LOBO, Matheus da Costa1. O Twitter como plataforma testemunhal: um estudo de caso da campanha Primeiro Assedio2. / Matheus da Costa Lobo. Belo Horizonte, 2018. 64 f. : il. color. Orientador: Prof. Clara Alves Teixeira. TCC (Graduação, Comunicação Social - Publicidade e Propaganda) - Centro Universitário UNA, 2018. 1. Redes Sociais. 2. Twitter. 3. Testemunhos. 4. Hashtag. 5. #PrimeiroAssedio. TEIXEIRA, Clara Alves.
O Twitter como plataforma testemunhal: um estudo de caso da campanha Primeiro Assedio
Matheus da costa lobo
NOTAS 1. Artigo apresentado como requisito parcial de avaliação para obtenção do título de bacharel no curso de Publicidade e Propaganda, do Instituto de Comunicação e Artes do Centro Universitário UNA. 2. Graduando em Publicidade e Propaganda, no Instituto de Comunicação e Artes - ICA. E-mail: matheus.costalobo@gmail.com
O TWITTER COMO PLATAFORMA TESTEMUNHAL: UM ESTUDO DE CASO DA CAMPANHA PRIMEIRO ASSÉDIO
UNA 07 / 2018
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We are all just looking for connection Yeah, we all want to be seen I am looking for someone who speaks my language Someone to ride this ride with me Can I get a witness? Will you be my witness? I am just looking for a witness in all of this Looking for a witness to get me through this When you tell me everything, and there is no holes You can scroll through anything, you have got the codes Nothing to hide, it is all in their eyes And we just know, oh WITNESS - KATY PERRY
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compartilhamento e o acesso à informação, no século XXI, se transformou em um fenômeno de grande importância para a contemporaneidade3. O usuário, que até então era limitado para criar/compartilhar conteúdos passou a ser o principal gerador de informações desse meio, devido ao advento da Internet e o poder da Web 2.0. A todo momento, novas notícias e informações surgem em alguma plataforma e imediatamente os usuários estão acessando-a, por meio da mobilidade dos aplicativos e da telefonia móvel, e compartilhando a mesma de maneira simples e rápida, disseminando a informação. Segundo dados do IBOPE, o total de pessoas com acesso à internet no Brasil no primeiro trimestre de 2013 chegou a 102,3 milhões4. Já a 11ª edição da pesquisa TIC Domicílios 2015, que mede a posse, o uso, o acesso e os hábitos da população brasileira em relação às tecnologias de informação e de comunicação, mostra que 58% da população brasileira usam a internet, de acordo com o levantamento de dados em 20145. Da nova música do momento aos atentados na Síria, do novo meme viral às denúncias de assédio sexual contra algum famoso hollywoodiano, o imediatismo da informação é repassado de forma espontânea e rápida; e, consequentemente, sendo disseminada de forma avassaladora nas redes sociais em poucos minutos. Segundo Garcia (2012)6 no Brasil, o conceito de “rede social” está fortemente associado ao de “mídias sociais”, um tipo particular de rede social que se estabelece através de canais virtuais de compartilhamento de informação, tais como Facebook, Twitter e LinkedIn. Estas redes sociais, muitas das vezes (se não em sua maioria), são ferramentas disponíveis gratuitamente online que estão cada vez mais acessíveis e possuem interfaces muito fáceis de lidar, permitindo que qualquer ator social tenha acesso a elas.
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Este envolvimento com a tecnologia se mostra de maneira muito clara ao analisarmos como os usuários das redes sociais passaram a compartilhar suas experiências nestas plataformas, e começaram a ganhar, cada vez mais, uma poderosa voz e força de expressão, uma vez que possuem a liberdade de falarem tudo o que estão sentindo. A partir da evolução das conexões e com o desenvolvimento da tecnologia, a internet possibilitou o crescimento do número de serviços prestados através da rede, como comércio e compartilhamento de conteúdo. Em uma matéria para o site TechTudo, Barros (2013) diz7: A Internet discada deu lugar à Banda Larga e até à conexão no seu próprio celular, com a rede 3G (e agora 4G). Ao invés de uma ferramenta de difícil acesso e ainda crescendo, a Internet virou praticamente uma necessidade diária, seja no dia a dia das empresas ou na casa de um usuário que busca entretenimento ou faz pesquisas para o dever de casa.
Seja por meio de uma foto, por uma postagem ou mesmo um simples tweet sobre algo, há o compartilhamento da informação. O processo de compartilhamento de experiências cotidianas, às vezes em tempo real, é umas das principais formas de interação dos usuários online; e as redes sociais são, sumariamente, as principais plataformas para tal comportamento, principalmente quando se trata, por exemplo, de uma rede social tão dinâmica quanto o Twitter. Barros (2013) afirma que “as redes sociais seguem se reinventando, os aplicativos móveis seguem nascendo a cada dia e, nos próximos anos, a expectativa é de que o foco esteja cada vez mais na convergência das mídias para a Internet”. Em 20 de outubro de 20158, a Rede Bandeirantes lançava a primeira edição do programa MasterChef Júnior, versão infantil do programa culinário MasterChef, que conta com candidatos entre 08 e 13 anos. A estreia do programa que buscava apresentar ao país jovens prodígios na gastronomia, acabou se tornando assunto nacional não apenas pela culinária, mas também pelo assédio sofrido por uma das participantes virtualmente. No Twitter, onde o programa tem grande repercussão, Valentina (participante de apenas 13 anos de idade) foi alvo de publicações abertas de cunho sexual por parte de alguns usuários; homens se sentiram atraídos por sua aparência e, ignorando sua idade, resolvem tecer comentários de cunho sexual sobre a criança. A reação online foi a chama para um movimento em todo o país iniciado pela ONG/coletivo feminista Think Olga9. No dia 21 de outubro de 2015, a fim de se posicionar diante do caso e indicar que não se trata de uma situação isolada, mas sim enfrentada por muitas meninas todos os dias, a Think Olga, ONG que luta pelo empoderamento das mulheres por meio de informação e com forte presença na internet e nas mídias online lançou, por meio do Twitter, um chamado às mulheres
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para que compartilhassem histórias da primeira vez que sofreram algum tipo de assédio, utilizando a hashtag #PrimeiroAssedio. A campanha por trás buscava entender e explanar que a cultura do estupro no país é um comportamento muito comum do que se imagina ser. A hashtag se difundiu a partir de tweets do coletivo no Twitter e, também, a partir do tweet da fundadora de ONG, Juliana de Faria, onde ela mesma compartilhou seu primeiro assédio sofrido, aos 11 anos de idade. A campanha foi fundada para gerar um impacto e apresentar que quando mulheres são vítimas desde os cinco anos de idade de um comportamento invasivo e desumano, isso significa que existe algo muito poderoso em se descobrir vítima. Não apenas isso, mas existe uma desinformação muito conveniente para os homens em relação à gravidade das “brincadeiras” com pedofilia, estupro e assédio que os deixa confortáveis o suficiente para reproduzi-las sem se preocupar com as consequências. Motivadas pela discussão a respeito dos comentários sobre a pequena Valentina desde o lançamento de campanha incentivada pela Think Olga, em um dia entrou para os Trending Topics do Twitter, e até o final daquela semana a hashtag já havia sido replicada mais de 82 mil vezes, entre tweets e retweets10 . A partir da repercussão que tomou conta das redes sociais, a BBC Trending e BBC News publicou uma notícia sobre o assunto, que influenciou a tradução da hashtag em inglês #FirstHarassament e difundiu para outros países11. Mulheres de países como Grã-Bretanha, Estados Unidos, Holanda, Portugal e Chile começaram a relatar suas histórias no Twitter. Por causa da quantidade de posts publicados com a hashtag, alguns órgãos aproveitaram o assunto em pauta para reforçar suas campanhas contra a violência sexual, principalmente na infância. O portal do Governo Federal e a Unicef, órgão ligado à ONU, foram alguns deles. A partir das hashtags, conseguimos obter um sistema de agrupamento de mensagens que permite analisarmos os usuários da rede social a partir de um conteúdo específico e segmentado12. É uma completa e complexa rede de conversa indireta, que oferece um vislumbre dos assuntos importantes para as pessoas e o mundo em um dado momento. Tratando apenas da #PrimeiroAssedio, corpus de análise desta pesquisa, há a possibilidade de se aprofundarmos o estudo no esforço de entendermos a plataforma onde a hashtag está inserida, Twitter, como uma plataforma testemunhal e de denúncia. Desta forma, o contato real dos usuários para com as ferramentas da plataforma favorece as análises de pesquisa, pois torna possível a coleta de dados favoráveis para o estudo que temos por objetivo geral.
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Com base nesta proposta, a questão que norteou e conduziu este trabalho foi: como o Twitter foi utilizado como ferramenta de testemunho pessoal durante a campanha #PrimeiroAssedio no Brasil? A partir desta pergunta norteadora, o presente artigo buscou 1. Identificar as nuances e significação do testemunho; 2. Contextualizar o Twitter, identificando-o como uma rede social; 3. Analisar o surgimento da campanha #PrimeiroAssedio no Brasil e seu impacto; 4. Correlacionar a hashtag #PrimeiroAssedio com o testemunho; 5. Constatar o uso do Twitter como ferramenta de testemunho pessoal. Sendo assim, para a construção deste artigo, o entendimento da noção de testemunho com Seligmann-Silva (2006) e Jaime Ginzburg (2008); do conhecimento das Redes Sociais e do Twitter com Recuero (2009) e Lemos e Santaella (2010); e na consciência do testemunho nas redes sociais a partir de Garcês (2008) e Dias (2014), se faz necessário. Através da delimitação dos objetivos específicos destrinchados, da metodologia escolhida para análise e do objeto empírico determinado, a construção deste artigo se consolidou.
