Rock em foz do iguaçu nos anos 80 e 90 | e-book

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ROCK EM FOZ DO IGUAÇU NOS ANOS 80 E 90 MARINA MASSAO


Para todos os amantes de rock, minha família e todos aqueles que tiveram pensamentos positivos em relação à minha capacidade.


â€œĂ‰ melhor viver uma vida efervescente do que morrer aos setenta e ter passado a vida assistindo TVâ€?. (Janis Joplin)


1980: CONHECER E BRINCAR DE FAZER ROCK

ÍNDICE

1990: MAIS ROCK, OPORTUNIDADES E ESCOLHAS

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A FASE ADULTA AQUELES QUE VÃO E FICAM

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E O ROCK HOJE?

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APRESENTAÇÃO

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CONHEÇA OS ENTREVISTADOS

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DESTEMIDOS E LOUCOS POR ROCK

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ROCK IN FOZ

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VULCANO E EPIDEMIC NA ESCOLA ÉRICO VERÍSSIMO

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O MOVIMENTO UNDERGROUND E O MUNDO DO METAL NO FINAL DOS ANOS 80

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PRECONCEITO CONTRA O ROCK

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UNDERGROUND EM ALTA

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NOVAS BANDAS E REALIZAÇÕES

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DESINTEGRAÇÃO DO MUFI, SURGIMENTO DO ACAC E O SK8

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AGRADECIMENTOS


APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO

A multiculturalidade que passa pela música, religiões e etnias em Foz do Iguaçu atravessa fronteiras. Desde que a cidade era uma Colônia Militar em 1889, já existiam pessoas de outros estados e países. Ao longo do tempo, chegaram imigrantes europeus, asiáticos e de diversos países da América Latina. Foz do Iguaçu foi aos poucos formando costumes e culturas que passam despercebidos no nosso dia-a-dia. As manifestações culturais não são muito reconhecidas pela imensidão de diferentes etnias. Prova disso, é a existência de somente um pequeno teatro de madeira que luta para sobreviver com migalhas, o Teatro Barracão. O Centro de Convenções passa por um processo de privatização e as casas de shows investem em atrações de outros estados, não dando valor ao talento local. Em meio a essas observações pessoais, resolvi mostrar um pedaço dessa cidade que pouca gente fala. Tenho paixão por música e é isso que irei compartilhar, mas não é um ritmo qualquer, é um ritmo ousado, que vai se aprimorando a cada ano e sempre impressiona: o Rock. Não existe uma data exata de quando as primeiras bandas começaram a ter evidência em Foz do Iguaçu. Porém, existem acontecimentos memoráveis para quem decidiu dar o pontapé inicial e para quem participou desses momentos que tiveram início em meados de 1988 com a criação do Movimento Underground em Foz do Iguaçu – MUFI. Antes do MUFI, eventos importantes possibilitaram ao rock ganhar mais popularidade. Também surgiram bandas em várias regiões da cidade que estão neste e-book e seria impossível não relembrar. Nilton Bobato, Márcio Duarte e Ronildo Pimentel são os protagonistas dessa história; além de outros amigos que também trabalharam duro para conseguir visibilidade com a sua música e correram atrás, na luta, para trazer shows de qualidade e acessíveis para os jovens do seu tempo e ainda dos dias de hoje. A história do rock em Foz do Iguaçu é dividida em três partes: a década de 1980, de 1990 e a visão atual da representatividade do rock segundo os pioneiros do movimento. Espero que se divirtam e imaginem como se estivessem vivendo esse momento, da mesma forma que imaginei estar lá enquanto escrevi essa história.

Se joga! Marina Massao

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CONHEÇA OS ENTREVISTADOS Nilton Bobato chegou em Foz do Iguaçu com seus pais em 26 de fevereiro de 1980. Bobato acredita ser um “cidadão sem pátria”. Nasceu no dia 30 de janeiro de 1967 em Três Lagoas (MS). Ele adotou Foz do Iguaçu como seu lar, mesmo passando uma temporada de idas e vindas para outras cidades. Foi nessa terra que ele construiu sua história e também fortaleceu a paixão pelo rock que já havia nascido na pré-adolescência vivendo em Naviraí, interior do Mato Grosso do Sul. Atualmente é professor do Estado e atua como vereador na cidade, no segundo mandato. Ronildo Pimentel nasceu em Planalto, próximo à cidade de Capanema, Sudoeste do Paraná. Chegou em Foz do Iguaçu com a família quando tinha 12 anos, em 1980, em busca de uma vida melhor. Trabalhou como digitador nos jornais “Nosso Tempo” e “Gazeta do Iguaçu”, além de participar do cenário inicial do rock na cidade. O contato inicial com o mundo do rock que trouxe interesse de Ronildo foi o primeiro Rock In Rio, no Rio de Janeiro, em 1985. Atualmente Ronildo mora em Curitiba e trabalha como jornalista. João Alves Gomes é natural de Mendes Pimentel (MG). Veio para Foz do Iguaçu em 1974 com o mesmo objetivo da maioria que chegava: novas oportunidades e crescimento. Começou a trabalhar aos 11 anos. Fez bicos de engraxate à vendedor de jornais na rua. O interesse pelo rock surgiu em Foz do Iguaçu mesmo, em uma praia artificial na beira do rio Paraná atrás da Marinha. Enquanto pescava, conheceu uma tribo hippie que ouvia em um toca fitas Janis Joplin e Jimi Hendrix. Hoje mora em Paraisópolis e trabalha em uma gráfica. Marcio Duarte nasceu em São Paulo, mas passou a infância em Garanhus (PE). De sotaque e jeito nordestino, chegou com a família em Foz do Iguaçu em 28 de janeiro de 1991. As influências do rock começaram com os pais que já ouviam Creedence e Beatles. No mesmo ano em que chegou à cidade montou uma banda, a Tumulto. Atualmente é empresário e de vez em quando realiza shows com sua banda ou bandas de outros estados brasileiros e de outro país.

Genir Terra é um dos antigos proprietários da famosa loja de discos de rock Musical Express, da cidade de gaúcha de Nonoai. Ele chegou em Foz do Iguaçu em 1974. Desde a infância já ouvia Raul Seixas. É fã da música punk assumido e atualmente trabalha como servidor público.

