sampaio, então chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração. Mas o desfalque era ainda maior, visto que outros professores já haviam sido cassados e deixaram a ECA, entre eles Jair Borin, Thomas Farkas e José Marques de Melo. A demissão dos professores provocou a revolta dos alunos, que entraram em greve e exigiram a renúncia do então diretor da ECA, Manuel Nunes Dias. Foi a primeira greve de alunos desde 1968, que durou até agosto daquele 1975. Essa falta de docentes motivou a jornalista Dilea Frate, então aluna de pós-graduação da ECA, a sugerir o nome de Vlado para a professora Gisela Ortriwano. Ela, por sua vez, o indicou ao professor José Coelho Sobrinho, que apresentou e defendeu o currículo de Vlado no Conselho de Graduação. A partir daí, Herzog passou a ser professor voluntário do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA.
“Eu era uma aluna muito atuante na ECA. Era representante de turma e conhecia o diretor Manuel Nunes Dias. Também conhecia o Vlado, porque na época eu era casada com o Paulo Markun (jornalista) e eles trabalhavam juntos na TV Cultura”, relata Dilea. A área de telejornalismo, de acordo com a jornalista, estava aflorando no Brasil. “Vlado era um entusiasta dessa área, mais do que qualquer outro professor que a gente conhecia”, lembra. Ela ia iniciar o mestrado e entrou na ECA como docente de modo informal. “A gente começava a dar aulas e esperava a contratação. Muitos professores ficavam sem receber durante esse período. A contratação não era como é feita hoje”, explica. Dilea ficou responsável pela Agência Universitária de Notícias (AUN) e Vlado, pela disciplina de Telejornalismo. Mas eles não tiveram muito tempo para exercer a profissão de professores na ECA e ministraram poucas aulas. O clima de insegurança e perseguições no País era evidente e o jornalista tinha consciência dos riscos que corria, conforme ele mesmo relatou em conversa com a professora Alice Mitika Koshiyama, também docente da ECA, na mesma semana da sua prisão e morte. Dias de tensão – “Tivemos uma conversa muito marcante durante um café, na segunda-feira que antecedeu a morte de Vlado, que foi morto num sábado”, relata Alice. Ele contou que sabia da existência de uma lista de pessoas que seriam detidas para um interrogatório no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e que ficou sabendo que estava entre os que seriam detidos. Alice disse a ele: “Você vai ficar assim, exposto? Não vai fazer nada? Você pode ir para algum lugar, tirar umas férias, um descanso”. Mas Herzog
Vladimir Herzog: entusiasta do telejornalismo
respondeu que não podia fazer isso, porque estava ocupando o cargo de diretor de Telejornalismo da TV Cultura. Era um cargo de confiança, indicado pelo secretário de Estado da Educação, José Mindlin, que, por sua vez, era indicado pelo governador Paulo Egydio, este, pessoa de confiança do então presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Herzog contou que havia um forte movimento contra qualquer possibilidade de abertura política, conduzido pela linha-dura das Forças Armadas. “Se eu fugir, vai parecer que eu sou culpado e vou atrair suspeita contra o secretário da Cultura e contra o governador. Até porque eu não fiz nada que possa ser objeto de condenação”, disse ele a Alice. A professora destaca que ficou muito preocupada, “porque às vezes vale a pena a pessoa to-
mar algumas medidas”, mas não acreditava que os militares iriam “quebrar tudo e tal”. “Mas era uma visão subjetiva minha. Eu não acreditava que eles fossem matar alguém. Eu falei isso e ficou por isso mesmo.” O relato de Dilea Frate reforça esse clima tenso que antecedeu o 25 de outubro de 1975. “Eu fui presa com o Paulo Markun na sexta-feira, 17 de outubro, e o meu aniversário e o batizado da minha filha eram no domingo, dia 19. Eu ficava falando para os militares, como se fosse um mantra, que eu era católica, que aquilo era um engano, que eu acreditava em Deus, tanto que iria batizar a minha filha no domingo.” No domingo, por volta das 10 horas, os militares levaram Dilea até a igreja onde ocorreria o batizado. “Eles chamavam isso de ‘diligência’: para verificar se
TV Brasil
Marcos Santos
Dilea Frate e Alice Mitika: recordações dos anos de chumbo
aquilo que foi dito era verdade mesmo”, explica. Após o batizado, o pai de Dilea convidou os militares que a acompanhavam para irem ao almoço de batizado. “Eles foram. Isso foi surrealista”, destaca. Isso foi exatamente uma semana antes de Herzog ser assassinado. Durante o almoço de batizado, Paulo Markun mostrou uma lista com os nomes das pessoas que foram citadas durante os interrogatórios, e Vlado era um deles. “Nós demos a orientação para ele não tentar ser corajoso, e sim fugir, porque a barra estava muito pesada e não era apenas com a gente. Estava acontecendo alguma coisa muito pesada, além de nós. Era uma tentativa de golpe dentro do golpe: a ala mais radical do Exército estava tentando dar um golpe no Exército e nós éramos instrumentos desse golpe”, conta. A prisão de Dilea Frate teve consequências sérias para a sua vida profissional. Ela foi demitida por justa causa do seu emprego na revista da antiga Telesp (Telecomunicações de São Paulo) e teve que encerrar sua incipiente carreira acadêmica. O diretor da ECA a chamou em sua sala e disse que Dilea era uma decepção por ter sido presa. Teve de ouvir: “Nunca mais coloque os seus pés na USP”. Atualmente Dilea é produtora do Programa do Jô, da TV Globo.
Eles não sabem quem foi Herzog A sala de computadores do Departamento de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP tem o nome de “Redação Vladimir Herzog”, em homenagem ao jornalista. O professor José Coelho Sobrinho, da ECA, revela que fica sentido quando pergunta aos alunos de Jornalismo que acabaram de ingressar na ECA se eles sabem quem foi Vladimir Herzog e ouve um “não” como
resposta. “Aí eu pergunto: vocês sabem que ele foi o divisor de águas entre a ditadura e o final desse período? Que foi a partir dele que a ditadura começou a ruir? A resposta é não”, lamenta. “Acho que falta alguma coisa na estrutura curricular que fale mais sobre a nossa profissão e sobre as pessoas que fizeram essa profissão e como ela é importante para a democracia do País.”
Francisco Emolo/Arquivo Jornal da USP
Coelho Sobrinho: lamento
ESPECIAL ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 11
ENTREVISTA
“Primeira bomba que cai na minha cabeça” Professora da ECA relembra últimas conversas com Vladimir Herzog, uma semana antes da morte do jornalista Cecília Bastos
Cremilda Medina: conversa traumática com Vlado
Após pedir demissão da ECA, a professora Cremilda Medina foi trabalhar na TV Cultura a convite de Walter Sampaio. “Eu era professora de Teoria e Prática da Grande Reportagem. Fui trabalhar como editora de matérias especiais, a chamada pauta especial do dia. Produzia documentários de 8 a 10 minutos, que eram exibidos diariamente”, recorda. O encontro dela com Vlado ocorreria nos meses seguintes. Walter Sampaio foi demitido do cargo de diretor da TV Cultura e quem ocupou o lugar dele foi Vladimir Herzog. “Com a mudança de gestão, Vlado me pediu para assumir a Editoria Nacional”, conta Cremilda. Vlado havia trabalhado na BBC, de Londres, e trouxe uma nova proposta, com o uso de alguns documentários produzidos pela emissora inglesa. Um deles abordava a atuação dos vietcongues, na Guerra do Vietnã. Ao ser editado e colocado no ar, o documentário provocou a ira de alguns setores da ditadura. “Havia um certo jornalista que escrevia e atacava, em suas notas, a TV Cultura, e ele passou a chamá-la de Vietcultura”, lembra a professora. No início de outubro, Vlado encaminhou ao palácio do governo uma recomendação para Cremilda receber uma promoção salarial. “Era uma promoção maravilhosa para mim”, recorda a docente. Cremilda foi chamada à sala de Vlado cerca de uma semana antes de ele ser assassinado. Ele disse que o Palácio dos Bandeirantes havia exigido a demissão dela. A professora lembra que foi uma conversa muito traumática, pois Vlado quis saber tudo o que tinha acontecido antes da entrada dela na TV Cultura. Ela então explicou os fatos ocorridos na ECA, no primeiro semestre. “O que ele disse depois foi uma coisa que eu nunca mais vou esquecer. Com um ar de desânimo, ele falou que não
tinha o que fazer em relação à minha demissão. Eu respondi: ‘Não se preocupe, porque já passei por outras e vou passar por mais esta’. Ele respondeu: ‘Eu pressinto que essa é a primeira bomba que cai na minha cabeça antes de outras piores’. Na semana seguinte, Vlado estava morto.” Entre a saída da Cultura e o dia da morte de Vlado, Cremilda ficou completamente “à deriva”. “Todos os meus colegas tinham ido ao enterro. Mas eu só pude restabelecer forças para ir à missa de sétimo dia, na Catedral da Sé. Os militares colocaram o nome de Operação Gutemberg, na tentativa de impedir que as pessoas conseguissem chegar até a igreja. Mas, mesmo com a presença maciça de militares com metralhadoras em punho, a catedral ficou lotada. “A morte do Vlado é um marco, não só pela dramaticidade, mas porque naquele ato, uma semana depois, na Praça da Sé, o mundo todo percebeu que a ditadura estava com a corda no pescoço diante da mobilização popular. Tinha tanta gente que eu não consegui entrar na igreja, fiquei fora, de onde o que se via eram dezenas de metralhadoras apontadas para nós.”
