Funçþes da Linguagem Marta Cardoso de Andrade
Salvador 2010
Funções da Linguagem1 “A linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções” (JAKOBSON, 2003, p.122) e deve-se observar como essas se processam em uma produção textual, refletindo a intenção do sujeito falante/escritor desta. Isso pode ser confirmado por Infante (1999, p. 217), o qual destaca que ao se estudar “[...] o modo como essas funções se organizam nos textos alheios, podemos detectar as finalidades que orientaram sua elaboração”, o que contribui sobremaneira para o entendimento da construção do ethos. Roman
Jakobson
observando
os
elementos
do
esquema
de
operacionalização da comunicação (Figura 6) teorizou que cada um desses termina por determinar uma função da linguagem diferente. Então, “A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante” (JAKOBSON, 2003, p. 123) naquele texto em específico. Dessa forma, esse estudioso teorizou sobre cada uma dessas funções.
Figura 6 – Esquema de operacionalização da comunicação usado por Jakobson Fonte: Infante (1999, p. 214).
Inicia-se este estudo com a função denominada de emotiva ou expressiva, a qual, para Jakobson (2003, p.123-124), está centrada no remetente da mensagem e
ANDRADE, Marta Cardoso de. O discurso circulante nas organizações: análise de textos de revistas da área empresarial. Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, 2010. Salvador: Instituto de Letras, 2010. 1
[...] visa a uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de que está falando. Tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou simulada; por isso, o termo “função emotiva” [...].
Segundo Vanoye (2002, p. 54), esta é uma função que “[...] exprime a atitude do emissor em relação ao conteúdo de sua mensagem e da situação” vivenciada, terminando por revelar a personalidade desse emissor. É expressa a partir de interjeições com valor emotivo, julgamentos subjetivos, entonação características, índices que apontem a primeira pessoa, seja essa do singular ou do plural, dentre outras marcas. O emprego precípuo dessa é a indicação da presença do enunciador no texto, conferindo-lhe certo grau de subjetividade. Nas revistas e jornais, a função emotiva está presente em seções bem determinadas,
tratando-se
essencialmente
de
matérias
engajadas,
de
comentários, de enquetes orientadas, entrevistas nas quais a personalidade interrogada exprime evidentemente sua opinião, reprodução de monções, discursos, ordens do dia, notas, crônicas, editoriais, artigos-chave etc. No caso dos textos jornalísticos citados, como observa Paillet (1986), a função expressiva pode estar manifestada claramente quando o redator/sujeito falante toma uma posição quanto ao fato ocorrido ou fornece a sua opinião a respeito desse. Entretanto, percebe-se que esta função pode aparecer dissimuladamente embutida numa aparente objetividade, de forma voluntária ou não. Neste caso, aparece mesclada tanto à função referencial como a conativa, ambas explicadas a seguir. “A palavra conativo provém do latim cōnātus, que significa “esforço ou ação que procura impor-se a uma resistência. [...] procura organizar o texto de forma a que se imponha sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o, seduzindo-o” (INFANTE, 1998, p. 215). Portanto, a função conativa, igualmente denominada de apelativa ou interpelativa, é aquela que se orienta para o destinatário da mensagem, buscando envolvê-lo com o conteúdo transmitido, levando-o a adotar este ou aquele comportamento. Os textos publicitários são exemplos clássicos desta função, a qual [...] encontra sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no imperativo, que sintática, morfológica e amiúdo fonologicamente, se afastam das outras categorias nominais e verbais. As sentenças imperativas diferem fundamentalmente das sentenças declarativas: estas podem e aquelas não podem se submetidas à prova de verdade (JAKOBSON, 2003, p.125).
A mensagem estruturada para esta função visa, como já foi dito, “[...] influenciar o comportamento do destinatário. Ela leva o remetente a aprender a linguagem adequada para interessar o destinatário naquilo que ele está pretendendo comunicar” (FARIAS, 2000, p. 71), ou seja, o enunciador expressa-se na mesma linguagem utilizada pelo co-enunciador. O objetivo precípuo desta função, destacado por Chalhub (2003), é que, numa ação verbal, o enunciador se faça notar pelo co-enunciador, seja através de uma ordem, exortação, chamamento ou invocação, saudação ou súplica. “[...] há uma tentativa de convencer o receptor de algo, [...] carrega traços de argumentação/ persuasão que marcam o remetente da mensagem” (p. 23). Dessa forma, Infante (1998, p. 240) lembra: No projeto de elaboração de um texto, sempre se consideram as características de seu receptor. Isso significa que todo emissor, ao produzir uma mensagem, faz um esforço no sentido de adaptá-la às características sociais e psicológicas de quem a vai receber. Portanto, podemos afirma que todo texto traz, de uma forma ou de outra, manifestações da função conativa da linguagem.
Como se pode deduzir e Farias (2000, p. 71) destacou em sua análise, [...] o uso da função interpelativa na imprensa é grande, tanto em sua forma declarada como em sua forma atenuada ou mesmo disfarçada, seja na publicidade, seja em textos que pretendem inculcar posturas ideológica no leitor ou passar uma determinada versão dos fatos tratados.
Peculiarmente, os textos conativos são produções que se pautam [...] por trabalhar somente o que o leitor já conhece, tais textos evitam qualquer questionamento do conteúdo das mensagens. [...] nunca se amplia o universo do leitor, que, desse modo, tende a absorver passivamente uma interpretação convencional dos fatos e de si mesmo (INFANTE, 1998, p. 240).
A função centrada no referente é denominada de referencial ou denotativa: tudo, na mensagem, remete aos referenciais situacionais ou textuais, buscando transmitir informações impessoais e objetivas sobre esses.
