Sociologia da Comunicação: Os Alunos da esad.cr enquanto Micro-sociedade

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Os alunos da esad.cr enquanto micro-sociedade



Marta Almeida

Os alunos da esad.cr enquanto micro-sociedade Professora responsável: Teresa Fradique

Sociologia da Comunicação


No âmbito da disciplina Sociologia da Comunicação do curso de Design Gráfico foi proposto a elaboração de um trabalho individual que consiste no desenvolvimento de um texto pessoal de reflexão e análise de uma questão colocada a partir de um exemplo à nossa escolha. Nesta análise e na reflexão do exemplo escolhido devo utilizar obrigatoriamente abordagens e/ou conceitos de 4 referências da bibliografia dada.


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nquanto objecto da minha reflexão pessoal decidi enveredar por uma análise muito generalista do modo como funciona a micro-sociedade dos alunos de uma escola de artes. E que melhor exemplo do que o da escola que frequento, aquele que me é mais próximo, aquele que observo e com o qual lido todos os dias? Escolhi então focar-me no caso dos alunos da esad.cr, e por vezes mesmo no caso dos alunos de Design Gráfico (curso que frequento), remetendo para a definição de Erving Goffman “uma organização social é qualquer espaço rodeado por barreiras perceptivas fixas onde tem lugar regularmente determinada espécie de actividade” (1959 2003: 279). Esta é portanto uma organização social onde tem lugar a aprendizagem, por ser uma escola, ainda mais específica pela proximidade das áreas formativas, todas elas criativas. Adoptando a terminologia de Zygmunt Bauman, classifico-nos como turistas1 (ou nômades), porque de uma maneira que se poderia aplicar a qualquer outro estudante do ensino superior que tenha mudado de cidade, a nossa permanência nas Caldas da Rainha é passageira e prevê pelo menos outra mudança (quando acabar o curso vou procurar emprego, por exemplo, ou vou fazer um mestrado lá fora, ou ainda volto para casa). Por outro lado, as Artes e o Design são áreas pródigas na indefinição de um local de trabalho fixo e estável para toda a vida. Em caso de sucesso um artista exporá a sua obra em galerias espalhadas por várias localidades; já um designer, mesmo 1 “Os turistas tornam-se andarilhos e colocam os sonhos agri-doces da saudade acima dos confortos do lar – porque assim o querem ou porque consideram essa a estratégia de vida mais racional “nas circunstancias” ou porque foram seduzidos pelos prazeres reais ou imaginários de uma vida hedonística.” (Zygmunt Bauman [1998] 1999: 100)


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a trabalhar num ateliê, graças às possibilidades de mobilidade virtual que o texto de Bauman também compreende, realiza, ao longo da sua vida profissional, trabalhos para várias regiões do país, e mesmo para fora. Outro aspecto a considerar é a urgência que nos é praticamente legitimada de que bom é lá fora. A situação financeira portuguesa actual, em crise; a dificuldade em arranjar emprego em Portugal; e o facto de noutros países a profissão do design ter um estatuto mais credível, são tudo razões tentadoras, entre outras tantas, para não conceber o futuro das nossas vidas profissionais no nosso país de origem. Por outro prisma, uma das modalidades da prática profissional do design é o trabalho freelance, sem patrões, a título próprio, modalidade que proporciona uma disponibilidade privilegiada. A linha de pensamento de Bauman corrobora-o: “há entre os turistas alguns “andarilhos contumazes”, sempre na estrada e sempre confiantes de estarem a ir na direcção certa e que viajar é a coisa certa a fazer, (…) afinal a maioria dos empregos é temporária, as acções podem tanto cair como subir, as habilidades continuam a ser desvalorizadas e superadas por novas e mais aperfeiçoadas habilidades, (…) os valores que merecem ser seguidos e as finalidades em que vale a pena investir estão sempre mudando.” (1998 1999: 105). Não basta, no entanto, ter a atitude de um turista, em oposição à de um vagabundo2 estanque na mesma localidade, no mesmo país, preso a um emprego fixo e monótono, para agarrar essas oportunidades. Para alcançá-las, encontro facilmente uma característica transversal a grande parte dos alunos da esad: uma busca incessante por um sentido de identidade que permita que o trabalho seja original e relevante, e assim, interessante o suficiente para ser procurado pelos clientes mais exigentes. Este ponto é determinante para distinguir estes alunos dos alunos de uma faculdade de ciências ou de engenharia, por exemplo. Isto porque aqui o conceito de identidade alastra-se da vida pessoal, da dimensão do indivíduo, para o seu trabalho, com o qual se pretende exposição pública. O que proponho é a relação de interdependência entre o que um designer ou um artista veste e o trabalho que produz. Numa primeira instância, esse processo é determinado por uma tendência estética ou artística com a qual o aluno se identifique. Em muitos casos, essa tendência acompanha o código de vestuário, ou a gíria específica que utiliza, e advém ou do estilo de música 2 “O problema, porém, é que a vida dos turistas não teria nem a metade do prazer que tem se não fossem os vagabundos à volta para mostrar como seria a alternativa a essa vida, a única alternativa que a sociedade dos viajantes torna realista.” (Zygmunt Bauman [1998] 1999: 106)