De acordo com a professora, a relação com Vlado sempre foi muito profissional. “Ele reconhecia em mim uma experiência, pois muitos dos jornalistas que foram com ele para a TV Cultura eram do jornalismo impresso. A minha experiência não era muito longa como a do Walter Sampaio, mas, além de trabalhar na TV Cultura, eu já havia trabalhado na TV Bandeirantes. Eu tinha me afeiçoado ao telejornalismo. A edição de documentários diários com oito, dez minutos ao dia me deu uma escola, um traquejo com o processo de edição que o Vlado prezou muito. Apesar de ter substituído muitos quadros, ele me manteve na equipe como editora nacional”, explica. Autoritarismo – Para Cremilda, esses episódios de 1975 fazem parte de um aspecto da história do Brasil muito mal contado. “Tivemos meses de convivência, algo muito profissional. Éramos de uma geração que estava em confronto com a ditadura e com todo o descalabro do autoritarismo. Eu estava construindo no jornalismo a teoria da reportagem, que iria culminar, posteriormente, com esse campo das Narrativas da Contemporaneidade, disciplina que ofereço hoje na ECA. O Vlado era um profissional que tinha a BBC por trás, uma escola de jornalismo muito respeitada, que preza pelo rigor da informação”, conta. Na TV Cultura, esclarece ela, eram realizadas reuniões de pauta diárias em um ambiente bastante democrático e sem grupos de confrontação com a ditadura. “Éramos jornalistas querendo trabalhar e conscientes de que realmente estávamos responsáveis por informações cerceadas pela ditadura.”
“Mataram Vlado” Para o jornalista Gabriel Priolli, Herzog foi, ao mesmo tempo, professor e chefe: teve aulas com ele na ECA e foi seu subordinado na TV Cultura. Num texto que escreveu, há alguns anos, para o jornal Diário de S. Paulo, Priolli conta que “não estranhou quando Vlado o chamou à sua sala, no início da noite de 24 de outubro, para dizer que a situação estava se agravando e poderia atingi-lo. ‘Posso ser preso a qualquer momento, então pegue aqui os trabalhos da sua turma e devolva aos seus colegas’, ele me pediu. ‘Quando as coisas se acalmarem, a gente vê como faz a avaliação do curso.’ Apanhei o pacote, desejei boa sorte a ele e fui embora, direto da redação para Ilhabela, onde passei o final de semana distante de telefone e qualquer meio de informação”, diz o texto. Priolli relata que somente soube da morte na segunda-feira, ao chegar na USP e se deparar com uma enorme faixa: “Mataram Vlado”. A prisão e a morte de Vlado também tiveram outros desdobramentos na ECA. Sua rápida passagem pela USP trouxe uma polêmica: o nome de Herzog teria ou não sido suprimido do registro de atividades acadêmicas da Escola de Comunicações e Artes, no ano de 1975? Esse tema foi tratado na edição de outubro de 2012 da Revista da Adusp, publicada pela Associação dos Docentes da USP (Adusp), com o texto “ECA de Manuel Dias e Helda Barracco apagou os vestígios de Herzog”, da jornalista Beatriz Vicentini. A reportagem cita o artigo “A prática política para ser jor-
nalista”, em que a professora Alice Mitika relata o que aconteceu no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA, naquele segundo semestre. “Colocamos o nome de Vladimir Herzog no rascunho do Relatório de Atividades de 1975, mas o nome dele foi suprimido do texto ‘oficial’, por ordem da chefe, professora Helda Bullotta Barracco, que arbitrariamente se recusou a ouvir quaisquer protestos, alegando ordens superiores. Todas as pessoas do corpo docente (efetivos, contratados, à espera de contratos e voluntários), exceto Herzog, figuraram no relatório.” Dilea Frate lembra que, apesar de a história da passagem de Herzog pela ECA ter sido contada na reportagem publicada na Revista da Adusp, a maioria das pessoas da USP desconhece esses fatos. “A própria USP tentou apagar tudo isso, então parece que não aconteceu. Você pode levantar essa história até na documentação e ver a coisa mal apagada, riscada, os nomes riscados”, destaca. Para a jornalista, é importante que essa história seja contada. “A gente era expulso por medo, porque nada era oficial. Você era expulso porque era um medo tão grande que você acabava indo embora e dava graças a Deus por não ter acontecido algo ruim”, revela. “Também é importante saber que aquelas pessoas não eram boazinhas e que as coisas não eram veladas. Mas nada era oficial, eles não assumiam. Eles pegavam você pessoalmente e falavam na cara: ‘Sai daqui, desaparece’.”
Um prêmio para a dignidade No dia 20 passado, aconteceu a premiação dos jornalistas que participaram da 37ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A cerimônia teve lugar no auditório do Teatro da Universidade Católica (Tuca) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. O prêmio, que teve sua primeira edição em 1978, é um dos mais antigos do Brasil. A relação completa dos vencedores da 37ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos pode ser consultada no site http://premio.vladimirherzog.org.
Os vencedores do 37º Prêmio Vladimir Herzog: luta pelos direitos humanos
Marcos Santos
Página 12 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
CULTURA
ENSAIO
A habitação popular: um problema, uma solução No texto a seguir, professor da Escola Politécnica da USP apresenta um novo conceito para o projeto e para a obra de unidades habitacionais destinadas à população carente, com base na teoria dos sistemas SAVÉRIO ANDREA FELICE ORLANDI Especial para o Jornal da USP
A habitação popular ou “casa popular” – assim denominada aquela destinada a atender às faixas carentes da população brasileira, com renda familiar mensal de até cinco, seis salários mínimos – é um problema que em nível nacional exige soluções urgentes e consentâneas face à grandeza dos números que o afligem. O déficit, comprovadamente, se situa na casa dos milhões de unidades, da ordem hoje de até 9 milhões para o País, crescendo ao ritmo de 1 milhão por ano, aproximadamente, só o Estado de São Paulo contribuindo com uma carência superior a 1,2 milhão de unidades. O problema é complexo e não constitui um privilégio brasileiro, mas é um fenômeno presente em muitas cidades de muitos países, que acabam tendo suas regiões metropolitanas invadidas de forma desordenada e mesmo predatória, vide exemplo brasileiro. Trata-se de um projeto habitacional de características multidisciplinares e que deve ser elaborado a partir da conjugação dos esforços do poder público e dos profissionais das empresas privadas da construção civil. Em aditamento, cabe enfatizar a evolução do instrumental arquitetônico e construtivo que ocorreu nos séculos 19 e 20, a exemplo da teoria dos sistemas, para a arquitetura, o planejamento e a industrialização da construção para a execução das obras civis. Globalidade – Preliminarmente, para melhor entender a complexidade da habitação popular, é recomendável conceituá-la, na sua globalidade, como um sistema e, então, obedecer à hierarquia metodológica da teoria dos sistemas, formada por subsistemas, no caso três subsistemas, a seguir identificados: • subsistema socioeconômico (financiamentos, juros e recursos orçamentários); • subsistema “físico-espacial” (infraestrutura e entorno urbano); e • subsistema “produto construtivo” (a edificação: custo, prazo e desempenho técnico). O sistema se relaciona com o meio externo através do trinômio interdependente habitação-
Fotos: Divulgação
-transporte-locais de trabalho, que é um fator determinante para a implantação dos conjuntos habitacionais. Convém registrar que o princípio básico da teoria dos sistemas é a composição dos sistemas através dos subsistemas, e cada subsistema, ao longo da linha evolutiva do planejamento, transforma-se num sistema constituído por novos subsistemas. Assim, na esteira das renovadas técnicas de planejamento, acabou sendo destacada como uma inovação tecnológica e adotada de imediato pelos profissionais da área a teoria dos sistemas, que se revelou credenciada e apta a participar do tema em pauta da habitação popular brasileira. A sociedade humana contemporânea, nascida com a Revolução Industrial, logo tomou conhecimento de que somente uma produção industrializada, racionalizada e mecanizada atenderia às exigências obrigatórias de custo e tempo para os seus mais diversificados produtos de bens e utilidades. É o que não pode deixar de valer também para a construção civil. Emerge, portanto, o conteúdo deste trabalho em termos de uma colaboração, senão uma proposição, para a adoção da industrialização da construção na execução da habitação popular. Industrialização – Nessas condições, a industrialização da construção ficou sendo – com o reconhecimento unânime dos profissionais da área – o único caminho viável para chegar-se a uma solução consentânea, otimizando progressivamente custos, prazos e desempenhos. Com a industrialização deverão ser abolidos os erros que nascem e acabam incontrolados. Assim as tolerâncias de medidas estarão também situadas em intervalos pré-fixados e a planilha das performances garantirá as prestações funcionais estabelecidas para as partes e para o todo. Por outro lado, a industrialização tornará obrigatório o ambicionado entrosamento profissional de engenheiros e arquitetos, fazendo com que, por um esforço de conjunto, a obra construída não seja diferente do modelo projetado. A industrialização que aqui se propõe, convém insistir, no momento restrita apenas à casa popular, é aquela conhecida
como “industrialização de ciclo aberto” ou “industrialização de estoque e catálogo técnico de componentes”. É a industrialização das “três liberdades”: liberdade para o usuário, para os profissionais intervenientes e para a produção industrial dos sistemas construtivos polivalentes, que possuirão intrinsecamente a capacidade de alterações estruturais e operacionais, permitindo a diversificação dos produtos e dos sistemas cujas limitações e vínculos possam se alterar, renovando os resultados e amoldando-os às novas tecnologias. É a industrialização de estoque e catálogo, que pode evitar os prejuízos que normalmente ocorrem no País pela frequente instabilidade e des-
continuidade do mercado. É a industrialização de cunho democrático e empresarial de que a tecnologia brasileira se ressente para a obra da construção de edifícios. Em suma, é a conjugação de tecnologia + racionalização + mecanização. Por outro lado, sob o aspecto da identificação funcional das fases produtivas, recorrendo outra vez a uma abordagem sistêmica, a industrialização da construção de ciclo aberto aqui considerada para a habitação popular brasileira pode ser discriminada essencialmente tal como segue: • é um método racionalizado de produção industrial; • nela, são pré-fabricados nas usinas ou em fábricas elementos e componentes construtivos obtidos pelo proces-