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1980 CONHECER E BRINCAR DE ROCK

Destemidos e loucos por rock

Existem pessoas que fazem de tudo por uma paixão e para seguir seus sonhos. A paixão pela música fez grandes artistas mudar a forma de ver o mundo de outras pessoas. O rock sempre passou por um processo de lapidação, desde a suas raízes vindas do blues e do country. A partir do rock clássico surgiram vários subgêneros no mundo, dentre os mais conhecidos, underground, punk, alternativo e metal. Os shows de rock são espetáculos à parte. Em alguns, há fogo, guitarra quebrada e o vocalista se jogando para a galera. Diferente dos outros estilos, as performances do bom show de rock nunca são ensaiadas, vêm do sentimento do palco que é passado para a plateia que depois sente toda aquela energia e se inspira para fazer show também. Em Foz do Iguaçu, o rock tem diversos personagens. João Alves é um deles, que recorda muito bem do seu primeiro contato com o rock. Foi de um jeito simples e inusitado. Numa tarde, foi pescar no rio e encontrou alguns hippies argentinos que estavam ouvindo Janis Joplin e Jimi Hendrix. “Dentre algumas das pessoas que estavam fumando e bebendo, havia a um argentino chamado Javier que perguntou se eu tinha um peixe para dar a eles. Como eu tinha pegado dois peixes e dei um para eles... E a partir dali criamos uma amizade”, relembra João. Toda a sexta acontecia nessa “praia” uma festa com esses amigos, onde rolava o chamado “sexo, drogas e rock n’ roll” ao som de The Birds, Creedence, Beatles, Rolling Stones, etc. Vale lembrar que João foi um dos fundadores da banda Infection em 1984. Já o caso de Nilton com o rock é antigo. “Lá por volta de 1981, não lembro exatamente o ano, o Brasil recebeu um show do Kiss e eu vi a notícia na televisão e fiquei impressionado com aquilo. Depois apareceram umas imagens do Van Halen. O Kiss tocou no estádio do Vasco da Gama e eu achei aquilo uma coisa impressionante. E aí nas rádios daqui de Foz tocava Queen e eu comecei a ouvir essas coisas”, relembra. As facilidades para conseguir um instrumento que almejava ou escutar músicas das bandas preferidas não eram como hoje. Na década de 80 existiam apenas discos de vinil e como Nilton não tinha muito dinheiro, ele ouvia pelo rádio que às vezes tocava músicas de algumas bandas de rock, principalmente Queen. Mas não era o suficiente. Quando começou a trabalhar na Guarda Mirim, o menino “da roça” que queria tanto ouvir rock utilizou todo o dinheiro que tinha juntado para comprar discos de suas bandas favoritas e um aparelho de som. Em 1982 Nilton já tinha 17 anos, saiu da casa dos pais e foi voltou para Naviraí – MS. Lá montou um grupo com uns amigos chamado “headband” que saia junto para ouvir rock e conhecer mais sobre o metal. Um ano depois, volta para Foz do Iguaçu. E ali crescia o desejo de montar uma banda. Logo no ano seguinte, os grupos começam a se juntar nos bairros da cidade. “A gente se encontrava nas casas um do outro. Era no Morumbi e Jardim São Paulo. Nós não chegamos a montar as bandas. Na verdade tinha dois grupos e a gente fazia instrumentos de madeira, porque ninguém tinha dinheiro e fazia dublagem de rock, de bandas como Iron Maiden e AC/DC. Montamos a banda em 1984 que foi a primeira versão do MORTHAL”. A banda se formou a partir de uma reunião entre esses amigos, além de Nilton Bobato que fazia os vocais, Valdir Ovelar na guitarra, Adilson Massacre no baixo e Nivaldo Bobato na bateria. Foi a primeira formação em 7


1984. Depois de ensaios e a realização de um repertório, a primeira apresentação foi em Apucarana em 1987, um convite da banda Ritual daquela cidade. Depois do primeiro show, o Morthal realizou no mesmo ano em Foz do Iguaçu, com as bandas Infection, Scarnio, um show e trouxe também a banda Ritual no Bailão do Gaúcho, no bairro Morumbi. A mesma apresentação, com as bandas, foi realizada em Curitiba. Um show de verdade para o Morthal, na opinião de Nilton.

Cartaz de divulgação do primeiro show de verdade do Morthal, no dia 19 de fevereiro de 1988 em Curitiba – PR

Fotos do primeiro show do Morthal, em 1988. Créditos: Nilton Bobato e Léo Yurk, da banda Scárnio de Curitiba

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Antes do show de 1988, no mesmo ano foi realizado 1º Morumbi Festival. Com os primeiros grupos de rock se juntando para formar bandas, o Morthal de Nilton e Infection de João foram se apresentar no evento. Mesmo estando ainda na fase de ensaios e criação de músicas, a vontade de fazer o “primeiro” show era maior. O festival não se resumia em apresentações de música. Grupos de dança e o Concurso Garota Morumbi também divertiam a galera. Entre os dançarinos, os vencedores foi um grupo composto por gordinhos. Entre apresentações de grupos de dança, aconteceu o Concurso Garota Morumbi. A vencedora, segundo João, era “mais feia que o Estado Islâmico cortando pescoço”. Nesse meio tempo, Morthal se apresentou no início do evento e Infection ficou para o final. Assim que acabaram a entrega das premiações, os roqueiros da Infection se preparavam para subir ao palco, uma carroceria de um caminhão. Depois de organizar os instrumentos, o rapaz responsável pela mesa de som sumiu para comemorar a vitória da irmã como Garota Morumbi, juntamente com outra moça. João não aceitou barato aquilo, pegou o microfone e começou a gritar o nome do rapaz fugitivo e soltou dezenas de palavras de baixo calão. O rapaz ouviu, ficou com muita raiva e começou a tirar os fios da mesa de som. Naquele momento dominado pela raiva, João começou a gritar as seguintes palavras: “O diabo vai fuder contigo, animal do inferno!”. Assim que João terminou essa frase, o rapaz levou um choque de 220wtts. Depois daquele dia, começaram a espalhar boatos que João tinha um pacto com o demônio e ele aderiu ao codinome de John Blasphemer. Hoje ele se justifica: “Não tem nada de pacto não... É que eu de cima do caminhão vi o burro puxando os cabos e na hora eu já sabia que ia dar merda e deu... Mas foi só um susto. Não aconteceu nada de grave, só uns cabelos arrepiados e nada mais...”, recorda aos risos. Mas ainda antes dessa apresentação no Festival, aconteceu um grande evento que apresentou o rock aos seus fãs. O Rock In Rio. Consequentemente, Foz do Iguaçu realizaria um evento que não foi numa proporção tão grande quanto no Rio de Janeiro, mas na proporção da cidade, foi um marco em realização de grandes eventos que depois estavam por vir.

