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Na década de 1930, as competições automobilísticas tornaramse mais freqüentes, iniciando um maior intercâmbio entre pilotos e mecânicos do sul e do centro do país com pilotos estrangeiros, em especial uruguaios e argentinos, o que proporcionou uma evolução exuberante ao automobilismo brasileiro. O Automóvel Clube do Brasil realizou, em 8 de outubro de 1933, o 1° Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, disputado no Circuito da Gávea, dando assim um passo decisivo para que o Brasil entrasse no circuito internacional. Para participar dessa prova vieram, a convite dos organizadores, pilotos consagrados do Uruguai e da Argentina, onde o automobilismo era mais praticado do que no Brasil. Pilotos como o uruguaio Hector Suppici Sedes, considerado um dos mais criativos e inovadores da época, os argentinos Augusto McCarthy, Ernesto Blanco, Raúl Riganti e Vittorio Coppoli vieram competir no grande desafio do “Trampolim do Diabo”, um circuito de 11.160 metros com uma sucessão de 101 curvas. A participação desses convidados serviu como grande estímulo aos pilotos brasileiros. Irineu Corrêa, Júlio Moraes e Manuel de Teffé, com alguma experiência em corridas internacionais, eram os grandes favoritos do surpreendente público que compareceu ao circuito. Cerca de 240 mil pessoas acompanharam, vibrando do início ao fim, as vinte voltas da corrida, explodindo em alegria com a vitória de Manuel de Teffé, que completou o percurso no seu Alfa Romeo em
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3h19min25s, com uma velocidade média de 74,16 km/h.
UMA INTEGRAÇÃO POSSÍVEL, POR CAMINHOS IMPOSSÍVEIS Promovido pelo Centro Automovilista del Uruguay, entre 28 de março e 2 de abril de 1934 aconteceu o Concurso Automobilístico de Regularidade Montevidéu–Porto Alegre–Montevidéu. Esse grande evento, conhecido como raid de regularidade, mobilizou o público gaúcho e uruguaio durante vários dias, por se tratar de uma prova que envolvia homens e máquinas em um desafio brutal contra o relógio e as condições dos 2.035 km a serem desbravados. O público pôde acompanhar os resultados diariamente, graças aos serviços da Companhia Telefônica Rio-grandense, que possibilitou aos organizadores e jornalistas correspondentes enviarem, por telefone e fonógrafo, os resultados de cada etapa da competição, divulgados a seguir pelas comissões de prova e redações de jornais e rádios. A comissão organizadora e de controle dividiu a prova em quatro etapas. A primeira, de 605 km, iniciou-se em Montevidéu às 5h50min da manhã de uma quarta-feira, 28 de março, com destino à cidade de Rio Grande, com dezesseis carros, dez pilotados por uruguaios e seis por brasileiros, largando de minuto em minuto. Os destaques eram os pilotos uruguaios Jose Carlos Machado, Luciliano Rodriguez e Miguel Frabasile e os brasileiros Norberto Jung, Abelard Jacques Noronha e João Caetano Pinto, todos muito aplaudidos pelo público. A chegada a Rio Grande ocorreu às 15h9min, com Norberto Jung em 1° lugar, calorosamente recebido pela multidão que se encontrava em frente à prefeitura. O piloto uruguaio Jose Carlos Machado chegou em 2º lugar, 11 minutos depois de Jung, e Abelard Jacques Noronha em 3º lugar, 18 minutos após o piloto uruguaio. O equilíbrio dessa primeira etapa fez aumentar ainda mais a torcida pelos pilotos brasileiros. A imprensa gaúcha enaltecia o triunfo de Jung e o excelente desempenho de Noronha, sem esquecer que Machado era um forte candidato à vitória final.
Vista panorâmica do Circuito da Gávea, o “Trampolim do Diabo”, em 1933. Na página anterior, Júlio Anreatta, no 44, perseguido por Norberto Jung, no Circuito do Cristal, em 1941, em Porto Alegre, RS.
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Em pé, José Carlos Machado, vencedor do Raid de 1934; na foto ao lado, o piloto uruguaio Roberto Aguerre, ao volante no Chevrolet nº 12, desclassificado próximo a Tapes.
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Sobre essa etapa, Norberto Jung declarou em entrevista ao
prova, somente dez seguiram rumo a Porto Alegre, 405 km à frente,
jornal Correio do Povo do dia 30 de março de 1934: Para nós, felizmente, a viagem decorreu sem maiores novidades. Unicamente o carro do Abelard teve de soffrer um reparo no radiador, que furou. É lastima
beirando o mar, pela via conhecida ainda hoje como “Estrada do Inferno”. Por volta do meio-dia, na praia de Cidreira, os competidores pararam para reabastecer os carros, se alimentar e assinar o livro de con-
que os outros corredores rio-grandenses não pudessem continuar, em vista dos accidentes que soffreram. Gastão Ferreira, com grande velocidade, capotou horrivelmente, ferindo-se gravemente o seu mechanico.
trole, seguindo às 13h30min, para a conclusão dessa etapa. Durante esse trecho da corrida, Abelard Jacques Noronha teve o diferencial de seu Ford partido e foi forçado a abandonar a prova.
O carro ficou inutilizado. João Pinto teve a engrenagem do comando de válvulas partida, não podendo prosseguir. Quanto aos demais ignoro o
No bairro Partenon, em Porto Alegre, por volta das 14 horas, começou a se formar uma grande festa; a cidade se mobilizava para
que lhes aconteceu. Prosseguindo: Durante todo o percurso, mantive lucta renhida com Machado, do Ford nº 1, que me avantajou 2 pontos. É um crack notável.
receber os heróis dessa maratona automobilística. Faixas e bandeiras do Brasil, do Uruguai e do Rio Grande do Sul indicavam o local da chegada para os pilotos. Havia em todos uma grande expectativa so-
Assim, com muita expectativa, iniciou-se a segunda etapa, às 8h15min do dia 29, depois de os carros atravessarem de balsa o canal com destino a São José do Norte. Dos dezesseis carros que iniciaram a
bre os líderes da prova, pois eram poucas as notícias que se tinham desde Cidreira. As primeiras informações sobre o último trecho foram trazidas por um avião da Base Naval, que, em vôo rasante sobre o
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local de chegada, jogou um pequeno pára-quedas contendo as novidades. Para a alegria dos brasileiros, apesar da nota do abandono da prova por Abelard Jacques Noronha, Jung estava à frente, seguido de
Do Partenon, um grande cortejo seguiu pelas ruas de Porto Alegre até a praça Senador Florêncio, no centro da cidade. Todos queriam saudar os competidores com acenos e aplausos. Em frente ao Clu-
perto pelo uruguaio Jose Carlos Machado. Às 15h34min, entre aplausos delirantes e aclamação dos populares que bradavam seu nome, Norberto Jung cruzou o pano de
be do Comércio, autoridades municipais e estaduais e membros da Comissão Central de Corridas promulgaram o resultado oficial das duas primeiras etapas, enaltecendo a bravura e o grande espírito pa-
chegada em 1o lugar, tendo a seguir seu carro cercado pela multidão. Carregado nos ombros do povo, Jung chegou até a Comissão de controle, sendo declarado oficialmente o líder geral das duas
triótico dos competidores, que provaram, com seu heroísmo, ser possível o transporte terrestre entre as capitais platina e gaúcha, proporcionando assim maior intercâmbio entre os dois povos.
primeiras etapas. O uruguaio Jose Carlos Machado cruzou a chegada apenas quatro minutos depois, sendo também muito aplaudido e festejado pelo povo porto-alegrense. O clima da competi-
O dia 30 de março, sexta-feira, foi reservado para o descanso dos pilotos, que tiveram durante a tarde seus veículos liberados pela comissão de controle, por uma hora, para fazer os reparos necessári-
ção era de extrema cordialidade e respeito entre todos os competidores, organizadores e o público.
os. A seguir, os carros foram enviados de balsa para a Villa de Guaíba, local do início da terceira etapa.
Norberto Jung , em frente ao avião utilizado para a cobertura do Raid de 1934.
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No raid de 1934, Norberto Jung a plena velocidade junto ao mar, na segunda etapa da corrida; na foto ao lado, pilotos aguardam em Cidreira, RS, o momento de seguir para a capital.
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O automobilismo vira espetáculo Raid Montevidéu – Porto Alegre – Montevidéu (37 Km por volta) Porto Alegre (3ª ETAPA)
RIO GRANDE DO SUL
Cidreira
Pelotas
Jaguarão
URUGUAI
Melo (4ª ETAPA)
Rio Grande (2ª ETAPA)
Treinta y Tres Chuí
Montevidéu
Rocha
(1ª ETAPA) Maldonado
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Transporte de carros por balsa, de Porto Alegre a Guaíba,RS, no Raid de 1934.
Concurso Internacional de Regularidade Montevidéu/Porto Alegre/Montevidéu - 2.035 km De 28/03 a 02/04/1934 Piloto e nacionalidade
Carro e número
Jose Carlos Machado / Uruguaio Ford 4 cil. / nº 1 Miguel Frabasile / Uruguaio Ford 4 cil. / nº 20 Norberto Jung / Brasieliro Ford 4 cil. / nº 5 Luciliano Rodrigues / Uruguaio Rugbi 4 cil. / nº 9 Abelard Noronha / Brasileiro Ford 4 cil. / nº 6
Classificação 1ª etapa
2ª etapa (605 km) Montevidéu (Urug.) Rio Grande (Bra.) Rio Grande (Bra.) Porto Alegre (Bra.) 2º lugar 5º lugar 1º lugar 6º lugar 3º lugar
2º lugar 3º lugar 1º lugar 6º lugar -
3ª etapa (405 km) Porto Alegre (Bra.) Jaguarão (Bra.) 1º lugar 3º lugar 2º lugar 4º lugar -
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4ª etapa Classificação Final (470 km) (555 km) Jaguarão (Bra.) Montevidéu (Urug.) 1º lugar 2º lugar 4º lugar 3º lugar -
1º lugar 2º lugar 3º lugar 4º lugar -
Na localidade de Pedras Brancas, em Guaíba, às 6h45min do dia 31, foi dada a largada para a penúltima etapa do grande confronto. Foram 470 km percorridos até a cidade de Jaguarão, na divisa com
Em Montevidéu, milhares de pessoas saíram às ruas para festejar a grande vitória dos pilotos uruguaios. Jose Carlos Machado cruzou a linha de chegada em 1o lugar às 18h16min , com seu Ford nº 1,
o Uruguai, passando por Tapes, Camaquã (onde houve outra travessia de balsa), São Lourenço, Pelotas, Piratini e Arroio Grande. Durante a maior parte desse trecho, Jung liderou a prova, chegando a Arroio
seguido por seus conterrâneos Miguel Frabasile, com o Ford nº 20, e Luciliano Rodriguez, com um Rugbi nº 9. Norberto Jung chegou próximo das 20h e foi recebido com muito carinho e respeito por todos os
Grande às 15h23min, apenas um minuto à frente de seu perseguidor, Jose Carlos Machado. Mas a sorte de Jung mudou a partir dessa localidade. Um temporal, com fortes rajadas de vento, mais problemas
uruguaios. Na classificação geral ficou em 3º lugar.
nos freios de seu Ford levaram a esperança brasileira de encontro a um barranco, já muito próximo a Jaguarão, causando grande desalento ao povo dessa cidade.