NOTAS 3. Para entender a importância de uma lei de acesso à informação. Disponível em: <http://www.abcid.org. br/para-entender-importancia-de-uma-lei-de-acesso-informacao>. Acesso em: 27 fev. 2018. 4. Número de pessoas com acesso à internet passa de 100 milhões. Disponível em: <http://www.ibope.com. br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet- passa-de-100-milhoes.aspx>;. Acesso em: 27 fev. 2018 5. Pesquisa revela que mais de 100 milhões de brasileiros acessam a internet. Disponível em: <http://www. brasil.gov.br/ciencia-e-tecnologia/2016/09/pesquisa-revela-que-mais-de-100-milhoes-de-brasileiros-acessama-internet>;. Acesso em: 27 fev. 2018 6. GARCÍA, Ignacio. Uma visão antropológica das redes sociais. Disponível em: <http://hbrbr.uol.com.br/ uma-visao-antropologica-das-redes-sociais>; Acesso em: 27 fev. 2018 7. BARROS, Thiago. Internet completa 44 anos; relembre a história da web. Disponível em: <http:// www.techtudo.com.br/artiwgos/noticia/2013/04/internet-completa-44-anos-relembre-historia-da-web.html>;. Acesso: 27 fev. 2018 8. PATROCINIO, Carol. O MasterChef Júnior e a sexualização infantil. Disponível em: <https://www. cartacapital.com.br/sociedade/o-masterchef-junior-e-a-sexualizacao-infantil-9362.html>. Acesso em: 27 fev. 2018. 9. Blog Think Olga. Disponível em: <https://thinkolga.com/>. 10. Hashtag Transformação: 82 mil Tweets sobre o #Primeiroassedio. Disponível em: <https://thinkolga. com/2015/10/26/hashtag-transformacao-82-mil-tweets-sobre-o-primeiroassedio>;. Acesso em: 27 fev. 2018. 11. BBC Brasil. Campanha brasileira inspira hashtag em inglês sobre primeiro assédio sexual. Disponível em: <http://f5.folha.uol.com.br/voceviu/2015/11/1704860-campanha-brasileira-inspira-hashtag-em-inglessobre-primeiro-assedio-sexual.shtml/>;. Acesso em: 27 fev. 2018. 12. PENNA, Gustavo. Hashtag: guia como usar hashtags para alavancar sua rede social. Disponível em: <https://neilpatel.com/br/blog/como-usar-hashtag>;. Acesso em: 27 fev. 2018.
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ão diversas as áreas que buscam elucidar a noção de testemunho, e cada qual trabalham de maneiras distintas na compreensão e na aplicação do termo nos campos do conhecimento. Seligmann-Silva (2006), no artigo “Testemunho e a Política da memória: o tempo depois das catástrofes”13 enumera as diversas apropriações do termo nas áreas do conhecimento. Nesse contexto, algumas das apropriações do termo partem da Teologia, onde os testemunhos se baseiam na afirmação e na revelação da fé; da Psicologia, que aborda o tema do ponto de vista comportamental e da situação traumática, a partir da recuperação de memórias por meio dos testemunhos; da Psicologia Social, com os estudos de vida e comunidade. Além das já citadas, o testemunho também é utilizado na área da Filosofia, onde possui relevância nos estudos da teoria da percepção, como nos estudos dos atos de linguagem testemunhais. A Teoria das Artes, a Teoria Estética, o campo jurídico, e a Literatura são um dos diversos outros campos onde o tema é aplicado. Seligmann-Silva (2006) concebe dois sentidos para o testemunho e suas aplicações. O primeiro deles seria o testemunho como terceira pessoa, aquela que presencia/vê, mas não participa, e que ao testemunhar acaba por desenvolver um julgamento que favorece um dos envolvidos do testemunho, este sentido faz ligação a partir da etimologia da palavra (testis – três); já em seu segundo sentido, o testemunho se basearia naquele alguém que participou de alguma situação – geralmente tragédias – e que sobreviveu a ela. Seu testemunho se baseia nas recordações da tragédia, e baseada não apenas naquilo que presenciou, mas naquilo que sentiu.
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O estudo do testemunho exige uma concepção da linguagem como campo associado ao trauma. A escrita não é aqui lugar dedicado ao ócio ou ao comportamento lúdico, mas ao contato com o sofrimento e seus fundamentos, por mais que sejam, muitas vezes obscuros e repugnantes. O século XX se estabeleceu como tempo propício para testemunho, em virtude da enorme presença das guerras e dos genocídios. Para o sujeito da enunciação do testemunho, entre o impacto da catástrofe e os recursos expressivos, pode haver um abismo intransponível, de modo que toda formulação pode ser imprecisa ou insuficiente (GINZBURG, 2008, p. 63).
O resgate do testemunho, desde sua etimologia até uma definição clara de seu conceito em termos semânticos, é para chegarmos a ideia principal que o valor do testemunho não está na sua capacidade de ser comprovado, como se fosse posto à prova em termos científicos (GARCÍA, 2003, p. 44). De acordo com SeligmannSilva (2006), a base do testemunho consiste na seguinte ambivalência: por um lado, a necessidade de narrar o que foi vivido, e por outro, a percepção de que a linguagem é insuficiente para dar conta do que ocorreu. Em um corpo sofrido, a relação entre língua e pensamento é abalada pela negatividade da experiência. A linguagem é percebida como traço indicativo de uma lacuna, de uma ausência. A experiência traumática não pode ser, para a psicanálise, assimilada de modo completo; por isso, ocorre a repetição constante, alucinatória, por parte da vítima, da cena de impacto (SELIGMANN-SILVA, 2003, p.48-49).
Para a vítima do trauma, e por consequência, de seu testemunho, é preciso compreender que nestas situações o real é entendido como traumático. SeligmannSilva (2006) afirma que trauma resiste à representação, e por isso é redimensionada a apropriação do termo literatura pelo discurso crítico, quando se trata de testemunho: trata-se de dar voz a vítimas do impacto do trauma, e também apresentar uma posição campo de conflitos históricos. O testemunho é necessário, nesse sentido, em contextos políticos e sociais em que a violência histórica foi muito forte, desempenhando papel decisivo na constituição das instituições. Nesses contextos, as diferenças de perspectiva entre os setores em conflito implicam em diferenças formais e temáticas nas concepções de escrita e em seus recursos institucionais de legitimação (GINZBURG, 2008, p. 65).
Segundo Cassimo (2009)14 o trauma constitui uma ruptura física abrupta nas experiências diárias, muitas vezes com perda de controle sobre o corpo. São
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pertubações causadas por uma lesão física ou desagradável experiência emocional que deixam marcas duradouras na mente do indivíduo. O evento aterroriza de tal maneira a vítima que a mente distorce o evento ou o faz desaparecer da consciência, usando o estado de consciência denominado de dissociação para escaparem ao impacto psicológico total (HUMPHREYS; JOSEPH apud Cassimo, 2004, p.6-7). Contudo, os traumas também se diferem na gravidade. Apesar destas diferenças, reações como a dissociação são comuns em todos os indivíduos traumatizados, mas a extensão da dissociação depende do indivíduo e da natureza do trauma (CLASSEN; KOOPMAN apud Cassimo, 2004, p.7). Orique e Pedrozo (2016) afirmam que, “por vivermos em um século pós-traumático, o indivíduo é “sobrevivente” e, por vezes, testemunha das viradas que marcaram a história. O termo testemunha (em alemão, ereignis, derivado de ir-ougen, que significa, etimologicamente “por diante dos olhos”, mostrar) envolve não somente o ato de assistir, mas de depor sobre o evento que observou”. Logo, os relatos de cunho testemunhal, por exemplo, são elementos importantes para a compreensão das opressões de nosso tempo, tratando da memória como um necessário movimento de alteridade entre os homens para que se tornem mais humanos (OURIQUE; PEDROZO, 2016, p.208). Autores como Eric Hobsbawm (1995) caracterizam o século XX como “era das catástrofes” justamente por esse período ser marcado por muitas guerras e mortes em massa, o que torna o século XXI, como um século pós-trauma [...] Silenciar-se diante das tragédias e do descaso para com o humano é abrir mão de efetivar o próprio pertencimento no mundo e, consequentemente, assumir os riscos de ser sucumbido por produções acríticas ou de ser diretamente vítima das barbáries cotidianas (OURIQUE; PEDROZO, 2016, p.203 e 207).
Sobre os testemunhos, sua etimologia e significação, é importante ressaltarmos, logo, que estudar o testemunho significa assumir que aos excluídos cabe falar, e além disso, definir seus próprios modos de fazê-lo (GINZBURG, 2008, p. 66). E não cabe apenas ao excluído falar, mas também cabe a eles buscarem um canal onde possam falar. Diante disso, estudarmos o enfoque deste artigo, o testemunho nas redes sociais, é de suma importância, para que então possamos entrar no conceito de testemunhos pessoais na plataforma do Twitter e sua conexão com a campanha #PrimeiroAssedio. 1. REDES SOCIAIS Para analisarmos o conceito de redes, precisamos entender que a sua concepção não se limita apenas às redes sociais (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p. 13). Lemos e Santaella (2010) apontam que em todos os campos do saber humano, o conceito de rede é um tema onipresente. Recuero (2009, p. 17), também afirma que o estudo das redes sociais não é novo. O estudo de sociedade a partir do conceito de rede representa um dos focos de mudança que permeia a ciência durante todo o século XX.
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Com a finalidade de alcançarmos os estudos das redes tal como temos hoje, precisamos entender que há um processo evolutivo dentro dos campos de conhecimento. No final da década de 1990 e início dos anos 2000, os estudos de rede, tanto na parte social quanto nas outras ciências, receberam uma renovada atenção (RECUERO, 2009, p. 21). E o advento da Internet, nos anos 1990, impulsionou ainda mais os estudos de rede e trouxe diversas mudanças a sociedade. Cebrian (1999, p. 40), afirma: “o início da década de 1990, a implantação da WWW, como plataforma de fácil acesso e utilização simples acelerou um crescimento gigantesco e desordenado desta rede, convertida, já na ocasião, em uma autêntica “rede das redes”, uma teia de aranha”. A World Wide Web15, segundo Sabino (2007)16, possui estágios estruturais em sua formação a partir da década de 90. O primeiro estágio, de acordo com Sabino, se denomina Web 1.0 e obteve uma longa duração, dos anos 1990 até início de 2004. Sua fase inicial foi marcada, principalmente, com a preocupação na estruturação de rede, e no modo como poderia ser comercializada e tornar-se acessível às pessoas. Sabino (2007) cita que nesta fase, as áreas de interesse se se concentravam no acesso à internet, no desenvolvimento dos primeiros web browsers, em protocolos como o http e metalinguagens como html e xml, e na criação de sites e portais. Na década passada, a Internet passou por profundas transformações, especialmente após 2004 quando foi incorporada a denominação de Web 2.0 para descrever novas formas de utilização da World Wide Web (O’REILLY e BATTELLE, apud Dalmoro et al, 2009)17. Para Sabino (2007), o conceito de Web 2.0 revela-se mais impreciso, contrariamente à primeira versão, pois refere-se a uma suposta segunda geração de serviços baseados na Internet, a qual enfatiza a colaboração on-line e a partilha entre utilizadores. Nesse âmbito, segundo O’Reilly, o termo Web 2.0 faria sentido, ao referir-se a uma nova geração de aplicações Web e a modelos de negócios que superaram o estouro da “bolha” (BRESSAN, 2007)18. Essa segunda fase se baseia em aplicativos e serviços da rede, além de recursos e tecnologias que possibilitam um grande grau de colaboração e interatividade ao utilizar a Internet (BRESSAN, 2007). Essa fase pode ser representada por sites de informações colaborativas como a Wikipedia e redes sociais como o Orkut e Fotolog. Este novo formato se caracteriza pela utilização de plataformas nas quais as aplicações e os conteúdos podem, de forma colaborativa, serem constantemente modificados pelos usuários (KAPLAN e HAENLEIN, 2010). Cabe destacar que, na Web 2.0, a interação entre os usuários contribui com a geração de conteúdo, incluindo as opiniões de consumidores em relação a suas experiências com determinados produtos e serviços. Nas plataformas de comércio eletrônico, os consumidores não estão apenas navegando e fazendo compras, mas também buscando a opinião de outros consumidores para apoiar as suas decisões de compra (DELLAROCAS, 2003).