Rock In Foz

Com o primeiro Rock in Rio em 1985, uma boate do mesmo nome do evento, foi aberta no bairro do Porto Meira. Ronildo lembra que ele e os amigos levavam alguns discos de vinil do AC/DC, Kiss e o DJ deixava uma hora pra tocar rock para eles. E ali mesmo rolava as chamadas rodas de punk. Já que não havia um lugar específico para curtir o som, pelo menos os rapazes pulavam uma hora dentro de uma boate mesmo. Tempos depois, nos dias 12 e 13 de maio de 1985, foi realizado o Rock In Foz no Marco da Três Fronteiras, no Bairro Porto Meira. Várias bandas do cenário do rock nacional e “não tão rock assim”, passaram por lá como Lobão, Roupa Nova, Sempre Livre e uma banda argentina de metal chamada Metal Blue. Do Paraguai veio a banda Tommy’s Super Star. O evento foi promovido por Harry Daijó, ex-prefeito da cidade (1997-2000). Na época ele ainda não era prefeito, mas permitiu um dos maiores eventos de rock em Foz do Iguaçu. Na condição de empresário, ele foi um dos apoiadores do festival. Naquele ano, o rock começava a ter popularidade maior no país, mas o preconceito chegava de carona. Ronildo lembra que uma entidade religiosa da cidade chegou a distribuir panfletos contra o evento. “Eu recebi um deles, mas joguei fora, é claro”, comenta aos risos. Ronildo foi um dos únicos do seu grupo que conseguiu comprar o ingresso. Ele guardou dinheiro que ganhava trabalhando como Guarda Mirim e conseguiu assistir de perto os astros do rock. Aquiles Priester, da banda About 2 Crash, Noturnall relata ao site Wiplash.net a aventura que foi chegar até o Rock In Foz. “Vi ao vivo o Lobão, Sempre Livre, Magazine, Vinicius Cantuária, etc. Eu tinha quatorze anos e era mega quebrado de grana. Para assistir ao festival tive que entrar pelo meio da mata do Parque Nacional do Iguaçu, atravessar o rio e tudo mais, mas valeu a pena. Eu não tinha como pagar pela entrada. Foi ali que eu tive certeza do que queria fazer pelo resto da minha vida”. 9


Ingresso do Rock In Foz | Fonte: http://lexhare.blogspot.com.br/

Palco do Rock In Foz | Fonte: http://lexhare. blogspot.com.br/


Vulcano e Epidemic na Escola Érico Veríssimo

Rock In Foz foi um evento inesquecível para alguns amantes da música. Alguns deles não puderam ir pela falta de dinheiro, como por exemplo, Nilton. Mas ele ainda queria ver shows acontecendo na cidade. Nilton relata que os locais eram precários e não havia estrutura para fazer os shows de qualidade, mas a coragem nele falou mais alto. Um show memorável e corajoso foi da banda paulista de metal Vulcano, realizado no Jardim São Paulo, na Escola Érico Veríssimo, em 1987. A ideia era completamente insana, pois não tinha como montar um palco no pátio de uma escola. “Não tínhamos a menor condição de fazer um show daqueles, e se fosse hoje a Polícia iria fechar tudo”, lembra Nilton aos risos. Quem ajudou a organizar também foi João Alves, que trabalhava como gráfico em Foz do Iguaçu. João foi um dos fundadores da banda Infection e participava dos grupos que andavam com Nilton que tinha o mesmo objetivo: ouvir metal na cidade e não tinha lugar para fazer aquilo. Para realização do show, João convidou seu amigo Zhema, o baixista da banda Vulcano para vir a Foz do Iguaçu. “Ele topou. E aí perguntei quanto ele cobraria e ele disse que não cobraria nada, eu só pagaria a despesas da viagem e hospedagem” conta João. Os integrantes da banda ficaram na casa de João, no Jardim São Paulo O evento foi realizado no sábado, dia 12 de setembro de 1987, junto com a banda Epidemic de Curitiba que fez a abertura. Para a organização do show foi feito todo um trabalho em equipe entre amigos, mas o aluguel do local ficou apenas sob responsabilidade de João, porque ninguém queria assumir uma dívida. Nilton se comprometeu a buscar a banda na rodoviária e fazer um passeio pela cidade. Seu irmão Nivaldo ajudou a montar o palco e outros ajudaram a colar cartazes pelos bairros. Detalhe interessante é que os cartazes de divulgação foram feitos por João na Gráfica Elza onde trabalhava e fazia horas-extras à noite. Ele fez escondido do chefe, é claro, pois não tinha dinheiro para imprimir.

Cartaz “secreto” feito por João Alves, espalhados pela cidade para divulgação da Festa. Foto: José Nilton Santos Almeida

O pagamento do aluguel da escola foi dividido entre João e outro amigo que tocava sertanejo e queria também se apresentar no dia seguinte. Ele emprestou a bateria um dia antes para o Show do Vulcano. O show de sábado foi memorável. Houve muito rock e trash metal e a plateia vibrou. Na plateia havia outras pessoas de outras cidades que vieram prestigiar o show. Como a maioria não tinha onde ficar, João permitiu que alguns deles dormissem na escola. Porém ele não sabia que no meio destes grupos havia vândalos que rasgaram as cortinas da esc ola durante a noite e se envolveram em brigas, o que resultou em um desfecho desagradável e grave. Um dos amigos de João, Dirceu de Curitiba, levou uma pedrada no olho e ficou cego. “Saímos desesperados para levar o Dirceu para o hospital de madrugada. Também apareceu a Polícia no local de deu maior B.O... No final, além de não dar lucro nenhum eu tive que ficar três meses trabalhando para pagar o prejuízo da escola”, recorda. O desfecho ruim fez com que João desistisse de trazer o show do Sepultura na cidade, que já estava combinado quando ele conheceu Max Cavaleira, integrante da banda, em Belo Horizonte. 11


Fotos do show do Vulcano e logo abaixo um grupo Underground no Jardim S達o Paulo. Foto: Nilton Bobato.