samento dos materiais e das técnicas de construção, que irão compor os conjuntos unitários industrializados do sistema edificado; • uns e outros, componentes e elementos, são planificados e produzidos em série e de modo a ter condições de serem acoplados entre si para formarem os subsistemas construtivos, os quais são montados pelas empresas construtoras nas suas instalações ou nas próprias fábricas que produzem os elementos e componentes ou, eventualmente, até nos canteiros (peças pré-moldadas); • como etapa final do processo de produção, os subsistemas construtivos são acoplados nos canteiros, mediante operações normalizadas e mecaniza-
CULTURA ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 13
A CONSTRUÇÃO DA EDIFICAÇÃO DA HABITAÇÃO POPULAR COMO UM SISTEMA COORDENAÇÃO + INTEGRAÇÃO >
ELEMENTOS
>
>
>
MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO
>
COMPONENTES
SUBSISTEMA
>
> ACOPLAMENTO
>
ELEMENTOS
>
>
> >
COMPONENTES
SUBSISTEMA
>
> ACOPLAMENTO
>
ELEMENTOS
>
>
> >
COMPONENTES
SUBSISTEMA
>
> ACOPLAMENTO ACOPLAMENTO
>
ELEMENTOS
> >
> >
COMPONENTES
SUBSISTEMA
>
> O SISTEMA: A EDIFICAÇÃO
das, visando à prevalente montagem do todo, representado pelo sistema edificado, ou seja, a obra habitacional para a população carente brasileira; • acompanhando as tarefas programadas, será feito um levantamento circunstanciado em termos de uma pesquisa operacional, constatando o existente para os componentes, elementos e subsistemas. Ponto crítico – Surge daí, natural e simultaneamente, um primeiro enfoque sistêmico elaborado para o layout da produção industrial da obra referida, tal como segue: materiais de construção/ elementos e componentes/subsistemas/sistema, valendo o mesmo em princípio para qualquer tipo de edificação e tendo como ponto crítico para viabilidade imediata a existência e a disponibilidade de elementos e componentes construtivos industrializados. Afortunadamente, o cenário brasileiro da indústria da construção civil é pródigo de tais produtos, inclusive daqueles dirigidos para as obras da moradia popular: o fato representa um grande fator de alavancagem para a implantação da industrialização da construção com um prazo ótimo de retorno. Existe, no entanto, o entrave do acoplamento espacial no canteiro, este ainda retrógrado e desarticulado, ocasionando prejuízos e desperdícios. Resumindo, a linha diretriz seguida na abordagem sistêmica preconizada para atingir a industrialização deverá primeiramente estruturar a edificação definindo a sua tipologia (habitação unifamiliar ou multifamiliar, isolada ou geminada, horizontal ou vertical etc.) e o seu programa funcional, resultando então a individualização dos subsistemas que nela estarão presentes como partes de um todo. Em prosseguimento, serão selecionados e agrupados segundo critérios funcio-
nais, técnicos e operacionais os elementos e componentes, isso para cada subsistema, a ser acoplado tendo em vista a natureza específica dos mesmos. Finalmente, como etapa conclusiva da implantação do processo de industrialização, se fará no próprio local, numa ação coordenada, o acoplamento dos subsistemas que integrarão o sistema – a edificação –, através de processos racionalizados de montagem e não de transformação. Nos casos mais comuns, os subsistemas que compõem a obra são os seguintes, numa primeira sequência operacional de serviços: infraestrutura – estrutura – cobertura – instalações – vedações. Os termos “componentes” e “elementos” figurados nestes apontamentos têm o mesmo significado funcional. Por outro lado, como determinante e condicionante da implantação física dos processos de industrialização de ciclo aberto, deve existir para os mesmos uma integração dimensional dos elementos, componentes e subsistemas construtivos, mediante a coordenação das suas medidas a partir de uma dimensão básica de referência: o módulo, que passa a ser a unidade de medida para o projeto e a obra, fixado em 10 centímetros para a maioria dos países em desenvolvimento e 4 polegadas para os Estados Unidos. Adotada, portanto, uma coordenação modular balizando o layout produtivo, é ela que permitirá o acoplamento espacial, normalizando com um denominador comum a variedade de medidas dos elementos e componentes já existentes no mercado e que irão formar o sistema construtivo. Simultaneamente serão equacionados e superados dois grandes obstáculos, os ajustes e as tolerâncias. Contudo, para a proposição que ora é apresentada, visando à necessidade de uma solução viável a curto pra-
zo para o problema habitacional das faixas carentes da população brasileira, e não sendo praticamente exequível a implantação imediata de uma coordenação modular abrangente para todo o repertório dos produtos do mercado, sugere-se uma implantação parcial da mesma, através de duas etapas sucessivas e interligadas que acompanharão rigorosamente aquelas admitidas para a implantação dos acoplamentos, adiante pormenorizadas. Problemas – Também como determinante e condicionante da implantação física dos processos de industrialização de ciclo aberto, ao lado da coordenação modular, deve-se solucionar dois outros problemas fundamentais: • um problema “micro”: os acoplamentos entre elementos, componentes e subsistemas, a seguir explanados; • um problema “macro”: a garantia de uma demanda constante para absorver o investimento do período infantil da produção industrial. Essa garantia, torna-se forçoso reconhecer, não admite tergiversações nem dúvidas, e leva a uma posição drástica: se há garantia, pode haver industrialização; se não há,
não haverá também industrialização. Com efeito, enfatizando, a viabilidade econômica da implantação em escala nacional da industrialização da construção de ciclo aberto será alcançada a curto prazo se for superado o estágio inicial dos processos de fabricação com a amortização dos investimentos feitos, e ainda com a certeza de se atingir, ao mesmo tempo, o ponto de equilíbrio econômico-financeiro com retorno assegurado. No que tange aos acoplamentos entre elementos, componentes e subsistemas, que representam a grande preocupação de natureza técnica dos processos de industrialização, propõe-se realizá-los também, segundo duas etapas progressivas e consecutivas no tempo. A primeira, aproveitando o que já existe disponível no mercado e adaptando os mesmos aos elementos e componentes originais, dentro de um plano integrado de fabricação industrial, produzindo e adaptando as peças de união espacial e de articulação, que deixarão os elementos e componentes previamente selecionados, aptos a serem acoplados modularmente pela interposição das peças de junção entre elementos e componentes visando à formação dos subsistemas, os quais, em seguida, serão acoplados nos canteiros entre si, mediante operações mecanizadas, resultando, no final, tal como programado, o sistema terminado – a edificação – ao longo da linha de produção. As peças de união, a bem da verdade, de adaptação, e as ligações entre subsistemas serão da ordem de dez. A segunda etapa da implantação dos acoplamentos, em sequência natural da primeira, estando já absorvido e ultrapassado o período infantil dos acoplamentos, corresponde à fabricação industrial, normalizada e em série dos elementos e componentes nas suas medidas modulares definitivas e planificados para ocuparem as posições previstas na montagem dos subsistemas, conforme o layout produtivo para cada tipologia de edificação: paulatinamente se fará a substituição funcional da primeira etapa pela segunda, até chegar-se, como meta final da implantação, à eliminação
A HABITAÇÃO POPULAR COMO UM SISTEMA SUB
"FÍSIC -SISTE M O ES PACIA A L"
O SISTEMA: A HABITAÇÃO POPULAR
MA " O SISTE SUB- ECONÔMIC IO
"SÓC
SUB-SISTEMA
"PRODUTO CONSTRUTIVO"
das peças provisórias de adaptação e a edificação ficando enquadrada no plano reticular de modulação projetado. Metaprojeto – O metaprojeto, então, dentro de uma linha de ação pautada pela ideia sistêmica, é desenvolvido considerando-se a edificação como um sistema integrado de subsistemas, individualizados na conceituação da edificação e que são projetados individualmente a partir do acoplamento dos elementos e componentes industrializados existentes no mercado, com alto grau de permutabilidade e estanqueidade, podendo eventualmente um mesmo subsistema participar da composição de outro tipo de edificação. O metaprojeto não é o projeto de uma determinada obra, é a base normativa que deve ser seguida na elaboração de muitos projetos para muitas obras: é, pois, a flexibilidade. Dos metaprojetos nascerão os projetos executivos das obras, no caso, os projetos de produção industrial e específicos para atender ao layout do processo de fabricação da casa popular. Por outro lado, o metaprojeto deverá fornecer as determinantes norteadoras para o planejamento industrial das peças de união e adaptação, integrando a ligação entre elementos, componentes e subsistemas, observando-se que, nestes últimos, as peças estarão subordinadas a um plano reticular de implantação espacial; tanto para as atividades de projeto como para aquelas de execução das obras; será imprescindível a existência de um catálogo completo e normativo, patrocinado pela indústria da construção, dos elementos, componentes e peças de adaptação, visando aos respectivos acoplamentos e à justaposição modular, com as múltiplas opções de ligação recíproca. Nos catálogos deverão também estar detalhadas as possibilidades de formação dos subsistemas e dos sistemas, sempre nos moldes de uma informação aberta e de caráter evolutivo. O catálogo é uma ferramenta de trabalho de valor inestimável para a industrialização de ciclo aberto, senão uma das suas normas fundamentais de planificação. Finalmente, concluindo esta abordagem profissional a respeito do tema em pauta, deve-se considerar o acoplamento recíproco entre elementos, componentes e subsistemas como polo de referência para o desenvolvimento dos metaprojetos, incluindo projetos de natureza diversa. Assim, o metaprojeto pode, sem dúvida, e em alguns casos específicos, passar a ser um documento dinâmico, acompanhando in loco a elaboração do projeto com atualizações periódicas a curto prazo. É preciso construir, muito e já. É preciso acreditar, muito e já. Savério Andrea Felice Orlandi é professor aposentado da Escola Politécnica da USP
Página 14 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
39ª Mostra
Continuam as exibições da 39ª Mostra Internacional de Cinema, com destaque para alguns títulos, premiados e concorrentes ao Oscar de Filme Estrangeiro. Pág. 16
Festival de Dança
Brincadeiras de antigamente
● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 15
Ivo Dimchev (Bulgária), Robert Acaba de ser lançado livro digital que Steijn (Holanda) e Bouchra Ouizguen traz de volta as cantigas de roda, o (Marrocos, foto) são alguns dos pião, a bolinha de Hibou Photography coreógrafos gude, o pega-pega que vêm ao e passa anel, entre Brasil. tantas outras. Pág. 17 Pág. 18
De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015
Página 15 Nicholas F. Branco
Fidel-Fidel. Conflicto en La Prensa é inspirada na figura de Fidel e na Revolução Cubana
Arqueologia do Presente - A Batalha da Maria Antônia transita entre a performance, a instalação e o teatro documentário
Ledores do Breu trata das relações entre o homem sem leitura e sem escrita com o mundo ao seu redor