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Com o advento dos estágios de Internet, o estudo de rede se tornou mais complexo. Uma rede é um conjunto de nós interconectados. A formação de redes é uma prática humana muito antiga, mas as redes ganharam uma cara nova em nosso tempo, transformando-se em redes de informações energizadas na Internet (CASTELLS, 2001, p. 7). A força da abordagem de redes sociais está em sua necessidade de construção empírica tanto qualitativa quanto quantitativa que busca, a partir da observação sistemática dos fenômenos, verificar padrões e teorizar sobre os mesmos (RECUERO, 2009, p. 21, grifo da autora). Recuero (2009) continua a dizer que estudar redes sociais, portanto, é estudar os padrões de conexões expressos no ciberespaço. É explorar a metáfora estrutural para compreender elementos dinâmicos e de composição dos grupos sociais. Lemos e Santaella (2010) apontam que a evolução da internet oportunizou a serem desenvolvidas novas formas de comunicação entre pessoas, concebida a partir da necessidade de se ter uma comunicação mais rápida e livre de interrupções em sua origem. A partir dos anos 90, com o desenvolvimento da tecnologia e o surgimento de chats e fóruns de discussões, os usuários da rede passaram a experimentar novas maneiras de trocar mensagens e expor sua opinião no ambiente virtual. O que fascina na Internet, em cujas redes integram-se, hoje, algo em torno de cem milhões de usuários, não são tanto seus préstimos tecnológicos, ainda bem pobres no terreno da prática comum, mas sua capacidade autônoma de crescimento. [...] A nova arquitetura das redes – baseada na conexão entre usuários e os servidores – facilita a possibilidade de que milhões de pessoas possam consultar, quase ao mesmo tempo, o mesmo serviço eletrônico de informação e possam obter resposta com relativa rapidez (CEBRIAN, 1999, p. 41 e 44).
Ao longo desse processo evolutivo da Internet, as bases do que seriam as primeiras plataformas de redes sociais passam a se solidificar. No final do século XX, a trajetória comum da navegação era unidirecional: saímos de um ponto X em busca de algum outro Y, e na maioria das vezes nos distraindo pelo caminho, mas firmando um percurso linear (LEMOS; SANTAELLA, 2010). As autoras apontam para um conceito que caracteriza as redes sociais de acordo com a possibilidade de interação que ela propicia. Primeiramente, durante a segunda parte dessa década (1990), realizou-se a possibilidade pioneira de interatividade em tempo real para redes socialmente configuradas (ICQ). Essa realização caracteriza as RSIs 1.0. Em seguida, o salto em direção às redes sociais 2.0 foi dado a partir do compartilhamento em rede social de arquivos, interesses etc. Entrávamos na era do Orkut, My Space, Linkedin etc. A partir de 2004, com a criação do Facebook, entramos na era das RSIs 3.0, caracterizadas pela integração com outras redes e pelo uso generalizado de jogos sociais como Farmville e Mafiawars, assim como aplicativos para mobilidade. (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p.58).
A múltipla interação das redes sociais na internet estrutura a forma de uma relação atual, uma vez que um usuário da rede social agora passa a experimentar a possibilidade de postar, comentar e compartilhar, ao mesmo tempo, em várias
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plataformas que se interligam nos links criados. O redimensionamento da interface dessas redes para dispositivos móveis (telefones e tablets), facilita o entrelaçamento dos aplicativos e à integração entre redes. Lemos e Santaella (2010), explicam: É inegável que as interações de multimodalidades reconfiguraram fundamentalmente a estrutura de interação das interfaces midiáticas, adaptando-se em função e a partir da mobilidade. O primeiro grande eixo de mudança das RSIs é estrutural e está articulado ao redor da mobilidade, dos aplicativos e das novas formas de linguagem que emergem com o microblogging. O segundo grande eixo de mudança trazido pelas redes sociais 3.0 incide em uma temporalidade bem distinta das redes 1.0 e mesmo das 2.0 (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p.58, grifo das autoras).
Recuero (2009) relata as redes sociais na internet como agrupamentos complexos instituídos por interações sociais apoiadas em tecnologias digitais de comunicação. A possibilidade de expressão e sociabilização através de ferramentas de comunicação medida por computador (CMC) é uma das características fundamentais para o conceito das RSIs. Quando falamos sobre Redes Sociais Digitais (RSD) abordamos relações interpessoais estabelecidas por meio da internet. A autora explica: Essas ferramentas proporcionam, assim, que atores pudessem construir-se, interagir e comunicar com outros atores, deixando, na rede de computadores, rastros que permitem o reconhecimento dos padrões de suas conexões e a visualização de suas redes sociais através de seus rastros. [...] Uma rede é uma metáfora para observar padrões de conexão de um grupo social a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores. A abordagem de rede tem, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões (RECUERO, 2009, p.24).
No livro “Redes Sociais na Internet”, Recuero (2009) diz que uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós de rede) e suas conexões (interações ou locais de rede). O estudo das redes sociais na Internet, foca o problema de como as estruturas sociais surgem, de que tipo são, como são compostas através de comunicação mediada pelo computador e como essas interações mediadas são capazes de gerar fluxos de informações e trocas sociais que impactam essas estruturas. Para estudar essas redes, no entanto, é preciso estudar também seus elementos e seus processos dinâmicos (RECUERO, 2009, p. 24).
Recuero aponta que chamamos “atores” por considerar os indivíduos a partir de uma perspectiva do interacionismo simbólico e especificamente da noção de performance de Goofman. O termo atores foi escolhido porque são as representações performáticas dos indivíduos na rede. A autora ainda explica que quando trabalhamos com as RSIs, no entanto, os atores são constituídos de maneira diferenciada. E em consequência disto, na internet trabalha-se com a representação dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço (RECUERO, 2009, p. 25).
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Em consequência, as conexões de uma rede social podem ser percebidas de diversas maneiras. Recuero (2009) explica que, em termos gerais, as conexões em uma rede social são constituídas dos laços sociais que, por sua vez, são formados através da interação entre os atores sociais. Tais interações na Internet são percebidas graças à possibilidade de mantermos os rastros sociais destas interações na rede, uma vez que estas permanecem na rede e não são efêmeras quanto à interatividade cara a cara. Recuero (2009) constata que ao postarmos algo em uma rede social, essa rede já interage imediatamente com outras diversas redes da mesma pessoa, portanto, todos os contatos que essa pessoa possui em suas várias redes são atingidos pela mensagem. Segundo a autora, “observando as redes sociais como interdependentes umas das outras, é plausível perceber que todas as pessoas estariam interligadas umas às outras em algum nível” (RECUERO, 2009, p. 61). As interações e rastros permanecerão na rede, se multiplicando com células vivas, e a cada comentário desta interação ou a cada compartilhamento entre os atores, a mensagem original e o início da interação são cada vez mais disseminados. A disseminação destas interações permanece mesmo depois do ator original da mensagem ter-se desconectado do ciberespaço, continuando a multiplicação deste rastro; Recuero (2009) caracteriza esta condição como interações assíncronas. Lemos e Santaella também falam sobre interações, e contextualizam em relação às RSIs 3.0: A evolução das redes 3.0 traz um deslocamento temporal radical em direção à experiência midiática de um presente contínuo: na era da mídia always on o passado importa pouco, o futuro chega rápido e o presente é onipresente [...]. Rastrear o passado das informações das interações perde a relevância em um contexto em que o mais importante é estar presente, literalmente fluir junto com o movimento temporal do fluxo contínuo de interação. A expressão always on (infelizmente intraduzível na justa brevidade) realmente transmite a essência e o espírito das mídias 3.o: a conexão é tão contínua a ponto de se perder o interesse pelo que aconteceu dois minutos atrás. Apenas o movimento do agora interessa. (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p.61 e 62, grifo das autoras).
Os laços sociais, criados através das interações entre os atores podem gerar, à medida que elas aumentam de intensidade, uma diversidade cada vez maior de grupos sociais. Laços consistem em uma ou mais relações específicas, tais como proximidade, contato frequente, fluxo de informação, conflito ou suporte emocional (WELLMAN, 2001 apud Recuero 2009). Portanto, o laço é a efetiva conexão entre os atores que estão envolvidos na interação. Recuero (2009) define os laços em dois tipos: os laços fortes e os laços fracos. A autora explica que os laços fracos adquirem especial importância para as redes na medida em que são responsáveis por fazer a ligação entre os diversos grupos sociais de um indivíduo, constituído de relações esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade e diversificam os grupos sociais; enquanto os laços fortes se baseiam em relações de amizade e
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intimidade que obviamente derivam de um mesmo grupo social. Dessa forma os laços fracos propiciam que os vários grupos interajam entre si e não fiquem como ilhas isoladas e formem uma verdadeira rede social. Para o contexto das redes sociais, um último ponto importante que devemos nos basear é nas dinâmicas das RSIs. Recuero (2009) afirma que uma rede social, mesmo na Internet, modifica-se em relação ao tempo. Não é estática, não está parada no tempo. Segundo ela, “essas dinâmicas são dependentes das interações que abarcam a rede e podem influenciar diretamente sua estrutura” (RECUERO, 2009, p. 79). Ao mesmo tempo que há interações que visam somar e construir um determinado laço social, há interações que visam enfraquecer ou mesmo destruir um laço. Ao fim, podemos concluir com uma última contestação da autora: Os sistemas sociais e as redes sociais, assim, estão em constante mudança. Essa mudança não é necessariamente negativa, mas implica o aparecimento de novos padrões estruturais. A mediação pelo computador, por exemplo, gerou outras formas de estabelecimento de relações sociais. As pessoas adaptaram-se aos novos tempos, utilizando a rede para formar novos padrões de interação e criando novas formas de sociabilidade e novas organizações sociais. (RECUERO, 2009, p.89).