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O Movimento Underground e o mundo do metal no final dos anos 80 Os grupos costumavam ir às danceterias que existiam na época nos bairros, como a Dancing Days, no Morumbi, Rock in Rio, no Porto Meira, e outra chamada Escadão, localizado no centro. Nilton relata que os roqueiros levavam discos de metal e as danceterias reservavam um espaço para ouvirem as músicas. Eles também tinham como ponto de encontro o Centro Comunitário da Vila C. A partir dali nasceram diversas bandas, como The Face, Tumulto, Desordem & Regresso e Flores e Metal. Essas bandas queriam se apresentar, mesmo sendo novas. Depois de muita conversa, nasceu a ideia, entre eles, de criar o Movimento Underground em Foz do Iguaçu - MUFI, em 1988. “O Movimento Underground foi um resultado a partir disso, justamente da falta de locais para se apresentar. Então nós criamos um movimento organizado para fazer um rodízio de shows. Normalmente era assim: a banda de fora dava prejuízo sempre. Porque a gente pagava as despesas de viagem e trazia bandas de nível nacional”, explica Nilton. Ele ainda relata que durante o período em ação do MUFI, eles trouxeram as bandas: Dorsal Atlântica, Ratos de Porão e Ação Direta, Leviatan de Porto Alegre e Cólera de São Paulo. Ronildo Pimentel conheceu Nilton em 1988 através do MUFI e recorda que a organização dos shows era feita com ajuda de Pipo. O pai de Pipo tinha uma kombi encarregada de transportar os instrumentos e as bandas. Nilton era o responsável pela locação do show, realizado geralmente nos bares da cidade ou associação de moradores. Para Ronildo cabia parte de divulgação dos eventos através da Coluna Underground, no jornal A Gazeta do Iguaçu. “Eu comecei como digitador no Jornal A Gazeta do Iguaçu em 1987. Conheci um amigo jornalista de São Paulo que passou um período conosco e depois me convidou para fazer um trabalho cultural em um jornal em São Bernardo, cidade onde ele morava”. Após o contato Ronildo passou um ano em São Bernardo, e quando retornou, começou a ajudar no trabalho da MUFI através da divulgação de shows e novidades das bandas. Ele ganhou espaço para fazer a coluna, mas sem remuneração nenhuma. Tirava as fotos com sua própria câmera, revelava e escrevia. “Escrevi por muitos anos a Coluna Underground sem receber nada, mas valeu cada centavo”, completa Ronildo. Além do jornal A Gazeta do Iguaçu, a coluna também foi publicada nos jornais Nosso Tempo e Tribuna de Foz. Porém, não há uma data definida de quando algumas colunas foram publicadas nos respectivos jornais e por quanto tempo, pois a maioria das colunas se perdeu. Das poucas encontradas eram somente da Gazeta do Iguaçu, pois tinha algumas fotos com as datas das publicações. A coluna trazia informações sobre eventos que ocorreriam e seus desfechos. Tinha também entrevistas especiais com as bandas sobre expectativas dos músicos e repertório musical.

Banda Morthal na varanda da primeira redação da Gazeta do Iguaçu, quando existia a Coluna Underground no jornal, em meados de 1988. Foto:Ronildo Pimentel


Rascunhos da Entrevista ao The Face em 1989. Foto: Ronildo Pimentel.

Ronildo, além de fazer a colu-

na Underground, também integrava uma banda formada em 1989 chamada “Caos Nuclear”. Nilton disse que Pipe queria montar uma banda e precisava de um baixista. Ao encontrar Pipe no Estúdio de Zé Luis que ficava na baixada da Avenida JK, Ronildo aprende a tocar baixo e ensaiou por um mês.

No mesmo ano é realizado o pri-

meiro MUFI, um festival com 18 bandas no bairro São Francisco. Cada uma das bandas novas, sem experiência para fazer música, tocar instrumentos e sem um repertório formado, tocaram por 20 minutos. Ronildo e sua banda também tocaram pela primeira vez. O dia exato do show não foi informado, já que a memória de todos falham e há divergências em especificar a data exata. Uma das primeiras laudas rascunho sobre o M.U.FI. para a Gazeta do Iguaçu. Foto: Ronildo Pimentel.

O MUFI ganhou força aos poucos

e começou a ter mais visibilidade e mais shows a partir dos anos 90. 14


Preconceito contra o rock

Os shows eram divididos em circuitos realizados em diferentes bairros, que variavam entre a região do Porto Meira, Jardim São Paulo, Morumbi e até à Vila C. Para a locomoção, além da ajuda da kombi do amigo Pipe, as bandas costumavam carregar todos os instrumentos dentro de ônibus. Os músicos eram supervisionados pelos olhares assustados dos mais adultos e conservadores que tinham uma visão negativa do movimento dos roqueiros de calça rasgada, brinco na orelha e cabeludo. Ronildo recorda que geralmente os olhares eram de reprovação. Como eles sempre andavam em grupos era difícil alguém falar alguma coisa, com medo de brigas. Com João, o caso já foi diferente. Em uma das noites de metal na Vila C, ele e seus amigos já andavam pela praça tarde da noite, porque não havia mais transporte coletivo naquele horário e naquela época. Quem fazia a segurança da noite eram funcionários da Itaipu que encontraram o grupo e ficaram desconfiados do jeito deles, expulsando-os dali. Os seguranças mandaram todos irem para casa, como se tratassem de marginais. A pé, os rapazes foram escoltados naquela madrugada passando pela Vila A até o centro da cidade no terminal. Esperaram o dia amanhecer para pegarem um ônibus e irem para casa. Ele relembra que além de serem excluídos era muito difícil ter uma namorada. “Teve muito rapaz que só perdeu a virgindade depois dos 18 anos e no sufoco... Geralmente era em um prostíbulo próximo à rodoviária da cidade”, lembra aos risos. Eram as únicas mulheres que os aceitavam, é claro, desde que tenha um preço a ser pago. O prostíbulo era uma casa de madeira velha e cheia de quartos nos fundos. Alguns roqueiros chegavam na sexta-feira a noite, escolhiam uma menina, acertavam o preço e faziam a festa. Se alguns dos rapazes chegassem tarde, o local já estaria cheio, em uma mistura de bebidas, orgia ao som de rock. João conta que a inspiração de muitas de suas letras eram de momentos vividos ali. Se não fossem a um prostíbulo, os roqueiros ficariam sozinhos porque os namoros com garotas ditas “normais” eram raros e secretos. O padrão de beleza que interessava as meninas era bem diferente do que o grupo do metal tinha. E os pais sempre iriam contra, pois rock era coisa de drogado, vagabundo e do demônio.