Instrucciones para Abrazar El Aire, peça baseada em fatos reais sobre o roubo e desaparecimento de uma criança
Resistências poéticas no teatro A partir de sexta o público pode conferir peças teatrais de Cuba, Argentina, Equador e Chile na Mostra Latino-Americana de Teatro em Grupo, tudo com entrada gratuita PAULA LEPINSKI
A Mostra Latino-Americana de Teatro em Grupo chega à capital paulista no fim de outubro para comemorar sua 10ª edição como um dos festivais mais importantes no panorama brasileiro. Para fazer um recorte do que existe de contemporâneo nas artes cênicas no continente, em especial dentro do modo de produção de teatro de grupo, foram convidadas quatro companhias internacionais (Cuba, Chile, Argentina e Equador) e oito nacionais (Rio Grande do Norte e São Paulo) que apresentam 12 espetáculos em 11 locais diferentes. A abertura acontece nesta sexta, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), com a apresentação de Ledores no Breu, da Cia. do Tijolo. Haverá ainda atividades paralelas, como os encontros para intercâmbio de processos de trabalho (os encontros acontecem neste sábado, dias 6 e 8 de novembro) e a inauguração da Plataforma de Cooperação Cultural e Artística. A Mostra Latino-Americana de Teatro em Grupo, projeto criado em 1997 pela Companhia Paulista de Teatro, chega consolidada à sua 10ª edição sobre o propósito de reunir em São Paulo coletivos teatrais do Brasil e de países de línguas latinas para uma real troca de experiências estéticas e de modos de produção. “A realização da 10ª edição da Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo é um espaço de encontro e espelhamento crítico, é a atua-
lização de um território de resistência, onde o protagonismo do coletivo guia o modus operandi dos laboratórios sociais que são os grupos de teatro”, diz Edgar Castro, vice-secretário da Companhia Paulista de Teatro e coordenador geral da 10ª Mostra. Nas nove primeiras edições apresentaram-se na cidade, além de 49 companhias brasileiras, 42 grupos dos países da América Latina, cinco europeias, uma estadunidense e uma africana. A edição de 2015 traz um número maior de atividades e locais de apresentações a fim de inserir cada vez mais a mostra na cidade. Segundo Castro, essa expansão também tem o objetivo de diminuir as distâncias entre as pessoas para construir de forma criativa “outras possibilidades comunitárias”. Fora do eixo central, que abrange o CCSP, o Espaço Sobrevento, a Praça Roosevelt e a SP Escola de Teatro, haverá sessões em trens da CPTM, em quatro Centros Educacionais Unificados (CEUs, Perus, Inácio Monteiro, Azul da Cor do Mar e Casablanca), no Instituto Pombas Urbanas e no Centro Cultural da Juventude (CCJ). Desde sua criação, a mostra apresenta um tema que fomente um debate a cada edição. O eixo temático dessa edição comemorativa é Artivismo Latino: Resistências Poéticas. Na conceituação dos antropólogos da USP Paulo Raposo e John Dawsey, o termo “[diz respeito a] intervenções sociais e políticas, produzidas por
pessoas ou coletivos, através de estratégias poéticas e performativas. A natureza estética e simbólica do artivismo propõe-se amplificar, sensibilizar, refletir e interrogar temas e situações num dado contexto histórico e social, visando à mudança ou à resistência”. Por isso, a escolha do tema procura abrir uma ampla reflexão sobre a criação estética como ação política, a arte como estratégia simbólica de ação no campo da intervenção social. Espetáculos – A mostra traz quatro espetáculos internacionais, todos com temáticas que procuram inspirar o debate sobre o atual cenário político, histórico e social. Fidel-Fidel. Conflicto en La Prensa, peça do grupo El Bachin Teatro (Argentina), dirigida por Manuel Santos Iñurrieta, é o maior exemplo disso. A peça se insere nos conflitos dos meios de comunicação e na forma que moldam a opinião pública de acordo com seus próprios interesses. A figura de Fidel Castro e da Revolução Cubana aparecem no espetáculo de forma poética e inspiram os jornalistas a começar uma revolução social para mudar o rumo da história. Outro exemplo é Instrucciones Para Abrazar El Aire, peça do grupo Teatro Malayerba (Equador), dirigida por Arístides Vargas, Maria Del Rosário Francés e Gerson Guerra. O grupo é conhecido por focar em histórias tocadas pela violência política, memória e esquecimento, e desta vez a história gira em torno do roubo e de-
saparecimento de uma criança durante os anos da Guerra Suja na Argentina. Oito espetáculos nacionais também estão na programação. A Cia. do Tijolo apresenta Ledores no Breu, que abre a mostra no Centro Cultural São Paulo. O espetáculo reflete sobre as consequências do analfabetismo e, principalmente, do analfabetismo funcional. A partir de textos de Paulo Freire, Lêdo Ivo, Zé da Luz, Patativa do Assaré, Luiz Fernando Verissimo e canções de Cartola, Jackson do Pandeiro e Chico César, figuras se cruzam, histórias se embaraçam e tecem as trajetórias dessas vítimas do sistema educacional. A companhia Opovoempé também coloca em cena fatos que levam o público a refletir sobre o passado e as consequências atuais no presente. O espetáculo Arqueologia do Presente – A batalha da Maria Antônia, transita entre performance, instalação e teatro documentário com a possibilidade de interação do público com jornais, teses, imagens e áudios originais sobre a ditadura militar, o atual momento histórico brasileiro, o aparato repressivo, o desmonte da educaçãto, o papel da mídia e a polarização da sociedade.
A 10ª Mostra Latino-Americana de Teatro em Grupo acontece a partir desta sexta-feira até o dia 8 de novembro. A entrada para todos os espetáculos e atividades é gratuita. Para saber mais sobre locais, horários e retirada de ingressos, confira o site da mostra: www.cooperativadeteatro.com.br/10mostralatinoamericana.
Página 16 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
39ª Mostra Internacional de Cinema A seleção deste ano faz um apanhado do que o cinema contemporâneo mundial está produzindo, além das principais tendências, temáticas, narrativas e estéticas. Até o dia 4 de novembro, serão exibidos filmes de 62 países, em sessões em 20 salas da capital paulista, entre cinemas, espaços culturais e museus, incluindo exibições gratuitas e ao ar livre (programação completa no site 39.mostra.org.br). A Ovelha Negra (Islândia, 2015), de Grímur Hákonarson, vencedor da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes. O filme se passa em uma remota área rural da Islândia, onde os irmãos Gummi e Kiddi vivem lado a lado, e embora não se falem há 40 anos, seguem cuidando de suas ovelhas e carneiros, até que uma doença letal atinge um dos rebanhos e as autoridades decidem abater todos os animais da região para conter uma epidemia; eles vão lutar para salvar os animais – e eles mesmos – da extinção (quarta, às 19h40, no Reserva Cultural; quinta, às 17h15, domingo, às 13h30, e dia 4 de novembro, às 21h30, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca; e sábado, às 19h30, no Cinesesc). Desde Alá (Venezuela e México, 2015), de Lorenzo Vigas, Leão de Ouro no Festival de Veneza, envolvente drama sobre um romance homossexual, em que um homem rico atrai jovens para sua casa, apenas para observá-los, e também segue um empresário mais velho com quem parece ter tido uma relação traumática, mas acaba tendo um caso com um adolescente, com quem tem um primeiro encontro violento, e aos poucos surge uma intimidade inesperada entre eles (nesta segunda, às 18h, e dia 3 de novembro, às 22h, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca; quinta, às 18h15, no Espaço Itaú de Cinema Augusta; e domingo, às 22h, no Reserva Cultural). El Abrazo de la Serpiente (Colômbia, 2015), de Ciro Guerra, vencedor do prêmio da Cicae (Confédération Internationale des Cinémas d’Art et d’Essai) na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes, baseado nos relatos dos exploradores Theodor Koch-Grünberg e Richard Evans Schultes, sobre um xamã amazônico e último sobrevivente de sua tribo, que vive na selva em isolamento voluntário até que sua vida muda com a chegada de um pesquisador americano que procura uma planta sagrada (quinta, às 19h30, no Reserva Cultural; sexta, às 15h45, no Cinesala; sábado, às 15h, no Cinesesc; e nos dias 2 de novembro, às 21h15, e dia 3 de novembro, às 21h45, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca). My Skinny Sister (Suécia e Alemanha, 2015), de Sanna Lenken, vencedor do prêmio Urso de Cristal no Festival de Berlim, sobre uma menina que acaba de entrar no empolgante mundo da adolescência e descobre que sua exemplar irmã mais velha esconde um transtorno alimentar e, aos poucos, a doença vai destruindo a família; uma história sobre ciúme, amor e traição (nesta segunda, às 14h, no Cinesala; terça, às 17h30, no Cine Caixa Belas Artes).
Meu Único Amor (EUA, 1927), de Sam Taylor, com apresentação especial dentro da Retrospectiva The Film Foundation, comédia romântica baseada em uma história da escritora Kathleen Norris e um dos maiores sucessos da carreira de Mary Pickford. O filme mudo tem exibição ao ar livre no sábado, às 20h, no Parque do Ibirapuera, com acompanhamento musical da Orquestra Sinfônica Heliópolis e regência do maestro David Michael Frank. Pardais (Islândia, Dinamarca e Croácia, 2015), de Rúnar Rúnarsson, Concha de Ouro no Festival de San Sebastian, história de um garoto de 16 anos que mora com a mãe, em Reykjavík, e é enviado de volta à remota região de Westfjords para ficar com o pai, mas os dois têm um relacionamento difícil e seus amigos de infância mudaram, até que, sem esperança, precisa encontrar seu caminho (nesta segunda, às 19h30, e na terça, às 22h, domingo, às 19h45, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca; quarta, às 17h15, no Cinesesc; quinta, às 16h20, no Cinearte). Son of Saul (Hungria, 2015), de László Nemes, Grande Prêmio do Júri em Cannes, que se passa em outubro de 1944, no campo de Auschwitz-Birkenau, onde um húngaro que integra o Sonderkommando, grupo de prisioneiros judeus forçados a ajudar os nazistas no extermínio em larga escala, descobre o corpo de um garoto que acredita ser seu filho; enquanto o Sonderkommando planeja uma rebelião, ele decide se lançar em uma tarefa impossível: salvar o corpo da criança das chamas, encontrar um rabino para o kadish e dar ao menino um enterro apropriado (nesta segunda, às 21h30, no Cinesesc, e no sábado, às 19h50, no Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca). Um Dia Perfeito (Espanha, 2015), direção de Fernando León de Aranoa, que também assina o roteiro ao lado de Diego Farias, sobre um grupo de agentes humanitários que tenta remover um cadáver de um poço em uma zona de conflito armado – o corpo foi deixado ali para contaminar a água e cortar o fornecimento para a população local – , mas as circunstâncias transformam uma tarefa simples em missão impossível. Humor, drama, carinho, rotina, perigo, esperança: tudo cabe em um dia perfeito. O filme encerra a mostra, no dia 4 de novembro, com exibição às 21h, no Cinesesc.