2. TWITTER A ideia do Twitter19 foi desenvolvida por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams em 2006, como um projeto da empresa Odeo. A ideia era criar um serviço de compartilhamento de mensagens em que os membros de uma rede de seguidores pudessem, em uma plataforma, acompanhar rapidamente as atualizações das pessoas instantaneamente. A plataforma atingiu o ápice de sua expansão em 2009, chegando a mais de 11 milhões de usuários, segundo estudo da empresa de consultoria Sysomos20 (LEMOS; SANTAELLA, 2010). Primordialmente, o uso da ferramenta se restringia a comunidades geralmente ligadas à tecnologia digital ou à blogosfera, mas foi rapidamente adotado por celebridades e passou a atrair os outros diversos segmentos sociais, e rapidamente chamou a atenção dos meios de comunicação de massa (LEMOS; SANTAELLA, 2010). O funcionamento da ferramenta é explicado de forma clara e objetiva por Telles (2010, p. 62): O Twitter funciona a partir do envio de mensagens curtas – tweets – que são visualizadas por seus followers – seguidores, seja de maneira a contar o que você está fazendo num determinado momento, ou por meio de replies – respostas – às pessoas que te enviam um tweet. No Twitter, o título de cada usuário é precedido pelo signo “@”, que permitirá ao usuário saber quantas vezes este foi citado por algum outro usuário. Para indicar que se trata de um assunto a ser usado em buscas no Twitter, usa-se o caractere # (hashtag). [...] ao criar a conta, você tem 140 caracteres em uma seção chamada “what’s happening” – o que está acontecendo? -, para descrever sua mensagem.21
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O Twitter é a ferramenta online de microblogging de maior popularidade (JAVA et al., 2007). A prática do microblogging é uma combinação de blogs, mensagens e atualizações instantâneas que permitem aos usuários criarem mensagens curtas, geralmente com até 200 caracteres, para serem postadas e compartilhadas com uma audiência online. Estas atualizações instantâneas são enviadas para amigos ou para uma rede de contatos através de mensagens de texto via dispositivos móveis (SMS), mensagens instantâneas (IM – instant messaging), e-mail ou pela web (JAVA et. al, 2007). As plataformas sociais, como o Twitter, tornaram-se formas extremamente populares deste novo tipo de blogging, a partir, especialmente, da internet móvel e dos aparelhos mobiles – tornando muito mais conveniente se comunicar com as pessoas em comparação aos dias em que a navegação e a interação na área de trabalho (desktop) eram a norma. Esta ferramenta de rede social (Twitter) é uma forma fácil de comunicação que permite aos usuários trocar ideias sobre suas atividades, opiniões e status através da publicação de informações (JAVA et. al, 2007). Para os autores (JAVA et. al, 2007), o microblog supre a necessidade de uma comunicação mais rápida e instantânea que a dos blogs tradicionais. Estas mensagens curtas podem em uma variedade de formatos de conteúdo, incluindo texto, imagens, vídeos, áudios e hiperlinks. Comparado ao blog comum, o microblogging satisfaz a necessidade de um modo de comunicação ainda mais rápido (TELLES, 2010, p. 60). A tendência evoluiu em torno do final da era da web 2.0, após as mídias sociais e os blogs tradicionais se fundiram para criar uma maneira mais fácil e rápida de se comunicar com pessoas on-line e mantê-las informadas sobre informações relevantes e compartilháveis ao mesmo tempo. A plataforma do Twitter é um ambiente digital que possui uma dinâmica singular de interação social. São diversos os motivos que determinam esta condição. Suas funcionalidades fazem com que uma ideia possa se reproduzir de forma viral e instantânea ao redor do planeta em questão de segundos. Dessa forma, cada vez ficam mais abrangentes os fios invisíveis que se multiplicam entrelaçando consciências, perguntas, desejos (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p. 68).
A estrutura do Twitter é, em termos, bastante simples. O Twitter permite que um usuário, A, “siga” atualizações de outros membros que são adicionados como “amigos”. Um indivíduo que é não é um amigo do usuário A, mas “segue” suas atualizações é conhecido como um “seguidor”. Assim, as amizades podem ser recíprocas ou mão única (JAVA et. al, 2007). A marca do programa é o ritmo. A velocidade em que são transmitidas as mensagens e aumentada a lista de seguidores de um perfil são espetaculares. (LEMOS, 2008, p.7). A popularidade da ferramenta no Brasil é expressiva. O Twitter obteve, no país, seu maior crescimento em número de usuários em 2016, segundo a publicação do
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jornal Folha de São Paulo, em 23 de fevereiro de 201723. A publicação traz dados de Fiamma Zarife, executiva que assumiu em janeiro de 2017 o posto de diretora geral da plataforma no Brasil . Os dados por Zarife publicados mostram que o número de pessoas que usam o serviço ao menos uma vez ao mês avançou cerca de 18% no país, em comparação ao último trimestre de 2016 e o mesmo período de 2015. A receita da empresa cresceu 30% no Brasil durante o ano de 2016; e mesmo em período de crise econômica brasileira, o avanço da receita no país foi mais expressiva do que a média global, onde o crescimento foi de apenas 14%. A rede teve uma média de crescimento global de 4%, alcançando a marca de 319 milhões de usuários ativos por mês. Contudo, o Twitter não revela o número atual de brasileiros ativos no serviço. O uso do Twitter como mero apêndice midiático para circulação de conteúdo de mídias de massa é responsável pela grande maioria do seu fluxo informacional, juntamente com seu uso meramente recreacional, ou apenas como diário pessoal. Esses usos são próprios a uma comunidade específica dento da ecologia cultural do Twitter, comunidade essa que se caracteriza pelo interesse compartilhado pelo entretenimento popular de massa. É evidente que o perfil intelectual do usuário irá determinar o tipo e a qualidade das relações e interações sociais que sucedem via Twitter (LEMOS; SANTAELLA, 2010, p. 117).
No Twitter, as principais características que lhe qualificam como uma inteligência coletiva são os seus fatores internos de interação: •
MENÇÕES E REPLIES24 : dentro do Twitter há como direcionar uma mensagem em modo público a um usuário específico. Ao inserir o caractere @ (arroba) antes do(s) nome(s) de usuário, este tweet se transforma em um link e o torna direcional a um usuário específico, mesmo que ainda este seja um tweet público. As menções criam uma conversa direta com o usuário marcado (este que sempre recebe uma notificação quando seu user é citado), e as respostas para esse tweet são conhecidas como replies. Dessa forma, o Twitter se transforma em um fórum aberto e integrador, uma vez que não há necessidade de seguir ou ser seguido por alguém para iniciar uma conversa.
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RETWEETS25 : constituído como uma prática comum no Twitter, os retweets (conhecimentos também como RTs), consistem em repetir ou repercutir um tweet que o usuário considere relevante de ser transmitido. Os retweets são feitos através de uma ferramenta semelhante “compartilhar” do Facebook, botão que selecionamos e que pode gerar tanto um retweet automático, ou um retweet com seus pensamentos sobre aquilo que está sendo compartilhado. Esta característica facilita a criação de vínculos, laços, aumentarem a
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relevância do conteúdo compartilhado, agregando um capital social ao tweet e, também, ao criador daquele conteúdo. •
CURTIDAS26: assim como o RTs, as curtidas são uma prática comum no Twitter. As curtidas são usadas para mostrar um apreço a determinado conteúdo postado dentro da rede social, mas que o usuário não demonstre relevante em ser transmito a partir do retweet. A curtida é representada por um pequeno coração que se torna vermelho quando você o aperta, confirmando que você curtiu o tweet em questão.
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HASHTAGS27: é possível, no Twitter, usar algumas tags para gerar uma categorização de tweets e facilitar sua localização na timeline para os usuários. A hashtag é uma ferramenta importante para usuários do Twitter, porque elas são uma maneira de adicionar contexto e metadatados para os seus tweets - basta prefixar uma palavra com o símbolo de hash (#). É uma maneira para que outros usuários encontrem informações sobre uma palavra-chave, mesmo que eles não sigam você ainda (TELLES, 2011).
•
TRENDING TOPICS28: em tradução ao pé-da-letra, Trending Topic (TT) é tópico em tendência. O termo usado na versão em português, “assuntos do Momento”, explica melhor o conceito. Quando alguém diz que tal assunto é o Trending Topic da semana, isto quer dizer que o número de tweets com uma hashtag ou palavra (s) relacionada (s) a este tópico tem sido disseminada por um vasto número de pessoas num determinado período. Quando isso acontece, o assunto entra para um ranking do Twitter de assuntos mais populares e se torna um Trending Topic. Tal ferramenta é uma via de mão dupla, uma vez que pode demonstrar os assuntos mais relevantes do momento, ela pode tendenciar e pautar os futuros tweets dos usuários.
