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COLÉGIO OFÉLIA FONSECA

FORRÓ NO CONTEXTO DA MIGRAÇÃO NORDESTINA NO SUDESTE.

Amanda Larissa Costa Lima

São Paulo. 2013


Amanda Larissa Costa Lima

FORRÓ NO CONTEXTO DA MIGRAÇÃO NORDESTINA NO SUDESTE.

Trabalho realizado sob a orientação do professor Luís Fernando Massagardi, da disciplina de História.


Agradecimentos e Dedicatória.

A maturidade nos traz reflexões que quando criança não se tem simplesmente porque na infância nós não contamos com as perdas e as despedidas. Quando nós crescemos começamos a fazer um questionamento sobre qual é o verdadeiro valor das coisas, das pessoas. Passamos a vida inteira em busca de realizar nossos sonhos, de conquistarmos bens materiais, de sermos pessoas reconhecidas e capacitadas. Mas e quando não mais existirmos, de que valeu tudo isso?

Quando se perde alguém que ama tudo o que mais sentimos é a saudade. Não importa o quanto a pessoa havia conquistado materialmente. Você se lembra do sorriso, se lembra do carinho, se lembra de tudo de bom que aquela pessoa havia lhe proporcionado, e que você talvez só tenha realmente se dado conta quando a perdeu.

Perder dois tios que eu amava em pouco tempo me fez amadurecer e perceber o que eu queria levar dessa vida, ou melhor, deixar. Duas pessoas simples como eles dois, nordestinos do sertão da Paraíba, não tinham nada a oferecer materialmente, mas me ensinaram a ser feliz independente da condição social que eu tenha, me ensinaram o que é ser uma pessoa honesta, me ensinaram que o mais importante é o orgulho que podemos proporcionar a todos aqueles que nos querem bem sem precisar de dinheiro algum, e principalmente: Você é aquilo que faz hoje e como será lembrado depois.

Eles foram guerreiros, como todo nordestino de fato é. Por esse motivo, essa minha tentativa de colaboração para essa cultura maravilhosa que é a cultura nordestina a qual carrego no sangue é dedicada aos meus tios Marcio e Petrônio.

Quero agradecer a algumas pessoas que me ajudaram na construção desse trabalho de grande importância tanto para a minha vida acadêmica quanto para minha vida pessoal. Primeiramente, quero agradecer às minhas amigas Daniele Alves e Mayara Sanches por terem me ajudado com a formatação, com correções, opiniões e principalmente pela ajuda moral que me davam em meus momentos de tensão para a conclusão desse trabalho. Elas representam


aqui todo um conjunto de pessoas as quais eu me orgulho de ter conhecido e principalmente por ter construído um laço de amizade que nunca desatará.

Quero agradecer também à minha amiga Edna Brugger pela ajuda importantíssima na reta final do trabalho. Obrigada pela paciência e pelos conselhos!

Outro agradecimento é destinado aos entrevistados Adailton, Betânio, Eliane, Paulo, Maria da Guia, Zenaide e Robson que me contaram um pouco de suas vidas e colaboraram para o crescimento da minha já existente admiração pelo povo nordestino.

Por fim, quero agradecer ao meu professor e orientador Luis Fernando que não somente orientou este trabalho como também colaborou para o meu crescimento pessoal. Junto aos outros professores que compõem a equipe do Colégio Ofélia Fonseca, me ensinou a ser uma cidadã, uma pessoa responsável, e sem dúvida é uma referência de bom profissional e de pessoa de bem que carregarei para sempre. Obrigada mestre!


Resumo.

Este trabalho faz uma análise do significado do forró para os migrantes nordestinos no sudeste. Para tanto, é analisado a migração do Rei do Baião em São Paulo e suas contribuições para a origem do forró conhecido como pé-de-serra. Dentro dessa análise, fazse uma discussão sobre a temática da maioria de suas canções, a seca, e até que ponto esse fenômeno natural contribui para a migração nordestina. Ainda, é discutido sobre a migração nordestina para o sudeste no contexto do governo de Juscelino Kubitschek, bem como em tempos atuais, este último através de depoimentos de nordestinos. Através dessa contextualização, analisa-se enfim o significado do forró para os nordestinos migrantes e a construção da Indústria do forró no sudeste.


Sumário.

1. INTRODUÇÃO. 1.1.

O sentido da cultura ......................................................05

2.DESENVOLVIMENTO. 2.1. Forró e Gonzaga – gênero musical e percussor migrantes no sudeste. . 10 2.2. De Exu para o Brasil ........................................................................... 13 2.3. “A vida aqui só é ruim quando não chove no chão”. ... ........................16 2.4. Migração nordestina: São Paulo, centro das oportunidades. ................ 21 2.5. Sudeste para os nordestinos: A indústria do forró em São Paulo. ...........28

3.CONCLUSÃO................................................................................................... 31

ANEXOS .............................................................................................................. 33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 44


1. Introdução

1.1 O sentido da cultura. A tentativa de se conceituar o que é uma cultura por vezes se mostra uma tarefa difícil de ser realizada, pois cada indivíduo tem para si uma definição. No entanto, neste trabalho assumese a posição de defini-la como um conjunto de símbolos e significados de construção humana que proporciona a cada indivíduo a sensação de ser um componente pertencente a um determinado grupo, comunidade ou região, de modo a não somente exercer um papel de extrema importância para a construção da identidade de um indivíduo, como também a de um povo. “ …una construcción específicamente humana que se expresa a través de todos esos universos simbólicos y de sentido socialmente compartidos, que le ha permitido a una sociedad llegar a “ser” todo lo que se ha construido como pueblo y sobre el que se construye un referente discursivo de pertenencia y de diferencia: la identidad" ARIAS, (2002, p. 103).

Sendo a cultura uma construção humana, aquele que a constrói sempre estará inserido em um contexto sócio histórico, logo, o dinamismo deste acarretará em transformações nessa cultura, o que permite afirmar que ela não é estática. Além disso, uma cultura não deve ser vista como algo impermeável; o fato da cultura ser dinâmica demonstra que em seu processo de construção todo tipo de influência externa é um fator determinante para sua formação. Deste modo, uma cultura pode perfeitamente ser influenciada por outra. Além da possibilidade de influência entre uma cultura e outra, há historicamente, à exemplo do que ocorreu no Brasil, o conflito entre culturas dominantes e culturas dominadas; resultado principalmente da política de colonização das Américas. No período da chegada dos colonizadores, houve o extermínio de boa parte da população indígena, contado por Pe. Antônio Vieira em 1952: “[...]e toda aquela gente se acabou ou nós a acabamos; em pouco mais de trinta anos [...] eram mortos dos ditos índios mais de dois milhões[...]”

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Aqueles que sobreviveram ficaram sob o domínio dos estrangeiros como escravos e submetidos à imposição de uma cultura totalmente diferente da que pertenciam, foram incorporados a eles o trabalho e a exploração da terra voltados para a exportação, e não mais para suprir as necessidades básicas. Segundo Darcy Ribeiro: “[...]Em suas comunidades originais, voltadas exclusivamente para o preenchimento das suas condições de existência, os índios haviam conseguido com as mesmas técnicas, uma grande fartura alimentar e a manutenção de sua autonomia cultural. Trasladada aos novos núcleos, a adaptação indígena apenas permitia não morrer de fome, porque as novas comunidades se ocupavam mais de tarefas produtivas de caráter mercantil, requeridas pelo mercado externo do que da própria subsistência [...]¹” Através desse exemplo vê-se que a imposição de um novo modo de trabalhar colaborou para um processo de aculturamento sofrido pelos indígenas. A essência deste conflito continua, muitas culturas são afirmadas em detrimento de outras apoiadas ideologicamente por preconceitos raciais, de classe, interesses econômicos ou até mesmo xenofobia ². O povo, ou indivíduo, prejudicado por esse conflito vai buscar na resistência, a preservação de sua cultura, a exemplo dos indígenas zapatistas ³ do México que se opõem à globalização e seus efeitos sobre o modo de viver das pessoas. Essa dominação de uma cultura sobre a outra acarreta na desvalorização de um processo histórico humano formado através da fusão da parte com o todo, do indivíduo com a sociedade, e limita seu direito de “ser” algo ou “pertencer”. Foi através desta perspectiva do que é a cultura e de sua importância para a identidade de um ser ou povo que se construiu a vontade de investigar neste trabalho a cultura nordestina e a sua relação com o nordestino, mais precisamente o nordestino migrante em São Paulo, que ___________________ ¹RIBEIRO, Darcy, I.V Os brasis na história. In: O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil.São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Cap. 4, p.286. ² Segundo o mini dicionário Aurélio da língua portuguesa: sf. Aversão a pessoa e coisas estrangeiras. ³ O MZLN (Movimento Zapatista de Libertação Nacional) é um movimento indígena do México ‘antiglobalização’ que luta por uma distribuição mais democrática da terra e pela preservação da cultura indígena.