Canto Livro Patricia Ribeiro
Jean e Joana Garfunkel apresentam canções inspiradas em Guimarães Rosa
Uma viagem pelo sertão roseano por meio dos atalhos da oralidade e da canção brasileira é a proposta do grupo Canto Livro no show “O Sertão na Canção”, baseado no romance Grande Sertões Veredas, de João Guimarães Rosa (1908-1967). No repertório estão canções como Avenida São João, Contumaz, Primeiro Encontro, São Gregório, Mar de Cavalos, Batalha Final, todas compostas por Jean e o irmão Paulo Garfunkel, permeadas por narração de trechos da obra que imortalizou os personagens Riobaldo e Diadorim. O show literomusical acontece nesta quarta, às 20h, no Auditório da Biblioteca Mário de Andrade (r. da Consolação, 94, tel. 3775-0002). Os ingressos são gratuitos e devem ser retirados uma hora antes.
Projeto Plataforma Cida Moreira lança seu décimo álbum, Soledade, pelo Projeto Plataforma, concebido a partir de uma viagem que a cantora fez ao sertão nordestino. Com um tanto de melancolia, as 15 músicas desenham o Brasil em suas mais complexas nuances unindo compositores consagrados, como Gilberto Gil, Jards Macalé e Zé Rodrix, e os novos Hélio Flanders, Thiago Pethit, André Frateschi e Arthur
Nogueira. Entre as canções, Construção, Última Voz do Brasil e um registro elétrico e contemporâneo de O Pulso. A apresentação conta com Cida Moreira, também ao piano, Omar Campos (violão), Izaias Amorim (contrabaixo), Iuri Salvagnini (acordeom) e Sérgio Chica (percussão). Nesta sexta, às 21h, no Sesc Pompeia (r. Clélia, 93, tel. 38717700). Ingressos: R$ 30,00.
Concerto no Municipal A Orquestra Experimental de Repertório, sob a regência do maestro Carlos Eduardo Moreno e solo de Daniel Binelli (bandoneón), se apresenta nesta semana ao lado do Balé da Cidade de São Paulo, no Teatro Municipal. No programa, a coreografia Dança Antiga, de Mauro Bigonzetti, com música de
Respighi; Bandoneón, de Luiz Arrieta sob música de Piazzolla; e O Balcão de Amor, de Itzik Galig e música de Pérez Prado. Apresentações de terça a sexta, às 20h, no Teatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/nº, Centro, tel. 3397-0327). Ingressos: de R$ 50,00 a R$ 120,00.
Luís da Câmara Cascudo Acaba de entrar em cartaz a mostra inédita “O Tempo e eu (e Vc)” sobre o escritor e maior estudioso da cultura popular brasileira, também etnógrafo, pesquisador, folclorista e escritor potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Realizada pela Casa da Ribeira São Paulo e Instituto Câmara Cascudo, a exposição interativa traz aspectos dos primórdios da gastronomia brasileira às nossas danças, gestos e costumes. Luís da Câmara Cascudo deixou um importante legado dentre os mais de 150 livros que escreveu, já que grande parte deles são referências sem similares, como Dicionário do Folclore Brasileiro e História da Alimentação no Brasil. A concepção do projeto surgiu da ideia de transformar os escritos e pesquisas do autor em uma experiência única
e inovadora, ocupando o primeiro andar do Museu da Língua Portuguesa. A intenção é recriar um ambiente onde é possível navegar pelo mundo de Câmara Cascudo, se reconhecer parte dele, com todas as suas viagens sensoriais – os movimentos, toques, cores, histórias e sons da cultura popular brasileira, e compreender a importância de seus conhecimentos. “Cascudo revelou ‘brasis’ invisíveis aos brasileiros, e é imperativo mostrar isso às novas gerações. Queremos que as pessoas percebam a contemporaneidade de sua obra”, explica o produtor Gustavo Wanderley, diretor da Casa da Ribeira São Paulo. A escrita, por exemplo, foi criada a partir das letras, brasões e grafismos encontrados nas marcações do gado no sertão nordestino, costume que remonta aos primórdios da dinâmica socioeconômica do homem rural do Nordeste – um trabalho que lembra ainda outro grande estudioso potiguar, o sertanista Oswaldo Lamartine de Faria (1919-2007). O recorte curatorial inclui cinco módulos: Biografia; Danças; Oralidade; Crenças e Cozinha Brasileira. Em cartaz até 14 de fevereiro de 2016, de terça a domingo, das 10h às 18h, no Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº, tel. 3322-0080). Ingressos: R$ 6,00; grátis aos sábados. O legado do maior estudioso da cultura popular brasileira em exposição
● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 17
Onde fica o afeto?
A oitava edição do Festival Contemporâneo de Dança, que acontece a partir de quinta, reúne expoentes da dança contemporânea para responder à questão CLAUDIA COSTA
Mordedores, da carioca Marcela Levi e da argentina Lucía Russo
Que outras formas de afeto são possíveis e necessárias diante de um cenário cada vez mais voltado aos encontros efêmeros, ao êxito individual e à aceleração dos processos artísticos? Por que, como e para quem realizamos experiências? Artistas nacionais e internacionais, interessados em experimentar possibilidades de convívio e conexão, com trabalhos que propõem questões fundamentais, estão reunidos na 8ª edição do Festival Contemporâneo de Dança, que acontece a partir de
Ivo Dimchev em Lili Handel
Renato Mangolin
Uma Espécie de Alasca Leekyung Kim
Em coma há 29 anos após contrair a doença do sono (encefalite letárgica), Débora acorda com a mente de 16 anos de idade. Sua irmã e seu cunhado, o médico Hornby, cuidaram dela ao longo de todo esse tempo. Essa é a trama da peça Uma Espécie de Alasca, escrita pelo inglês Harold Pinter e com estreia nesta sexta, no Masp. É baseada na obra DesPeça do inglês Harold pertar, do renomado neurologista Pinter baseada em Oliver Sacks, que relata casos de obra do neurologista pessoas com encefalite letárgica Oliver Sacks que acordaram após décadas em função de um novo tipo de medicamento. Segundo Pinter, a peça foi escrita quando ele se sentiu como um dos pacientes de Sacks: “Um dia acordei com a sensação estranha de estar em um lugar e tempo distintos, lembrei do livro do Oliver Sacks que tinha lido há quase uma década e escrevi Uma Espécie de Alasca. A peça, sob direção de Gabriel Fontes Paiva, conta com a atuação de Yara de Novaes, atriz recém-premiada, no papel da personagem com encefalite letárgica, além de Miriam Rinaldi e Jorge Emil que vivem a irmã e o cunhado, respectivamente. A temporada vai até 29 de novembro, sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 20h, no Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 3251-5644). Os ingressos custam R$ 20,00
Na Selva das Cidades jeto de admiração, fantasias e rejeição. O premiado artista búlgaro Ivo Dimchev provoca a plateia em uma intensa e crua performance, na qual se transforma em Lili Handel, uma diva queer que se oferece Valhorne ao consumo físico e estético; e ainda partilha sua poesia afiada e seu potente trabalho vocal em 15 Songs from my Shows, em que interpreta ao vivo composições autorais, originalmente criadas para suas performances e agora apresentadas como unidades independentes em um peculiar concerto. Já o brasileiro Wagner Schwartz dialoga com a obra de Lygia Clark em La Bête, manipulando uma réplica de plástico de uma das esculturas da série Bichos (1960), convidando o público a participar da coreografia; enquanto Michelle Moura traz uma coreografia vertiginosa, criada a partir do movimento das pálpebras – em Blink – mini-uníssono intenso-
quinta, ocupando durante três semanas a Galeria Olido e o Sesc Santana. Esta edição conta com o patrocínio do Banco Itaú, do Ministério da Cultura, do Governo do Estado de São Paulo através do Programa de Ação Cultural 2014, do Sesc e de instituições internacionais de apoio à cultura. A direção artística é de Adriana Grechi e a direção geral e Divulgação produção são de Amaury Cacciacarro Filho. Entre os destaques está a coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen, que vem pela primeira vez ao Brasil, apresentando Madame Plaza com seu 15 Songs from my grupo formado por aïtas: Shows, concerto cantoras/dançarinas de peculiar cabarés que se apresentam em celebrações, casamentos e clubes -lamúrio, duas performers abrem e fecham noturnos, vistas com preconceito por sua os olhos em uníssono e intensificam esse condição de mulheres artistas, sendo ob- movimento de tal forma que se perde de vista a singularidade de cada uma. TamHibou Photography bém se apresentam Robert Steijn e RicarMadame Plaza, da coreógrafa marroquina Bouchra Ouizguen do Rubio (Holanda/México), que testam formas íntimas de convívio e aproximação em Prelude On Love, trabalho; e Marcela Levi, Lucía Russo (Brasil/Argentina) e o grupo de Mordedores transformam violência em vitalidade através do contato entre corpos. Paralelamente, acontecem oficinas voltadas à formação artística com Ivo Dimchev, Wagner Schwartz, Robert Steijn e Ricardo Rubio. O 8º Festival Contemporâneo de Dança acontece a partir de quinta até 15 de novembro, na Galeria Olido (av. São João, 473, Centro, tel. 3397-0171), com ingressos gratuitos; e no Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700), com ingressos até R$ 20,00. Mais informações em www.facebook. com/festivalcontemporaneodedanca.