A estrutura do Twitter, e todas suas características que a qualificam como uma inteligência coletiva, são potencializadas através da expansão da infraestrutura de tecnologias móveis digitais e conexões sem fio como Wi-Fi, devido a mobilidade social e as formas comunicacionais que passam por importantes transformações na atual fase da sociedade da informação (LEMOS, 2007). As relações entre pessoas estão sendo transformadas pelas tecnologias sem fio, criando novas formas de mobilidade e fazendo com que uma conversa indireta aconteça na plataforma, de modo imediato, sobre qualquer assunto. Para Telles (2010, p. 66) o timing é essencial. O Twitter não é um monólogo, e sim um diálogo – torne-se parte da comunidade
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junto com seus seguidores. E os seus seguidores te conhecerão de carne e osso: o Twitter é uma ferramenta de comunicação pessoal. Uma vez traçado as características e as noções sobre testemunho e redes sociais, é importante chegarmos na noção de testemunhos nas redes sociais, visando nosso recorte principal: o Twitter. Segundo Penna (2003, apud Ginzburg 2008), testemunho não pode ser entendido a partir da categoria do realismo, pois tem como vocação mais essencial a sua exterioridade com relação à imitação (...) Todo o problema da referencialidade, que o testemunho divide com o realismo, será recolocado em termos de uma prática dos movimentos sociais, na qual a forma literária estaria inscrita”. Diante a presente citação, para a nossa compreensão, em particular, é preciso considerar onde ocorrem os testemunhos e as especificidades do meio, quem fala, para quem fala e com qual objetivo. Garcêz (2008, p. 74) explica: Considerando que pretendemos verificar como os testemunhos revelam premissas de bem viver em uma luta por reconhecimento, logo, é evidente que eles são politicamente orientados e devem funcionar como um meio de defender pontos de vista. Dessa maneira, entendemos que os testemunhos são relatos de experiências de vida, experimentadas pelos próprios sujeitos que contam suas histórias e que são ao mesmo tempo narradores e protagonistas delas. Podemos também considerar aqueles depoimentos em que a vida do narrador foi diretamente afetada por algo que ele presenciou, afinal, ele não apenas viu, mas experimentou aquela situação.
A noção de testemunho nas redes sociais, então, parte do pressuposto que o testemunho é exterior ao real, ou seja, ela se baseia em um acontecimento passado para testemunhar em forma literária o que aconteceu (imitação).
NOTAS 13. SELIGMANN-SILVA. Testemunho e a política da memória: o tempo depois das catástrofes. Disponível em: < https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2255/1348>. Acesso em: 27 nov. 2017. 14. CASSIMO, Soraia M. V.; Trauma e dissociação de vítimas de violência doméstica. Disponível em: <http://repositorio.ismt.pt/handle/123456789/258>. Acesso em: 09 abr. 2018 15. WWW refere-se à chamada World Wide Web, criada em 1989 pelo cientista Tim Bemers-Lee. É um espaço de informação onde os documentos e outros recursos da Web são identificados por Uniform Resource Locators (URLs), interligados por links de hipertexto e podem ser acessados pela Internet. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/World_Wide_Web>. Acesso em: 25 nov. 2017. 16. SABINO, João. Web 3.0 e Web Semântica – do que se trata? Disponível em: <http://www. cin.ufpe.br/~hsp/Microsoft-web.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2018.
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17. DALMORO, M; FLECK, J.P.; et al. Twitter: uma análise do consumo, interação e compartilhamento na web 2.0. Disponível em: <http://www. anpad.org.br/admin/pdf/mkt1367.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2018 18. BRESSAN, Renato Teixeira. Dilemas da rede: web 2.0, conceitos, tecnologias e modificações. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/ papers/nacionais/2007/resumos/R0555-1.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2018 19. Twitter. Disponível em: <http://www.twitter.com>. 20. “In depth look inside the Twitter world”, junho de 2009. Disponível em <www.sysomon.com/insidetwitter>. 21. A descrição final presente na citação, no entanto, já apresenta estar datada. Em 26 de setembro de 2017, o número de caracteres dobrou de 140 para 280. Disponível em:<www.meioemensagem.com.br/home/midia/2017/09/26/ agora-e-oficial-twitter-comeca-a-testar-280-caracteres.html> Acesso em: 20 nov. 2017. 22. OLIVEIRA, Felipe. Brasil tem o 3º maior crescimento do Twitter em número de usuários. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com. br/tec/2017/02/1861175-numero-de-usuarios-do-twitter-no-brasil-cresce18-em-2016.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2017. 23. Fiamma Zarife é nomeada Diretora Geral do Twitter no Brasil. Disponível em: <https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/twitter-nomeiafiamma-zarife-como-diretora-geral- no-brasil.ghtml>. Acesso em: 20 nov. 2017. 24. Sobre respostas e menções. Help Twitter. Disponível em: <https://help. twitter.com/pt/using-twitter/mentions-and-replies>. Acesso em: 28 out. 2017. 25. Perguntas frequetes sobre Retweets. Help Twitter. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/using-twitter/retweet-faqs>. Acesso em: 28 out. 2017. 26. Como curtir um Tweet ou um Momento. Help Twitter. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/using-twitter/liking-tweets-and-moments>. Acesso em: Acesso em: 28 out. 2017. 27. TELLES, André. A revolução das mídias sociais. Cases, conceitos, dicas e ferramentas. 2. ed. São Paulo: M. Books do Brasil, 2010. 28. COELHO, Mauricio. O que são e como funcionam os Trending Topics. Disponível em: <http://tecnologia.ig.com.br/o-que-sao-e-como-funcionamos-trending-topics/n1597175643026.html>. Acesso em: 28. out. 2017
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I
P ROC ESSOS M ETO DO LO G ICOS
P
ara determinar os procedimentos metodológicos utilizados neste artigo, é preciso recuperar o objetivo geral: entender wcomo o Twitter foi utilizado como ferramenta de testemunho pessoal durante a campanha #PrimeiroAssedio no Brasil.
Com o objeto empírico e o tema de pesquisa delimitados, desenvolveu-se uma pesquisa descritiva que foi o suporte para elucidar os objetivos específicos e a pergunta norteadora deste artigo. Segundo Gil (2008, p.28), “ pesquisas descritivas têm como objetivo primordial à descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis” . Portanto, para iniciar o desenvolvimento da pesquisa descritiva, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que permitiu identificar conceitos fundamentais para melhor entendimento do tema. A identificação, nuances e significação do testemunho; estudos sobre as redes sociais; contextualização e caracterização do Twitter como uma rede social; e análise do surgimento da hashtag #PrimerioAssedio e seu impacto no Twitter foram um dos conceitos estudados para elucidação do artigo. Por conseguinte, a pesquisa feita possui caráter exploratório por analisar e interpretar dados já existentes: a identificação da noção de testemunho com Seligmann-Silva (2006) e Ginzburg (2008); os estudos sobre redes sociais e Twitter com Recuero (2009) e Lemos e Santaella (2010); e na consciência do testemunho nas redes sociais a partir de Garcês (2008).
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Pesquisas quantitativas e páginas da internet também serviram de suporte para maior conhecimento do objeto de estudo, que buscou esclarecer o surgimento de campanha #PrimeiroAssedio e seu impacto, através do site Think Olga. Através destas páginas, foi-se esclarecido, em números, dados secundários primordiais para o estudo inicial da campanha. Para analisar mais a fundo o objeto de estudo deste artigo, e responder à pergunta norteadora desta pesquisa, foram feitas análises de tweets que tem como objetivo correlacionar a #PrimeiroAssedio com a noção de testemunho. Os tweets analisados foram escolhidos a partir de uma seleção pré-estabelecida nos seguintes critérios: a) ter sido publicado durante as primeiras 24 horas da criação da hashtag
no Brasil; b) ser publicado em língua portuguesa; c) ser publicado por um usuário brasileiro; e d) estar inserida na dinâmica da hashtag #PrimeiroAssedio. A busca dos tweets foi feita a partir da ferramenta “Busca Avançada”29 do próprio Twitter. As especificações da pesquisa foram colocadas em camadas para tornar a pesquisa avançada de tweets o mais específica e personalizada possível, assim como mostra a figura 01 acima Este método metodológico foi escolhido pois no Twitter, centenas de milhões de tweets são postados por dia, e muitos oferecem uma quantidade inexpressiva de conteúdo interessante; isso significa que houve a necessidade de uma filtragem extra para encontrarmos os tweets sobre a campanha #PrimeiroAssedio de forma mais específica. Logo, os milhares de conteúdos diários
FIGURA 01: Busca Avançada Twitter
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da rede social foram filtrados para encontramos a especificidade que procuramos: os tweets postados dentro da hashtag #PrimeiroAssedio nas primeiras 24 horas de sua criação. A seleção dos tweets foi feita de maneira aleatória dentro do resultado obtido a partir da Busca Avançada; e partir da seleção pré-estabelecida, os tweets que se encaixavam nos termos definidos anteriormente foram selecionados para análise. Foram selecionados um total de 15 tweets para a análise.
•
Para o estudo do conteúdo dos tweets, foi aplicada uma metodologia determinada que buscasse entender e identificar a repercussão dos tweets selecionados para análise. Para isso, dividimos os tweets em dois grupos básicos:
•
•
•
TWEETS CONVERSACIONAIS DIRETOS OU INDIRETOS30: os tweets conversacionais
diretos são aqueles que estabelecem uma conversação e são direcionados a um usuário ou grupo de usuários específicos, mediante o uso de uma ou mais arrobas (@); já os tweets conversacionais indiretos são aqueles tweets que não se dirigem a um interlocutor específico, mas ao conjunto de usuários (como uma pergunta, por exemplo) que se comunicam através das replies e retweets; TWEETS NÃO-CONVERSACIONAIS: aqueles que não estabelecem uma conversação, mas visam apenas a testemunhar o fato, um acontecimento ou transmitir uma informação em sentido unilateral e com linguagem impessoal.
Além da análise de tweets em seu âmbito conversacional, a análise também seguiu um roteiro pré-determinado a fim de identificar os seguintes pontos: • •
Data e hora da publicação do tweet; Descrição do tweet e identificação da vítima (quando possível);
• • •
A caracterização do testemunho através dos seguintes recursos: citação de um caso pessoal de assédio e/ou identificação de traumas psicológicos após o assédio; A citação do nome ou referência ao assediador; A citação de um usuário e/ou uma terceira pessoa no tweet como testemunha da denúncia; A repercussão dos tweets via retweets, curtidas e replies; A percepção da utilização de palavras-chaves nos tweets analisados, através da criação de uma nuvem de palavras e análise morfológica destas palavras.
A fim de complementar a análise do objeto de estudo, a última etapa metodológica do presente artigo se constitui na construção de uma nuvem de palavras para a percepção de utilização de palavras-chaves através dos tweets analisados. Para a construção da nuvem de palavras, com o objetivo de eliminar possíveis ruídos dentro da nuvem após a análises dos tweets, estipulamos parâmetros centrais para a confecção nuvem: a) redigitação da fala coloquial e palavras abreviadas (p/, vc, qnd, apê) para sua forma formal (para, você, quando, apartamento); b) remoção de artigos, conjunções e palavras comuns em português (a/o, por, para, que, em, no, um, uma...); c) utilização de layout horizontal; e d) a utilização de paleta de cores em tons de azul com ligeira variação em sua tonalidade. Com a criação da nuvem, e partir de uma análise qualitativa das palavras por ela composta, a visualização de dados tem como objetivo apresentar, de uma forma resumida, dados sobre os tweets analisados. Portanto, para fim de análise da nuvem de palavras, obtemos duas possibilidades de destaque: 1) palavras relevantes, visualmente apresentadas pelo maior destaque na nuvem de palavras; e 2) palavras sem resultado relevante, visualmente apresentadas sem destaque na nuvem de palavras.