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historicamente migra para o estado em busca de emprego, devido às disparidades existentes principalmente econômicas, entre a região sudeste e a nordeste do Brasil, e que aqui serão pontos de discussão. Na virada dos séculos XIX e XX, teve início o fluxo migratório para o estado de São Paulo para suprir a oferta de empregos nas lavouras decorrente da necessidade de substituição da mão de obra escrava. Inicialmente, a atração por essas ofertas veio por parte de estrangeiros, posteriormente, nordestinos, mineiros e fluminenses também passaram a engrossar o contingente de brasileiros imigrantes no território paulista. Em 1935, houve aumento dessa imigração quando o governo federal desenvolveu um programa de atração de trabalhadores para a lavoura do estado, esse estímulo fez crescer tanto a entrada de imigrantes a ponto de somente no ano de 1939 o número de brasileiros vindos de outros estados atingirem aproximadamente 100 mil. Entre 1941 e 1949, foram recebidos na Hospedaria do Imigrante, instalada entre as ruas Visconde de Parnaíba e Doutor Almeida Lima, no Brás, cerca de 400.000 trabalhadores imigrantes, que dali eram distribuídos pelo estado. Esse fenômeno de migração não apresentou diminuição na quantidade de pessoas que saem de suas terras de origem para o eixo Rio-São Paulo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, entre os anos 1930 e 1950, cerca de dois milhões de pessoas migraram da região nordeste para o sudeste. De acordo com a mesma fonte, em 2010, a população nordestina residente em São Paulo somava aproximadamente 4.628.959 de pessoas.

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IBGE, Censo Demográfico, 2010.

Pode-se depreender através de uma leitura deste gráfico que, a população natural do nordeste residente em São Paulo, em número, se sobressai em relação às outras. Mas o que fez de São Paulo a esperança dos nordestinos? Durante o período de 1940 a 1950, devido à introdução de técnicas mais aprimoradas de lavouras e pecuárias, houve uma diminuição no volume de mão-de-obra, acarretando no desemprego de milhares de pessoas, principalmente na região Nordeste, atrasada com relação ao desenvolvimento industrial em comparação com as outras, principalmente Centro-Oeste e Sudeste. Neste contexto, São Paulo era um grande centro urbano-industrial que para funcionar como tal, necessitava tanto de trabalhadores qualificados quanto pouco qualificados para suprir as demandas de trabalho criadas pela economia urbana em crescimento, principalmente em oficinas, negócios e serviços pessoais e de reparação. (Lopes, 2000 P.132-133). A migração nordestina, portanto, é um fenômeno resultante da desigualdade de oportunidades entre as regiões. 8


Vindos em busca de seu futuro profissional, os nordestinos trouxeram consigo sua cultura. No entanto, como aqui já foi dito, a identidade de cada indivíduo também é formada por fatores externos, desse modo, podem não ter deixado completamente sua cultura, mas com certeza foram influenciados pelo modo de viver paulistano. O esquecimento de suas raízes culturais poderia ter como consequência a sensação de não saber mais qual é sua identidade, Segundo Pedroso (1999), “Um povo que não tem raízes acaba se perdendo no meio da multidão. São exatamente nossas raízes culturais, familiares, sociais, que nos distinguem dos demais e nos dão uma identidade de povo, de nação”. Porém, segundo o cientista político Francisco Weffort, autor do artigo: “Nordestinos em São Paulo: Notas para um estudo sobre cultura nacional e cultura popular.”, uma das causas para que o nordestino mantivesse seus vínculos com a terra natal seria o fato de ele: “portador de uma cultura regional de alcance nacional, chegar a São Paulo e se defrontar com uma cultura urbana extremamente pobre, praticamente um mundo culturalmente vazio, onde um capitalismo predatório e selvagem destruiu a cultura regional tradicional e não foi capaz de criar nada no lugar”. Sabendo da importância de se preservar uma cultura como modo de também preservar a própria identidade indaguei sobre como esses migrantes poderiam manter viva a cultura nordestina mesmo longe de sua terra natal. Em meu meio de convivência sempre via a saudade estampada nos olhos de cada migrante em conversas com conterrâneos ao lembrar suas terras. Cresci ouvindo o nordeste em letras de canções e conhecendo-o pelo dançar de homens e mulheres em bailes, lugares em os quais todos compartilhavam de uma história semelhante. Essas letras e estes bailes faziam parte de um expoente da cultura nordestina que ganhou visibilidade nacional quando um migrante pernambucano de Exu, chamado Luiz Gonzaga, trouxe para o Rio de Janeiro, e para todo o Brasil um estilo de fazer música que transparecia a cultura nordestina; O forró. É através de uma análise da trajetória do considerado pioneiro do forró no sudeste, e do contexto de migração nordestina na região que perpassa o âmbito social e interfere também no âmbito cultural que esse trabalho vai mostrar a relação e a importância do forró para a migração nordestina.

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2. Desenvolvimento. 2.1 - Forró e Gonzaga – gênero musical e percussor migrantes no sudeste.

“Em toda festa de embalo Eu quero ver forró Eu vou dançar forró Vou me balançar Dançar agarradinho Rostinho com rostinho Sentir o seu carinho Quero ouvir mulher fungar.” (“Forró Pesado”- Trio Nordestino)

O primeiro pensamento que vem a mente ao se ouvir falar de forró é a dança, aquele “dançar agarradinho/ rostinho com rostinho”, que na maioria das vezes dançam-se em pares, homens com mulheres. A dança, porém, é só uma componente desse gênero musical que demonstra complexidade com relação á sua origem, porém se mostra singelo quando se faz uma análise dos temas tratados em suas canções. A origem da palavra forró nunca foi realmente descoberta, há duas hipóteses existentes sobre ela: Para a maioria dos pesquisadores e historiadores, é uma justaposição dos termos for e all, que em inglês significam: “para” e “todos”. No entanto, há quem defenda que se trata de uma corrupção da palavra forrobodó que possui dois significados: bagunça ou festa popular. Segundo os radialistas e donos de lojas de CD, Mano Véio e Mano Novo: “O nome “forró” já é controverso, pois há quem diga que vem de for all (em inglês “para todos”) e que indicava o livre acesso aos bailes promovidos pelos ingleses que construíam ferrovias em Pernambuco [...], no entanto, há quem 10


defenda a tese de que a palavra forró vem do termo africano “forrobodó”, que significa festa, bagunça. E se a própria palavra possui essa dupla versão para seu significado, imagine os ritmos que compõem o forró! São tantos e tão diferenciados que não deixam dúvidas sobre de onde vem a extrema musicalidade do forró: do Nordeste brasileiro”. (Jornal do Forró, jan/2007, p.5) O forró inicialmente era um combinado entre diferentes ritmos, entre eles o xote, o coco, o xaxado e o baião, com destaque para esses últimos. O xaxado era uma dança que os cangaceiros do bando de Lampião faziam para comemorar um feito; dispostos em uma roda, dançavam arrastando os pés no chão e batendo os rifles, sem música nenhuma, apenas fazendo esse movimento que também era conhecido como “corta-jaca”. Há outras opiniões quanto à origem do xaxado, para o folclorista Roberto Benjamin, por exemplo, é possível observar características indígenas no ritmo.

Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião, E quem quiser aprender é favor prestar atenção. (Baião- Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)

O baião consiste “num aproveitamento da espartana linha melódica do cantador de viola em compasso mais ritmado, com traços do coco e do maracatu” (TELES, 1946). Esse ritmo é conhecido em todo Brasil, desde a década de 1940, devido ao sanfoneiro Luiz Gonzaga, que recebeu o título eterno de Rei do Baião, e sendo esse ritmo um componente do forró, pode-se também dizer que Gonzaga é o pioneiro na disseminação do forró como gênero musical. Segundo o crítico e pesquisador pernambucano José Teles, o baião já existia desde o século XIX, opinião confirmada por Humberto Teixeira, parceiro de Gonzaga, em uma entrevista feita à Folha de São Paulo: “O baião já era conhecido há séculos no Nordeste e ninguém do sul descobria. Eu e Luiz sabíamos dele e resolvemos divulgalo no Rio. Não fomos nós que o criamos, apenas lhe damos uma roupagem (...). Nós urbanizamos o baião.” 11


No entanto, Luiz Gonzaga era contra essa versão do parceiro, em entrevista ao Jornal de Brasil em 1971, a contrariou: “O baião como entendemos hoje não existia. Posso dizer que fui seu criador. Lá no norte os sambas, que quer dizer a mesma coisa que forró, baile, festa, são acompanhados pelo fole, a sanfona. O forró é mais popular que o baião, que é um negócio bem mais recente, tem o mesmo tempo da minha carreira. Baseado na batida do cantador de forró, marquei o ritmo do baião.” A popularização do baião no eixo Rio-São Paulo através de Luiz Gonzaga foi um importante contribuinte para que o gênero musical passasse a ser não somente importante entre os limites territoriais nordestinos, como também no âmbito da música popular urbana.

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2.2 – De Exu para o Brasil. Natural de Exu, Pernambuco, Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989) desde a infância já possuía familiaridade com instrumentos musicais; Era filho do lavrador Januário, conhecido por ser o tocador da sanfona de oito baixos, sempre requisitado para tocar nos forrós, festas dançantes que começavam no início da noite e se estendiam até a madrugada. Além disso, Januário possuía em casa uma pequena oficina de conserto de instrumentos dos tocadores da região. Durante o período de 1920 a 1930, Gonzaga acompanhou o pai nos forrós; primeiro Januário tocava e deixava-o dormindo para que não se desgastasse tanto, depois, já no final da festa, era o garoto quem assumia a responsabilidade de comandar a festa através da sanfona. Luiz sempre foi admirador do bando de cangaceiros de Lampião, fato que contribuiu para sua caracterização quando ingressou na vida artística, porém, em 1930 foi incumbido a ingressar o contingente de militares que desarmariam os fazendeiros do Cariri acusados de abrigar cangaceiros em suas propriedades. Além do Ceará, passou também pelo Piauí e outros estados do nordeste até que de acordo com seu próprio pedido foi para Belo Horizonte, Minas Gerais. Mas foi em Juiz de Fora, cidade localizada no mesmo estado, que Gonzaga conheceu o soldado Domingos Ambrósio, o qual lhe passou alguns ensinos sobre a sanfona. Ainda em Minas, conheceu músicos, tentou ingressar na banda de Jazz do seu regimento, mas não obteve sucesso, no entanto, se identificou com as histórias de Zé do Norte (pseudônimo do paraibano Alfredo Ricardo Nascimento), o qual cantava temas do nordeste em programas de rádio como A hora sertaneja, com Antenógenes Silva, mineiro autor e intérprete de valsas e maxixes, e com Augusto Calheiros que fazia sucesso, assim como Zé do Norte, cantando temas de sua origem. E foi através da fusão do que Gonzaga mais admirava nesses três artistas que ele percebeu qual era o seu caminho. Em 1939, negociou a compra de uma sanfona que foi buscar em São Paulo, mas chegando na cidade percebeu que havia sido enganado; o endereço não existia. Mesmo com esse golpe, a sorte o ajudou, o hotel onde estava hospedado chamava-se Hotel das Bandeiras, e pertencia à uma família de italianos que tocavam instrumentos, ao saber o que tinha acontecido o dono do

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estabelecimento pediu para que seu filho vendesse a sanfona para Gonzaga pelo valor que ele tinha no bolso. Quando voltou para Minas, uma voz de prisão o aguardava por abandono de quartel, para não ser preso Gonzaga decidiu ir embora, queria voltar para sua terra, mas para tanto teria que aguardar no Rio de Janeiro o navio que o levaria. Enquanto aguardava, ficou aprimorando o instrumento que conseguiu em São Paulo, até que um colega o viu e disse que poderia levá-lo a um lugar que ele pudesse tocar e ganhar dinheiro, era o Mangue, na zona portuária da cidade do Rio de Janeiro. Gonzaga começou tocando no Café Duas Pátrias; entre o repertório tocava choro, bolero e foxtrote. Estava sendo tão bem pago pelas apresentações que decidiu ficar no Rio e desistiu de voltar pra Recife. Tudo ia muito bem até um dia em que universitários cearenses pediram para que ele tocasse músicas do sertão, isso seria fácil se ele não tivesse esquecido quase tudo que o pai o ensinara. Depois desse ocorrido, dedicou-se a reaprender a tocar as músicas de sua infância até a volta desses universitários ao café, dessa vez foi elogiado e incentivado. O incentivo o encorajou a enfrentar o júri do programa Calouros em desfile, de Ary Barroso, já havia participado duas outras vezes; na primeira tocou uma valsa e tirou nota três, na segunda tentou um foxtrote e tirou dois e meio. Na terceira, já estava desacreditado pelo apresentador. Mesmo assim se arriscou, disse que iria tocar um “negocinho diferente do norte”: o Vira e mexe, solo que criou em 1939 e uma das músicas que agradaram aos universitários cearenses. Ganhou nota máxima e um contrato para se apresentar no programa semanal de Almirante, na Rádio Tupi, e posteriormente, foi trabalhar com Zé do norte no programa A hora sertaneja. Em 1941, Gonzaga deu início a sua carreira de Rei do Baião; gravações, apresentações e sucesso, este último somente quando passou a cantar o nordeste em suas músicas e vestir-se com trajes característicos que remetiam aos cangaceiros nordestinos: chapéu de cangaceiro, lenço colorido no pescoço, gibão encourado no corpo e sandália rústica nos pés. Isso nos garante afirmar que, assim como o próprio Gonzaga se identificou com Zé do Norte, Antenógenes Silva e Augusto Calheiros, a população migrante nordestina no Rio de Janeiro também se identificou com ele. Além disso, é de suma importância ressaltar que o reconhecimento de Luiz Gonzaga não ocorreu em seu habitat natural, mas sim no centro econômico-cultural da época, ou seja, no 14


sudeste. Para tanto o compositor e produtor carioca Sidney Miller, em entrevista ao Jornal do Brasil em 1971, destacou: “O público andava carente de novidades, quer no que se refere ao ritmo, quer com relação a uma temática nacional, e ainda no tocante à interpretação, pois a sofisticação a que se entregavam os cantores da época não tinha condições de competir com a singeleza proposta por Luiz Gonzaga. Como compositor, Gonzaga está para o sertão assim como Noel Rosa está para o centro urbano e Caymmi para o litoral: descobriu e afirmou perante o público, da mesma forma como fizeram os outros dois, uma linguagem própria para se referir a uma realidade específica.” E é a realidade do sertão e a migração do nordestino, que serão majoritariamente temas das canções de Luiz Gonzaga e outros intérpretes do forró.