A Mundana Companhia apresenta a sétima encenação de Na Selva das Cidades – Em Obras, peça dividida em 11 quadros que tratam de temas propostos no texto homônimo do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Os quadros serão apresentados no Instituto Cultural Capobianco nesta quarta (quadros 1 e 2), na quinta (quadro 3), na sexta (quadros 4, 5 e 6), no sábado (quadros 7, 8 e 9) e no domingo (quadros 10 e 11). O espetáculo narra uma luta entre dois homens em uma metrópole americana. Durante o enredo não ficam claros os motivos que levam os dois
homens ao embate, mas tudo e todos em torno deles vão sendo envolvidos – família, amores, parceiros, amigos, justiça, polícia, negócios – e a luta cresce até envolver toda a cidade. Nas extremidades dessa luta encontram-se dois tipos opostos: um rico comerciante de madeiras versus um pobre balconista que migrou do campo para a cidade grande com sua família. Os horários das apresentações variam das 16h às 20h, no Teatro da Memória, do Instituto Cultural Capobianco (r. Álvaro Carvalho, 97, tel. 3237-1187). A entrada é franca
Sou toda coração O amor e todas as facetas do universo amoroso aparecem no espetáculo musical Sou Toda Coração, com Débora Duboc dividindo o palco com o compositor e músico Jonatan Harold. A peça estreia nesta quarta, no Teatro Itália, com direção e roteiro assinados por Elias Andreato. A proposta do espetáculo é que o público veja a música do ponto de vista teatral. A montagem remete aos musicais intimistas em clima de cabaré dos anos 70 e 80. São 23 canções, com arranjos originais assinados por
Luís França
Débora Duboc canta o amor
Jonatan Harold, entre-
meadas com textos criados a partir de pot-pourri de fragmentos de autores como Fernando Pessoa, Willian Shakespeare, Walter Franco, Clarice Lispector. Em determinados momentos, o diretor acrescenta projeções de vídeos, criando uma moldura para as cenas. Em cartaz até o dia 10 de dezembro, às quartas e quintas, sempre às 21h, no Teatro Itália (av. Ipiranga, 344, República, tel. 32551979). O valor dos ingressos é R$ 40,00, sendo que professores e alunos da rede pública não pagam.
Jorge Amado Está em cartaz no Teatro do Sesi Amado, que inclui o lançamento do CD com a trilha sonora da peça. Jorge Amado soube traduzir como poucos em suas obras a alma coletiva do povo brasileiro, e o espetáculo mergulha nesse universo, misturando diversas artes como teatro, dança, circo, e, claro, música. A peça foi escrita e dirigida por Rosane Almeida, cofundadora do Instituto Brincante, e faz parte das comemorações dos 50 anos do Teatro do Sesi. Na peça, nove artistas que integram o Instituto Brincante reinventam personagens e conflitos presentes nas obras do
escritor baiano, dentre elas Dona Flor e Seus Dois Maridos, Quincas Berro D’água, Gabriela, Cravo e Canela e Capitães de Areia. Já a trilha sonora do espetáculo dedicado a Jorge Amado traz ritmos inspirados em diversas manifestações populares e também nos próprios personagens consagrados do escritor. Até 15 de novembro, de quinta a sábado, às 20h, e domingos, às 19h, no Teatro do Sesi(av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7401). A entrada é gratuita, sendo que os ingressos podem ser reservados on-line através do site www.sesisp.org.br/meu-sesi.
Hysterica e Estranhos Com texto inédito da dramaturga espanhola Angélica Liddell, a montagem do Teatro Kaus tem direção de Reginaldo Nascimento e tradução de Aimar Labaki. Hysterica Passio conta história de Hipólito, que aos 12 anos resolve se vingar dos pais pelos maus-tratos por ele sofridos. Na peça, o filho da esquálida enfermeira Thora e do pálido dentista Senderovich assume diversas figuras alegóricas em cena: a de um mestre de cerimônias, a de seu pai já morto e a dele mesmo na infância. Apresenta a sua vida e a de seus pais, retomando os momentos de sua história para questionar, julgar e condenar a dor que sente. Até Luciano Alves 13 de dezembro, sábados, às 20h, no Espaço Parlapatões (Praça Os Estranhos que nos Franklin Roosevelt, 158, Centro, Habitam, baseado em tel. 3258-4449). No mesmo local, estudo comportamental de está em cartaz Os Estranhos que Stanley Milgram nos Habitam, texto de Wagner D’Avilla inspirado no Estudo Comportamental da Obediência, do psicólogo Stanley Milgram, que avaliou e revelou o comportamento que demonstra como cidadãos comuns, pessoas aparentemente equilibradas, podem cruzar os tênues limites da maldade (até 2 de dezembro, quartas, às 21h). Ingressos: R$ 40,00 para cada peça.
Página 18 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
De volta à infância Sem excluir a tecnologia, livro produzido por profissionais da Creche Central da USP e da Escola de Aplicação recupera as brincadeiras de antigamente Fotos: Divulgação
IVANIR FERREIRA, USP Online
Cantigas de roda, pião, bolinha de gude, pega-pega, passa anel e outras tantas brincadeiras são lembradas no livro Brincadeiras de Muitos Tempos e Lugares, que acaba de ser lançado. As narrativas foram construídas através de relatos e memórias dos profissionais da educação da Creche Central e da Escola de Aplicação da USP. A ideia surgiu da inquietação de uma professora de dança ao ver que as brincadeiras de antigamente não faziam parte do repertório do divertimento das crianças da creche onde trabalhava. Acreditou que se fosse possível resgatar as brincadeiras que adultos viveram em sua infância e apresentá-las às crianças da creche, poderia contribuir para enriquecer o mundo infantil, além de agregar conhecimento aos pequenos. A partir dessa premissa, Cristina Mara da Silva Correia, uma das coordenadoras do projeto que deu origem ao livro, começou a pensar como poderia trazer para o dia a dia daqueles meninos e meninas as brincadeiras de muitos tempos e lugares. Ela percebeu também que as fontes onde buscaria inspiração para suas histórias estavam mais perto do que pensava – o porteiro, a merendeira, o ajudante geral e, claro, os próprios professores. Todas as pessoas que de algum modo faziam parte daquele universo escolar seriam protagonistas do livro. Para a professora, as experiências e os saberes das pessoas têm um importante papel na educação básica e, no entanto, são frequentemente desprestigiados e deslegitimados. “O esforço de nosso trabalho vai na contramão do que se elege como conhecimento dentro da escola.” A proposta da obra é mudar esse cenário, valorizando tais saberes como conteúdos importantes a serem ensinados às crianças. A coleta das histórias foi feita em vídeo. Fosse no campo ou na cidade,
Brincadeiras como passa anel e pedrinhas, algumas narrativas resgatadas no livro e no lazer das crianças da Creche Central da USP
Os protagonistas das histórias brincam com os pequenos, enriquecendo o repertório infantil
há 20 e poucos anos ou 50 anos atrás, brincar na rua e no quintal fazia parte da infância. Assim, professores, funcionários da manutenção, auxiliar de serviços gerais, bibliotecário, técnicos acadêmicos e administrativos e de projetos foram revisitando suas vidas e resgatando suas histórias vividas em cidadezinhas de Minas Gerais, do interior de São Paulo e Rio de Janeiro, e até de locais mais distantes, como Teixeira de Freitas (BA), Sertânia (PE) e Brejão dos Negros (SE). As brincadeiras foram tomando corpo: bolinha de gude jogada no boxe e no triângulo,
No Lugar do Outro Acaba de ser lançado o livro-catálogo Claudia Andujar, No Lugar do Outro (258 págs., R$ 129,90), que acompanha a exposição em cartaz até o dia 15 de novembro, no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro. Fartamente ilustrado, o livro é resultado de dois anos de pesquisa no arquivo da fotógrafa e, assim como a exposição, a publicação lança luz sobre sua trajetória ao apresentar trabalhos pouco conhecidos do início de sua carreira, anterior ao seu envolvimento com os índios Yanomami. A obra reúne cerca de 230 imagens do período que se estende da chegada da fotógrafa a São Paulo, em 1955, até as primeiras viagens para a Amazônia, no começo dos anos 1970. São reportagens fotográficas e ensaios pessoais que incluem desde os registros documentais em preto e branco até a experimentação gráfica colorida do final dos anos 1960 e começo dos anos 1970. O livro-catálogo traz, além das imagens, textos sobre cada série e entrevista inédita com a fotógrafa rea-
lizada por Thyago Nogueira, além de extensa cronologia. Com projeto gráfico arrojado e em edição bilíngue, a publicação está dividida em quatro núcleos: Famílias brasileiras, com seus primeiros trabalhos de fôlego, quando registrou, entre 1962 e 1964, o cotidiano de quatro famílias de contextos muito distintos; Histórias reais, formado por reportagens desenvolvidas pela fotógrafa, entre 1966 e 1971, para a revista Realidade, marco na imprensa brasileira pela qualidade das matérias e por reunir um time notável de fotógrafos, que incluía nomes como Maureen Bisilliat, George Love e David Drew Zingg; Cidade gráfica, com ensaios experimentais a partir de seu interesse pela cidade e pelo corpo humano; e no quarto e último núcleo, fotografias de natureza feitas durante as primeiras viagens à região da Amazônia, no começo dos anos 1970, especialmente ao longo do rio Jari, no Pará, e em Roraima.
passa anel, bolinha de sabão, boneca de sabugo de espiga de milho, tratorzinho de pau e pique-esconde. Airton Pedro da Silva, por exemplo, funcionário da manutenção que viveu sua infância no interior de São Paulo, falou dos contos de assombração que ele e seus irmãos escutavam quando viviam no sítio, em Presidente Prudente. Brincavam com bolinha de gude, faziam cavalinho de pau e construíam tratorzinho a partir de pedaços de madeira, lata e outros materiais que encontravam por perto. Sizino Maciel, de Brejão dos Negros (SE), lembrou de como
fazia pião de fieira com maçaranduba, madeira originária do Nordeste do País. Já Anazuiede Estefania de Oliveira, de Goytacazes (RJ), lembrou das bonequinhas feitas a partir de espigas de milho colhidas na roça onde morava. “Como não tinha uma boneca de verdade, eu fazia uma de sabugo de milho e costurava as roupinhas também.” Recuperar e compartilhar – Lucas Tadeu Marchezin cita o filósofo alemão Walter Benjamin para falar da linha norteadora do livro: “Recuperar e compartilhar a experiência das pessoas para a construção de uma narrativa”. Marchezin, que é formado em História, esteve envolvido em todo o processo de produção da obra, inclusive com seu próprio depoimento. Sua maior contribuição, porém, foi formar o grupo de funcionários e dar suporte em questões sobre história oral e memória. “Nosso trabalho contribui para a construção de um panorama das experiências e saberes desses trabalhadores. É ver a história contada por outro ângulo.” O Projeto Memórias foi financiado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP e teve a coordenação geral da professora Maria Cecília Cortez Christiano de Souza. O livro digital Brincadeiras de Muitos Tempos e Lugares está disponível no site www. usp.br/memorias/. Mais informações pelo tel. 3091-3201 ou pelo e-mail crismara@usp.br.