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que ouve, os filmes que vê, ou do grupo de amigos com quem se dá, estando já mais ou menos definida antes do aluno chegar à esad. Grande parte das vezes, um aluno encontra a identidade do seu trabalho pela mera extensão da cultura que já consumia para a sua produção, passando a ser um agente activo na perduração e no desenvolvimento da cultura que inicialmente o influenciou. Uma tendência estética em voga é a do hip-hop, um exemplo particularmente pertinente por ser uma das culturas pós-modernas mais polivalentes – é constituída por várias áreas de criação: da música; ao estilismo; à pintura de murais (graffiti), etc... Um aluno de design gráfico que se identifica com esta tendência tem, para a sua prática, um leque de grafismos genéricos já mais ou menos definidos com os quais pode trabalhar. Por estar em voga e porque a sua popularidade prova que é rentável, o aluno sente-se mais apto a exercer a sua profissão; e o seu obstáculo torna-se a concorrência, que para ser enfrentada, exige o desenvolvimento técnico e criativo do aluno. Depois é tudo uma questão de trazer ao seu trabalho um cunho que o pessoal, que dilua as suas influências e o solidifique. Podemos portanto atribuir à tendência estética o valor de identidade legitimadora, segundo Manuel Castells. Uma identidade legitimadora curiosa, a deste exemplo, por ter começado por ser uma identidade de resistência: antes de ser massificada, a cultura hip-hop partia de um manifesto claro de contra-cultura. Castells define, em “O Poder da Identidade” (1997 2001), uma identidade legitimadora como aquela que é difundida pelas instituições dominantes com o objectivo de manter o seu domínio, e que uma identidade de resistência é a que lhe resiste: “as identidades de resistência estão tão difundidas na sociedade em rede quanto os projectos individualistas resultantes da dissolução de identidades constituintes e legitimadoras da sociedade civil na era industrial” (1997 2001: 435). Como poderá então um aluno decidir tomar a sua busca para esse lado, o da resistência? Enfrentando as tendências, abandonando as pretensões comerciais óbvias do seu trabalho, e procurando, mais a fundo, o seu registo pessoal sem relação directa a nenhuma tendência em específico. Uma hipótese é mesclar várias tendências. Em design gráfico, chama-se a este fenómeno fazer design de autor. Enveredar pelo design de autor, aquele que por definição dá mais relevância a questões estéticas, conceptuais e formais do que à função propriamente

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dita, assim muito menos comercial, é uma opção que exige que a procura não termine tão cedo. No entanto, quem encontra conforto na fidelidade a uma tendência não é necessariamente menos criativo ou menos autónomo do que quem toma a via de uma identidade de resistência. É que tanto a busca por uma identidade, como a opção de seguir uma corrente estética, como a de preferir que essa prefigure uma tendência em voga, como a de escolher qual, ou a negação sistemática deste processo que em muitas das vezes resulta antes num processo mais ingénuo do que original, são factos sociais: um fenómeno colectivo que tem impacto sobre toda a micro-sociedade de estudantes de design gráfico. Factos sociais, como os descreve Émile Durkheim enquanto objecto central da sua teoria sociológica, são regras, independentes entre si, que se aplicam na generalidade a uma sociedade, impondo-se na vontade de todos os seus elementos constituintes ao ponto de se questionar se essa vontade existe verdadeiramente, ou se é genuína3. Assim, analisando o processo vago e generalista que propus anteriormente, o primeiro facto social dessa cadeia é precisamente a necessidade de procurar uma identidade. Algumas das expressões mais correntes pelos corredores da esad, a cada ano que passa, são quase rigorosamente Preciso de me encontrar ou Encontrei o meu estilo, e por frases-feitas a que soem, no contexto desta micro-sociedade chegam a ser existencialistas. Não só é um requisito profissional, como precisamos delas para nos enquadrarmos socialmente uns com os outros. A cadeia ramifica-se então quando tomamos as tais identidades legitimadoras, as correntes estéticas, enquanto manifestações do poder coercivo desse facto social. Quem resolve a sua identidade profissional pela via da escolha de uma corrente estilística, terá que obedecer a uma série de critérios estipulados pela mesma, para que então a possa fazer perdurar; esses critérios são um facto social para o grupo de pessoas que cumprem essa corrente – uma das sub-micro-sociedades da micro-sociedade da escola. A escolha entre as correntes é então outro facto-social, dentro do grupo de indivíduos que segue o caminho da escolha de uma corrente. E escolha aqui é um termo perigoso, pois pode ser determinada por outras tantas identidades legitimadoras como a cultura que consome, que pode ter sido determinada pelas pessoas com quem já se dava antes de entrar na escola. E o surgimento de identidades de resistência a 3 “Como professam que o indivíduo é perfeitamente autónomo, parece-lhes que se está a diminuí-lo sempre que lhe fazem sentir que não depende unicamente de si próprio. Mas, uma vez que é hoje incontestável que a maior parte das nossas ideias não são elaboradas por nós, mas antes nos vêm do exterior, elas só podem penetrar em nós impondo-se.” (Émile Durkheim [1895] 1987: 31)