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2.3 -“ A vida aqui só é ruim quando não chove no chão...”¹

“Que braseiro, que fornaia Nem um pé de prantação Por farta d’água perdi meu gado Morreu de sede meu alazão” (Asa Branca – Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira)

A música simples de linguagem característica popular nordestina fala da angústia do agricultor, que perdeu sua plantação, o gado, e o cavalo, devido à seca, tema recorrente nas canções de Gonzaga: “E era primordialmente o sertão das paisagens duras, capazes de ferir as retinas, que estava sendo apresentado ao Brasil por meio das composições cantadas por Luiz Gonzaga.” ² A seca é um fenômeno natural que consiste na diminuição ou concentração espacial da precipitação pluviométrica anual, ou seja, a falta de chuva ou sua má distribuição, em uma determinada região. De todo território nordestino, aproximadamente 57%, é ocupado pela zona semiárida, a qual é a mais castigada periodicamente pelas secas.

______________ ¹ Fragmento da canção “O último pau-de-arara” interpretada por Zé Ramalho e Raimundo Fagner, que fala do problema da seca e a migração: “A vida aqui só é ruim/ Quando não chove no chão/ Mas se chover dá de tudo/ Fartura tem de montão/ Tomara que chova logo/ Tomara, meu Deus, tomara/ Só deixo o meu Cariri/ No último pau-de-arara”. ² MARCELO & RODRIGUES, Carlos e Rosualdo. Eu vou mostrar pra vocês. In: O fole roncou! Uma história do forró. Rio de Janeiro, 2012. Cap.1, p.25

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Esse fenômeno influi diretamente na produção agrícola e na pecuária, de modo que, em casos intensos, o agricultor pode chegar a perder toda a plantação e tem seus animais dizimados por falta de comida e sede. A economia sertaneja nordestina sempre foi baseada na agropecuária, principalmente a agropecuária familiar, logo, um período de seca acarreta em problemas de ordem social como a fome:

“João acabou-se a farinha E o querosene da cozinha No feijão “gurgui” já deu (...) Tenha paciência minha gente Foi a seca e a enchente O culpado não sou eu.” (Meio dia – Mastruz com Leite)

O problema das secas é histórico na região nordeste, especificamente no chamado “Polígono das Secas”, o qual é composto por parte de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e parte do norte de Minas Gerais. Desde a época da colonização, no séc. XVI, a região já sofria com esse fenômeno: entre 1580 e 1583, engenhos e fazendas foram prejudicados pela falta de água, e cerca de 5 mil índios que habitavam a região foram obrigados a migrar para outras regiões em busca de comida. Já no séc. XVIII, as estiagens deixaram rastros mais graves nas capitanias; homens, mulheres, crianças e rebanhos morreram em grande número, de modo que, fiscais da Câmara recorreram ao rei para que ele enviasse mais escravos, pois parte dos que aqui estavam morreram de fome.

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“Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno Desculpe pedir para acabar com o inferno Que sempre queimou o meu Ceará.” ( “Súplica Cearense”- Gordurinha/Nelinho )

A canção acima foi gravada por Luiz Gonzaga no séc. XX, porém é possível relacioná-la com o período que ficou conhecido como a “Grande Seca”. A seca iniciada em 1877, e que durou pouco mais de dois anos, vitimou aproximadamente metade da população do Ceará - que na época tinha 800 mil habitantes – devido à fome, a sede, e doenças, ambos consequentes desse fenômeno. Além dos problemas decorrentes de estiagens que a população nordestina já sofria, em 1932 se tornou conhecida a “Indústria da seca”, a qual consistia em oligarquias econômicas e políticas que usavam recursos do governo para seu próprio benefício com o suposto discurso de combater os estragos ocasionados pelas secas. Em 1979, o polígono sofre mais uma catástrofe, dessa vez durante quase cinco anos. É estimado que nesse período não houve colheita em nenhuma lavoura dentro de uma área de 1,5 milhões de km², e que 3,5 milhões de pessoas morreram devido à desnutrição e enfermidades. As soluções para as secas sempre vieram através de métodos paliativos mal sucedidos, que nunca conseguiram mudar realmente a vida dos nordestinos, o melhor programa feito foi a SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – criada pelo presidente Juscelino Kubitschek durante seu mandato, e que teve fim no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2001, sendo posteriormente recriada em 2007 durante o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Celso Furtado, economista e comandante da Sudene, denunciou à Juscelino que havia corrupção por parte dos políticos com relação às ações federais que chegavam aos locais agredidos pela seca, de modo que, apenas colaboravam para a manutenção das desigualdades 18


já existentes no nordeste: os trabalhadores continuavam passando fome, e latifundiários continuavam às margens das dificuldades. Em conferência aos militares no auditório do Iseb, em 1959, Furtado apontou que o problema da economia do nordeste começou quando as exportações de açúcar diminuíram, fazendo com que se esgotasse toda a força dinâmica do sistema, o qual foi incapaz de propiciar a transição automática para a industrialização. Percebesse então que o problema estava na inserção do nordeste na economia industrial. Na mesma conferência, Furtado ressalta: “O sistema econômico que existe na região semiárida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o homem e o meio, entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região.” Percebesse a contradição da economia sertaneja que tanto promove a desigualdade no Nordeste: Uma economia voltada para o setor primário, quando este depende completamente de condições climáticas favoráveis. O que não ocorre na região. Ainda, segundo o economista, em momento de seca, a produção de algodão não era tão afetada quanto a produção de alimentos, porém: “Não tendo o que comer, não adianta sequer ao homem ficar à espera da renda proporcionada pelo algodão. É esse o homem que sai para a estrada, que se ‘retira’, em busca de alguma fonte que lhe permita sobreviver.” Percebe-se que a seca aparece, portanto, como motivo principal para a migração dos nordestinos sertanejos, e sendo ela um fenômeno natural, presume-se que a migração também seja natural do nordeste, porém, a descrença na política pública para a resolução do problema da seca e a oferta de empregos em outros lugares também colaboraram para a migração nordestina. Segundo a pesquisadora Isabel Guillen: “Quando se trata de migração nordestina, tudo se passa como se fosse uma decorrência econômica social natural, levando-se em conta a construção imaginária do tripé Nordeste-seca-migração. 19


De certo modo, essa representação social contribui para criar a invisibilidade histórica em torno do imigrante.”

Considerar a migração como movimento natural ao nordestino é denominar a região Nordeste como uma região de expulsão de seus habitantes, e ser negligente com relação ao fato dela ser historicamente “esquecida” pelo Governo Federal, e ao atraso no desenvolvimento econômico em comparação às outras regiões. O problema não está nas dificuldades naturais que o Nordeste sempre enfrentou, mas sim no modo como esses problemas sempre foram tratados. Como dito anteriormente, não foram somente os problemas da região que colaboraram para a migração dos nordestinos, mas também a atração pelas oportunidades de emprego na região sudeste principalmente na década de 1950 durante o governo de Juscelino Kubitschek.

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2.4- Migração nordestina: São Paulo, centro das oportunidades. “Eu sei que vou, Vou pra São Paulo, Mas vou deixando a minha fonte de alegria. Deus por favor, Me dê trabalho, E a esperança de poder voltar um dia.” (“Lamento de um nordestino” – Francis Lopes)

O fragmento da canção acima retrata a saída de um nordestino de sua terra natal em direção a São Paulo, local no qual ele acredita ter chances de encontrar um emprego. As oportunidades de emprego na região sudeste se intensificaram durante o governo de Juscelino Kubitschek (que durou de 1956 a 1961) devido ao Plano de Metas do presidente que tinha como finalidade compensar cinquenta anos de atraso do desenvolvimento brasileiro em cinco, e à modernização da agricultura que ocorreu nesse período, com maior intensificação nas décadas posteriores, a qual foi favorecida pela Revolução Verde (programa que objetivava a valorização do capital através do aumento da produtividade no campo decorrente do implemento de um conjunto de técnicas e tecnologias). O Plano de Metas de Juscelino era composto por projetos de desenvolvimento da rede urbana, de transportes e comunicação, e de produção e distribuição de energia. Além disso, foi planejada e construída Brasília, a nova capital do Brasil a partir de 1960. Para a realização de tais projetos era necessário uma imensa mão-de-obra, foi então o momento de trabalhadores nordestinos (e também mineiros) que não estavam sendo empregados devido à modernização da agricultura, migrarem para o centro-oeste e o sudeste do Brasil. Porém, não foi somente a dispensa dessa mão de obra que fez com que ocorresse essa migração, mas também a desigualdade social, agravada pela concentração da estrutura fundiária, da renda e da riqueza agrícola, de modo que, principalmente o sudeste tornou-se a esperança de quem foi afetado negativamente pela modernização da agricultura. 21


Foi nesse contexto que ocorreu a migração da aposentada Zenaide da Rocha Silvestre, 79. Ela conta que deixou a cidade de Penedo (AL) com catorze anos após o falecimento do pai. Diferentemente da maioria dos nordestinos que migravam para São Paulo em busca de oportunidades de trabalho, Zenaide tinha uma vida confortável em Alagoas: “Vivíamos muito bem em Penedo, mas quando meu pai faleceu minha mãe não queria nos criar sozinha, foi por isso que ela veio para São Paulo, meus avós residiam aqui.”