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1990 MAIS ROCK, OPORTUNIDADES E ESCOLHAS O Movimento Underground em Foz do Iguaçu – MUFI, formado em 1988, trouxe mais shows para a cidade, com bandas novas no estilo punk, além do metal e o trash metal. Foi a chamada era do “Underground em Alta”. Não só em Foz do Iguaçu, mas em todo o mundo. A década de 90 também teve as marcas de outros feitos: lançamento do primeiro LP de metal do Sul do país e bandas convidadas por gravadoras nacionais para lançar albúns, algumas até saíram de vez para turnês nacionais e internacionais. Por outro lado, outras bandas foram se desfazendo por motivos diversos, principalmente por ideias divergentes entre os próprios músicos.

Underground em Alta!

Nos anos 1990 o punk começa a ganhar popularidade no mundo, juntamente com os estilos underground, skate e outros. A partir daí surgiram banda internacionais, como Ramones, Sex Pistols, The Clash e dentre outras. As bandas nacionais eram representadas pelos Raimundos, Ratos de Porão e Charlie Brown Jr que seguiam essa temática, juntando a inspiração no estilo das bandas da gringa. Os temas das músicas versavam sobre contextos sociais e fatos amorosos. O estilo de roupas era tão agressivo quanto o metal. Em Foz do Iguaçu, o punk também ganhou ficou famoso conquistou muitos seguidores que se misturavam aos metaleiros. As roupas deles eram rasgadas e pretas, os corpos tinham excesso de piercings e tatuagens. Os cabelos moicanos, levantados com sabão, depois de um certo horário, somado ao calor natural de fronteira, ficavam com cheiro bem desagradável. O MUFI tinha no início visão apenas para organizar bandas de metal. Com a popularidade do punk e o underground e surgimento de bandas na região da Vila A e no Jardim Petrópolis que faziam um som totalmente nesse estilo, surgiram amizades. A partir disso a mistura entre os metaleiros e o punk colou. A Coluna Underground de 17 de novembro de 1990 recorda um desses eventos. Na época a temperatura da cidade estava em mais ou menos 40ºc, verão natural da cidade. A reunião de todas as tribos de headbangers, punks e metaleiros, acontecia no Bambu Pizza Bar, na Avenida JK. Mesmo que não tivesse janelas ou fosse pequeno e quente, o lugar não desanimava os roqueiros. Dentre as bandas que agitaram o Bambu Pizza Bar, estavam o The Face, Morthal, Caos Nuclear, Slavery Rest, Rawhide do Paraguai, D.N.A., Vermnose, Hammerdown e Kreditor. Uma das apresentações na Culuna Underground da Gazeta do Iguaçu. Créditos: Gazeta do Iguaçu e Kiko Sierich

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Dentro de lugares pequenos, a aceitação do público deixava Nilton e todos os organizadores da MUFI felizes pelo trabalho e realização do sonho, mas não satisfeitos. Depois de centenas de pedidos de ajuda financeira feitos para que a Prefeitura organizasse shows de qualidade na cidade, a Fundação Cultural contribuiu para um grande show de Trash Metal em 29 de março de 1991, na Praça Almirante Tamandaré. A apresentação ficou por conta da banda de trash metal curitibana Infernal que até o presente momento tinha sido a única banda que havia gravado um vinil com uma das músicas da coletânea “Cemitério dos Elefantes”. Além deles, o show contou com a presença das bandas locais como Desordem & Regresso que tocou covers de Cazuza, Titãs, Ira e outros conjuntos de rock nacional em alta; teve também apresentação da Horrível Sitema, do Jardim Petrópolis, que preferiu tocar músicas autorais, além das bandas Verminose e Kreditor que seguiram na mesma linha.

Apresentação do Infernal divulgado na Gazeta do Iguaçu em 1991. Créditos: Gazeta do Iguaçu e Kiko Sierich


Novas bandas e realizações

Em janeiro de 1991, desembarca em Foz do Iguaçu Marcio Duarte, vindo do Nordeste. Pelas raízes do rock já inseridas dentro da família, ele chegou louco para montar uma banda e tocar punk também, já que tinha uma chamada Anestia onde morava. Aos 17 anos, Marcio começou a fazer amizade com vários integrantes do MUFI e ia aos pontos de encontro para falar de música. Um deles era a loja de discos Musical Express, que ficava no centro da cidade, na Avenida Brasil. Ali mesmo Marcio formou a banda Tumulto, logo no mesmo ano, e começou os ensaios. A Musical Express foi criada em 1990, e era a única loja de discos da cidade que trazia Lps de rock de todos os estilos, principalmente punk, metal e trashmetal. Também vendia camisetas e cartazes para quem fazia pedidos. O local, além de ser o ambiente de consumo dos roqueiros, tornou-se point para organizadores de shows combinarem os próximos eventos. Genir Terra, um dos proprietários, lembra que circulava por ali muita gente jovem e nova na cidade. Eles combinavam com integrantes de bandas para fazer um novo show. “Às vezes chegava um integrante de uma banda e falava: poxa, porque não vamos tocar em tal lugar e aí você chama fulano e ciclano e conseguimos fechar em 4,5 bandas? Eu lembro bem que também tinha gente que só ficava lá, mesmo sem comprar nada, só conversando com o pessoal na frente da loja, tentando ficar informado dos próximos eventos e é claro, falar de rock”. Ele nunca participou fixamente de algum movimento para realização de shows, mas sempre foi um visitante assíduo no momento de prestigiar o pessoal da cidade.