Metafísicas Canibais Originalmente publicado em francês, Metafísicas Canibais (Cosac Naif, 288 págs., R$ 45,00), de Eduardo Viveiros de Castro, é baseado em pesquisas existentes em diversas publicações. Com uma escrita poética e ao mesmo tempo militante e mordaz, o livro, segundo o autor, é menos que uma resenha, uma sinopse de O Anti-Narciso: Da antropologia como ciência menor, que jamais será capaz de terminar e que tinha como objetivo ilustrar a tese de que a antropologia é uma versão das práticas de conhecimento indígenas. “Certo dia, formei o desígnio e esbocei o desenho de um livro que, de algum modo, prestasse uma homenagem a Gilles Deleuze e a Félix Guattari”, afirma. Metafísicas traz como pilares duas obras fundamentais da filosofia e da antropologia: O Anti-Édipo, de Deleuze & Guattari, e as Mitológicas, de Claude Lévi-Strauss. O livro reúne parte significativa da produção do autor e apresenta uma formulação atual de sua teoria sobre o perspectivismo, que o consagrou dentro e fora do Brasil. A primeira versão de Metafísicas foi apresentada em uma série de quatro conferências feitas no Instituto de Estudos Avançados de Paris, em 2009, e a edição brasileira será lançada nesta quarta, das 19h às 20h, no Sesc Ipiranga, dentro da programação do seminário internacional Variações do Corpo Selvagem – Em Torno do Pensamento de Eduardo Viveiros de Castro (que acontece nos dias 27 e 28 de outubro, com inscrições já esgotadas). Também no Sesc está em cartaz até o dia 29 de novembro uma exposição fotográfica do renomado antropólogo, reunindo 400 imagens, algumas de seu trabalho com o cineasta Ivan Cardoso, com o artista plástico Hélio Oiticica e com o poeta Waly Salomão, mas principalmente aquelas realizadas ao longo de sua atividade como etnólogo junto aos índios arawetés, kulinas, yanomamis e yawalapitis. O Sesc fica na r. Bom Pastor, 822, Ipiranga, tel. 3340-2000.
● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ● Página 19
Arte e cidade
O Instituto de Física sedia 19ª edição da Escola de Verão de Física Nuclear Experimental
Física Nuclear
A Escola de Verão Jorge André Swieca de Física Nuclear Experimental realiza sua 19ª edição no período de 11 a 22 de janeiro de 2016, no Instituto de Física (IF) da USP. Direcionada a estudantes de pós-graduação em Física, o programa tem como objetivo levar os alunos a realizarem uma experiência em todas as suas etapas, ou seja, planejar, compartilhar recursos comuns, colher dados, analisar e relatar formalmente os resultados. Nessa próxima edição, a Escola de Verão oferece a oportunidade de estudar a interação de elétrons com a matéria usando o acelerador Microtron do Instituto de Física, instalado no campus Butantã da Universidade. Segundo a professora Nora Lia Maidana, coordenadora da Escola e docente do IF/USP, “os participantes terão a oportunidade de
determinar experimentalmente o espectro de energia e fluxo de elétrons espalhados em diferentes ângulos por alvos finos, bem como as seções de choque de bremsstrahlung e de ionização de camadas internas de átomos por impacto de elétrons, grandezas consideradas fundamentais para o entendimento da interação de partículas, carregadas ou não, com a matéria”. Professores do IF/USP vão fazer o acompanhamento da pesquisa, além de ministrar palestras ao lado de pesquisadores estrangeiros. As aulas acontecem no IF/USP (r. do Matão, trav. R, 187, Cidade Universitária, tel. 3034-0429). As inscrições devem ser feitas no site www.sbfisica.org.br/~evjasfne/ xix/, onde estão a programação, valores e datas. Mais informações pelo e-mail evjas16@if.usp.br.
A especialista em arte mexicana e latino-americana moderna e contemporânea, Christine Frérot (doutora em História da Arte, estuda e trabalha há mais de dez anos na Universidade Nacional Autônoma do México e no Instituto Francês da América Latina), vem ao Brasil e ministra duas palestras. No dia 9 de novembro, Christine fala sobre “Os artistas da América Latina e Paris: a nostalgia de uma paixão”, abordando o processo de relações estabelecidas entre artistas latino-americanos e o ambiente cultural francês, tendo em vista as transformações que se conceberam historicamente nas percepções e formas de produção artísticas no interior
deste universo. E no dia 10 de novembro, ela discute na palestra “Viver sua cidade: guias turísticos e novos relatos para se apropriar do México” as transformações que se conceberam nos discursos e imagens, a partir da análise de guias turísticos, sobre o universo cultural das cidades mexicanas. As palestras são promovidas pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP. Das 19h às 21h, no CPF Sesc (r. Dr. Plínio Barreto, 285, 4º andar, tel. 3254-5600). A taxa é de R$ 30,00 para cada palestra, com inscrições pelo site www.sescsp.org.br/CPF ou nas unidades do Sesc.
Evolução Estelar O Observatório Dietrich Schiel da USP São Carlos oferece o minicurso Evolução Estelar, com duração de quatro semanas. O objetivo é aprofundar os conceitos relacionados com o conhecimento atual do ciclo de vida de uma estrela, processo conhecido como evolução estelar e sua relação com a vida na Terra. Também serão repassados os conceitos abordados no minicurso de Introdução à Astronomia. O curso é aberto a todos os interessados com idade igual ou superior a 14 anos e acontece no período de 13 de novembro a 4
de dezembro, sempre às sextas, das 15h às 17h (opcionalmente, para quem tiver disponibilidade e em data a ser combinada ao longo do curso, poderá haver participação em uma sessão de observação do céu noturno aberta ao público). As aulas acontecem nas dependências do Observatório Dietrich Schiel (r. Nove de Julho, 1.227, São Carlos, SP). As inscrições podem ser feitas até o primeiro dia do curso, pessoalmente no Observatório, pelo tel. (16) 3373-9191) ou pelo e-mail cda@cdcc.usp.br.
Fisiologia do exercício Nos dias 26 e 27 de novembro será realizado o UTFORSK Seminar in Exercise Physiology, com o objetivo de expor os trabalhos da cooperação científica entre a Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e a Norwegian University of Science and Technology (NTNU). Além de palestrantes internacionais que vão falar sobre suas pesquisas recentes, estudantes e pós-doutorandos apresentam seus resultados. Todas as palestras serão proferidas em inglês, sem tradução. O projeto UTFORSK em Fisiologia
do Exercício é uma iniciativa conjunta da EEFE/ USP com o KG Jebsen Center for Exercise in Medicine (Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, Trondheim, Noruega), com o intuito de promover excelência em Ciência do Exercício por meio de cooperação em pesquisa e ensino superior, abrangendo, além de intercâmbio, cursos e seminários. O programa tem também como proposta fortalecer a colaboração internacional entre instituições norueguesas e parceiras com países do Brics (Brasil, China, Índia, Japão, Rússia
ou África do Sul). O programa foi fundado pelo Ministério Norueguês de Educação e Pesquisa e administrado pelo Centro Norueguês de Cooperação Internacional em Educação (SIU), em cooperação com o Conselho de Pesquisa da Noruega (RCN). No dia 26, a partir das 8h, no Auditório José Geraldo Massucato da EEFE/USP (av. Prof. Mello Moraes, 65, Bloco B, Cidade Universitária). As inscrições são gratuitas e devem ser feitas até 25 de novembro no site https://utforskseminar.wordpress.com/.
Sampalhaças nas ruas
História do Açúcar A Cátedra Jaime Cortesão USP, o Instituto Camões e o Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, Base Avançada da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP em Santos promovem entre os dias 18 e 21 de novembro, o 5º Seminário Internacional de História do Açúcar: Civilizações do Açúcar: Economias e Sociedades Açucareiras no Mundo Iberoamericano. O evento dá continuidade aos encontros bienais, que desde 2005 têm permitido a constituição de uma Rede Internacional de História do Açúcar, estimulando pesquisas e publicações. Nesta edição, o evento
aborda as diferentes economias açucareiras dos espaços ibéricos e americanos, discutindo as singularidades dessas configurações, verdadeiras civilizações do açúcar. Entre os temas discutidos estão Sociedades açucareiras, Açúcar e técnica, Açúcar e ocupação territorial, Arquiteturas e arqueologias dos espaços açucareiros, Açúcar e meio ambiente e Capitais, finanças e açúcar, entre outros. O curso acontece no Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos (r. Alan Ciber Pinto, 96, Vl. São Jorge, Santos, SP). Mais informações e inscrições no site http://cjc.fflch.usp.br.