Ao ser perguntado sobre como era sentir saudades do nordeste Zenaide conta que choravam muito, mas aos poucos se acostumaram. Ainda, lembra que nas festas de família sempre se ouvia as músicas de Luiz Gonzaga: “Ele era maravilhoso, nós adorávamos suas músicas”. Durante a entrevista, ao lembrar-se de Penedo, ela fala sobre o Cangaço, um símbolo da cultura nordestina: “Quando eles chegavam na cidade, todos os admiravam, e eles nos respeitavam, não faziam mal à ninguém. Eu, pequenininha, com cinco anos de idade, toquei na cabeça de Maria Bonita quando eles foram assassinados. Levei uma bronca da minha mãe!”

Embora seus avós tivessem boas condições financeiras, Zenaide passou por outro tipo de dificuldade em São Paulo: O preconceito. Conta que,

“Os paulistanos naquela época tinham muito preconceito com nordestinos... aliás, com nordestinos e negros. Eu, por exemplo, me casei com filho de portugueses, mas foi difícil para eles aceitarem.”

Mesmo com o preconceito que sofreu, Zenaide casou-se e construiu sua família, conta que considera São Paulo como sua segunda terra, e foi aqui que ela viveu a maior parte da sua vida: “Uma vez fui embora pra Alagoas, depois de um tempo comecei a ficar agoniada querendo voltar”.

Infelizmente o preconceito sempre esteve presente na história da migração dos nordestinos em São Paulo. Para alguns paulistanos, a massa nordestina que construiu a cidade de São Paulo de acordo com os moldes de desenvolvimento urbano proposto por Juscelino em 1950 até os 22


dias atuais, sempre serão meros “trabalhadores” inferiores aos paulistanos. Com o micro empresário Robson Silva Felix , 28, não foi diferente: “Há alguns anos atrás quando eu trabalhava de manobrista fui agredido verbalmente por um cliente alcoolizado. Ele me disse que eu iria passar a vida manobrando carro, e que jamais teria uma profissão digna. Disse que o que eu fazia era coisa de nordestino. Por um lado ele talvez tenha razão, a diferença é que vou passar a vida inteira manobrando carros, só que nos meus estacionamentos.”

O curioso e infeliz fato por se tratar de uma situação preconceituosa, é que Robson não é nordestino. Nascido em São Paulo, o micro empresário é filho de migrantes paraibanos que como a maioria, vieram pro sudeste em busca de emprego. Desde sua infância, aprendeu a tocar instrumentos e logo se envolveu com o mundo da música. Conta que em sua adolescência eram poucos os que assumiam suas descendências: “Quando mais novo, em minha época de escola, lembro que raramente um colega meu assumiria que curtia forró”. Diferentemente de seus colegas, Robson não somente assumiu sua descendência como também foi profissional do forró. Trabalhou como cantor e tecladista, porém, precisou escolher entre o que amava fazer e o trabalho: “Insistir com a música requer uma base, eu tive que escolher entre cantar ou pagar as contas. O meio do forró ainda é muito difícil.” Para ele, o gênero musical ainda não é tão valorizado com relação aos outros gêneros, e isso é consequência do preconceito. Apesar de não viver mais profissionalmente de música, ele ainda mantém uma relação com o forró: “Hoje não vivo mais profissionalmente do forró, mas amo-o e o defendo onde eu estiver”.

Mesmo que não tenha nascido no nordeste, Robson considera-se como nordestino, de modo que a maioria das pessoas que o conhece não sabe que ele é paulistano: “às vezes até esqueço que nasci aqui, pra todo mundo eu sou paraibano, e tenho orgulho disso”. Conta ainda que entre todas as qualidades do povo nordestino, as que ele mais admira são: a coragem, a honestidade, e a alegria de viver mesmo diante das dificuldades que enfrentam.

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E foi com essa coragem que a paraibana Maria da Guia Santos Medeiros, 40, chegou sozinha em São Paulo em 1994. Assim como a maioria dos nordestinos, veio em busca de melhores oportunidades de emprego. Aqui se casou, construiu sua família, e junto com o marido abriu um bar que colabora para a disseminação da cultura nordestina.

Localizado na Rua Barata Ribeiro, na Bela Vista, centro de São Paulo, o “Bar do Guiga” é um misto de restaurante e casa de show. Aberto aos sábados e domingos, durante o dia serve-se almoço típico nordestino, como a mandioca e a carne seca, e de noite há apresentações de bandas de forró de conhecidos e amigos. Ao contar como começou as apresentações no bar, Maria lembra: “Primeiro, um amigo nosso comemorou seu aniversário no bar com um show, depois começaram a pedir para que houvesse show todos os domingos. A partir disso surgiram os primeiros.”

A maioria dos frequentadores do bar é paraibana, mais precisamente de Arara e Casserengue, ambos municípios do interior da Paraíba e próximos um do outro, de modo que o bar serve como ponto de encontro. Um dos frequentadores mais assíduos do bar, o ararense Adailton Pereira da Silva, 39, veio para São Paulo em 1998 em busca de emprego para que pudesse dar boas condições de vida ao seu filho que acabara de nascer.

Adailton conta que frequentar o bar é uma das formas de matar a saudade da Paraíba: “Vou aos forrós todos os finais de semana, e também gosto de comer comidas nordestinas”. Além disso, foi nesse bar que o filho dele Victor Hugo da Costa Sena da Silva, 15, iniciou seus primeiros shows como tecladista da banda de forró que se apresentava aos sábados do período de 2010 a 2011.

Mesmo que tenha conseguido seu objetivo de trabalhar e atingir uma estabilidade financeira, Adailton ainda almeja voltar para a Paraíba, e enquanto não atinge esse objetivo, viaja pelo menos duas vezes ao ano para visitar amigos e parentes.

Diferentemente de Adailton o baiano Paulo Silva Oliveira, 24, não pensa em voltar para Jussiape (BA): “Sinto falta de lá, mas não pra morar, só passear mesmo”. Radicado em São 24


Paulo desde os 16 anos, Paulo conta que saiu de sua terra para trabalhar, pois aqui há mais oportunidades de emprego por ser uma cidade grande: “O povo lá só pensa em prefeitura”. Frequentador do Kibexiga’s Bar, casa de shows de forró localizada na Avenida Nove de Julho, na Bela Vista, centro de São Paulo, ele faz críticas ao forró que é apresentado aqui no sudeste: “Vou para encontrar as pessoas.(...) Os shows da Bahia são diferentes, é mais pé-de-serra. Gosto desse tipo de forró, é mais calmo, e é o forró verdadeiro. Isso que apresentam aqui não é forró.”

O forró do qual Paulo se refere é o forró estilizado (ou eletrônico). Esse tipo de ramificação do forró surgiu na década de 1990, no Ceará, e foi criado pelo empresário Emanuel Gurgel. Trata-se da inclusão de instrumentos como a guitarra e o teclado que se aliam aos tradicionais ( sanfona, zabumba e triângulo), além do surgimento das bandas que a partir desse momento contam também com dançarinos.