PORTO ALEGRE EM DIA DE GRANDE PRÊMIO A população de Porto Alegre viveu momentos inesquecíveis em 1935. A Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha, reali-
O piloto uruguaio chegou às 16h52 min e Jung, às 18h4min. Poucos eram os espectadores devido às fortes chuvas. As notícias dessa etapa só foram conhecidas no dia seguinte, pois as transmissões de
zada no Parque da Redenção, trouxe para a cidade 1 milhão de pessoas entre os dias 20 de setembro e 20 de dezembro. Com 250 mil habitantes, a cidade mobilizou-se para receber
telefone e telégrafo foram interrompidas por causa do mau tempo. O último trecho da prova estava previsto para o domingo, 1º
seus convidados e viveu momentos de muita euforia com os eventos programados. Coube ao Touring Club do Brasil e à sua seccional
de abril de 1934, mas, por causa das péssimas condições do tempo, das estradas e do grande desgaste físico dos pilotos, transferiu-se a largada para a segunda-feira, às 6 horas. Assim, a quarta e última eta-
no Rio Grande do Sul (recém-fundada, em 21 de março daquele ano) a tarefa de organizar um dos principais eventos para a festividade: a realização do 1º Grande Prêmio Cidade de Porto Alegre –
pa iniciou-se em Jaguarão. Em território uruguaio, os 555 km finais passavam pelas cidades de Melo, Trinta e Três, Lascano, até a localidade de Carrasco, em
Circuito Farroupilha. A prova foi patrocinada pelo Automóvel Clube do Brasil, que homologou seu resultado para a oficialização internacional junto à Federa-
Montevidéu, para o triunfo final. Os uruguaios já sabiam das dificuldades que o piloto brasileiro Norberto Jung enfrentava com os freios de seu Ford e do acidente ocorrido, mas poucos tinham idéia de que
ção Internacional de Automobilismo (FIA), colocando pela primeira vez
sua caixa de câmbio, nesse último trecho da prova, estava presa apenas por fios de arame. Dos dezesseis competidores que iniciaram a corrida, somente quatro cruzaram a linha de chegada em condições de prova; os demais a abandonaram ao longo do percurso ou não conseguiram classificação.
Capotagem espetacular do piloto uruguaio Ramon Sierra na curva da Pedra Redonda, no GP. Cidade de PortoAlegre. Porto Alegre, RS, 1935.
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o automobilismo gaúcho no cenário das grandes competições internacionais. O Grande Prêmio foi marcado para o dia 15 de novembro, coincidindo com o feriado nacional comemorativo da procla-
nutos com destino ao bairro Cristal. Milhares de pessoas seguiam de bonde até o fim da linha no Menino Deus e dali caminhavam até o Circuito do Cristal. Centenas de automóveis formavam uma longa fila
mação da República. A comissão organizadora do Touring definiu como local de largada o Largo do Cristal, com seu piso cimentado de 4 km no sentido dos
na praia de Belas e também no caminho por Teresópolis. A comissão de prova interrompeu o tráfego de veículos próximo ao Largo do Cristal e ingressos eram vendidos para as arquibancadas construídas nessa parte
bairros Tristeza e Pedra Redonda, seguindo pela estrada de Ipanema em mais 4 km de macadame asfáltico (piso de brita e saibro compactado revestido por uma camada de asfalto). A partir daí, pela estrada da Cava-
do circuito. O clima era de muita festa, expectativa e ansiedade. O ronco dos motores ecoou pelas ruas e becos do Cristal pouco antes das 8 horas, horário previsto para a largada. O coração de
lhada, mais 5 km de terra batida, completando os 2 km finais pelo Beco do Cristal, também de terra. Todas as providências foram tomadas para garantir a segurança e o sucesso da prova. Arquibancadas e pavilhões fo-
todos bateu mais forte no compasso alucinante dos motores, que aos poucos formavam o grid de largada de acordo com numeração definida por sorteio.
ram construídos ao longo do ponto de partida do Circuito Farroupilha, proporcionando conforto ao público, às autoridades e equipes de controle e cronometragem e à imprensa. Trinta postos fiscais com telefones
Em decorrência de problemas mecânicos, os carros nº 14 e nº 18 não alinharam na partida. Às 8 horas em ponto a bandeira quadriculada baixou e os dez pilotos partiram com suas máquinas
foram montados ao longo do percurso, com 120 agentes de segurança e saúde e três ambulâncias para casos de emergência. A infra-estrutura foi
em busca da vitória, para delírio das 50 mil pessoas que lotaram o circuito e de outras centenas de milhares que, de suas casas, ouvi-
considerada excelente para os padrões de exigência da época. Doze pilotos inscreveram-se para a prova, tendo como grande favorito o gaúcho Norberto Jung. A presença de pilotos experientes,
dos colados ao rádio, acompanhavam as emoções de cada volta, levadas ao ar para toda a América Latina pelo prefixo PRH 2 da Rádio Farroupilha.
como o carioca Hugo Teixeira de Souza e o uruguaio Ramon Sierra, indicava uma disputa feroz pela vitória. A prova também contava com outros importantes pilotos gaúchos, como Oscar Bins, que vencera,
Após os primeiros 9 min4s da largada, pela curva do Beco do Cristal, surgiu, levantando poeira, o Ford V-8 de Oscar Bins, entrando na faixa de cimento, liderando a primeira das vinte voltas da prova.
em fevereiro daquele ano, a prova Porto Alegre–Cidreira–Torres, e o jovem e promissor talento, Olyntho Pereira. Nas oficinas mecânicas da capital gaúcha não se falava em outro assunto. Pilotos e equipes entravam madrugada adentro buscando melhores ajustes para seus carros, vigiados de perto pela imprensa e pelo público curioso. O piloto Ramon Sierra desembarcou em Porto
Dodge nº 20 do piloto João Muradás, no GP Cidade de Porto Alegre, RS, em 1935.
Alegre dois dias antes da prova, tendo reconhecido o circuito apenas no último treino de quinta-feira, dia 14. Mesmo sem treinar e com a condição física abalada por uma febre inesperada, Sierra dizia-se entusiasmado pelo espírito de confraternização e mobilizado para buscar a vitória. No último dia de treino, Norberto Jung estava maravilhado com as condições de prova e o ótimo desempenho de seu Ford V-8. O dia 15 de novembro de 1935 amanheceu ensolarado. Ainda na madrugada, imensas filas formavam-se no centro da cidade e a população lotava ônibus e trens que saíam do mercado público a cada 20 mi-
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Circuito do Cristal (15 Km)
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GP Cidade de Porto Alegre, no Circuito do Cristal, em 1935. Na foto 1, carros posicionados para a largada; na foto 2, Oscar Bins, carro nº 4, na curva do Beco do Cristal; na foto 3, Jung acena para o povo, ao cruzar a reta do Cristal. Porto Alegre, RS, 1935.
1º GRANDE PRÊMIO CIDADE DE PORTO ALEGRE/ CIRCUITO FARROUPILHA ORDEM DE LARGADA
1ª fila: Carro nº 2 de Ramon Sierra – Ford V8 Carro nº 4 de Oscar Bins – Ford V8
2ª fila: Carro nº 6 de Hugo Teixeira de Souza – Motor Willys e chassis Bugatti Carro nº 8 de Joaquim Fonseca Filho – Ford 4 cilindros
3ª fila:
Grande Prêmio Cidade de Porto Alegre Circuito Farroupilha - 15/11/1935 Colocação Piloto, carro e número
Tempo
1º lugar 2º lugar 3º lugar 4º lugar
3h 3 min 58s 3h 8 min 50s 3h 11 min 27s 3h 20 min 50s
Norberto Jung - Ford V8 - nº 16 Olyntho Pereira - Ford V8 - nº 12 Oscar Bins - Ford V8 - nº 4 Joaquim Fonseca Filho - Ford 4 cil. - nº 8
Velocidade média 101,105 km/h 98,500 km/h 96,379 km/h 93,603 km/h
Carro nº 10 de João Caetano Pinto – Lancia/Lambda Carro nº 12 de Olyntho Pereira – Ford V8
4ª fila: Carro nº 14 de Olavo Guedes – Ford 4 cilindros Carro nº 16 de Norberto Jung – Ford V8
5ª fila: Carro nº 18 de Ludovi Schildmeyer – Bugatti Carro nº 20 de João Muradás – Dodge
6º fila: Carro nº 22 de Adolpho Pinto – Dodge Carro nº 24 de Raul Lazzarini – Ford 4 cilindros Ficou estabelecido que a distância entre as filas seria de 10 metros.
Premiação: - Norberto Jung recebeu como prêmio 15 contos de réis, mais a taça Touring Clube do Brasil, taça Centro Automobilístico do Uruguai e a taça Automóvel Clube de São Paulo. - Olyntho Pereira recebeu 5 contos de réis, mais a taça Touring Clube do Brasil e medalha de prata. - Oscar Bins recebeu 3 contos de réis, mais a taça Touring Clube do Brasil e também a taça Adimor, oferecida pela distribuidora de gasolina, por ter feito a volta mais rápida no circuito, 8 minutos e 32 segundos. - Joaquim Fonseca Filho recebeu 2 contos de réis.
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Nas fotos de 1 a 6, Luiz Lazzarini, Olyntho Pereira, Oscar Bins, João Caetano Pinto, Hugo Teixeira de Souza e Olavo Guedes; na foto 7, Olyntho Pereira na reta do
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Cristal, Porto Alegre, 1935.