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fazerem frente às legitimadoras pode aqui também ser tomado enquanto tendência, ou mesmo corrente estética. A verdade é que o design de autor tem também um público-alvo, e uma série de aplicações, como aqueles que se servem da cultura do hip-hop para descobrir os seus grafismos. Ser do contra é também uma tendência, e essa particularmente intemporal, por ser tão abstracta. Por outro lado, lá por não serem tão facilmente detectáveis, as influências do designer de autor também estão à vista; este pode ter tido, na melhor das hipóteses, um trabalho mais árduo de camuflagem, consciente ou não, ao relacionar correntes estéticas díspares ou ao optar por uma que não tem tanto aproveitamento comercial na actualidade. Mas isso não faz dele necessariamente mais autónomo. No fundo, limitou-se a obedecer, tal como os outros, às exigências da sua micro-sociedade. A escola pode muito bem ser então o primeiro campo de experimentação dos resultados da resposta à crise de identidade que reflecti no parágrafo anterior. Como de uma maneira muito geral na escola de artes se confundem ou se complementam as identidades das pessoas e as identidades dos trabalhos, a primeira razão pode ser porque a nossa produção é avaliada e acompanhada por professores, que acompanham o nosso percurso de descoberta. Depois, porque cada aluno faz parte de uma turma, e então porque o convívio entre os alunos é extra-escolar. Para que a nossa busca por identidade tenha sido sucedida, há que testá-la através do interesse que suscitamos, e do interesse que os nossos trabalhos suscitam nos restantes elementos da micro-sociedade. Com as exposições de trabalhos realizadas na escola, ou dentro do meio em que circulam os alunos da escola, como a cidade onde se localiza; a colocação de galerias de trabalhos na Internet; a tradicional passagem de palavra, entre outros meios de circulação de informação interna, conhecemos o trabalho uns dos outros. E como o trabalho criativo pressupõe sempre algum grau de manifestação da personalidade do seu autor, passamos a ter posse de informações sobre quem são as pessoas da escola. Essas informações, por poucas ou vagas e inconsistentes que sejam, chegam muitas vezes para saber se nos é útil conhecer outras pessoas, tanto do ponto de vista profissional, como do ponto de vista social. Pode ser uma associação de ideias perigosa, e as desilusões o prato do dia, mas quando se dá o contacto entre pessoas que se conheceram na esad segundo

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esta linha de pensamento, podemos perfeitamente citar Erwing Goffman, no seu texto “A Apresentação do Eu na Vida de Todos os Dias”: “[Os outros presentes] podem basear-se naquilo que o indivíduo diz acerca de si próprio ou em provas que ele apresente acerca de si próprio e daquilo que é. Se conhecerem o indivíduo, ou tiverem ouvido falar dele, mediante uma experiência anterior à interacção, poderão basear-se em suposições como a persistência e a generalidade dos aspectos psicológicos como meios de previsão do comportamento actual e futuro do indivíduo em causa. (…) Se considerarmos a comunicação tanto em sentido amplo como em sentido restrito, vemos que, quando o indivíduo se encontra na presença imediata dos outros, a sua actividade assume um carácter de promessa. Os outros acharão provavelmente que deverão aceitar a palavra do indivíduo, compensando-o adequadamente enquanto ele se encontra na sua presença, em troca de alguma coisa cujo verdadeiro valor só será determinado depois de o indivíduo deixar de estar na presença dos outros.”(1959 2003: 13) Numa escola de artes, estas ideias assumem uma tal expressão que, voltando ao exemplo do aluno de design gráfico que acompanha a cultura hip-hop, o trabalho, a aparência e os comportamentos sociais têm, não necessariamente por esta ordem, acção directa uns nos outros, tanto consciente como inconscientemente. De tal modo, que quanto mais consistentes forem na conjugação destes três (ou mais) elementos, mais propensos a pertencer à ou a uma elite ficam. Da biografia que me foi facultada, da qual retirei as referências que cito neste texto, encontrei estes três aspectos principais na análise e reflexão da micro-sociedade constituída pelos alunos de uma escola de arte. Servindo-me da minha própria experiência enquanto elemento de um destes grupos, acredito que sejamos turistas (de Bauman), ou procuremos ser mais turistas do que vagabundos; que o nosso instinto primordial durante o curso é a reflexão sobre a nossa identidade e que nos relacionamos segundo os resultados individuais dessa reflexão.



3110285 Marta Almeida Design Grรกfico 2ยบ Ano Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha

2012-2013


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