Emanuel Gurgel era dono de um fábrica de camisetas até o momento em que começou a trabalhar no ramo do forró e montou uma empresa de grande sucesso, a Som Zoom. Tendo como base a ideia do locutor cearense João Inácio Júnior, Emanuel criou uma rede composta pela rádio Somzom Sat, Somzom Studio, editora Passaré, fábrica de Amplificadores Mastruz com Leite, Zoom produções, uma casa de shows de forró, além de um parque de vaquejada.

A rádio Soom Zoom Sat é a espinha dorsal dessa rede. Ela é uma combinação bem sucedida da utilização de elementos da cultura nordestina com a mais alta tecnologia via satélite. Durante 24 horas por dia, a programação da Rádio Som Zoom leva aos seus ouvintes a cultura nordestina através de uma linguagem coloquial e humorística, além do forró estilizado.

O modelo de bandas de forró estilizado proposto por Emanuel e que foi materializado com a banda de sucesso Mastruz com Leite, foi copiado rapidamente por outros profissionais culminando no forró feito por bandas que cada vez mais falam pouco do nordeste. Segundo o próprio Emanuel,

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“Eu tenho facilidade de conseguir sucesso. Porque eu parto do princípio da lógica (...) Eu digo pra você que se eu escolher uma música de namoro de criança, você vai lembrar de quando era menino, de uma garota que você era apaixonado. Primeiro beijo você vai lembrar, primeiro namoro você vai lembrar, decepção você vai lembrar. Essas coisas que se enquadram pra todos, sem exceção, pra homem, mulher, veado, sapatão.”

Percebe-se que o forró deixou de retratar as especificidades nordestinas, e passou a falar sobre temas gerais, cotidianos, com o objetivo de atingir o maior número de pessoas possíveis. Vêse nesse momento a música nordestina como um produto a ser consumido. A respeito da primeira banda de forró aos moldes de Emanuel, o bacharel em comunicação social André Luiz da Silva critica: “Este “sucesso” fabricado tem suporte através da força da mídia, através do rádio, com todos os traços do capitalismo, onde o forró, antes uma representação da cultura nordestina, é degradado para tornar-se uma cultura mais simplificada e perecível, transformando-se num produto da indústria de diversão”.

Ao ser perguntado como acha que está o forró hoje, curiosamente Emanuel Gurgel responde:

“Como eu vejo o forró hoje? Eu o vejo muito pobre, no sentido de melodia, arranjos musicais, letras (...) Chico Buarque que se cuide porque no Ceará já conseguiram fazer mais de 1000 músicas em quatro moldes: Red Bull, whisky, paredão e carrão.”

Se no nordeste, o forró já havia se tornado um produto a ser consumido pelos nordestinos, em São Paulo não foi diferente. Além de serem trabalhadores, os nordestinos logicamente também eram consumidores. A partir do momento que o forró aparece como uma alternativa de lucro, ele ganha uma maior visibilidade, principalmente por parte dos empresários. É a 26


partir da década de 1990 que os nordestinos ganham em São Paulo, as casas de show especializadas em forró.

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2.5- Sudeste para os nordestinos: A indústria do forró em São Paulo.

“Uma vez morando em São Paulo, a sua nova terra por escolha, devido à sua necessidade, ele teria aqui um pedacinho de terra que deixou para trás: O seu nordeste! Uma rádio, e um centro de lazer...”. (José de Abreu, fundador do Centro de Tradições Nordestinas e da Rádio Atual)

Fundado em maio de 1991 pelo político José de Abreu, O Centro de Tradições Nordestinas, localizado no bairro do Limão, na Rua Jacofer, possui 27 mil metros quadrados, distribuídos em um estacionamento que comporta 900 veículos, uma capela, uma pista com palco, trinta e dois restaurantes de comidas típicas nordestinas, um estúdio ( Rádio Atual), um parque de diversões e duas lojas de CD’s.

Além de realizar shows de forró, o CTN ainda tem o histórico de promover ações sociais, como campanhas de alimento para as vítimas da seca no nordeste. Com relação aos shows, a maioria das bandas que se apresenta no CTN é de forró estilizado (eletrônico), principalmente aquelas que estão no auge do sucesso, chegando a lotar o espaço da pista da casa, que não é pequeno.

Outra importante casa de show que acompanhou o fluxo do forró estilizado foi o Expresso Brasil. A casa hoje possui uma área de quatro mil metros quadrados, onde metade desse número é ocupada pela pista de dança. Está localizada na Avenida Aricanduva, zona leste de São Paulo e além de shows de forró, ainda são realizados shows de reggae e funk.

Paralelo ao surgimento dessas casas de show, casas do chamado forró tradicional também surgiram. “Dentro da maior capital brasileira, existe um lugar que é reduto de um dos mais genuínos ritmos musicais. O tradicional forró”. Esse é um dos slogans encontrados no site da Casa de Shows Remelexo Brasil, localizada em Pinheiros, e fundada em 1994.

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A casa é uma das poucas que não se rendeu ao forró estilizado. O forró pé-de-serra de Luiz Gonzaga nasce de novo nas canções de grupos como Trio Virgulino ou Trio Sabiá, que frequentemente fazem shows na casa.

Analisando o contexto em que essas casas surgiram, percebe-se o quanto o forró que antes era apenas uma expressão da cultura nordestina, passou a ser possibilidade de lucro através dos diferentes gostos que podem existir com relação a ele, depois da explosão do forró estilizado, de modo que, até mesmo fez surgirem casas de show que iam justamente a contramão do que estava em voga no momento.

Além das casas de show, o mercado fonográfico também passou a ter uma importância maior em São Paulo. Atualmente, a maioria das lojas CD’s e DVD’s possui acervo de forró, umas até chegam a ser especializadas no gênero, a exemplo da loja ManoVéio e Mano Novo, localizada na região do Brás.

E é em uma loja como essas, localizada no centro de São Paulo, que o cantor e compositor pernambucano Betânio Monteiro, 37, trabalha. Ele conta que saiu de Altinho (PE) quando tinha 13 anos e logo precisou trabalhar para ajudar a mãe: “Quando cheguei comecei a trabalhar vendendo cocada e geladinho em frente ao Marina Cintra”. (Escola Estadual de Ensino Fundamental).

Além de trabalhar na Sampa Discos, Betânio faz shows aos finais de semana cantando sertanejo, forró e MPB. Diz que suas maiores inspirações sempre foram a dupla Zezé de Camargo e Luciano, o cantor Leonardo, e o Rei do Baião: Luiz Gonzaga. Para ele, é difícil pensar em seguir carreira somente com o forró, pois está muito decadente:

“Atualmente o forró está sem criatividade, é muita imitação. Sai uma música e todo mundo copia, ninguém cria (...) quero uma carreira que marque a minha trajetória, e não ser uma moda passageira.”

Com relação às dificuldades que enfrenta com a música, Betânio desabafa: 29


“Se é pra tocar uma música tem que pagar. Se é pra ir à um programa de TV tem que pagar. Se fechamos um show por um preço, vai outro cara por um preço mais barato e eles já não querem a gente. Não se preocupam mais com qualidade, só com o preço.”

Mesmo com todas as dificuldades que enfrenta, a paixão que ele tem pela música é muito maior, e busca em São Paulo uma oportunidade de viver da sua arte:

“Através da música quero dar uma vida melhor pros meus pais e filhos, e um dia ser reconhecido nacionalmente...”.

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3 - Conclusão.