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Logo a seguir, envoltos em uma nuvem de pó, surgiram Ramon Sierra, Olyntho Pereira, Norberto Jung e Hugo Teixeira de Souza, todos muito próximos, em acirrada disputa, que levantou o público das arqui-
buna de honra, onde deu inúmeras entrevistas e recebeu os cumprimentos das autoridades. Em 2o lugar chegou Olyntho Pereira e na 3a colocação, Oscar Bins.
bancadas. Em coro, os espectadores gritavam palavras de incentivo na reta de chegada. Na tribuna de honra estavam os dirigentes do Automóvel Clu-
O 1° Grande Prêmio Cidade de Porto Alegre oxigenou ainda mais o automobilismo gaúcho. Norberto Jung era uma das estrelas de uma brava constelação de pilotos que começava a brilhar no cenário
be do Brasil, do Automóvel Clube de São Paulo e do Touring Club, além do governador do Rio Grande do Sul, general Flores da Cunha, que atentamente acompanhavam o espetáculo, ouvindo também os
nacional. Sob a liderança de Jung surgiu aquela que seria a mais importante equipe de competições automobilísticas do Rio Grande do Sul: a Escuderia Galgo Branco, reunindo, em seu início, Olyntho Pereira,
gritos que vinham do Beco do Cristal, anunciando a chegada da segunda volta. Misturada ao ronco do possante motor V-8, ouvia-se ao fundo a voz da multidão bradando o nome de Jung.
Oscar Bins e João Caetano Pinto.
Todos os olhares voltaram-se para a curva do Beco do Cristal, até surgir o carro nº 16, derrapando a uns 80 km/h e controlado com perfeição pelo condutor, que, entrando na faixa de cimento como uma
O Circuito da Gávea, desde a sua primeira edição em 1933, tornara-se um dos maiores desafios para pilotos brasileiros e estrangeiros. Todos viam nessa prova, que já era uma das mais tradicionais do
bala, cruzou o ponto de cronometragem a 120 km/h. Jung acenou para o público, que delirava e gritava seu nome. Ele era um fenômeno.
automobilismo sul-americano, a oportunidade para a consagração. Assim, os pilotos gaúchos Norberto Jung, Oscar Bins e Olavo Guedes
Mesmo largando na 4ª fila, em apenas duas voltas abrira uma distância de 300 metros para o 2º colocado, Oscar Bins. A partir da segunda volta, Jung liderou a prova até o final. Foi
alçaram vôo rumo ao 4º Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, realizado no dia 7 de junho de 1936. No Rio de Janeiro, os gaúchos encontraram uma verdadeira le-
um grande espetáculo de perícia e coragem de todos os competidores, que, apesar do grave acidente ocorrido na sexta volta com o piloto uruguaio Ramon Sierra, não deixaram de pisar fundo no ace-
gião estrangeira e suas poderosas máquinas Grand Prix, especiais para competições. Da Itália vieram os representantes da Escuderia Ferrari, Carlo Pintacuda e Attilio Marinoni, para correr de Alfa Romeo; da Fran-
lerador de suas máquinas. Ocupando a quarta colocação, na descida da Pedra Redonda, ao iniciar uma das curvas mais perigosas do circuito, Ramon Sierra, em alta velocidade, abriu demais, quase ba-
ça, uma irreverente mulher, Helle-Nice, com um Alfa Romeo e Macerdady, equipado com um Talbot; de Portugal veio Henrique Lehrfeld e seu Bugatti; da Argentina vieram Ricardo Carú (campeão
tendo seu Ford nº 2 num barranco onde se encontravam alguns espectadores. Ao perceber o perigo, o volante uruguaio pisou no freio e derrapou violentamente, iniciando uma seqüência de três
dessa prova em 1935), correndo com seu Fiat, Vittorio Coppoli, com um Hispano-Suiza, Arturo Kruse, com um Plymouth, e Augusto McCarthy, com um Chrysler.
capotagens. No primeiro giro, seu ajudante foi jogado para fora do carro. Sierra deu mais dois giros impressionantes, sendo no último lançado a uma altura de 5 metros. Apesar da violência do acidente e
Além desses, havia um grande time nacional, liderado pelo campeão da 1ª Gávea, em 1933, Manuel de Teffé. Com seu Alfa Romeo Grand Prix, Teffé era o único brasileiro capaz de fazer frente aos es-
de Sierra ter permanecido em choque até o dia seguinte, nenhuma lesão mais séria foi constatada em nenhum dos dois, que sofreram apenas algumas escoriações e luxações pelo corpo.
trangeiros. Assim como os gaúchos, os demais pilotos brasileiros competiam com carros adaptados, maioria entre os 39 automóveis que deram a largada.
Jung venceu a prova com o tempo de 3h3 min58s, a uma velocidade média de 101 km/h. Após cruzar a linha de chegada, foi retirado de seu Ford e carregado pelo público em festa, sendo levado à tri-
Durante os treinos na véspera da corrida, uma infeliz coincidência transtornou a todos. O carro pilotado por Dante Palombo – o mesmo conduzido por Irineu Corrêa quando este perdera a
GAÚCHOS NO “TRAMPOLIM DO DIABO”
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vida nessa mesma prova no ano anterior – chocou-se violentamente contra um poste, ferindo o piloto mortalmente. Apesar da tragédia, a prova transcorreu normalmente. O italiano Carlo Pintacuda
SUBIDA DA MONTANHA
liderou a corrida com folga até a 21ª volta, quando quebrou o diferencial do seu Alfa Romeo. O argentino Vittorio Coppoli, que vinha em 2o lugar, assumiu a liderança faltando apenas quatro voltas
Primeira série: para carros Standard fabricados até 1931, de qualquer cilindrada ou carros fabricados depois de 1931 com cilindrada inferior a 2000 cc. 1º lugar: João Caetano Pinto (De Soto – nº 8 – Tempo de 1’ 47" 3/5) 2º lugar: Armando Zani (Lincoln – nº 16 – Tempo de 1’ 48" 1/5) 3º lugar: Franciscou Coutinho (Ford Modelo A – nº 15 – Tempo de 1’ 52"4/5)
para o final e conquistou a vitória. Para Norberto Jung, um estreante na prova, o resultado foi excelente: tendo largado na 11ª posição com seu Ford V-8, nº 66, chegou em 5o lugar com o tempo de 4h04min46s e 4/10. Oscar Bins e Olavo Guedes não terminaram a prova.
NO CARACOL DA BELA VISTA Por causa do êxito e da popularidade de seus protagonistas, o automobilismo conquistava cada vez ganhava mais adeptos entre os gaúchos. Em 1936, criou-se a Associação dos Volantes do Rio Grande do Sul, com os propósitos de organizar competições automobilísticas e promover a disciplina e a cordialidade entre os pilotos. Com esse espírito, a Associação promoveu, no dia 4 de agosto
A prova foi dividida em três séries, com os pilotos saindo um de cada vez, e teve o seguinte resultado:
Segunda série: para carros standard fabricados depois de 1931 de qualquer cilindrada 1º lugar: Abelard Jacques Noronha (Ford V-8 – nº 12 – Tempo de 1’ 37" 3/10) 2º lugar: Norberto Jung (Ford V-8 – nº 2 – Tempo de 1’ 38") 3º lugar: Hercílio Santos Souza V-8 – nº 4 – Tempo de 1’ 39 “ 1/5) Terceira série: para carros de qualquer cilindrada – Força Livre 1º lugar: Olyntho Pereira (Ford 4 – nº 18 – Tempo de 1’ 33" 1/5) 2º lugar: Norberto Jung (Ford V-8 – nº 22 – Tempo de 1’ 36" 3/5) 3º lugar: Norberto Jung (Ford V-8 – nº 15 – Tempo de 1’ 37"1/5) O melhor desempenho no geral ficou com Olyntho Pereira.
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de 1936, a prova Subida da Montanha, nos “Arrabaldes da Bela Vista”. O percurso de 1.500 metros iniciava-se onde atualmente fica a esquina da avenida Protásio Alves com a rua Côrte Real, seguindo por essa e, depois, pelas ruas Barão de Ubá, Cabral, Eng. Adolfo Stern e Eng. Veríssimo de Matos até o ponto de chegada, nos altos da Caixa d´Água, próximo às torres da Rádio Farroupilha, numa seqüência de fortes curvas em plano inclinado. A prova foi uma grande confraternização entre os pilotos e o público, que teve a oportunidade de estar junto a seus ídolos e máquinas e apreciar os trabalhos de urbanização realizados pela Empresa Territorial Bela Vista, que contemplou os vencedores com taças, placas e medalhas. Os vencedores foram: na série para carros Standard fabricados até 1931, João Caetano Pinto (De Soto – nº 8 – tempo de 1min47s e 3/5); na série para carros Standard fabricados depois de 1931, Abelard Jacques Noronha (Ford V-8 – nº 12 – tempo de 1min37s e 3/10); na série para carros de qualquer cilindrada – Força Livre, Olyntho Pereira (Ford 4 – nº 18 – tempo de 1min33s e 1/5).
Abelard Jacques Noronha na prova Subida da Montanha. Porto Alegre, RS, 1936.
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O CARINHO POPULAR Para proporcionar atividades mais constantes para pilotos e público, no embalo das grandes provas nacionais e também do grande sucesso do Circuito Farroupilha de 1935, a Associação dos Volantes do Rio Grande do Sul, em parceria com a Empresa Jornalística Caldas Júnior, promoveu, em 14 de fevereiro de 1937, o 1º Grande Prêmio Folha da Tarde, no já conhecido Circuito do Cristal. Nessa época, o público gaúcho dedicava um carinho especial aos pilotos, que cumpriam uma tarefa heróica na prática de um esporte em que o preço da glória muitas vezes era a própria vida. O
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prêmio maior para os pilotos eram os aplausos e o carinho das pessoas, que de forma espontânea chegavam ao delírio com seus ídolos, acompanhando cada volta de uma prova, com suas retas e curvas. Entre os pilotos, a camaradagem e o respeito mútuo eram indiscutíveis. Todos esses aspectos ficaram evidentes nesse GP. Para enriquecer e aumentar o brilho da prova, a Associação dos Volantes convidou alguns pilotos do centro do país. Assim, vieram os paulistas Nascimento Júnior, Irahy Corrêa e os irmãos Chico e Quirino Landi (que ofereceram uma estatueta de bronze para o volante gaúcho mais bem colocado) e o carioca Luiz Tavares Moraes. O automobilismo sempre foi um esporte caro. O grande desejo de competir, no entanto, muitas vezes superava as dificuldades financeiras com o auxílio e a solidariedade de amigos e anônimos incentivadores desse esporte. É o caso de Adalberto Moraes e sua “Petiça”. Adalberto era mecânico das oficinas Ribeiro Jung & Cia. e grande admirador de seu chefe e amigo Norberto Jung, que lhe possibilitou desenvolver e preparar sua “Petiça”, um Ford 4 cilindros, para o Grande Prêmio Folha da Tarde. A “Petiça”, como era carinhosamente
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Grande Prêmio Folha da Tarde no Circuito do Cristal; na foto 1, Nascimento Júnior a plena velocidade; na foto 2, Abelard Jacques Noronha entra forte na curva da Juca Batista, podo fim à sua participação; na foto 3, grande público, presença constante nas competições; na foto 4, Norberto Jung ao lado de sua barata; na foto 5, Nascimento Júnior posando como vencedor; na foto 6, Luiz Tavares Moraes, com dificuldade para controlar seu carro. Porto Alegre, RS, 1937.
chamada por todos, chegou a voar baixo nos 15 km do Circuito do
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Cristal, no último dia de treinos, sendo apenas superada pelo carro do próprio Jung. Mas a participação de Adalberto na prova esteve ameaçada.