Transição Nutricional No dia 19 de novembro, a partir das 8h30, acontece na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP o minisimpósio Transição Nutricional no Brasil. O público-alvo são professores, estudantes, pesquisadores e profissionais com interesse no tema. A programação inclui duas palestras com as especialistas Barbara Piperata, do Departamento de Antropologia da The Ohio State University (EUA), que discute “Mudança na dieta e segurança alimentar: a transição nutricional e o papel do Bolsa Família”; e Marly Augusto Cardoso,
do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, falando sobre “Deficiências de micronutrientes em crianças brasileiras: implicações para o controle da carga dupla de má nutrição”. Os responsáveis pelo evento são a professora Bernadette D. G. M. Franco e o professor Christian Hoffmann. No Auditório Maria Aparecida Pourchet Campos da FCF/USP (av. Prof. Lineu Prestes, 580, Cidade Universitária, tel. 30912257). Inscrições gratuitas e obrigatórias pelo e-mail forc@ usp.br. Vagas limitadas.
Museu da Lâmpada Divulgação
Um cortejo cênico, que entrelaça músicas, poesia e cenas tradicionais circenses, com um coletivo de palhaças acontece até 21 de novembro, pelos parques e ruas da cidade de São Paulo. Com o grupo Sampalhaças – Alessandra
Siqueyra, Juliana Gontijo, Juliana Balsalobre, Luciana Viacava, Monique Franco, Paola Musatti, Suzana Aragão, Tereza Gontijo, Val de Carvalho e Vera Abbud –, sob a direção geral e musical de Fernando Escrich (ator, diretor,
palhaço e músico autodidata). No repertório musical estão canções que marcaram a trajetória de cada uma das atrizes/palhaças, músicas populares e outras originalmente compostas para o espetáculo por Escrich. São cinco apresentações: neste sábado, às 16h, no Parque da Luz; e neste domingo, às 10h, no Minhocão (Elevado Costa e Silva); dia 14 de novembro, às 16h, no Parque Santo Dias, Capão Redondo; dia 20 de novembro, às 16h, no Parque do Trote, Vila Guilherme; e dia 21 de novembro, às 16h, no Parque do Carmo. Grátis. O coletivo Sampalhaças faz apresentações gratuitas pela cidade
A Rádio USP apresenta nesta semana a edição número quatro do “Abrace uma Carreira”, em que a jornalista Miriam Ramos convida o professor Mikiya Muramatsu, do Instituto de Física da USP, para orientar estudantes que se encantam com a carreira de físico. O programa conta com a participação dos alunos Juliana Caffer, Isabela Bertini, Eliane Castro e Antonio Silva (quinta, às 13h, com reprise no domingo, às 16h). O programa “Manhã com Bach” apresenta três obras do compositor alemão Johann Sebastian Bach: a Partita nº 1 em Si Menor (BWV
1002), Prelúdio e Fuga nº 1 em Dó Maior (BWV 846) – obra que inspirou o francês Charles Gounod a compor a sua Ave Maria – e a cantata Vergnügte Ruh, beliebte Seelenlust (BWV 170). O programa é produzido e apresentado por Roberto Castro e tem sonoplastia de Dagoberto Alves (sábado, às 9h, com reprise no domingo, às 9h). “Olhar Brasileiro”, com apresentação de Omar Jubran, traz as cantoras Ana Martins e Clara Moreno, filhas do compositor e instrumentista Nelson Ângelo e da cantora, compositora e também instrumentista Joyce. Clara Moreno estudou canto popular na cidade de Paris, na França, e a irmã mais nova, Clara Moreno, estudou teoria musical no curso
Dois nofotografados vos setores ao lado de uma acabam de imagem de ser abertos Thomas Edison no Museu da – além de um Lâmpada, na documentário zona sul de sobre a vida do São Paulo. O inventor e sua destaque é o criação, e uma amplo laboraréplica de seu tório luminoambiente de de abril de 2012, o museu Museuem da15 Lâmpada abre duas novas salas técnico, um espaço totalmente registra a história da iluminação e trabalho. Destaque ainda para interativo que traz de maneira da lâmpada, desde a pré-história, as oficinas e atividades ligadas lúdica a história e a evolução retratando a necessidade do ser à evolução, sustentabilidade e das lâmpadas. O outro espaço é humano e sua evolução, incluin- economia de energia. O Museu dedicado à história da iluminação da Lâmpada fica na av. João do em seu acervo vários modelos cênica, onde é possível viajar pelo de lâmpadas, desde as mais Pedro Cardoso, 574, Aeroporto, tempo e conhecer as histórias e tel. 2898-9358, e funciona de antigas até as mais modernas. Há os diversos tipos de lâmpada e também uma máquina fotográ- segunda a sexta, das 8h às 18h. refletores utilizados no cinema, fica antiga, estilo lambe-lambe, O ingresso é a doação de 1kg de na TV e no teatro. Inaugurado para que os visitantes possam ser alimento não perecível.
Tepem, da UNI-Rio; ambas iniciaram a carreira artística participando de grupos corais infantis (domingo, às 10h). O programa “Sons do Brasil” recebe o cantor e compositor maranhense ARNOH para um bate-papo sobre música independente e novos projetos, além de tocar músicas do seu CD É Preciso Poesia e também algumas inéditas. O programa ainda traz como convidada a produtora Jessica Andrejozuk, falando sobre o projeto Filosofá e o Festival Pé na Grama. E nos “Pitacos Sons do Brasil” serão apresentadas músicas das bandas Cabeça Boca, Vó Tereza e 5PRAStANtAS (domingo, às 14h). O “Via Sampa” recebe na quarta o violeiro Chico Lobo, que lança o livro Conversa de um
Violeiro-Viola Caipira: Tradição, mistérios e crenças de um instrumento com a alma do Brasil, além do CD Cantigas de Violeiro, ambos no mercado pela editora e gravadora Kuarup. Mineiro de São João Del Rey, Chico Lobo é considerado pela crítica um dos violeiros mais ativos no processo de valorização e divulgação da cultura da viola caipira no País. O “Via Sampa” vai ao ar de segunda a sexta, sempre das 12h às 13h, com produção de Heloisa Granito. Rádio USP FM 93,7 MHz para São Paulo, 107,9 MHz para Ribeirão Preto e pelo www.radiousp.br para o Mundo! Programação sujeita a alterações. Mais informações pelo tel. 3091-4425 ou pelo e-mail radiousp@usp.br.
Página 20 ● De 26 de outubro a 1º de novembro de 2015 ●
ASTRONOMIA
Encontro de gigantes Grupo de cientistas – incluindo pesquisadores da USP – identifica na Grande Nuvem de Magalhães duas estrelas em estágio de fusão, fenômeno considerado extremamente raro ANTONIO CARLOS QUINTO Agência USP de Notícias
Um grupo de cientistas que inclui pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP acaba de descobrir um sistema considerado “super-raro”, composto de duas estrelas ligadas pela força gravitacional, com massas bem superiores à do nosso Sol. Denominado VFTS 352, o sistema foi localizado a aproximadamente 160 mil anos-luz (cerca de 10 bilhões de vezes a distância entre a Terra e o Sol), numa galáxia vizinha à Via-Láctea, conhecida como a Grande Nuvem de Magalhães. O artigo acaba de ser publicado no volume 812 do The Astrophysical Journal. De acordo com o astrônomo Leonardo Almeida, atualmente pós-doutorando do IAG, trata-se de “um sistema binário em overcontato” e de alta massa. “Cada estrela tem cerca de 29 vezes a massa do Sol”, estima o cientista, explicando que “o termo overcontato indica que as estrelas já estão uma dentro da outra”. Devido a isso, os pesquisadores acreditam que elas irão se fundir, formando uma única estrela com a massa combinada de 58 massas do Sol. Os resultados são baseados em dados do Very Large Telescope – ESO (Observatório Europeu do Sul) e foram frutos do estágio de Almeida no Space Telescope Science Institute e na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. “Nós temos um projeto aprovado para observar esse objeto com o Telescópio Espacial Hubble. Acreditamos que esses resultados serão extremamente interessantes para o público em geral”, acredita o astrônomo, que é supervisionado em seu pós-doc pelo professor Augusto Damineli, do IAG. Também participaram da descoberta astrônomos que trabalham nos Estados Unidos, Europa e Chile.
Almeida descreve que os cientistas consideram o sistema como “super-raro” porque, na literatura, existem apenas outros três descobertos. “É muito pouco, se considerarmos o número de estrelas conhecidas
hoje em dia. VFTS 352 é o mais massivo e o mais quente encontrado até agora, por isso ele é o mais interessante e importante dessa classe”, avalia. Futuro – Segundo o cientista, o fenômeno da fusão de duas estrelas de alta massa numa fase inicial de sua vida nunca havia sido observado. Nesse cenário, o sistema descoberto deixará uma estrela de altíssima massa e com alta velocidade de rotação e terminará sua vida numa das explosões mais energéticas e raras vistas no universo, conhecidas como explosões de raios gama de longa duração, e isso o cientista considera como um “futuro emocionante”. Nessas explosões ocorrem jatos de raios
gama direcionados. “Se algum planeta habitado, com características semelhantes à Terra, estiver na direção desses jatos a uma distância de bilhões de anos-luz, podem ocorrer problemas como interrupções de sistemas de telecomunicações e destruição da camada de ozônio”, avalia Almeida. No entanto, esse fenômeno só vai ocorrer em milhões de anos e as chances de o jato estar na direção da Terra são muito pequenas. A observação representa uma grande descoberta para a astrofísica estelar. Isso porque a combinação das medidas feitas para as massas e temperaturas das componentes violam a teoria clássica da evolução estelar. Isso pode indicar um novo caminho evolutivo para as componentes do sistema, que poderá até evitar a fusão na sua fase inicial. Assim, esse objeto constitui a evidência mais concreta
de uma teoria super nova para a evolução das estrelas de alta massa. Nesse cenário, o VFTS 352 terminaria sua vida como um sistema duplo de buracos negros de curto período, que é uma fonte intensa de ondas gravitacionais. Almeida acrescenta que esse tipo de sistema é muito importante para o estudo da morte de estrelas de grande massa, as que produzem os átomos com números de prótons múltiplos de 4 (elementos alfa), entre eles o oxigênio. O grupo tem mostrado que cerca de 70% dos sistemas binários de alta massa interagem fortemente e aproximadamente 24% irão sofrer um processo de fusão ao longo de suas vidas. Além da publicação no The Astrophysical Journal, a descoberta do sistema também foi veiculada no site do Very Large Telescope – ESO e na Revista Fapesp.