O trabalho aqui realizado propõe uma reflexão sobre qual seria o valor de uma expressão cultural para a construção e manutenção da identidade de um determinado indivíduo ou povo. O caso analisado foi o forró e o seu significado para os nordestinos migrantes em São Paulo. Passamos pela história do migrante pernambucano Luiz Gonzaga, que como a maioria dos nordestinos, saiu de sua terra para trabalhar, e pudemos notar como sua música, o começo do forró, colaborou para a afirmação da cultura nordestina dos migrantes no sudeste do Brasil. Além disso, foi analisado o porquê do fenômeno das secas ser tão cantado nas músicas de Gonzaga, e qual a relação desse fenômeno com a migração. Através da análise, foi possível concluir que a seca é um fenômeno natural do nordeste que causa muito sofrimento para os habitantes da região, porém, não se pode considera-la como principal motivo das migrações, e sim o modo como foi historicamente enfrentado o problema: de forma negligente, com políticas incoerentes que agravavam o problema da desigualdade social existente no nordeste, esse o real motivo para a migração. Essa desigualdade social, junto à atração pelas oportunidades de emprego do sudeste, região a qual sempre foi mais favorecida economicamente, sempre impulsionou os fluxos migratórios. Deixando famílias, amigos, e suas terras, os nordestinos migraram (e ainda migram) para o sudeste na busca por melhores condições de vida, e aqui encontraram trabalho, preconceito, e saudade da terra natal. Nesse contexto o forró aparece como um laço que une os nordestinos. A convivência com outros nordestinos em casas de show, bares ou até mesmo espaços privados, colabora com o sentimento de sentir-se mais forte, de não se sentir sozinho, decorrente da identificação com histórias de vida parecidas. Além disso, o forró propicia a integração com pessoas que não são nordestinas, mas que simpatizam com o gênero. Como foi dito na introdução desse trabalho, toda cultura é dinâmica, de modo que pode ser alterada por fatores externos. Estar em outra cidade, de fato, fez com que muitos nordestinos se acostumassem com a nova vida que passaram a ter, a maioria construiu família, voltou para a cidade natal apenas a passeio, de modo que o nordeste ficou apenas como uma boa lembrança dos tempos de infância. Nesse contexto, o forró aparece como uma forma de disseminação das raízes. Pais migrantes nordestinos, através da escuta desse gênero repassam a cultura nordestina para seus filhos nascidos no sudeste, fazendo com que estes não tenham apenas a descendência biológica, como a influência cultural adquirida. Ainda, diante da explosão do forró estilizado criado pelo empresário Emanuel Gurgel e que perdura até os tempos atuais, o forró passou a ser visto como produto a ser consumido, levando ao aumento do número de casas de show para expressão do gênero musical, além de grande movimentação no mercado fonográfico. 31


É de suma importância ressaltar que a indústria do forró conseguiu atingir sucesso no sudeste, devido principalmente ao grande contingente de nordestinos migrantes; uma vez que eram trabalhadores também eram consumidores, de modo que, público para o entretenimento sempre existiu. Essa ramificação do forró criada como produto é a mais criticada por nordestinos que consideram o forró de Luiz Gonzaga como verdadeiro. Toda singularidade nordestina, desde a paisagem do sertão, ao modo de viver, foi substituída nas canções por temas cotidianos, comum a todas as pessoas, retirando a representatividade do gênero musical na cultura nordestina. No entanto, mesmo com todas as modificações sofridas, o forró ainda é um expoente da cultura popular nordestina. Seja pé-de-serra ou estilizado, por menores que sejam os momentos em que o nordeste seja realmente cantado, o fato de ele ter sua origem na região faz com que esse sentimento de identificação não seja perdido entre os migrantes nordestinos. Pode-se considerar que outro elemento contribuinte para que o forró ainda tenha o nordeste enraizado é o fato dos instrumentos bases, aqueles da época de Luiz Gonzaga, ainda serem utilizados pelas bandas, sendo a sanfona o mais preservado. Diante desse histórico de modificações do gênero que são consequências das modificações naturais do nordestino e do contexto no qual ele se insere, é possível questionar-se sobre até quando o forró será nordestino. Se for levado em consideração que o gênero acompanha o contexto, o forró aparece finalmente como o reflexo do nordeste, de modo que se o gênero foi influenciado por fatores externos da região isso pode significar que a mesma está sobre influência das outras regiões, ou aproximando-se de ser como elas. Portanto, se for levado em consideração a relação direta entre a construção cultural de uma sociedade e as condições materiais e experiências vividas de cada indivíduo ou povo, e também o fato do crescimento do nordeste dos últimos dez anos tender a diminuir o fluxo migratório para o sudeste, é possível que novos caminhos estejam abertos para o forró.

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ANEXOS. Entrevistas:

Nome: Adailton Pereira da Silva Idade: 39 anos Cidade natal: Arara (PB) Profissão: Zelador

Amanda: Qual motivo te levou a vir para São Paulo? Adailton: Para realizar meu sonho, comprar uma casa para mim e dar uma boa vida para meu

filho.

Amanda: Havia mais oportunidades de emprego em São Paulo? Adailton: Na minha época sim.

Amanda: Sente saudades da sua cidade natal? Adailton: Com certeza. Meu sonho é voltar...

Amanda: Como faz para “matar a saudade” da sua terra? Adailton: Vou aos forrós todos os finais de semana, e também gosto de comer comidas nordestinas. E também viajo todo ano.

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Nome: Eliane Pereira do Nascimento Idade: 29 anos Cidade natal: São Paulo / criada no Sítio Saco dos Campos, Solânea, (PB). Profissão: Analista financeira. Amanda: Em que ano veio para São Paulo? Qual era sua idade? Eliane: Nasci em São Paulo, mas fui morar aos seis anos na Paraíba e só retornei aos 14 anos, isso em 1998. Amanda: Por quais motivos você veio para São Paulo? Eliane: Minha mãe e minha irmã já moravam em São Paulo, voltei para morar com elas e para trabalhar. Amanda: Quais as diferenças que você nota entre sua cidade e São Paulo? Eliane: Primeiramente o tamanho, minha cidade, incluindo os povoados, estima-se uns 32 mil habitantes, já São Paulo tem uma média de 11,32 milhões, esse é um dos pontos que mais me chama atenção. Sem falar na mistura de raças, culturas de outros estados, que acabamos encontrando aqui em São Paulo, a arte de rua, os teatros e salas de cinema enormes, os museus, como o museu do Ipiranga, que acho fantástico, nunca tinha ido à um museu quando morava no Nordeste. Amanda: Sente falta da sua cidade? Como faz para suprir essa falta? Eliane: Sinto, mas estar com a minha família aqui em São Paulo, supre toda e qualquer necessidade de voltar à terrinha... (risos). Amanda: Qual foi sua relação com o forró? Profissional ou apenas gosta do gênero musical? Eliane: Bom, o forró vem de herança familiar, cresci ouvindo forró. Meu avô era um sanfoneiro renomado na nossa cidade, todas as festas de casamento, batizados, entre outras, era o Josias Tinto ou Josias Tocador que fazia, meu orgulho maior. Depois, vieram meus Tios, vários deles tocam e cantam, em seguida meus primos, então com o forró correndo nas veias não seria diferente comigo (risos). Comecei a cantar com 16 anos num grupo musical do meu tio, depois cantei em mais 5 bandas de forró, viajando e fazendo shows por algumas partes desse Brasil, hoje canto apenas em roda de amigos pra matar a saudade, mas o forró faz parte da minha história e da minha vida, simplesmente amo. Amanda: Essa relação foi bem sucedida? Ela continua? 34


Eliane: Pra mim foi muito bem sucedida, pois conheci vários lugares, várias pessoas, seres humanos maravilhosos que trago comigo e no meu ciclo de amizades até hoje. A fase de cantar em bandas durou sete anos e parei por uma decisão pessoal, de não querer mais me dedicar à música profissionalmente, tendo compromissos com viagens, pois gosto de fincar raízes, então prefiro estar perto da família, meu bem mais precioso.

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Nome: José Betânio de Sobral. Idade: 37 anos. Cidade natal: Altinho (PE). Profissão: Vendedor/ Cantor/ Compositor.

Amanda: Em que ano chegou a São Paulo? Betânio: 1989.

Amanda: Por quais motivos você veio para São Paulo? Betânio: Era criado com minha avó e minha mãe morava aqui, ai trabalhava e queria buscar os filhos para ficar com ela, então mandou me buscar.

Amanda: Precisou trabalhar cedo? Betânio: Quando cheguei comecei a trabalhar vendendo cocada e geladinho em frente ao Marina Cintra. (Escola Estadual de Ensino Fundamental).