É privilegiada em textos científicos e jornalísticos, ou seja, em mensagens em que essa função procura ser exclusiva. Em princípio, são textos que se propõem a informar o destinatário, transmitindo-lhe dados e conhecimentos precisos, passando a informação com um mínimo de distorção. De acordo com Farias (2000, p. 50), a função referencial, nos veículos de cunho jornalístico, como é o caso das revistas empresariais, “[...] é aquela que estabelece a conexão mais ‘pura’, mais direta entre o acontecimento e a notícia”. Essa função é constituída pela narração do fato com maior objetividade possível; com a menor interferência permitida de fatores pessoais e grupais, da emotividade, da ideologia que orienta a posição do jornalista, da versão do ocorrido segundo os interesses do veículo de comunicação ou de grupos econômicos ou sociais. Esta mesma teórica alerta que o uso da linguagem em sua função referencial é tão grande “que se pode medir o grau de maior ou menor objetividade do periódico” (FARIAS, 2000, p. 50). Entretanto, Infante (1998, p. 218) adverte que mesmo [...] um texto impessoal e objetivo traduz uma intenção de quem o produz. Esse fato é suficiente para que desconfiemos sempre da aparente neutralidade de um texto. Afinal, se a própria objetividade é resultado de uma atitude premeditada, é inegável que sempre há manipulação dos dados e das informações a fim de se alcançar determinados objetivos [...] nenhum texto é ingênuo; todos eles se propõem determinados fins.
Para Farias (2000, p. 51), ao se buscar “[...] a objetividade, a linguagem jornalística procura produzir um grande distanciamento do fato através de um vocabulário escolhido e certas estruturas lingüísticas [...]”, daí a escolha das formas impessoais e genéricas. O vocabulário utilizado deve ser o mais denotativo possível. Dessa forma, há uma tentativa da eliminação da subjetividade enunciativa o que termina por fazê-lo “lexicalmente bastante restrito”. Partindo-se para outra função, sabe-se: Há mensagens que servem fundamentalmente para prolongar ou interromper a comunicação, para verificar se o canal funciona [...], para atrair a atenção do interlocutor ou confirmar sua atenção continuada [...] Este pendor para o CONTATO ou [...] para a função fática, pode ser evidenciada por uma troca profusa de fórmulas ritualizadas, por diálogos
inteiros cujo único propósito é prolongar a comunicação (JAKOBSON, 2003, p. 126).
A palavra fático vem do grego phátis que significa ruído, rumor, uma vez que inicialmente essa função visava designar certas formas que se usa para chamar atenção. Nos textos escritos, o canal é o próprio papel, dessa forma, a função fática se manifesta a partir da disposição gráfica sobre esse canal, bem como a seleção vocabular e as estruturas de frases utilizadas. Vanoye (1998, p. 58) afirma que esta função ainda pode se manifestar por uma sequência de palavras sem nenhuma função informativa, mas destinada a manter contato entre duas pessoas. Focaliza-se, a partir de agora, a função metalinguística, a qual se explicita “[...] quando a linguagem se volta para si mesma, transformando-se em seu próprio referente [...] a mensagem se orienta para os elementos do código, explicando-os, definindo-os ou analisando-os” (INFANTE, 1998, p. 216). Jakobson (2003, p. 127) afirma: “[...] praticamos a metalinguagem sem nos dar conta do caráter metalingüístico de nossas operações. Sempre que o remetente e/ou destinatário têm necessidade de verificar se estão usando o mesmo código, o discurso focaliza o CÓDIGO [...]”, presencia-se assim esta função, isto é, a centrada na glosa. Acerca da função poética, sabe-se que essa se centra na mensagem, a qual “[...] é elaborada de forma inovadora e imprevista, utilizando combinações sonoras e ritmas, jogos de imagens ou de ideias [...] a linguagem é manipulada de forma pouco convencional, capaz de despertar no leitor surpresa e prazer estético” (INFANTE, 1999, p. 216). Esta função predomina na produção literária, mas pode também ser encontrada na publicidade ou em determinadas formas jornalísticas e populares, como, por exemplo, é o caso das crônicas e provérbios. A Figura 7 demonstra, esquematicamente e de forma resumida, a ligação entre os elementos do esquema de comunicação e as funções explicadas anteriormente.
Figura 7 – Esquema das funções da linguagem Fonte: Infante (1999, p. 217).
Por fim, ainda cabe destacar que Vanoye (1999, p. 59-60) observou alguns aspectos importantes dessas funções da linguagem, e que devem ser destacados: 1) “As seis funções não se excluem, mas também não se encontram todas reunidas necessariamente numa dada mensagem. Aliás, é muito raro encontrar numa mensagem apenas uma dessas seis funções. Frequentemente, elas se superpõem” e se imbricam; 2) “No entanto, pode-se admitir que, numa dada mensagem, uma ou outra função seja dominante”; e 3) “[...] não há características lingüísticas particulares a cada função [...]”, devese, portanto, observar o que o emissor está objetivando ao construir o seu texto.
REFERÊNCIAS FARIAS, Maria Alice. O jornal na sala de aula. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2000. (Repensando a língua portuguesa). INFANTE, Ulisses. Do texto ao texto: curso prático de leitura e redação. São Paulo: Scipione, 1998. JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 24. ed. Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2003. PAILLET, Marc. Jornalismo: o quarto poder. São Paulo: Brasiliense, 1986.
VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 11. ed. Tradução e adaptação de Clarisse Madureira Sabóia et al. São Paulo: Martins Fontes, 2002.