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Todos esses esforços reunidos foram aplicados com o objetivo de entender como houve a utilização do Twitter como uma plataforma de testemunho pessoal e, ao mesmo tempo, de denúncia no Brasil.
NOTAS 29. Busca Avançada do Twitter. Disponível em <https://twitter.com/searchadvanced>. Acesso em: 15 maio 2018. 30. RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela. Em busca das “redes sociais que importam”: redes sociais e o capital social do Twitter. Disponível em: <https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2014/05/Em-buscadas-%E2%80%9Credes-que-importam%E2%80%9D.pdf>. Acesso em: 15 maio 2018.
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I
A NA L IS E D E DA DOS
C
om o objetivo de analisar o Twitter como uma plataforma testemunhal, com foco no estudo de caso sobre a hashtag #PrimeiroAssedio, campanha criada pelo coletivo feminista Think Olga contra o assédio/abuso sexual no Brasil, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a definição e as nuances do testemunho, um estudo sobre o Twitter como uma plataforma online de comunicação e das redes sociais, a estruturação de web 2.0 e um breve apontamento dos testemunhos nas redes sociais. Os resultados alcançados desse estudo podem ser observados na fundamentação teórica deste artigo. Em vista de analisar o Twitter como uma plataforma testemunhal, foram selecionados e analisados alguns tweets publicados entre 18h35min de 21 de outubro de 2015 até às 18h34min do dia 22 de outubro de 2015. Os tweets selecionados para análise foram escolhidos às 21h45min, do dia 19 de maio de 2018, a partir de uma definição pré-estabelecida assim como exposta na metodologia deste artigo. Para uma melhor organização e apresentação dos resultados, este módulo será dividido em dois tópicos. Inicialmente abordaremos uma análise dos principais tweets selecionados a partir do roteiro pré-estabelecido na metodologia e, por fim, a percepção da utilização de palavras-chaves nos tweets analisados e a análise morfológica destas palavras, através da criação de uma nuvem de palavras.
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1.
ANÁLISE DE TWEETS:
Ao começarmos a análise dos dados selecionados, é necessário destacarmos alguns tópicos importantes: a partir da seleção de tweets feita no dia 19 de maio de 2018, através da ferramenta Busca Avançada do Twitter, foram selecionados e resgatados 13 principais tweets que se destacaram aos olhos do pesquisador dentro do resultado obtido. A seleção, apesar de aleatória, seguiu na identificação do teor das histórias compartilhadas; na diferenciação dos acontecimentos descritos pelos usuários; a partir do horário das postagens; e na diferenciação do número de retweets, replies e curtidas dos tweets. Para organizarmos os tweets selecionados, foi criada uma tabela síntese do conteúdo das postagens para que a obtenção dos resultados e análise final destes se tornasse mais contundente, organizada e eficaz, conforme é possível verificar no “APÊNDICE B” deste artigo. Após a criação desta tabela síntese, os tweets foram analisados.
FIGURA 02: Captura de tweet da usuária PM A partir da Figura 02 (captura de tweet da usuária PM), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 19:38h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 10 anos de idade, dentro de casa, por um tio que além de assediá-la, a fez propostas, que podemos interpretar como propostas de cunho sexual; a usuária nunca mencionou o acontecido para família, pois tinha medo de ser culpada. Identificamos a usuária como mulher, escritora e com 29 anos de idade, a partir de seu perfil no Twitter. Podemos observar um caso pessoal de assédio sexual a partir da identificação do uso da 1ª pessoa do discurso, o uso do pronome oblíquo (me) e a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (assediou, morou, comentei), resgatando, então, a recordação de tragédia, uma vez que a história exposta ocorreu anteriormente ao momento de fala. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha, mas a usuária fez menção ao assediador: um membro de
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família. O silêncio da vítima e o medo de ser culpada diante ao assédio demonstra um trauma causado pelo acontecido. O tweet foi retweetado 92 vezes, curtido 269 vezes e obteve 04 replies. A alta taxa de compartilhamento e curtidas do tweet demonstra uma grande taxa de relevância do tweet para outros usuários, e os replies demonstram uma continuação de conversa iniciada no testemunho de usuária. O tweet se demonstra ser conversacional indireto, por não se dirigir a um interlocutor específico através da citação de um outro usuário, e sim ao conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets.
FIGURA 03: Captura de tweet da usuária MR Em relação a Figura 03 (captura de tweet da usuária MR), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 19:44h. Podemos identificar a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Em seu tweet, a usuária descreve que foi assediada aos 11 anos de idade, dentro de uma instituição de estudo, por dois colegas mais velhos de escola. Ao denunciar os colegas à diretoria da faculdade, a diretora da escola culpou a vítima do assédio, dizendo que a mesma deu motivo para o ato. Podemos observar um caso pessoal de assédio sexual a partir da identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), e a partir de identificação dos verbos no pretérito perfeito do indicativo (fui, dei) e um verbo no particípio passado (agarrada). O nome dos assediadores não foi explanado pela usuária, apenas identificou-os como colegas mais velhos. Não há citação de outras testemunhas. O tweet foi retweetado 196 vezes, curtido 263 vezes e obteve 08 replies. A alta taxa de compartilhamento e curtida do tweet demonstra uma grande taxa de relevância do tweet para outros usuários, os replies demonstram uma continuação de conversa iniciada no testemunho do tweet. O tweet se demonstra ser conversacional indireto, por não se dirigir a um interlocutor específico através de citação de um outro usuário, e sim ao conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets.
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FIGURA 04: Captura de tweet da usuária NT Pela Figura 04 (captura de tweet de usuária NT) podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 19:50h. A partir do texto descrito na imagem, podemos perceber que a usuária foi assediada aos 7 anos enquanto brincava na rua com suas amigas; um homem do mesmo bairro que a usuária se masturbou enquanto observava ela e suas vizinhas amigas. As crianças correram ao perceberem a situação. Podemos identificar a usuária como mulher, de 23 anos e taróloga, segundo sua descrição no Twitter. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha por parte de vítima, nem a menção de seu assediador, apenas o identificou como um homem do bairro. Podemos, contudo, observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (masturbou) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. O tweet foi retweetado 45 vezes e curtidas 82 vezes; não houve replies. A taxa de compartilhamento e curtidas do tweet demonstra uma grande taxa de relevância do mesmo para outros usuários. O tweet se demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, visa apenas testemunhar o acontecimento.
FIGURA 05: Captura de tweet da usuária CE
A partir da Figura 05 (captura de tweet do usuário CE), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2016, às 21:46h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que o usuário foi assediado aos 8 anos por um membro de família; seu primo desabotoou suas calças e passou a mão em seu corpo. Com medo, o usuário se escondeu por um dia no banheiro. Não há como identificarmos a vítima através de seu perfil no Twitter. Podemos, contudo, observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), o uso do pronome oblíquo tônico (mim) e a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (chegou e escondi) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha, mas a usuária fez menção ao assediador: um membro de família. O usuário, por se esconder no banheiro após o assédio, demonstrou um trauma psicológico associado ao ato do assédio, o que implica em um resgate traumático por meio do testemunho. O tweet não obteve muita repercussão, foi retweetado apenas 06 vezes e curtido 05 vezes; não houve replies. O tweet, dentro de análise, se demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, e visa apenas expor o acontecido.
FIGURA 06: Captura de tweet da usuária TS Pela Figura 06 (captura de tweet de usuária TS) podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 23:35h. A partir do texto descrito na imagem, podemos perceber que a usuária ainda não consegue compartilhar a história do seu primeiro assédio; a usuária afirma que ainda evita de pensar sobre o acontecido, pois ao pensar, desperta nela a vontade de morrer. Podemos identificar a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Não podemos observar o tweet como um caso pessoal de assédio sexual, pois não há o resgate ou o testemunho do acontecido. No entanto, a usuária deixa implícito que o assédio sexual aconteceu com ela mesmo, através do uso do pronome oblíquo átono (me) e pelo uso do pronome possessivo (meu) em seu
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discurso. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha por parte de vítima, nem a menção de seu assediador. A vítima demonstra ainda possuir um grande trauma do seu primeiro assédio; trauma que ainda a afeta psicologicamente, uma vez que apenas o pensamento do assédio a causa a usuária pensamentos negativos, o que faz ela tentar não pensar sobre o acontecido. O tweet foi retweetado 23 vezes e curtido 11 vezes; não obteve replies. O tweet se demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, visa apenas narrar o acontecido.
FIGURA 07: Captura de tweet da usuária NL A partir da Figura 07 (captura de tweet de usuária NL), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 22 de outubro de 2015, às 10:23h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 11 anos de idade, enquanto voltava de ônibus da escola com sua amiga. Durante o caminho de volta, um homem colocou o pênis para fora e começou a masturbar para elas. As crianças saíram correndo após ver a cena. Identificamos a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Contudo, podemos observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (mostrou, masturbou) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. Houve a menção de outra testemunha, mas a usuária não fez menção ao assediador. O medo de andar de ônibus sozinha, medo que perpetua até os dias atuais, demonstra um trauma causado pelo acontecido. O tweet foi retweetado 40 vezes, curtido 143 vezes e obteve 06 replies. A alta taxa de compartilhamento e curtidas do tweet demonstra uma grande taxa de relevância do tweet para outros usuários, e os replies demonstram uma continuação de conversa iniciada no testemunho de usuária. O tweet se demonstra ser conversacional direto, por estabelecer uma conversação direta com um interagente específico mediante o uso de um outro usuário na conversa. O tweet
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também se demonstra conversacional indireto por também interagir com o conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets. Os demais tweets analisados se encontram no “APÊNDICE A” deste artigo. 1. 2. NUVEM DE PALAVRAS: 3. A nuvem de palavras utilizada foi baseada a partir do monitoramento de tweets (ou baseados em queries31). A partir das hashtags, conseguimos obter um sistema de agrupamento de mensagens que permite analisarmos os usuários da rede social a partir de um conteúdo específico e segmentado. É uma completa e complexa rede de conversa indireta, que oferece um vislumbre dos assuntos importantes para as pessoas e o mundo em um dado momento. A hashtag #PrimeiroAssedio foi retirada da análise de palavras-chaves, envolvida na query em questão, porque ela foi a palavra-chave utilizada para chegarmos aos tweets selecionados, o que a torna uma palavra óbvia e que estará em todas as unidades de texto (menções). Portanto esta foi retirada, para não prejudicar a clareza na visualização das demais. Após a transcrição dos tweets selecionados e readequação do texto para retirar palavras abreviadas não reconhecidas pelo software de criação da nuvem de palavras, aos parâmetros estipulados pelo site, geramos a nuvem de palavras no site Word Clouds32. O recurso foi utilizado, principalmente, pois pudemos vislumbrar imediatamente os termos mais comuns, palavras-chaves, dos tweets analisados neste artigo. A utilização da nuvem de palavras permitiu, através dos destaques das palavras, observar parâmetros importantes dos tweets selecionados para compreendermos o Twitter como uma plataforma de testemunho pessoal. Resgatando o significado de testemunho, Seligmann-Silva (2006) concebe que o testemunho se baseariam naquele alguém que participou de alguma situação – geralmente tragédias – e que sobreviveu a ela. Seu testemunho se baseia nas recordações da tragédia, e baseada não apenas naquilo que presenciou, mas naquilo que sentiu.