Amanda: Sei que trabalha com música. Qual o estilo musical? Quais são os artistas em os quais se inspira? Betânio: Canto sertanejo, forró e MPB. Mas tenho preferência por cantar sertanejo. Me inspiro em Zezé de Camargo & Luciano, Leonardo, e Luiz Gonzaga.

Amanda: O que tem a dizer sobre o forró atual? Betânio: Posso dizer a verdade? Uma porcaria. Forró só os “pé-de-serra” ou da década de 90.

Amanda: Por que acha isso? Betânio: Atualmente o forró está sem criatividade, é muita imitação. Sai uma música e todo mundo copia, ninguém cria. 36


Amanda: Esse é um dos motivos para não ter preferência em cantar forró? Betânio: Quero uma carreira que marque a minha trajetória, e não ser uma moda passageira. Amanda: Sofre alguma dificuldade no mundo da música? Betânio: Sim. Se é pra tocar uma música tem que pagar. Se é pra ir a um programa de TV tem que pagar. Se fechamos um show por um preço, vai outro cara por um preço mais barato e eles já não querem a gente. Não se preocupam mais com qualidade, só com o preço.

Amanda: Já pensou em desistir? Betânio: A paixão pela música sempre falou mais alto.

Amanda: O que o motiva? Betânio: Através da música quero dar uma vida melhor pros meus pais e filhos, e um dia ser reconhecido nacionalmente...

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Nome: Maria da Guia Santos Medeiros. Idade: 40 anos. Cidade natal: Arara (PB) Profissão: Comerciante.

Amanda: Primeiramente, por que decidiram abrir o bar? Maria: Meu marido trabalhou muito tempo como garçom. Daí surgiu uma oportunidade dele ter o próprio bar e nós agarramos.

Amanda: Há quanto tempo está em São Paulo? Maria: Há 20 anos.

Amanda: Por que veio? Maria: Em busca de oportunidades.

Amanda: Quantos anos tinha quando chegou aqui? Maria: 20 anos.

Amanda: De onde surgiu a ideia de colocar shows de forró no bar? Maria: Primeiro, um amigo nosso comemorou seu aniversário no bar com um show, depois começaram a pedir para que houvesse show todos os domingos. A partir disso surgiram os primeiros.

Amanda: A maioria dos frequentadores do bar é nordestina? Maria: Sim, a maioria.

Amanda: Por quais motivos você acha que vão ao bar? Maria: Acredito que por conta dos shows e também para encontrar os amigos. 38


Amanda: Sua vida melhorou depois que veio para cá? Maria: Sim, muito!

Amanda: Sente falta da sua terra natal? Maria: Sim, mas não muito.

Amanda: Considera que o bar é uma forma das pessoas ficarem mais próximas do nordeste? Maria: Sim, e isso me deixa muito feliz.

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Nome: Paulo Silva Oliveira Idade: 24 anos. Cidade natal: Jussiape (BA). Profissão: Confeiteiro

Amanda: Quanto tempo faz que você está em São Paulo? Paulo: Faz 8 anos.

Amanda: Por que veio? Paulo: Vim para trabalhar. Aqui é melhor.

Amanda: Por que você acha que aqui é melhor para trabalhar? Paulo: Aqui é uma cidade grande, desenvolvida. Aqui tem tudo.

Amanda: Sente saudades da sua terra? Paulo: Olha na realidade sim, mas não pra morar. Só passear mesmo.

Amanda: Considera que a vida lá é mais difícil? Paulo: Sim. O povo lá só pensa em prefeitura.

Amanda: Frequenta casas de show de forró? Paulo: Sim. O Kibixiga’s bar.

Amanda: O que mais gosta nessa casa de show? Paulo: Na verdade vou mais para encontrar o povo.

Amanda: Os shows de forró daqui são iguais aos da Bahia? Paulo: Os shows da Bahia são diferentes, é mais pé-de-serra. Gosto desse tipo de forró é mais calmo, e é o forró verdadeiro. Isso que apresentam aqui não é forró. 40


Nome: Robson Silva Felix Gonçalves. Idade: 28 anos. Cidade natal: São Paulo. Profissão: Micro empresário.

Amanda: Qual sua relação com o nordeste? Robson: Pais, família, amigos, enfim.

Amanda: Por que seus pais vieram para São Paulo? Robson: Vieram em busca de trabalho e melhores condições de vida.

Amanda: Qual sua relação com o forró? Profissional ou apenas gosto pelo gênero musical? Robson: Hoje não vivo mais profissionalmente do forró, mas amo-o e o defendo onde eu estiver.

Amanda: O que você fazia quando trabalhava profissionalmente com o forró? Robson: Comecei a aprender violão e teclado. Depois comecei a tocar junto com meu primo, só que como era mais desinibido comecei a cantar também.

Amanda: Por que decidiu parar com a música? Robson: Por motivos financeiros. Insistir com a música requer uma base, eu tive que escolher entre cantar ou pagar as contas. O meio do forró ainda é muito difícil.

Amanda: Por que você considera esse meio muito difícil? Robson: Ainda não é muito valorizado em relação aos outros gêneros.

Amanda: Você tem uma opinião sobre o por que do forró não ser muito valorizado?

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Robson: Os nordestinos infelizmente ainda enfrentam muito preconceito. Quando mais novo, em minha época de escola, lembro que raramente um colega meu assumiria que curtia forró.

Amanda: Mas e você, já que nasceu em São Paulo, considera-se um nordestino? Robson: Sim. Às vezes até esqueço que nasci aqui, pra todo mundo eu sou paraibano, e tenho orgulho disso.

Amanda: O que mais admira nos nordestinos? Robson: A coragem, a honestidade, e a alegria de viver mesmo com todas as dificuldades que enfrenta.

Amanda: Já sofreu preconceito por ser nordestino, ou sabe de alguma situação como essa? Robson: Há alguns anos atrás quando eu trabalhava de manobrista fui agredido verbalmente por um cliente alcoolizado. Ele me disse que eu iria passar a vida manobrando carro, e que jamais teria uma profissão digna. Disse que o que eu fazia era coisa de nordestino. Por um lado ele talvez tenha razão, a diferença é que vou passar a vida inteira manobrando carros, só que nos meus estacionamentos.

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Nome: Zenaide da Rocha Silvestre. Idade: 79 anos. Cidade Natal: Penedo (AL) Profissão: Aposentada.

Amanda: Com quantos anos veio pra São Paulo? Zenaide: Com 14 anos.

Amanda: Por quais motivos? Zenaide: Vivíamos muito bem em Penedo, mas quando meu pai faleceu minha mãe não queria nos criar sozinha, foi por isso que ela veio para São Paulo, meus avós residiam aqui.

Amanda: Qual ano de chegada? Zenaide: Não lembro, mas é na década de 1950.

Amanda: Vocês sentiam falta de Alagoas? Zenaide: No começo chorávamos muito. Depois nos acostumamos.

Amanda: Lembra de Luiz Gonzaga? Zenaide: Ele era maravilhoso, nós adorávamos suas músicas. Tocavam as músicas dele em todas as festas que íamos.

Amanda: Primeiras diferenças que notou entre São Paulo e Alagoas? Zenaide: Os paulistanos naquela época tinham muito preconceito com nordestinos... Aliás, com nordestinos e negros. Eu, por exemplo, me casei com filho de portugueses, mas foi difícil para eles aceitarem.

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Amanda: Pensou em voltar para Alagoas? Zenaide: Uma vez fui embora pra Alagoas, depois de um tempo comecei a ficar agoniada querendo voltar. Considero S達o Paulo como minha segunda terra.

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Referências Bibliográficas:

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Dissertações: LOPES, J.R.B, Desenvolvimento e migrações: Uma abordagem histórico-cultural. p.131-133 CARVALHO, André Luiz Piva de, Construção Identitária: projeção simbólica. p.47-61 ALFONSI, Daniela do Amaral, Para todos os gostos: Um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção de forró. P.29,30,73,74,75.

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