Nascimento aperta Jung na Pedra Redonda, assumindo a liderança, mas por pouco tempo. Jung, empurrado pelos gritos do povo, investe e ultrapassa Nascimento Júnior pouco antes de chegar à avenida Juca
Ele não tinha dinheiro para adquirir o combustível necessário para a competição. Iniciou-se então uma campanha pela imprensa que comoveu e mobilizou a todos que, anonimamente, fizeram chegar, à Ri-
Batista. Noronha faz o mesmo, roubando de Nascimento a 2ª colocação. Jung completa a primeira das vinte voltas da prova em 1º lugar, abrindo 200 metros para o 2o colocado, posto ocupado novamente
beiro Jung & Cia., 100 litros de combustível e 750$000 (setecentos e cinqüenta réis). Parte da contribuição foi arrecadada entre os colegas de oficina, um dos pontos mais visitados nos dias que antecederam a
por Nascimento Júnior. Na seqüência passam Abelardo Noronha, Chico Landi, Oscar Bins, Luiz Tavares Moraes, Adalberto Moraes e Olyntho Pereira, todos em constante briga por melhores posições.
prova, pois ali estavam em preparação os carros de Norberto Jung, Oscar Bins, Abelard Noronha, João Caetano Pinto e a “Petiça” de Adalberto Moraes.
Norberto Jung completa a sétima volta em absoluta liderança, no tempo recorde de 8min26s para uma volta, a quase meio circuito de distância do 2º colocado, Nascimento Júnior. O público vibra, jul-
A transmissão radiofônica do evento ficou a cargo da P.R.F. 9 – Rádio Difusora, que para narrar as provas trouxe Oduvaldo Cozzi, figura de destaque da Rádio Nacional do Rio de Janeiro e famoso por
gando a prova já definida em favor de Jung. Na reta de Ipanema, porém, próximo à Caixa-d’Água, a barata de Jung, com o tanque furado, começa a perder combustível e segue lentamente até a avenida Juca
suas emocionantes locuções nas provas da Gávea. A Rádio Difusora e a Rádio Nacional lideraram a mais extensa cadeia de transmissão já
Batista, para desespero do piloto e dos espectadores. Nascimento e Noronha disputam, lado a lado, o 1.º lugar du-
formada até então em uma narração esportiva no Brasil. A largada da prova estava marcada para as 9 horas de domingo, mas as fortes chuvas que caíram durante a noite levaram a comissão de
rante grande parte da oitava volta. Noronha entra na reta de chegada ponteando a corrida, e é saudado como novo herói pelo público, que acena lenços brancos. Com grande entusiasmo, ele encara curvas e
prova a transferir o início para as 15 horas. Não foi possível, porém, comunicar a decisão ao público e milhares de pessoas, ainda de madrugada, levadas pela mesma paixão, e pouco se importando com a chuva,
retas do circuito com destemor, pisando firme, e chega a Ipanema com uma distância de 100 metros de Nascimento Júnior. Na curva da avenida Juca Batista para a avenida Cavalhada, Abelard Noronha vacila,
seguiram para o Cristal e para outros pontos do circuito, permanecendo fiéis a seus ases até o fim do dia, quando a prova foi encerrada. Às 15 horas, diante do público abnegado, de cerca de 60 mil pes-
entra muito forte e bate nos sacos de areia colocados para proteção de público e pilotos, pondo fim a sua participação na corrida. Uma grande frustração se abate sobre o público. Oscar Bins, outra esperan-
soas, 13 pilotos deram a largada nos mesmos moldes do Circuito Farroupilha. Alinhados dois a dois na largada, estavam, pela ordem: nº 2 – Norberto Jung (Ford V-8); nº 4 – Abelard Jacques Noronha (Ford V-8);
ça gaúcha, pouco depois de iniciar a quinta volta capota seu Ford nº 8 próximo à praça da Tristeza, sofrendo uma fratura na clavícula; Adalberto Moraes e sua “Petiça”, após excelente largada, que pôs à
nº 6 – Nascimento Júnior (Ford V-8); nº 8 – Oscar Bins (Ford V-8); nº 10 – Quirino Landi (Bugatti); nº 12 – Olyntho Pereira (Dodge 6 cc); nº 14 – Luiz Tavares Moraes (Ford V-8); nº 16 – Mário Macalão (Studebaker); nº
frente de Olyntho Pereira e Quirino Landi, recolhe-se ao box na segunda volta para alguns reparos mecânicos e volta somente quatro voltas depois, com enormes prejuízos.
20 – Adalberto Moraes (Ford 4 cc – “a Petiça”); nº 22 – Olavo Guedes (Wanderer – Kompressor); nº 24 – Irahy Corrêa (Bugatti); nº 26 – Chico Landi (Fiat); nº 32 – Luiz Lazzarini (Auburn).
O experiente Nascimento Júnior estava mesmo em dia de sorte. Conquistou a 1a posição, que soube administrar com enorme regularidade, a uma velocidade média de 106 km/h. O público reconheceu
A primeira volta é eletrizante. Jung dispara, seguido de Nascimento Júnior, que, numa manobra ousada, rouba o 2o posto de Abelard Jacques Noronha. Este, junto com Bins e Quirino, briga pelo 3o lugar.
a vitória do piloto paulista, um dos melhores do país, uma figura talentosa e simpática que, desde a chegada a Porto Alegre, conquistou muito carinho e respeito. Olyntho Pereira conquistou o 2o lugar,
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sendo aclamado, junto com Nascimento Júnior, pelo grande público, que, embora cansado pelo longo dia, soube dar valor e incentivo a todos os competidores. O resultado final da prova foi o seguinte: em 1º lugar, Nascimento Júnior (Ford V-8) – no 6; em 2º lugar, Olyntho Pereira (Dodge 6 cil.) – nº 12; em 3º, Quirino Landi (Bugatti) – no 10; e, em 4º, Luiz Tavares Moraes (Ford V-8) – no 14.
A CONSAGRAÇÃO DE NORBERTO JUNG
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Considerado um dos maiores encontros automobilísticos das Américas, reunindo 42 carros e alguns dos melhores pilotos do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, o Centro Automobilístico do Uruguai promoveu, no dia 4 de abril de 1937, o grande Concurso Automobilístico de Regularidade, conhecido como Raid Montevidéu–Rio de Janeiro. Dez pilotos brasileiros participaram desse desafio de 3.200 km, divididos em oito etapas, num percurso de muitas dificuldades e pouco conhecido pela maioria dos concorrentes. Nessa competição, o sistema de pontuação consistia no somatório de pontos perdidos em cada etapa, que equivalia a um ponto para cada minuto de atraso em relação ao tempo predeterminado pela comissão de prova. O piloto uruguaio Hector Suppici Sedes, um dos grandes favoritos, venceu a primeira etapa de 450 km entre Montevidéu e Melo, ainda no Uruguai, tendo seu conterrâneo Bernabé Vicente em 2º e Norberto Jung em 3º lugar. Nessa mesma ordem, os primeiros colocados cumpriram a segunda etapa de 400 km, de Melo até Cachoeira do Sul, no Brasil, confirmando a expectativa de todos antes da prova: nos
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Raid Montevidéu–Rio de Janeiro, em 1937. Na foto 1, recepção dos pilotos gaúchos no cais do porto, em Porto Alegre, RS; na foto 2, Olyntho Pereira, à esquerda, Jung e José Caetano Pinto no Rio de Janeiro; na foto 3, Jung é aclamado por populares no Rio de Janeiro, ao final do raid; na foto 4, chegada dos pilotos a Porto Alegre, RS, ao fim da terceira etapa; na foto 5, chegada de Jung a São Paulo, SP; na foto 6, chegada vitoriosa de Jung ao Rio de Janeiro.
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três pilotos, mais os argentinos Arturo Kruse, Augusto McCarthy e Daniel Musso, recaíam todas as apostas de vitória. A grande surpresa de todos ficou por conta de João Caetano
cessitando, devido ao grande esforço físico, tomar uma injeção de cânfora para aliviar as dores no corpo. Jung voltou a vencer na quinta etapa, de Lajes a Florianópolis,
Pinto, um jovem e promissor talento do automobilismo gaúcho. Pilotando seu Ford V-8 Sedan, nº 23 (o único carro fechado da prova), ele vinha barbarizando e superando grandes feras, passando do 9º lugar
consolidando a sua liderança na classificação geral, com 33 pontos à frente de João Caetano Pinto, o 2º colocado, e 100 pontos à frente do volante uruguaio Miguel Frabasile, que estava na 3a colocação.
na primeira etapa para o 4º na segunda, e daí para a 2ª posição ao final da terceira etapa de 300 km entre Cachoeira do Sul e Porto Alegre. A chegada dos competidores à capital gaúcha foi um gran-
Na sexta etapa, rumo a Curitiba, Jung liderou até Joinville, quando seu carro apresentou problemas e foi superado pelo argentino Antonio Pereira e pelo paranaense João Magalhães, o vencedor da eta-
de acontecimento. Milhares de pessoas saíram às ruas para receber os pilotos, que chegavam pela estrada de São Leopoldo, recepcionados no posto de controle próximo à ponte do Gravataí.