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FIGURA 08: Nuvem de palavras
Diante o resgate do significado de testemunho, e no contexto deste artigo aplicado às redes sociais, e consequentemente, à hashtag #PrimeiroAssedio, podemos observar na figura 08 (nuvem de palavras), palavras de destaque indicando verbos no pretérito perfeito do indicativo (começou, mostrou, estava, passou) e o destaque do verbo no pretérito imperfeito do indicativo (tinha) indicam que o ato mencionado no decorrer do testemunho através do tweet ocorreu antes do momento da fala. O tempo verbal pretérito perfeito do indicativo é usado para indicar uma ação que ocorreu num determinado momento do passado. Já o tempo verbal pretérito imperfeito do indicativo se refere a um fato ocorrido no passado, mas que não foi completamente terminado; expressando, assim, uma ideia de continuidade e de duração no tempo, podendo conferir um caráter mais sólido a pedidos ou afirmação. Portanto, as palavras acima mencionadas que estão em destaque dentro de nuvem de palavras confirmam um resgate a algum acontecimento passado, confirmando o
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ato testemunhal como um resgate do trauma seguindo os verbos no pretérito perfeito, enquanto o verbo no pretérito imperfeito demonstra o testemunho como a necessidade de narrar o que foi vivido, e por outro, a percepção de que a linguagem é insuficiente para dar conta do que ocorreu. Aqui, a linguagem é percebida como traço indicativo de uma lacuna, de uma ausência, assim como é mencionado por Seligmann-Silva (2006) na fundamentação teórica deste artigo. É importante, também, ressaltar que os substantivos (bunda, cara, ônibus, homem, pênis, tio, primo, escola, praia, anos, mão), os verbos no infinito (masturbar, reclamar, passar, correr, fugir, gritar), os pronomes pessoais oblíquos (me, mim) e os pronomes possessivos (minha) demonstram recordações das ações, locais e pessoas de onde, como e por quem o assédio foi cometido. Enquanto os adjetivos e as ações como (medo, mal, choque) são palavras que demonstram o estado da vítima durante o ato do assédio, dado que, como citado por Ourique e Pedrozo (2016, p. 208): silenciar-se diante das tragédias e do descaso para com o humano é abrir mão de efetivar o próprio pertencimento no mundo e, consequentemente, assumir os riscos de ser sucumbido por produções acríticas ou de ser diretamente vítima das barbáries cotidianas. Essa citação demonstra a importância em se destacar as opressões vividas pelos usuários no ato de seu testemunho relembrando as ações, locais e pessoas onde isso foi cometido, porque isso significa assumir uma posição contrária às barbaridades diárias, e mostra uma vontade de não se calar à pressão social do assédio sexual. As demais palavras não destacadas dentro das nuvens, apesar de não obterem uma relevância como palavras-chaves para a análise, ainda demonstram características do assédio sofrido pelos usuários. Palavras como “gritamos, corremos, fugi” que indicam uma ação tomada pelo usuário que sofreu o assédio, ou palavras como “suja, medo, sozinha” que indicam o estado de espírito do usuário durante ou após o acontecido, tornam o testemunho destas pessoas relevantes, mesmo que não tenham sido identificadas como palavras-chaves. Por isso indentificamos que para as vítimas do trauma, aqui representado pelos usuários do Twitter, e por consequência, de seu testemunho em forma de tweets, é preciso compreender que nestas situações o real descrito é entendido como traumático. O trauma resiste à representação, e por isso é redimensionada a apropriação do termo literatura pelo discurso crítico; e quando se trata de testemunho: trata-se de dar voz a vítimas do impacto do trauma, e também apresentar uma posição, campo de conflitos históricos. E nesse contexto, o testemunho é necessário, em contextos políticos e sociais em que a violência histórica foi muito forte, desempenhando papel decisivo na constituição das instituições. E coube, assim como cita Ginzburg (2006) unicamente aos usuários o poder de falar e, mais do que isso, coube a eles sua própria forma de fazê-lo, de uma forma potencializada pela hashtag #PrimeiroAssedio e pela campanha do coletivo feminista Think Olga.
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NOTAS 31. Queries são consultas/pesquisas. Significa que, no manuseio de banco de dados, a procura de registros que respondam uma questão específica sobre dados armazenados em uma fonte, e que podem ser exibidos e editados num formulário, impressos num relatório, isolados num grupo de células da planilha. No contexto do artigo, os queries correspondem aos tweets analisados, e sua exibição se encontra na nuvem de palavras. 32. Word Cloud. Disponível em: <https://www.wordclouds.com/>.
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CO NS I D E RACO ES
F I NA IS
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ste artigo teve como objetivo entender como a Twitter foi utilizado como ferramenta de testemunho pessoal durante a campanha #PrimeiroAssedio no Brasil, criada pelo coletivo Think Olga após o assédio sexual sofrido por uma das participantes do programa MasterChef Junior nas redes sociais. No intuito de colaborar com o mercado publicitário através de pesquisas bibliográficas e análise de conteúdo, foi possível compreender características e conceitos sobre redes sociais, testemunhos e especialmente do Twitter como uma plataforma multifacetada e, também, como plataforma para testemunhos pessoais a partir de sua ressignificação dentro da campanha Primeiro Assédio. A compreensão do Twitter como uma plataforma de comunicação, uma mídia social, tornou-se essencial para que a análise da campanha desenvolvida pelo coletivo Think Olga pudesse acontecer. Como vimos, Recuero (2009) relata as redes sociais como agrupamentos complexos instituídos por interações sociais apoiadas em tecnologias digitais de comunicação, que são apoiadas pelas conexões que constituem laços sociais e que, por sua vez, são formados através da interação entre os atores sociais desta plataforma (usuários). Pelo Twitter assumir características de uma rede social, isso demonstra que este tipo de plataforma/mídia vem redefinindo a forma como as pessoas relacionam-se entre si, e na maneira como estas se relacionam com o ambiente onde estão inseridas. O usuário, que até então era limitado para criar/compartilhar conteúdos passou a ser o principal gerador de informações desse meio a partir do advento
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dos estágios da internet, especificamente da web 2.0. As características da web 2.0 permitiu que os usuários do Twitter gerassem um valor próprio, e mais do que isso, permitiu que estes criassem uma apropriação exclusiva desta ferramenta, uma vez que o que acontece dentro do Twitter é caracterizado exclusivamente pela maneira como o usuário decide utilizar a plataforma. A pergunta que norteia o Twitter “O que está acontecendo?” acoplado às características da web 2.0, faz com o que o usuário vá além daquilo que está acontecendo no momento, e transforme uma simples mensagem (postada ou replicada) em conteúdo exclusivo, significativo e com características identitárias dentro da plataforma. A função da rede social e da sua multiplicidade de formatos, dado que o conteúdo é gerado pelos próprios usuários, nos permite analisar e compreender um pouco mais, também, sobre as complexidades do usuário em seu âmbito singular. Através das análises aplicadas, dentro da campanha criada pela Think Olga, e posteriormente exemplificadas neste trabalho, pôde ser percebido que há uma necessidade em se compreender o usuário como uma pessoa singular. A projeção do público-alvo como uma unidade unificada e igual, assim como era feita alguns anos atrás pela publicidade, se torna decadente. Isso porque as relações entre o particular e o universal, entre o micro e o macro, são complexas em seu sentido e requer muito mais do que apenas a identificação demográfica ou em número destes usuários. Mediante análises de tweets realizados da campanha selecionada como objeto empírico, pudemos perceber que cerca de 84% dos tweets selecionados para a análise específica, dentro da amostragem total (100%) de tweets analisados, demonstraram possuir cunho testemunhal. Para chegarmos neste resultado, realizamos uma análise morfológica dos tweets selecionados para chegarmos ao resultado final proposto por este artigo. Com a análise morfológica das palavras presentes na nuvem de palavras criada, observamos a estrutura e a classificação das palavras em função dos depoimentos dos usuários do Twitter. Conseguimos compreender e observar o uso de palavras chaves, principalmente entre verbos e substantivos, que caracterizavam o testemunho. A utilização de verbos (principalmente no pretérito perfeito do indicativo que indicam uma ação acontecida no passado) e a utilização de substantivos e adjetivos (que qualificam os locais e o modo como o assédio aconteceu) pelos usuários nos ajudaram a compreender tais depoimentos como testemunhos. A fundamentação teórica construída acerca da noção do que são testemunhos por Seligmann-Silva, Jaime Ginzburg e Regiane Garcez, nos ajudaram a confirmar os depoimentos dos usuários através dos tweets como testemunhais. Por meio dos relatos recolhidos, e sua relação com a teoria apresentada, percebemos que estes relatos são elementos importantes para a compreensão das opressões de nosso tempo, tratando da memória como um necessário movimento empático que se potencializou a partir da campanha criada pelo coletivo Thinks Olga; e entendemos que existe algo muito poderoso em se descobrir vítima.