Foto (1) Genir Terra dentro da pequena Loja Musical Express Foto (2) Alguns roqueiros em frente a loja, provavelmente falando sobre rock. Crédito: Genir Terra

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Ratos de Porão, cultura dos Fanzines e o primeiro LP

Logo depois do primeiro show com apoio da Fundação Cultural, a parceria com o MUFI se estendeu e começou o circuito de eventos chamado “Rock nos Bairros”. Esses shows ocorriam uma vez por mês em alguma casa de shows ou Associação de Moradores de bairro e rolava rock. O acesso era mais fácil, alguns jovens podiam ouvir boa música e de graça a poucas quadras de casa. A data de 28 de abril de 1991 pode ser algo inexistente na memória de muitas pessoas que participavam dos eventos do MUFI, mas com certeza é logo lembrada quando se fala do show da banda punk Ratos de Porão na cidade. Ainda com as mesmas dificuldades para trazer uma banda de rock com reconhecimento no país, com ajuda da Fundação Cultural foi possível a vinda desse grupo que até hoje é modelo quando se fala de rock e punk no Brasil. Depois de diversas bandas que vinham apenas com a passagem e hospedagem na casa dos rapazes do MUFI, Ratos de Porão foi o primeiro grupo a se hospedar em um hotel. Antes da apresentação do Ratos de Porão, quem tocou no show de abertura foi o Morthal e Caos Nuclear. A festa foi memorável para todos os amantes do rock.

Plateia do show no Ratos de Porão. Créditos: Digão Mozon

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O apoio, vindo da Fundação Cultural, também se reverteu em prol da criação de fanzines dos rapazes do MUFI e amantes do rock. Muito antes dos conteúdos disponíveis com facilidade via internet sobre música e cultura, pessoas interessadas faziam revistas a partir de recortes e fotocópias.¹ Os fanzines da década de 90 obviamente falavam sobre o rock e dos shows que aconteciam no MUFI. Era feito com a colaboração de muitas pessoas para que o conteúdo interessasse a todos. Nilton Bobato, Ronildo Pimentel, Genir Terra, Márcio Duarte e outros integrantes de bandas participaram da confecção dos fanzines.

Uma cópia de um dos Fanzines guardados com Genir Terra. No verso os autores ensinam como é a confecção do fanzine através de uma história em quadrinhos. Crédito: Genir Terra

¹ Fanzine é uma revista feita a partir de recortes, colagens e fotocópias feitos por fãs de quadrinhos, música, cultura e qualquer outro interesse. É feito de forma simples, apenas para informar e divertir quem gosta e segue a esses temas. Fonte: https://pt.wikipedia.org/ wiki/Fanzine

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Mas o mundo do rock na cidade não se resumiu apenas em shows e confecção de fanzines. Em 1992 um grande feito tornaria Foz do Iguaçu pioneira na história do rock nacional. Foi o lançamento do primeiro vinil de trash metal e hardcore do interior do estado: o LP Split, um vinil independente chamado “Scar In The Flesh & Conflitos Sociais”, que unia as bandas Morthal e Tumulto. O feito teve até reconhecimento do jornal A Gazeta do Iguaçu e é claro, festa de lançamento. Na festa aconteceu o improvável: um dos amigos da banda, o vocalista do Tumulto, Paulão sobe ao palco e se joga na plateia. Ao mesmo tempo, o vocalista de outra banda também se joga logo atrás e a plateia não consegue segurar os dois ao mesmo tempo. O resultado não foi dos melhores. Paulão bateu a cabeça no chão e ficou desacordado por alguns minutos, enquanto seus amigos tentavam acordá-lo, pois logo depois eles iriam tocar. “Era o lançamento do nosso LP, se a gente chamasse a ambulância ou qualquer outra pessoa de fora não ia ter show e nem nada. Então, esperamos que ele acordasse a gente seguisse com a festa. No final, deu Um dos fanzines compartilhado por Nilton Bobato sobre o Show de Dorsal Atlântica na década de 90. tudo certo”, conta Márcio.

Matéria feita em um antigo jornal local da cidade. Não foi confirmado qual veículo era na época. Créditos: Nilton Bobato

Cartaz de divugação da festa de lançamento do LP slip entre Morthal e Tumilto, em 1992. Crédito: Nilton Bobato.

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Nilton lembra que fazia fanzines com o nome chamado Kratos Magazine. A partir desse nome lançou o selo Kratos Records e assim conseguiu criar com seus colegas, de forma independente, o LP. Marcio também recorda desse período de conquista mais séria das duas bandas que sonhavam com o reconhecimento nacional, igual a outras que eram fonte de inspiração para composição de letras e instrumental das músicas deles. Nessa época, o rock era algo muito sério para os integrantes da banda. O Tumulto e o Morthal mandaram algumas fitas para gravadoras e algumas delas os convidaram para fazer um álbum de punk/trashmetal, porém em um estilo diferente do que era feito. Quando foi criada, a Morthal fazia apenas músicas em português, mas a partir de uma escolha da banda, as letras passaram a ser compostas em inglês. Apesar de Nilton preferir compor em português, ele foi pela escolha conjunta da banda. Porém, quando uma gravadora pediu para que eles alterassem as letras e o arranjo musical da banda, ninguém aceitou. Da mesma forma, Marcio, com o Tumulto, não quis. Para ambos, aquilo era uma espécie de ultraje para o material que com tanta dedicação era feito, para ser alterado por outro estilo só por estar na moda.

Desintegração do MUFI, surgimento do ACAC e o SK8

Depois de negarem a proposta de uma gravadora, aos poucos surgiram conflitos de escolhas de como seguir o rumo do Morthal. Alguns integrantes pensavam em mudar-se de Foz do Iguaçu, outros já tinham namoradas grávidas e precisavam de uma escolha fixa. O MUFI também não deixava de ser um movimento incrível que juntava os diferentes estilos do rock, porém, no fim da noite, o trabalho pesava muito mais que o divertimento. Muitas vezes eram poucos que ajudavam a carregar peso e limpar a bagunça; A maioria ia apenas para se divertir ou fazer briga. Segundo Genir Terra, havia colegas que iam ao bar pedir bebida de graça. Algo que não era certo, pois o dinheiro que eles conseguiam vendendo bebidas era usado para pagar despesas do aluguel e a viagem das bandas de outras cidades. Entre o final de 1993 e início de 1994, o MUFI chega ao fim, mas não para a festa do rock. Na mesma época, cresceram dois grupos em prol do movimento Underground e punk: Ação Coletiva Jardim Petrópolis - ACAC e o Movimento SK8. Esses grupos surgiram na região da Vila A e Jardim Pretrópolis. Genir lembra que algumas festas aconteciam também na Vila Pérola. A organização era simples: um emprestava uma caixa de som e outro o instrumento. Depois, encontravam um local e o show acontecia. Uma das apresentações mais alegres que Genir tem na memória – mesmo que falha – foi do show de uma banda de Cascavel que unia o metal com instrumentos de música clássica, como o violino. O vocalista, segundo Genir, bebeu naquele dia pinga com frutas em conserva, cerca de 3 garrafas. E ainda assim, o show foi perfeito. “Teve um dia também que nós fomos pra Santa Terezinha de Itaipu. O Ronildo inventou umas amarulas em garrafas pet e já chegamos lá muito bêbados. Foi um dia divertido, mas não lembro a data que aconteceu. Também lembro que fiquei preso no banheiro uma vez. Tiraram fotos quando saí, mas não lembro em que dia exato foi isso”, relata Genir aos risos.