pa. Na chegada a Curitiba, o paranaense foi aclamado como herói por milhares de pessoas. Faltando ainda duas etapas para o término da prova, Jung já
Não poderia ser melhor. Norberto Jung, com seu Ford V-8, nº 20, o grande ídolo dos gaúchos, venceu essa etapa e assumiu o 1º lugar na classificação geral. Em 2º lugar, na etapa e na geral, João Caeta-
era considerado o vitorioso do grande certame, devido à sua regularidade. Em sua chegada a São Paulo, em 3º lugar, foi recebido em frente ao Teatro Municipal e saudado pela multidão como um grande cam-
no Pinto, a grande revelação, e em 3º lugar nessa etapa, Olyntho Pereira, outro piloto dos pampas. Um grande corso se formou rumo
peão. Para os últimos 500 km da oitava etapa, entre São Paulo e Rio de Janeiro, bastava a 3ª colocação para Jung ser consagrado vencedor. E
à praça da Alfândega, no centro da cidade, onde, em frente ao Clube do Comércio, uma multidão aguardava a chegada da trinca de ases do automobilismo gaúcho, para uma grande comemoração.
não foi diferente. Por volta das 14 horas do dia 11 de abril, domingo, a cidade do Rio de Janeiro, na época capital federal, promoveu uma grande festa
Também foi motivo de festa a chegada do piloto carioca Júlio Moraes, motivada pela presença de sua ajudante e esposa, a artista consagrada do cinema nacional, Lia Torá.
para receber os pilotos brasileiros Norberto Jung e João Pinto, que passaram pelo último posto de controle em Campinhos em 3º e 4º lugares, respectivamente. Com esse resultado, Jung conquistou o 1º
Com a caixa de câmbio quebrada, logo após deixar Cachoeira, Suppici Sedes foi obrigado a abandonar a prova, o mesmo ocorrendo com Bernabé Vicente, que capotou em alta velocidade numa curva
lugar na classificação geral e uma das mais importantes vitórias de sua gloriosa carreira, enchendo de orgulho o povo brasileiro, que de todos os recantos do país acompanhava atentamente o desenrolar des-
próximo a Montenegro, sofrendo ferimentos leves e inutilizando seu carro para o resto da prova. Sem a presença dos dois pilotos uruguaios, as possibilidades de
sa inédita conquista do nosso automobilismo. Somente oito dias depois da vitória Norberto Jung conseguiu retornar a Porto Alegre. Seu nome foi manchete nos principais jornais
vitória de Jung e João Caetano Pinto aumentaram. Com essa perspectiva, e animados pelo calor da torcida não só do Rio Grande do Sul, mas também de todo o Brasil, nossos pilotos seguiram para a quarta
do Brasil e sua presença foi requisitada para diversas homenagens, sendo inclusive recebido e felicitado pelo presidente da República, Getúlio Vargas, apreciador de provas automobilísticas.
etapa de 300 km até Lajes, cruzando a serra gaúcha por caminhos inimagináveis, beirando precipícios e ribanceiras. Jung cruzou o rio das Antas com apenas 3 minutos de vantagem sobre João Caetano
Mas as maiores homenagens viriam do povo gaúcho que, durante uma semana, em ritmo de festa, se preparou para receber seus ídolos. A euforia tomou conta de todos. A segunda-feira, 19 de abril, foi decre-
Pinto, quando percebeu que um de seus pneus estava furado. Com isso, Caetano chegou vitorioso a Lajes, em uma das mais difíceis etapas da prova. Jung, em grande recuperação, chegou em 2º lugar, ne-
tada ponto facultativo nas repartições públicas e as escolas dispensaram seus alunos na capital gaúcha. Mais de 40 mil pessoas foram recepcionar Norberto Jung, João Caetano Pinto e Olyntho Pereira. Jun-
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Raid Montevidéu-Rio de Janeiro (3.200 Km) RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO São Paulo
CHEGADA Rio de Janeiro
(8ª ETAPA)
PARANÁ Curitiba (7ª ETAPA) Joinville
SANTA CATARINA
Florianópolis
Lages
(6ª ETAPA) RIO GRANDE Caxias do (5ª ETAPA) DO SUL Sul
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Cachoeira do Sul (3ª ETAPA) Bagé
Porto Alegre (4ª ETAPA)
Melo (2ª ETAPA) Treinta y Tres
URUGUAI
Montevidéu (1ª ETAPA)
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Norberto Jung, vencedor do Raid Montevidéu-Rio de Janeiro, em1937. Na foto 1, nas ruas de Porto Alegre, 40 mil pessoas festejam sua vitória; na foto 2, Jung desce do avião da Condor; na foto 3, Jung e sua esposa a caminho das comemorações, em Porto Alegre, RS.
Concurso Internacional de Regularidade Montevidéu/Rio de Janeiro - 3.200 km Piloto, carro e número
1ª etapa
1º N. Jung - Ford V-8 - nº 20 2º lugar 2º João Pinto - Ford Sedan V-8 - nº 23 9º lugar 3º Miguel Frabasile - Ford 4 cil. - nº 34 3º lugar
2ª etapa
3ª etapa
4ª etapa
5ª etapa
6ª etapa
7ª etapa
8ª etapa
Pontuação Final
3º lugar 1º lugar 2º lugar 1º lugar 3º lugar 3º lugar 3º lugar 4º lugar 2º lugar 1º lugar 2º lugar 6º lugar 5º lugar 4º lugar 14º lugar 13º lugar 11º lugar 13º lugar 12º lugar 12º lugar 12º lugar
423 pontos 450 pontos 506 pontos
Pontuação: A pontuação era feita por número de pontos perdidos.
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tos, eles desembarcaram do hidroavião, na ilha do Sindicato da Condor, que viria a ser a futura Varig, em frente ao cais do porto. Foram levados de lancha até o portão central, ladeados por diversas embarcações de
tição, aliando a técnica de pilotagem em circuitos de ruas e estradas ao arrojo e determinação necessários às provas de grande duração, como os raids de regularidade. Ele agregou ao seu estilo as experiênci-
clubes náuticos com suas sirenes e apitos saudando os vitoriosos. Já em terra firme, foram recebidos por seus familiares e diversos representantes dos clubes esportivos e da sociedade civil e militar, se-
as obtidas junto aos pilotos uruguaios e argentinos, especialistas nesses tipos de prova. Com essas características, os pilotos gaúchos se diferenciavam dos pilotos paulistas e cariocas, mais afeitos às provas
guindo em carro aberto num grande cortejo pelas ruas do centro da cidade até o Palácio do Governo, na praça Marechal Deodoro. Do alto dos prédios e das janelas, flores, papel picado, muito confete e ser-
de circuitos menores. O automobilismo gaúcho, nessa época, em paralelo ao do Uruguai e da Argentina, passou a viver um período de transição, que iria
pentina foram jogados em tributo a Norberto Jung, ídolo do povo e herói do automobilismo nacional. Surgiram nessa época, em vários pontos do Estado, manifesta-
dar origem às famosas carreteras. Essa história teve início no dia 5 de agosto de 1937, com a realização do Gran Prêmio Argentino, uma prova de regularidade e resistência cruzando o país por 6.894 km, percor-
ções de pessoas e empresas empenhadas em promover uma campanha para captação de recursos financeiros, visando a compra de uma máquina Grand Prix “puro sangue”, à altura do talento de Jung. A in-
ridos por 68 automóveis e passando por 15 províncias. O regulamento da prova foi inovador. Para dar maior segurança aos pilotos, seu artigo nº 11 excluía os carros de competição aber-
tenção era possibilitar que ele disputasse o próximo Circuito da Gávea de igual para igual com os pilotos estrangeiros.
tos e os modelos Grand Prix, permitindo apenas veículos fechados, com carrocerias metálicas do tipo passeio e turismo. A velocidade não
Apesar da mobilização e das inúmeras contribuições, Jung seguiu para a disputa do 5º Circuito da Gávea, no dia 6 de junho de 1937, sem uma máquina “puro sangue”. Foi enfrentar a legião estran-
podia superar os 120 km/h e o trajeto seria por “carreteras naturaes” (estradas). Esse Grande Prêmio tem um significado especial para o auto-
geira e suas máquinas Grand Prix, com o seu Ford V-8, muito bem preparado, mais leve e com melhor aerodinâmica, mas sem a menor chance de vitória, que nesse dia coube ao italiano Carlo Pintacuda,
mobilismo argentino, que viu nele o surgimento de um dos seus maiores pilotos, Oscar Galvez, e também a criação de uma nova categoria no seu automobilismo. Em 1938, com esses mesmos princípios, o
com um Alfa Romeo, ficando em 2º lugar o alemão Hans Stuck e seu poderoso Auto Union. Para Jung, apesar do grande esforço e do apoio popular, restou apenas um 9º lugar.
Avellaneda Automóvil Club realizou as Mil Milhas de Buenos Aires e o Automóvil Club Argentino promoveu o Gran Prêmio del Sur, consolidando as bases de uma das mais gloriosas categorias do automobilis-
NOVAS TENDÊNCIAS E ESTRÉIAS
mo sul-americano, a “TC – Turismo de Carretera”, uma verdadeira escola de grandes pilotos. A palavra carretera passou, a partir da exis-
Jung sempre exerceu forte liderança junto aos demais pilotos gaúchos. Sua cordialidade, seu espírito esportivo e, principalmente, seu talento possibilitaram a formação de um estilo gaúcho de compe-
Nas fotos ao lado, do Circuito do Cristal em Porto Alegre, RS, em 1938, Catharino Andreatta e Diogo Ellwanger, o “Alemão”, que fez sua estréia nessa prova.