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Com este estudo, pudemos também comprovar que o saber do testemunho não depende apenas da evocação de relatos ou da bem-sucedida instrumentalização do usuário sobre os fatos acontecidos em seu passado. Como cita Ourique e Pedroso (2016) “o testemunho desse usuário não está ancorado apenas na instância da subjetividade dele. O seu “fazer algo acontecer”, em certo “testemunhar” dentro da plataforma do Twitter, perpassa o âmbito das relações entre os vários sujeitos humanos”. Conseguimos observar através deste artigo que o poder do testemunho se encontra exclusivamente na testemunha, e parte dela estritamente definir seus próprios modos de fazê-lo. O Twitter, então, foi utilizado como uma plataforma de testemunho pessoal a partir da ressignificação desta plataforma através das características somadas entre a rede social, o ato de testemunhar e as habilidades específicas que a web 2.0 proporcionou dentro do ciberespaço, mescladas à campanha criada pelo coletivo feminista Think Olga e ao entendimento do usuário como o único responsável pelo ato de contestar e testemunhar sobre seu passado. No que diz respeito às limitações do presente estudo, destaca-se que, mediante a abordagem metodológica escolhida, e também à fundamentação teórica estruturada, os resultados deste estudo não permitem ultrapassar e aplicar às demais mídias sociais tais como para o Facebook ou Instagram. É importante entender a relevância dos usuários diante às dinâmicas de outras redes sociais e seu comportamento em âmbito político-social, o que pode levar o presente estudo adiante, extrapolando os limites traçados exclusivamente ao Twitter. Ter iniciado a compreensão do comportamento dos usuários das redes sociais, neste caso no Twitter, possui um grande peso e consistência para o campo comunicacional, principalmente para a publicidade. O entendimento da relação “usuário vs plataforma digital” pode levar a uma mudança estrutural e objetiva do planejamento e estratégias de campanha, especialmente quando falamos de segmentação e estratégia de comunicação de mensagem. O estudo do público-alvo é uma das principais funções do campo publicitário, e analisar o comportamento do consumidor que vem se mostrando dinâmico e mutável desde o início do novo milênio e da chegada dos meios digitais, é de grande importância. As junções desses motivos caracterizam, de forma clara, características imprescindíveis para um bom resultado na publicidade. A busca de informações, principalmente sobre o compartilhamento de experiências pessoais em forma de testemunhos é de grande importância para este trabalho; justamente por serem experiências individuais e únicas que atualmente dividem seu espaço e importância em um contexto político-social. Por fim, acredita-se que a partir deste estudo, novas pesquisas possam ser estimuladas, tanto visando a novas abordagens sobre o consumo do Twitter, utilizando outras abordagens teóricas e metodológicas, quanto realizando estudos sobre outras mídias sociais. A elaboração de um trabalho, com o estudo voltado à análise crítica das plataformas digitais e suas funcionalidades e as interações dos usuários nas redes sociais com esta plataforma, se torna importante para a Publicidade. Assim, os futuros profissionais da área têm a oportunidade de desenvolver habilidades específicas de atuação.
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REFERENCIAS
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A P EN D IC E A Os tweets selecionados para integrar a seção de análise de dados deste artigo foram escolhidos de forma aleatória. Contudo, para a análise final do artigo todos os tweets selecionados, inclusive os presente neste apêndice, foram utilizados.
FIGURA 10: Captura de tweet da usuária AL A partir da Figura 10 (captura de tweet de usuária AL), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 19:39h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 09 anos de idade por um vizinho que a agarrou por trás e começou a esfregar o pênis na usuária. Identificamos a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Podemos, contudo, observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (agarrou e começou) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha e devia), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. Não houve a menção de outra testemunha, mas a usuária não fez menção ao assediador, apenas o identificou como seu vizinho. Não houve, também, menção de um trauma psicológico causado pelo testemunho. O tweet foi retweetado 80 vezes, curtido 170 vezes e obteve 03 replies. A alta taxa de compartilhamento e curtidas do tweet demonstra uma grande taxa de relevância do tweet para outros usuários, e os replies demonstram uma continuação de conversa iniciada no testemunho de usuária. O tweet se demonstra ser conversacional indireto, por não se dirigir a um interlocutor específico através de citação de um outro usuário, e sim ao conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets.
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FIGURA 12: Captura de tweet da usuária JT A partir da Figura 11 (captura de tweet de usuária JT), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 21 de outubro de 2015, às 23:47h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 08 anos de idade, quando um rapaz começou a se roçar nela. Identificamos a usuária como mulher, com 26 anos. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha por parte de vítima, nem a menção de seu assediador. A usuária relatou que o assédio a deixou em choque, o que a fez se sentir mal, suja e culpada, demonstrando um trauma psicológico. Podemos observar um caso pessoal de assédio sexual a partir a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (começou e fiquei) e o uso do pronome possessivo (meu) que indica que assédio aconteceu a ela, resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que percebemos que o assédio ocorreu antes do momento de fala a partir da análise morfológica das palavras. O tweet obteve 13 retweets, 76 curtidas, mas nenhum reply, e se demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, visa apenas narrar o acontecido.
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FIGURA 12: Captura de tweet da usuária ME A partir da Figura 12 (captura de tweet de usuária ME), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 22 de outubro de 2015, às 12:54h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 07 anos de idade por um homem que se masturbava dentro de um carro. A usuária ligou para a polícia, mas a denúncia foi ignorada e classificada como trote. Identificamos a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha por parte de vítima, nem a menção de seu assediador. O relato desta usuária demonstra como o assédio sexual é visto diante às autoridades, uma vez que a denúncia feita por ela foi completamente ignorada. Podemos observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (passou e acharam) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. O tweet não obteve nenhuma retweet, curtida ou reply e demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, visa apenas narrar o acontecido.
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FIGURA 13: Captura de tweet da usuária RR A partir da Figura 13 (captura de tweet de usuária RR), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 22 de outubro de 2015, às 15:56h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que o usuário diz ter sofrido assédio aos 10 anos de idade, quando sua empregada o deixou pegar nos seios dela; contudo, o usuário se demonstra ter ficado feliz pelo acontecido. Identificamos o usuário como homem, de 61 anos e musicista brasileiro. O presente não pode ser considerado testemunhal, uma vez que o usuário demonstra felicidade pelo acontecido; apesar de podermos identificar verbos no pretérito perfeito do indicativo (deixou) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), o fato do verbo “deixar” indicar que a emprega autorizou que o usuário encostasse nela, o contato se torna consensual e não há aqui um caso de assédio. Não houve a menção de outra testemunha, de uma testemunha nem mesmo de algum trauma psicológico. O tweet foi retweetado 886 vezes, curtido 1268 vezes e obteve 897 replies. A deturpação do teor da hashtag com o depoimento escrito pelo usuário trouxe uma alta taxa de compartilhamento, curtidas e replies para este tweet, a maioria deles criticando a atitude do usuário. A atitude deste usuário, ironizando a hashtag, mostra uma vertente contrária à campanha criada pela Think Olga e que se espalhou no Twitter. O tweet se demonstra ser conversacional indireto, por não se dirigir a um interlocutor específico através de citação de um outro usuário, e sim ao conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets.
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FIGURA 14: Captura de tweet da usuária LR A partir da Figura 14 (captura de tweet de usuária LR), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 22 de outubro de 2015, às 14:39h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 12 anos de idade, enquanto brincava de quebra-cabeça sozinha, o amigo de seu pai chegou ao local e começou a fazer propostas sexuais a usuária, que a fez correr de medo. Identificamos a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Podemos, contudo, observar um caso pessoal de assédio sexual a partir a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (chegou e começou), o uso de um verbo no pretérito imperfeito (estava) e o uso do pronome possessivo (meu) que indica que assédio aconteceu a ela, resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que percebemos que o assédio ocorreu antes do momento de fala a partir da análise morfológica das palavras. Não houve a menção de uma testemunha, mas a vítima indicou que o assediador é um amigo do seu pai. O medo de andar de ônibus sozinha, medo que perpetua até os dias atuais, demonstra um trauma causado pelo acontecido. O tweet foi retweetado 72 vezes, curtido 161 vezes e obteve 01 reply. O tweet se demonstra ser conversacional indireto, por não se dirigir a um interlocutor específico através de citação de um outro usuário, e sim ao conjunto de usuários que se comunicam através das replies e retweets.
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FIGURA 15: Captura de tweet da usuária DY A partir da Figura 15 (captura de tweet de usuária DY), podemos observar que o presente tweet foi postado no dia 22 de outubro de 2015, às 17:56h. A partir do texto descrito na postagem, podemos identificar que a usuária foi assediada aos 09 anos, por um homem de 17 que a segurou e tentou beijá-la à força, que lutou para se livrar do homem assustada. Identificamos a usuária como mulher, contudo não há mais nenhuma informação identificável sobre sua idade e/ou ocupação em seu perfil do Twitter. Não houve a menção de nenhuma outra testemunha por parte de vítima, nem a menção de seu assediador. A usuária relatou que chorou por semanas após o acontecido, demonstrando um trauma psicológico. Podemos, contudo, observar um caso pessoal de assédio sexual a partir de identificação do uso da 1ª pessoa do discurso (eu), a identificação de verbos no pretérito perfeito do indicativo (segurou, tentou, tentei e chorei) e o uso de um verbo no pretérito imperfeito (tinha), resgatando, então, a recordação do acontecido, uma vez que ocorreu antes do momento de fala. O tweet não obteve nenhuma retweet, curtida ou reply e demonstra ser não-conversacional, por não estabelecer uma conversação direta ou indireta, visa apenas narrar o acontecido.
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A P EN D IC E B Tabela síntese de tweets criada para uma visualização mais rápida, clara e consisa das analises de tweets feitas ao longo do presente artigo.
LEGENDA: CCPA: Citação de um caso pessoal de assédio; CTCA: Citação de trauma causado pelo assédio; CNRA: Citação do nome ou referência ao assediador; CDT: Citação de outras testemunhas ; RTs: Retweets | CTs: Curtidas | RPLs: Replies.
Matheus Lobo Gráfica Futura
projeto gráfico e diagramação impressão e encardenação fotografias
p. 11 e 28 / Valentina Schutz | Foto: Divulgação MasterChef Junior p. 12 / Mural Think Olga | Fotos: Think Olga p. 20 / MasterChef Junior Participantes | Foto: Divulgação Rede Bandeirantes instituição
Centro Universitário UNA | Campus Liberdade Rua da Bahia, 1764 | Lourdes | Belo Horizonte-MG
Esta publicação foi composta em Times New Roman e Hitchcock sobre papel Offset Branco 90g/m2 para o Centro Universitário UNA (Instituto de Comunicação e Artes) de Belo Horizonte.