Momento exato em que salvam Genir da prisão no banheiro. Crédito: Genir Terra.

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Os roqueiros viviam um período no qual as pessoas não tiravam muitas fotos e não tinham a ideia do quão importante seria aquelas datas anos depois, por isso nenhum deles pensava em gravar aqueles acontecimentos. Para eles, era um dia de festa como qualquer outro jovem tinha. A memória de datas exatas é falha, mas ainda existem reflexos na mente que são de grande importância. Uma dessas memórias foi um dos shows do Tumulto realizado em Londrina, no Diretório Central dos Estudantes - DCE. Ronildo e nenhum dos rapazes da banda conheciam a cidade. Depois do jantar saíram para dar uma volta e se perderam. Quando encontraram de novo o local, o festival com as bandas já tinha começado, mas por sorte a vez deles não havia passado. “Lembro que depois que a gente foi tocar em São Paulo e ninguém saiu de onde estavam, porque se não a gente ia se perder”, relembra Marcio.

Formação original do Tumulto, horas antes do show em Londrina, em 1992.

Dentre momentos engraçados logo depois do fim do MUFI, seguiram os outros movimentos. Um deles foi o “Rock no Subúrbio” e tinha o mesmo objetivo que o anterior, Rock nos Bairros. A intenção era realizar shows locais nos diversos bairros da cidade. Para isso, os roqueiros contavam também com o apoio da Fundação Cultural. O ACAC, SK8 e o Rock no Subúrbio existiram até os anos 2000, de acordo com Genir Terra. Logo depois dos anos 2000, em junho foi criado o HELLFEST. O evento existe até hoje e prestigia diversas bandas de rock e aquelas que apresentam em especial música autoral no repertório.

Um dos shows do movimento SK8 com a banda DDT em 1999, na Vila A. Crédito: Ivan Luís Patricio.

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A FASE ADULTA AQUELES QUE VÃO E FICAM Foz do Iguaçu estava no auge do rock n’ rol nos anos 80 e 90. Porém, teve roqueiro que escolheu constituir família. Um deles foi João da banda Infection. Já falamos da sua paixão pela música, a loucura insana que deu origem ao codinome de John Blasphemer, as aventuras em prostíbulos que inspirou suas composições mas... Como que de uma hora para outro ele larga tudo para ter uma família? Pressão para escolhas e o amor. Sim, os cabeludos também amam, podem acreditar e João declara até hoje o amor pela sua filha Kelly, fruto de relacionamento com a ex-esposa. “Ela me disse para eu escolher entre a banda e minha filha e então eu saí da Infection”, lembra. João sonhou em uma noite qualquer que tinha uma menina e saía fazer compras com ela. Kelly nasceu no dia 2 de abril de 1990 às 00h02min e o fato engraçado é que por dois minutos ela não nasceu no dia primeiro (que é conhecido pelo dia da mentira e de pegadinhas). O engraçado no destino de João é que a menina que apareceu no seu sonho tinha as feições exatas de Kelly e aquilo mexeu bastante com ele que tomou coragem para largar a banda e exercer o papel de pai. O engraçado é que seis anos depois João separa da esposa e vai embora levando a filha junto para o Mato Grosso. Ele compôs uma música para sua filha chamada You are my dream (Você é o meu sonho) que no final jamais chegou a apresentar no palco. No final, João ficou sem a banda e longe da filha. Hoje mora em Paraisópolis (MG) e constituiu outra família.

João com a filha Kelly atualmente com 25 anos. Ele foi visitar a filha em Mato Grosso em agosto desse ano, a felicidade a gente pode ver nos olhos. Créditos da foto: João Alves

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Letra da Música de You are my dream (Você é meu sonho) Sonhei contigo, te desejei, queria ser seu guardião, proteger você do mal. Embalar seu sono, ver você dormindo em sua angelical inocência. Refrão: Não permitir que nada pudesse te assustar você é igual ao meu sonho, uma doce novidade que veio para transformar minha vida. O seu mundo agora é meu mundo deixo de lado o meu eu, para viver intensamente o seu universo. Se precisar de mim não hesite em chamar mesmo que sua forma de comunicação seja o choro. Enfrentarei um dragão se preciso for, mas nunca deixarei que o calabouço da vida aprisione minha princesa, e se depender de mim sua vida será para sempre um conto de fada.