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tência dessa categoria, a ser sinônimo de carros de corrida que disputavam provas com essas características. Junto a essa nova escola surgiram grandes mestres, como Oscar e Juan Galvez (este estreou nas Mil Milhas de Buenos Aires como acompanhante do irmão Oscar), Juan Manuel Fangio e Hector Suppici Sedes, o notável piloto uruguaio vencedor do Gran Prêmio del Sur de 1938 e, sem dúvida, o piloto estrangeiro que mais teve influência junto aos pilotos gaúchos e agregou-lhes conhecimento técnico. No Rio Grande do Sul, em 1936, na prova de Subida da Monta-
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nha, no Caracol da Bela Vista, estreou o jovem Catharino Andreatta, um dos nomes que consagrariam a época de ouro desse Estado no tempo das carreteras. Em sua segunda prova, em 1937, ocorrida em Venâncio Aires, Catharino conquistou o 2º lugar. Seu irmão, Júlio Andreatta, da mesma estirpe de campeões, fez sua estréia em Venâncio Aires em 1939, ficando em 3º lugar na competição. Junto aos irmãos Andreatta, outro nome se revelou nessa época para figurar com as carreteras nas páginas do automobilismo gaúcho: Diogo Ellwanger, que aos 22 anos fez sua estréia no Circuito do Cristal, em 17 de abril de 1938. Como nos anos anteriores, essa prova atraiu enorme público, que vibrou com os 20 pilotos inscritos. As novidades ficaram por conta da presença de alguns pilotos, como João Caetano Pinto e o catarinense Clemente Rovere, correndo com modelos Ford V-8 Sedan fechados, e o aumento do percurso para 500 km, seguindo a mesma tendência argentina e uruguaia de correr em veículos de passeio e turismo em distâncias cada vez maiores. Alinhados dois a dois na larga-
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da, estavam, pela ordem: nº 2 – Ulysses Botaro (Ford V-8); nº 4 – Júlio Carvalho (Ford V-8); nº 6 – Adalberto Moraes (Ford 4 Especial); nº 8 – Antônio Costa Fonseca (Ford V-8); nº 10 – Norberto Jung (Ford V-8); nº 12 – João Caetano Pinto (Ford V-8); nº 14 – Clemente Rovere (Ford V-8); nº 16 – Oscar Bins (Ford V-8); nº 18 – Olyntho Pereira (Ford 4
Circuito do Cristal, Porto Alegre, RS, 1938. Na foto 1, momento da largada; na foto 2, carro de Catharino Andreatta; na foto 3, carro de João Caetano Pinto. 3
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Especial); nº 20 – Catharino Andreatta (Ford V-8); nº 22 – Diogo Ellwanger (Ford V-8); nº 24 – Dirceu Oliveira (Ford V-8); nº 26 – Anibal Roberto Piva (La Salle Especial); nº 28 – Luiz Lazzarini (Auburn 8 Espe-
Esses acontecimentos causaram grande consternação em toda a sociedade porto-alegrense, pois eram duas pessoas queridas de todos e também era a primeira vez que a morte freqüentava o Circuito
cial); nº 30 – João Conceição (Ford V-8); nº 32 – Afonso Muradaz (Studebaker 6 Especial); nº 34 – Olavo Guedes (DKW); nº 38 – Mickey Mouse (Ford V-8); nº 40 – Attilio Davanzo (Locomobile Especial); nº
do Cristal, causando dor e luto a todos os amantes do automobilismo. O aumento de acidentes em corridas com carros abertos, muitas vezes fatais, como nesses casos, levou maior número de pilotos a
42 – Joaquim Fonseca (Ford V-8). A prova foi disputadíssima, com grandes “pegas” entre João Caetano Pinto e Norberto Jung, na briga pela primeira colocação. Mas quem
preferir correr com modelos fechados, tipo passeio, e com mais segurança para si e seus ajudantes. No raid Montevidéu–Rivera–Montevidéu, disputado nos dias
levou a melhor foi Júlio Carvalho, com o carro nº 4, que venceu a prova com a média de 101 km/h, seguido por Clemente Rovere, nº 14, e Norberto Jung, nº 10. Oscar Bins ficou na 4ª posição, com o carro nº 16. O 5º lugar
27 e 28 de dezembro de 1938, essa tendência se confirmou. Os pilotos uruguaios Hector Suppici Sedes e José Etchegoimberry, 1º e 2º lugares, respectivamente, mais Norberto Jung em 3º lugar e o argen-
coube ao estreante Diogo Ellwanger, com o nº 22, número que para ele virou um talismã em sua carreira automobilística, pelo fato de estar na época com 22 anos e correr com o carro nº 22 na estréia, conforme rela-
tino Carlos Orsi, 4º colocado, conquistaram essas posições numa dura prova de 1.288 km, pilotando modelos Ford V-8 tipo Coupé. Esta prova também marcou a estréia de Catharino Andreatta em dispu-
tou em entrevista à Folha Esportiva do dia 9 de julho de 1968. Infelizmente, dois acidentes fatais marcaram essa prova. Um
tas internacionais.
deles aconteceu dias antes da competição, com a morte do repórter do jornal Folha da Tarde, Plauto Azambuja Soares, quando ele acompanhava seu colega do jornal Correio do Povo, Saady R. Saadi, em uma
PORTO ALEGRE–TRAMANDAÍ
volta pelo circuito na barata Ford V-8 do piloto De Martini (a mesma que venceu o GP Folha da Tarde em 1937, pilotada por Nascimento Júnior). De Martini, em um gesto de amizade, cedeu seu carro para
Tarde, que com o apoio da PRC-2 – Rádio Sociedade Gaúcha realizou um dia de velocidade, ligando a capital do Estado ao balneário. A prova foi dividida em três categorias e reuniu 11 pilotos, na
que os dois jornalistas pudessem sentir as emoções do circuito, pilotando um carro de corrida. Com Saady ao volante, em alta velocidade, próximo à Caixa-d’Água, em Ipanema, a barata capotou violentamente.
manhã de 12 de fevereiro, para a largada em frente ao obelisco no fim do Passo da Areia e início da faixa de Gravataí, zona norte de Porto Alegre. A largada foi dada às 8h30min da manhã para o carro nº 2 de
Plauto teve morte instantânea e Saady ficou gravemente ferido. O outro acidente ocorreu durante a primeira volta da prova, quando o piloto Antônio Costa Fonseca não conseguiu controlar seu carro, que se cho-
Roberto Piva, na categoria Livre, seguindo em intervalos de dois minu-
No verão de 1939, o pacato balneário da Villa de Tramandaí teve sua rotina alterada em função da promoção do jornal Folha da
cou fortemente contra um poste na Tristeza. Ele ficou gravemente ferido e o mecânico Oswaldo Mancini faleceu.
Prova Porto Alegre-Tramandaí, em1939. Na foto 1, Carlos De Martini rumo ao litoral; na foto 2, carro nº 4 de Juvenal Teixeira; na foto 3, carros de Oscar Bins, nº 40, de Carlos De Martini,nº 10, e dePaulo Gomes,nº 20; na foto 4, Jung chega a Tramandaí. 1
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tos os demais concorrentes, nesta ordem: nº 4 – Juvenal Teixeira; nº 8 – Norberto Jung; nº 6 – Catharino Andreatta; nº 10 – Carlos De Martini. Na categoria A, para carros acima de 2.500 cm3 de cilindrada,
petidores. Por volta das 9h40min, uma nuvem de poeira levantou-se no horizonte: era o sinal de que os líderes da prova se aproximavam. Os minutos foram passando e, do meio daquela imensa nuvem
largaram na mesma seqüência: nº 20 – Paulo Gomes: nº 24 – Olyntho Pereira: e nº 30 –José Borges de Almeida. Fechando o pelotão, a categoria B, para carros até 2.500 cm3 de cilindrada: nº 40 – Oscar Bins; nº
de pó, surgiu o nº 8 do Ford de Norberto Jung. Quanto a isso não houve surpresa, só alegria e vibração, pois sua vitória já era esperada. O que de fato causou espanto foi a fabulosa média horária obtida
Porto Alegre - Tramandaí (122 km) - 12/02/1938
pelo líder da Escuderia Galgo Branco. Norberto Jung cumpriu os 128 km da prova em 1h10min8s, a uma velocidade média de 110,52 km/h, em seu Ford V-8 Coupé. Catharino Andreatta chegou oito minutos
Classificação Piloto, carro e número
Tempo
Classificação Final
Categoria Livre 1º lugar 2º lugar 3º lugar
Norberto Jung/Ford V-8/nº 8 1h 10 min 08s Catharino Andreatta/Ford V-8/nº 6 1h 16 min 56s Carlos De Martini/Ford V-8/nº 10 1h 19 min 39s
1º lugar 3º lugar 4º lugar
Categoria A 1º lugar 2º lugar 3º lugar
Olyntho Pereira/Ford nº 24 José Borges de Almeida/Ford Paulo Gomes/Ford
2º lugar 5º lugar 8º lugar
1h 16 min 05s 1h 19 min 45s 1h 50 min 26s
depois, em 2º lugar nessa categoria, confirmando as expectativas em torno de seu nome. Essa foi uma das últimas provas da década de 1930. O automobilismo e o mundo passavam a viver os momentos de angústia do início da Segunda Guerra Mundial na Europa.
RAID RIO DE JANEIRO–PORTO ALEGRE O Touring Club, junto com o Automóvel Clube do Brasil,
6º lugar 7º lugar
promoveu, em comemoração ao bicentenário de Porto Alegre, em 14 de novembro de 1941, essa corrida de 2.100 km, com a participação de 22 corredores. Os pilotos gaúchos seguiram viagem para
42 – Arlindo Zanardi; e nº 46 – Karl Iwers. Após a largada dos carros,
a capital federal em suas próprias máquinas de corrida, dias antes da prova, reconhecendo de forma mais tranqüila alguns trechos do percurso.
realizou-se uma emocionante competição de motocicletas. Desde muito cedo, aproveitando o domingo de sol, milhares de pessoas vindas de outros balneários somaram-se à grande multidão que aguar-
Em frente à sede do Automóvel Clube do Brasil, sob muita chuva, os pilotos foram partindo de minuto em minuto, na seguinte ordem para cumprir a primeira etapa de 500 km, até São Paulo: Os-
dava, ao longo da estrada Osório–Tramandaí, a chegada dos primeiros com-
car Bins, Antônio Perez, Iberê Corrêa, Norberto Jung, Hector Suppici
Categoria B 1º lugar 2º lugar
Oscar Bins/Ford Arlindo Zanardi/Ford
1h 20 min 11s 1h 22 min 48s
Karl Iwers - DKW - abandonou p/ acidente
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O automobilismo vira espetáculo Raid Rio de Janeiro-Porto Alegre (2.100 Km) SÃO PAULO
MINAS GERAIS Guaratinguetá
São Paulo (2ª ETAPA)
RIO DE JANEIRO
Rio de Janeiro SAÍDA
Itapetininga
PARANÁ
Curitiba (3ª ETAPA) Joinville
STA. CATARINA Lages
RIO GRANDE DO SUL
Chegada do piloto catarinense Clemente Rovere a Porto Alegre, no Raid Rio de Janeiro-PortoAlegre, em 1941.
(4ª ETAPA)
Florianópolis
P. Alegre
Automobilismo Gaúcho – Levantando poeira
CHEGADA
Sedes, Júlio Vieira, Fernando Alves, Clemente Rovere, Chico Landi,
frente à prefeitura de Porto Alegre. Em 1º e 2º lugares chegaram, res-
Salvador Pereira, Quirino Landi, Milton Brandão, Ernesto Ranzolin, José Lugeri, Ary Cortese Santos, Luiz Tavares Moraes, Adalberto Moraes, Raulino Miranda, Carlos Frias, Catharino Andreatta, Eitel
pectivamente, Clemente Rovere e Ernesto Ranzolin, representantes das cidades de Florianópolis e Lajes (Santa Catarina). Outro representante de Lajes, Iberê Corrêa, chegou na 6ª posição.