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Teve roqueiro que deu uma pausa longa até uma volta. Depois da separação do Morthal, Nilton estudou, foi por alguns anos professor e logo depois ingressou na vida política. Desligou-se do mundo do rock para que não sentisse tanta saudade dos tempos de banda. Porém, ele não conseguiu se afastar. Foram 18 anos longe do Morthal, mas em 2012 ele resolveu se entregar, juntamente com os outros colegas. Nesse mesmo ano, foi comemorado o lançamento de 20 anos do LP feito em parceria entre o Morthal e o Tumulto. A festa foi no dia 9 de dezembro de 2012 e serviu para recordar os incríveis momentos que os roqueiros viveram nas décadas de 80 e 90. O Morthal seguiu com a formação original de 1984, exceto o baterista que trabalhava com outra banda em Londrina e já tinha show marcado para aquele dia. Outro que fez uma pausa longa foi Márcio. Mesmo administrando uma loja, ocasionalmente trazia shows de qualidade para a cidade e conseguiu tempo para uma pequena turnê nacional com o Tumulto. Porém, teve que parar todas as suas atividades após um diagnóstico de câncer na perna esquerda, em 2009. Depois de cirurgias e tratamento de radioterapia, ele conseguiu se curar. “Eu não tive nenhum problema financeiro, eu tinha plano de saúde e então todo o tratamento do câncer foi tranquilo. O único problema foi para minha esposa Estefânia que teve que tomar conta de todo o negócio para gente”. Ele ficou muito preocupado se ia poder voltar a tocar de novo. A dor. O pior no câncer era a dor que ele sentia quando estava na cama. A quimioterapia o deixava bastante enjoado também. Marcio conta que teve ajuda financeira de gente que ele nem esperava. Algumas pessoas que trabalhavam em uma empresa de turismo fizeram uma “vaquinha” para ajuda de custo. Foi algo que deixou ele muito feliz e o fez Cartaz do Show de comemoração aos encarar o câncer com mais coragem. 20 anos do LP. É de 2012, mas foi único “O câncer é uma coisa muito complicada na vida da pessoa. Mas cartaz encontrado com qualidade mediana. Créditos: bocamaldita.com a gente não pode ficar parado, tem que ir lá e fazer (o tratamento), e então eu fiz e hoje estou muito bem”, finaliza. O ano de 2011 foi o mais especial para Márcio. Com a doença erradicada, ele pode retornar aos palcos. O seu maior sonho era voltar a tocar e esse foi um dos dias mais emocionantes da sua vida. “Esse dia foi muito emocionante, pois estava toda a minha família e colegas de longa data. Foi até meio engraçado, porque todo mundo ficou chorando, inclusive aqueles cabeludos machões (risos). Aquele dia foi muito bom pra mim”. Três anos livre do câncer e a vida tenta pregar mais uma peça em Márcio. Os efeitos colaterais da radioterapia apareceram no início deste ano e como consequência, os ossos da bacia e fêmur tiveram atrito e provocando um afundamento. Marcio ficou cinco meses de cama e teve que fazer uma cirurgia com o custo de cerca de R$ 40mil. Mais uma vez, os seus amigos voltaram a ajudá-lo em maio de 2015 e organizou o evento “Help Marcio Fest” com o objetivo de levantar recursos para os custos da cirurgia. A imprensa local deu atenção a esse ato entre amigos que foi sucesso e de grande agradecimento por parte de Márcio.

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O site de notícia Clickfoz divulgou o evento em prol de Marcio em maio de 2015

Depois de tudo que passou e mesmo que ele tenha que andar permanentemente de muletas, Marcio confirma. “Não ligo, não”, diz ele de bom tom e destemido. “A gente tem duas formas de se levar a vida, uma se entregar e outra se virar”, completa. Ele sabe que depois de um tempo vai ter que usar a cadeira de rodas e não vai mais aguentar com a idade andar de muletas, mas ainda quer fazer as coisas que gosta. Em outubro e novembro de 2015 ele trouxe o cantor internacional Tim Rapper para Foz do Iguaçu e antes, Ratos de Porão, depois de mais de mais de 20 anos sem pisar no solo de fronteira. Ele continua viajando com a companhia de seu filho quando compra mercadorias para sua loja e já se prepara para a inauguração e um quiosque no novo shopping que será inaugurado em abril de 2016. Ele preferiu “dar o jeito” e não ficar parado. Isso é o suficiente para que todos que amam o que fazem e principalmente têm paixão pelo rock, ou seja, “dar um jeito” também e correr atrás dos seus objetivos, ultrapassando as adversidades que aparecerem na vida.

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E O ROCK HOJE?

Atualmente existem dezenas de bares e locais para shows em Foz do Iguaçu, muito diferente do que era antigamente. A facilidade para ouvir músicas novas, estudar música e conseguir instrumentos também mudou. Com a internet é possível divulgar o material de uma banda, é fácil encontrar um estúdio e gravar um material de qualidade. Ainda assim, alguns novos roqueiros dessa geração ainda não têm a mesma alma e criatividade dos pioneiros. Quem expressa opinião são os entrevistados deste e-book. Mas por quê? Hoje é muito mais fácil encontrar bandas que trabalham somente com o repertório cover, o que é muito legal para eles, mas o talento fica submerso. “O cover é mais divertido, você vai assistir ao show para se divertir, mas você não analisa o aspecto criativo da banda, então nós sempre incentivamos o pessoal a fazer música autoral”, comenta Nilton. Atualmente o Morthal só faz cover da música Midnight Queen da banda Sarcófago. Para Genir Terra, o visual de hoje é maravilhoso, qualidade de som e locais impecáveis, porém falta “alma”. “Se você me perguntar se eu trocaria todas as facilidades que tem hoje pelo que era no passado, eu trocaria sim. Podia ser mal feito e sem estrutura, mas o pessoal tinha uma entrega total”, finaliza. Marcio já é categórico. Para ele, uma banda só mostra a sua qualidade a partir da música autoral. Em shows do Tumulto, sempre tinha brincadeiras de alguém da plateia gritar um “toca Raul”. Na brincadeira, eles fizeram uma paródia de uma música do Raul Seixas e com o tempo as pessoas pararam de pedir. Do ponto de vista dele, a partir do momento que uma banda nova quer um destaque fora da cidade e do estado é necessário que se faça músicas próprias. Começar com o cover pode levar as pessoas a se acostumarem a ouvir covers e não as músicas originais da banda.

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AGRADECIMENTOS

AGRADECIMENTOS

Devo agradecer a quem primeiro para ser mais justa? A gratidão é da mesma proporção a todos. Posso inserir aqui em especial a minha Professora Mestre Denise Paro pela orientação paciente e compreensiva diante dos meus pecados em “comer palavras” e mudar a ordem das frases durante a produção do livro. O papel de orientadora é difícil e estressante e ela soube muito bem como segurar e passar o melhor ensinamento possível. É pra isso que existe o professor, para ser o nosso mapa no momento em que estamos perdidos. Eu nunca fui uma aluna perfeita de tirar 10, mas sempre soube reconhecer à minha maneira a importância que um professor tem e o respeito que ele merece. Aos meus entrevistados, compartilho a minha felicidade em ouvir suas histórias e peço desculpas por às vezes ter pedido um “espacinho” na agenda para me dar atenção. Senti que estava realmente vivendo aqueles momentos e sentir uma partícula da emoção que transmitiam as lembranças. Obrigada por deixarem entrar nesse mundo que eu não conhecia e por serem tão legais e compreensivos comigo. Não menos importante, agradeço aqueles que emprestaram sabedoria, livros, fotos e cartazes para ilustrar essa história e enriquecê-la. Grata aos meus amigos e à minha família que acreditou que venceria essa etapa na minha vida.

“Nós não devemos ser responsáveis, nós devemos ser irresponsáveis (artisticamente falando). O Rock N’ Roll deve ser irresponsável”. Bono Vox, U2.

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