Cantori e Belmiro Terra. As fortes chuvas foram uma constante durante toda a competição, causando inúmeros problemas e o conseqüente abandono de
O público soube reconhecer o grande mérito dos vencedores. O 3º lugar de Adalberto Moraes, o 4º de Oscar Bins e o 5º lugar de Antônio Peres, piloto de Bagé, também foram motivo de muitas fes-
diversos pilotos. Norberto Jung não chegou a terminar a primeira etapa, pois seu carro sofreu sérios danos ao derrapar e ir de encontro a um barranco. Catharino Andreatta cumpria uma excelente prova e
tas e homenagens por parte do público e do prefeito Loureiro da Silva, que recepcionou os pilotos.
liderava a terceira etapa, Curitiba–Florianópolis, quando, por causa de problemas mecânicos, abandonou a prova em Blumenau. Adalberto
UMA MULHER DETERMINADA
Moraes e Oscar Bins, com muitas dificuldades, conseguiram se manter na prova e muito próximos dos líderes Clemente Rovere e Hector Suppici Sedes, que travaram um grande duelo pela vitória até as pro-
nado pelos homens, por causa da dureza das disputas e da necessidade de força e resistência física. Mas, no Rio Grande do Sul, essa exclusividade foi quebrada graças à ousadia de uma grande “mulher automobilis-
ximidades de Porto Alegre, quando, em Sapucaia do Sul, o piloto uruguaio abandonou a disputa com problemas no motor de seu Ford. Os pilotos foram recebidos calorosamente pela multidão em
ta”, como era denominada Nilza Ruschel, natural de Venâncio Aires, que sempre demonstrou muita coragem e talento ao volante de um carro. Seu nome entrou para a história ao estrear no dia 6 de março de 1941,
O automobilismo sempre foi um esporte essencialmente domi-
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Ao fundo, largada do Circuito da Charqueada. Cachoeira do Sul, RS,1941; na foto 1, a piloto Nilza Ruschel, presença feminina nas competições gaúchas; na foto 2, carros de Jung, nº 18 e de Nilza Ruschel, nº 20, em 1941.
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em Cachoeira do Sul, no Circuito da Charqueada. Pelas ruas da cidade, num percurso de 150 km, 12 pilotos lançaram-se em busca da vitória, largando do posto de controle na avenida Júlio de Castilhos. Apesar da
A Associação dos Volantes e o Touring se mobilizaram junto ao jornal Folha da Tarde, a fim de promover uma prova automobilística em benefício das vítimas da enchente. As chuvas provocaram a
chuva que caiu pela manhã, causando a transferência da largada para a tarde, e do lamaçal em que se transformaram alguns trechos da pista, às 14h30min, após a chegada de Cordeiro de Farias, interventor federal no
transferência da prova por diversas vezes, até que, em 29 de junho, no Circuito do Cristal, divididos em três categorias, dezesseis pilotos compareceram para apoiar essa prova de solidariedade. Os donativos
Estado, foi dada a largada. Os pilotos alinharam-se de três em três carros, na seguinte ordem: Carlos De Martini (Ford V-8 – nº 2), João Carlos Figueiredo (Ford V-8 – nº 4) e Astor Selbach (Ford V-8 – n 6); Catharino
e as contribuições financeiras, bem como a arrecadação da bilheteria, foram destinados aos desabrigados. Apesar do frio intenso, cerca de 30 mil pessoas compareceram naquela manhã aquecida pela
Andreatta (Mercury – nº 8), Roberto Piva (La Salle – nº 10) e Júlio Andreatta (Ford Modelo A – nº 12); Mário Dornelles (Ford V-8 – nº 14), Iracy Freire (Ford V-8 – nº 16) e Norberto Jung (Ford V-8 – nº 18); Nilza
solidariedade e pelo calor dos motores, em prol das vítimas da grande enchente de 1941. Às 8h30min, deu-se a largada da categoria até 1.100 cc, para
Ruschel (Ford Modelo A – nº 20), Diogo Ellwanger (Oldsmobile – nº 22) e Adalberto Moraes (Ford V-8 – nº 24). A pequena Cachoeira do Sul tremeu. O ronco ensurdecedor
quatro voltas num percurso final de 60 km, ficando a vitória com Frederico Müller (Ford – nº 4), com velocidade média de 83,72 km/h. A seguir chegaram: em 2º lugar, Eberhardt Herzfeldt (DKW – nº 6); em
dos motores ecoou pelas ruas fazendo vibrar a população, que lotava calçadas e barrancos ao longo do percurso. De Martini e Figueiredo
3º lugar, Karl Iwers (DKW – nº 2); em 4º lugar, Edgar Silveira (Opel – nº 6); e em 5º lugar, Osvaldo Panitz (Fiat – nº 56).
tomaram a dianteira, mas o experiente Jung imprimiu grande velocidade em seu Ford e, com manobras perfeitas, ultrapassou os líderes na baixada dos trilhos da viação férrea. Catharino seguiu o mesmo
Às 9h30min foi a vez da prova para carros Standard, com a presença mais uma vez de Nilza Ruschel, que tomou um grande susto ao capotar seu Ford, em uma curva na Cavalhada. Felizmente ela nada
caminho, assumindo o 2º lugar antes do final da primeira volta. A partir daí, ele e Jung travaram um duelo até a oitava volta, quando Catharino teve um de seus pneus estourado e abandonou a prova,
sofreu e pôde retornar à prova. O resultado final, após cinco voltas e 75 km percorridos, foi o seguinte: 1º lugar, José Maria Almeida (Ford) com a excelente média
deixando Jung livre para conquistar mais uma vitória. Nilza não tremeu e, corajosamente, foi abrindo caminho, deixando muitos bons pilotos para trás, chegando ao final na 5ª coloca-
de 108 km/h; em 2º lugar, Dirceu Oliveira (Ford); em 3º lugar, Diogo Ellwanger (Oldsmobile); em 4º lugar, João Crippa (Oldsmobile); e em 5º lugar, Nilza Ruschel (Ford).
ção. Mário Dornelles, Iracy Freire e João Carlos Figueiredo chegaram em 2º, 3º e 4º lugares, respectivamente.
Essas duas primeiras baterias serviram para aquecer ainda mais o público, que “batia o queixo” ao longo do circuito, sem arredar o pé, esperando pela prova principal. Às 10h40min, teve início o duelo da
VITÓRIA DA SOLIDARIEDADE As fortes chuvas da véspera dessa prova, em Cachoeira do Sul, voltaram a cair e cada vez com mais intensidade, provocando uma
categoria Livre, largando os pilotos para percorrer oito voltas no circuito, na seguinte ordem, perfilados dois a dois: Norberto Jung (Ford V-8 – nº 40) e Júlio Andreatta (Ford V-8 – nº 44); Catharino Andreatta
das piores enchentes já ocorridas no Estado. Em Porto Alegre, no mês de abril, foram 22 dias de chuvas constantes, tendo o rio Guaíba subido 4,73 metros acima de seu nível, invadindo o centro da cidade e
(Mercury – nº 46) e Adalberto Moraes (Ford – nº 48); Roberto Piva (La Salle – nº 50); e Belmiro Terra (Chevrolet – nº 52). Júlio Andreatta, em espetacular largada, deixou Jung para trás
diversas regiões ribeirinhas. Uma verdadeira tragédia que resultou em 40 mil desabrigados. A mobilização foi completa para buscar recursos e donativos para os flagelados.
e assumiu a ponta. Adalberto Moraes ficou pressionando os dois primeiros colocados. Júlio e Jung não conseguiram deter Adalberto, que vinha em grande ritmo. Não houve muita surpresa ao terminar a pri-
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Acima, Adalberto Moraes e sua famosa “Petiça”, em 1941; e à direita, Júlio Andreatta, que liderou boa parte da prova Circuito do Cristal de 1941, em Porto Alegre,RS.
meira volta: Adalberto, em sua famosa “Petiça”, rompeu a reta do Cris-
uma vitória, com uma média de 112 km/h. Júlio conseguiu recuperar-
tal na primeira colocação sob o aplauso do público. O seu monoposto era reconhecidamente o mais veloz a correr pelo Rio Grande do Sul nessa época. Mas Adalberto nunca teve a sorte como predicado e, ao
se e ficou em 2º lugar; em 3º, chegou Catharino Andreatta. Os pilotos gaúchos, por causa das dificuldades impostas pelas enchentes e dos compromissos assumidos na disputa dessa prova no
entrar em alta velocidade na curva em frente à 6ª Delegacia de Polícia, no bairro Tristeza, o carro derrapou, batendo fortemente no cordão do calçamento. Um dos pneus soltou-se e Adalberto foi jogado para
Cristal, acabaram não participando da Grande Prova Presidente Getúlio Vargas. Essa prova, promovida pelo Automóvel Clube do Brasil, iniciouse em 22 de junho, no Rio de Janeiro, passou por Belo Horizonte, Uberaba,
fora do carro. Sem controle, a barata só parou ao atingir um poste. Júlio e Jung, que vinham muito próximos, tiveram muita habili-
Goiânia, Barretos, Poços de Caldas, São Paulo, retornando à capital federal no dia 29 de junho, num total de 3.700 km, numa das maiores
dade para desviar de Adalberto, caído no caminho, e dos destroços da máquina que ficaram no meio da pista. O socorro foi imediato e o piloto ferido foi levado ao hospital, sem risco de vida, recuperando-se
provas realizadas até então no Brasil. A competição foi dominada pelos pilotos argentinos, ficando o 1º lugar com Juan Manuel Fangio, que completou o percurso com seu Chevrolet em 43h12min34s; em 2º lugar,
posteriormente. Júlio Andreatta reassumiu a ponta, perseguido de perto por Jung e mais atrás por seu irmão, Catharino. Mas a sorte estava mesmo
chegou Oscar Galvez com seu Ford em 43h55min50s.
OS PILOTOS SOBEM A SERRA GAÚCHA
com Jung, pois Júlio, ao fazer a curva da Juca Batista, sobrou de traseira, derrapando no areão, ao lado da pista, perdendo muito tempo. Com isso, Jung assumiu definitivamente a liderança, alcançando mais
O automobilismo sempre encontrou no interior gaúcho espaço para crescer. Da mesma forma que São Lourenço e Pelotas, na região sul do Estado, e Venâncio Aires e Cachoeira do Sul, no centro, a região do
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mavam um grupo único lutando pelas primeiras posições. Jung teve muito trabalho para superar Antônio Silva, que resistiu no 2º lugar até a 13ª volta, quando Jung achou um furo na poeira e avançou próximo ao posto de controle, roubando-lhe a posição. Apesar de muito esforço, Jung não conseguiu superar Catharino, que conquistou grande vitória, liderando de ponta a ponta. Após a vitória, Catharino agradeceu a Jung pelas peças essenciais cedidas ao seu Ford, possibilitando-lhe participar da prova. Catharino e seu irmão Júlio também faziam parte da Escuderia Galgo Branco, liderada por Jung.
CAMPEÃO DO GASOGÊNIO Largada do Circuito Automobilístico de Vacaria, RS, em 1942.
A Segunda Guerra Mundial avançava sobre os países da Europa. A escassez de combustíveis derivados de petróleo colocou o mundo em colapso, em especial o setor automobilístico e o de
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transportes. Decretos governamentais proibiram a circulação de veículos movidos a gasolina. Mas a criatividade e a mobilização de
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Planalto começou a fazer parte do circuito de velocidade, com a realização do 1º Circuito Automobilístico de Vacaria, em 15 de fevereiro de 1942,
técnicos e engenheiros trouxeram a solução para os dias de racionamento: o gasogênio. Criticado e desprezado, o “trambolho movido a gás pobre”,
durante as festividades da 2ª Exposição Agropecuária e Industrial. O circuito teve como ponto de partida a praça Daltro Filho, no centro da cidade, com um percurso de 6 km a cada volta, totalizando
oriundo da queima de carvão ou lenha, substituiu, com muitos méritos, a gasolina. O gasogênio surgiu não só como alternativa de combustível, mas também como uma saída industrial para diversas em-
150 km ao fim de 25 voltas. O público chegou em caravanas, que partiram de vários municípios da Serra Gaúcha, e lotou as ruas e os acessos da cidade. As pessoas acomodaram-se sobre árvores e telhados
presas desse setor, que enfrentavam a estagnação por causa da crise gerada pela guerra. Para organizar e fomentar a produção, foi criada a Comissão Estadual do Gasogênio, que encontrou no automobilismo
em busca do melhor ângulo para apreciar a corrida. Os oito pilotos inscritos compareceram às 8h30min para a tomada de tempo e ali-
um amplo campo, não apenas para testes, mas também para provar à população a viabilidade e o desempenho do novo combustível. Assim, com o apoio do Touring Club e do jornal Folha da Tarde,
nharam-se às 10h15min para a largada na seguinte ordem, dois a dois: Antônio Silva (Ford – nº 12) e Catharino Andreatta (Ford – nº 4); Norberto Jung (Ford – nº 2) e Júlio Andreatta (Ford – nº 6); Iberê Correa (Ford – nº 10) e Dirceu de Oliveira (Ford – nº 16); Ernesto Ranzolin (Ford – nº 8) e Cristiano Finger (Ford – nº 14). Todos os participantes da prova correram com carros da marca Ford, modelo Sedan Coupé, marcando definitivamente a preferência dos pilotos gaúchos por carros fechados, como no Uruguai e na Argentina. Catharino assumiu a dianteira da prova e não tomou conhecimento dos adversários, que, envolvidos numa nuvem de poeira, for-
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foi organizada a primeira corrida para carros movidos a gasogênio, no Circuito do Cristal. Os pilotos, que viviam momentos de desânimo pela falta de perspectiva na prática do esporte, e os fabricantes de aparelhos para a produção de gás ficaram entusiasmados. A prova foi marcada para o dia 18 de julho de 1943 e, em meio às notícias dos horrores da Guerra, a promoção foi ganhando força nos jornais e nas rádios do Estado, pois a prova assumiu finalidade patriótica, com reflexos na economia nacional. Na região sudeste do país, o gasogênio também foi posto à prova em competições automo-
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Corrida com Gasogênio - Circuito do Cristal Ordem de Largada com recorde de inscritos: Carro nº 2 – Dr. José Giorgi – gasogênio “Único”, de Bento Gonçalves Carro nº 4 – Guaraci Almeida Costa – gasogênio “Brasil”, de Passo Fundo Carro nº 6 – Ari Burlamaque – gasogênio “Menegaz”, de Passo Fundo (único a lenha) Carro nº 8 – Olyntho Pereira – gasogênio “Gomes” Carro nº 10 – João Caetano Pinto – gasogênio “Gomes” Carro nº 12 – Olavo Guedes – gasogênio “Gomes” Carro nº 14 – Júlio Andreatta – gasogênio “Gomes” Carro nº 16 – José Francisco Machado – gasogênio “Gomes” Carro nº 18 – Luiz Lazzarini – gasogênio “Nacional” Carro nº 20 – Elias Simon – gasogênio “Gomes” Carro nº 22 – Pedro Idelfonso de Freiras Filho – gasogênio particular Carro nº 24 – Catharino Andreatta – gasogênio “Rimoli” Carro nº 26 – Beno Eli von Falkenberg – gasogênio “Franzen” Carro nº 28 – Mário Martins – gasogênio “Franzen” Carro nº 30 – Diogo Ellwanger – gasogênio “Franzen” Carro nº 32 – Carlos Adolfo Jostmeir – gasogênio “M.D.V.” Carro nº 34 – Darci Pozzi – gasogênio “Pozzi” Carro nº 36 – Frederico Müller – gasogênio “Pozzi” Carro nº 38 – Cristiano Finger, de Caxias do Sul Carro nº 40 – Alberto D. Coimbra – gasogênio particular Carro nº 42 – Antônio Lameira – gasogênio “Menegassi” Carro nº 44 – Tito Capitani – gasogênio “T.C.” Carro nº 46 – Nei Teles Ferreira – gasogênio “Snizek” Carro nº 48 – Dirceu Oliveira – gasogênio “Berta”
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Nas fotos 1 a 3, o gasogênio chega às pistas de corrida e demonstram sua viabilidade. PortoAlegre,RS, 1943.
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bilísticas, com excelentes resultados, inspirando o Automóvel Clube do Brasil a criar o Campeonato Brasileiro de Gasogênio. No entanto, em nenhuma outra prova desse gênero houve tan-
lhe garantia muito respeito e atenção, e Catharino fez muito mais do que se podia imaginar. Um dia antes da prova, a comissão esportiva do Automóvel
tos inscritos como nessa competição do Cristal, que contou com a participação de trinta pilotos, com diversas marcas de gasogênio carbonífero. Apenas Ari Burlamaque, de Passo Fundo, usava lenha
Clube do Brasil efetuou o sorteio para a ordem de largada e numeração dos carros. Coube a Catharino o nº 42 e o último lugar no grid. Os favoritos eram o veterano em muitos Circuitos da Gávea, Henrique
como combustível no gasogênio da marca Menegaz. Todos os pilotos foram submetidos a exames médicos e seus carros e aparelhos foram vistoriados na véspera da prova. Momentos
Casini, e o piloto luso Antônio Fernandes da Silva. O grid foi formado por 21 pilotos. A largada ocorreu às 10 horas do dia 8 de outubro de 1944, na avenida Rui Barbosa, e, para surpresa de milhares de assisten-
antes de baixar a bandeira quadriculada, as equipes alimentaram os tanques com carvão, que se puseram a produzir gás. A largada ocorreu às 8 horas, para uma prova de 15 voltas, com um percurso total de
tes, ao final dos 2.300 metros da primeira volta surgiu na ponta do pelotão Catharino Andreatta. Saindo do último lugar, ele superou a todos e conquistou uma fantástica vitória de ponta a ponta nas 35
225 km. Um público estimado em 30 mil pessoas vibrou do início ao fim da prova, que transcorreu em absoluta segurança, apesar do grande número de concorrentes, a maioria novatos. Todos ficaram entusi-
voltas do circuito, com uma média de 73,224 km/h, cruzando a linha de chegada com três voltas à frente do 4º colocado. Essa vitória colocou Catharino entre os principais nomes do
asmados e surpresos com o desempenho obtido com o combustível. Catharino Andreatta confirmou seu favoritismo, conquistan-
automobilismo nacional, conferindo ao gaúcho a 2ª colocação no Campeonato Brasileiro de Gasogênio, ficando em 1o lugar o já consagrado
do a vitória com uma média de 76,26 km/h. Na seqüência chegaram Dirceu Oliveira, Adalberto Moraes e Norberto Jung. O gasogênio foi aprovado em seu maior teste e transformou-se
piloto paulista Chico Landi, que disputou maior número de provas. Em 1945 e 1946, nas tradicionais provas da Subida da Montanha, na estrada Rio–Petrópolis, Catharino voltaria a vencer em terri-
em boa solução para a crise de combustível. Graças a ele, as competições, apesar de escassas, continuaram ocorrendo pelo país e com elas o nome de Catharino Andreatta destacou-se cada vez mais, junto com
tório fluminense, correndo com carro a gasogênio. Na primeira delas, em uma disputa emocionante pelos 34 km de serra, Catharino e Henrique Casini travaram um emocionante duelo, alternando as po-
seu Ford adaptado para o uso do gasogênio “Rimoli”, desenvolvido pelo seu amigo e piloto José Rimoli. No dia 10 de setembro de 1944, os motores voltaram a roncar,
sições até a linha de chegada. Catharino venceu com uma média de 87 km/h. José Rimoli também participou dessas provas, chegando em 3º lugar, em 1945, e em 2º, em 1946.
em mais uma prova no Circuito do Cristal, seguindo os moldes da edição anterior. Catharino mais uma vez superou todos os adversários, chegando na frente de Diogo Ellwanger e Norberto Jung, 2º e 3º colocados, respectivamente, tornando-se praticamente imbatível nas provas de gasogênio em solo gaúcho. Com esse desempenho, e em busca do reconhecimento nacional, Catharino seguiu pilotando seu Ford/Rimoli para o Rio de Janeiro, onde disputou o 2º Circuito da Amendoeira, na Bela Vista, que circundava o Morro da Viúva, entre os bairros Flamengo e Botafogo. Apesar de ser pouco conhecido do público e da imprensa carioca, Catharino já tinha fama por ter vencido o melhor piloto gaúcho até então, Norberto Jung, um ídolo reconhecido em todo o país. Isso já
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As corridas tambĂŠm serviram para mostrar a viabilidade do gasogĂŞnio. Fotos de 1943.
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