Senza Pietá - Conto de Maxwell dos Santos

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Mostrando as entranhas do fracasso escolar na rede particular de ensino.

Senza pietà Maxwell dos Sant os


SENZA PIETÀ



SENZA PIETÀ

MAXWELL DOS SANTOS

EDIÇÃO DO AUTOR


Copyleft 2021 Maxwell dos Santos Alguns direitos reservados. +55 27 99943-3585 | +55 27 98843-2666 sanmaxwell@gmail.com Responsabilidade Editorial, Revisão Final, Diagramação do Miolo e Capa | Maxwell dos Santos

Dados Internacionais de Catalogaçãona-Publicação (CIP), Ficha Catalográfica feita pelo autor S237v Santos, Maxwell dos, 1986 – Senza pietà / Maxwell dos Santos. – Vitória: Edição do Autor, 2021. Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-15-26036-97-1 1. Literatura infantojuvenil. I. Título. CDD 028.5 CDU 087.5 Created with Vellum


Para Mariah Fonseca e Gobbo Almeida e Para Flávio de Almeida Soriano



UM

O PRIMEIRO ENCONTRO

Naquela fria tarde de domingo, 3 de agosto de 2003, Rodrigo pegou o 073, em direção ao Donna's Burger, na Enseada do Suá, para tentar encontrar Drielli, sua ex-colega do Centro Educa‐ cional Michelangelo, no objetivo de pedir sua ajuda para que voltasse a estudar lá, uma vez que foi devolvido à escola de origem, sob a alegação de não adaptação ao ambiente escolar. Todos os domingos, após a ir à missa na Paró‐ quia Santa Rita, Drielli passava naquela lancho‐ nete comer seu X-Tudo com dobro de carne, queijo e bacon. Do lado de fora, Rodrigo, ansiosa‐ mente esperava sua ex-colega. Quando ela saiu, o rapaz se aproximou e disse: - Oi, Drielli, boa noite. Eu preciso falar com você. - Rodrigo, não tenho mais nada pra falar com você. Vá embora! - Drielli, por favor, me ouça. - Fala o que você precisa falar e me deixe ir embora. - Quero te pedir perdão, por ter sido ingrato


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contigo, ao afirmar que foi você quem entregou as cartas ao João Roberto, na qual pedi ajuda aos alu‐ nos. Você disse que a acusação feita por mim foi uma facada no seu coração, depois de toda ajuda que você me deu. - Digo, do fundo do meu coração, que jamais vou perdoar sua ingratidão, ainda que eu fique no leito de um hospital, entre a vida e a morte. De‐ pois da merda feita, é fácil pedir perdão. Mude suas atitudes, Rodrigo. Seus pedidos de perdão, por mais sinceros que pareçam ser, não vão mudar o que você fez, você não acha? De boas in‐ tenções, o inferno tá cheio. Você não valorizou a oportunidade que lhe foi dada. Por tantas vezes, lhe aconselhei pra que mudasse de atitude, e você, fez o quê: deu de ombros. É inútil agora chorar o leite derramado. - Tava de cabeça quente, agi por impulso, sem medir as consequências. Me sentia sobre pressão, por conta da semana de provas, e não tinha estu‐ dado pras avaliações de física e matemática. Por falta de base, não consegui entender os conteúdos. - E daí? O Michelangelo é uma escola parti‐ cular. Ana Cláudia e Flamarion são empresários da educação. Eles querem resultados, não descul‐ pas. Você foi incompetente ao não conseguir en‐ tregar os resultados esperados pela escola. Sendo assim, eles te mandaram pra escola de origem. Quando um empregado tem desempenho abaixo do esperado, o que acontece com ele? É despe‐ dido. É a mesma coisa que acontece quando um técnico de um clube de futebol, como o Fla‐


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mengo, não entrega os resultados desejados. Menos retórica e mais atitude, Rodrigo! - Você, a Rafaela, a Jéssica e a Débora, ao lerem minha carta, disseram que eu estava me vi‐ timizando, que vocês fizeram o máximo, e eu, o mínimo, falando aquelas coisas pro meu bem. - Não me arrependo de nada do que disse. Reitero todas as coisas que falei. Se tivesse levado a sério o que te disse, não teria sido convidado a se retirar do Michelangelo. - Encaminhei uma carta à Ana Cláudia, na qual fiz algumas reivindicações, como criar grupos de estudos após o horário da aula. No en‐ tanto, João Roberto me chamou pra dizer que isso fugia ao limite da ação da escola. Ainda disse que se não tivesse ninguém pra me ajudar, eu devia dar um jeito, jogando na minha cara as notas baixas e precisava melhorá-las. O coordenador nada propôs em termos pedagógicos pra melhorar meu rendimento escolar. Se os pedidos tivessem sido atendidos a contento por Ana Cláudia, ainda estaria estudando no Michelangelo. - A escola não tem como resolver seus pro‐ blemas educacionais. É um problema seu. Ana Cláudia não tinha obrigação de criar grupos de estudos pra te dar reforço. Era você, ao chegar em casa, que deveria sentar a bunda na cadeira e meter as caras nos livros de física e matemática. Tenho certeza que é muito mais preguiça do que dificuldade. - Como, se tive uma péssima base do Ensino Fundamental, feito em escola pública? - Ah, Rodrigo, esse discurso de falta de base já


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encheu o saco! Vira o disco, cara! Você, como bolsista, tinha obrigação de estudar mais que os outros, não só pra manter a bolsa, como compensar as dificuldades alegadas em física e matemática. Além disso, a bolsa de estudos não é um ato de caridade dos donos do Michelangelo. Eles fazem isso pra abater imposto de renda. O Diego, aluno do 1º ano integral 2, bolsista, também veio de escola pública, com muitas dificul‐ dades, mas ele correu atrás e agora tá ganhando me‐ dalhas nas Olimpíadas de Matemática, Física e Química. Qual é a sua desculpa, Rodrigo? - Como eu poderia estudar, com a base educa‐ cional ruim? Entrei no Michelangelo, pratica‐ mente no meio do ano, enquanto no Tobias, o ano estava próximo do fim, ainda no ano letivo de 2002, um ano bastante tenso, por conta das greves dos professores, em virtude do atraso de salários de seus vencimentos. Eles paralisaram as ativi‐ dades por cinco vezes. Muitos colegas abando‐ naram a escola. Se tivesse entrado no início do ano, as coisas poderiam ter sido melhores. - Lá vem você com suas desculpas. Cara, você tem que se ajudar. Quem quer, dá um jeito. Quem não quer, dá desculpa e você vive dando desculpa pra tudo. Por essas e outras, a Ana Claudia se cansou de você. - Eu ainda pedi à Ana Cláudia pra adiar a prova, porque não tinha condições pedagógicas e psicológicas de fazer a mesma, todavia fui infor‐ mado que teria que apresentar atestado médico e ainda pagar uma taxa de 20 reais por prova. Fiz normalmente as provas de biologia, história, espa‐ nhol e química, mas na hora da prova de geogra‐ fia, tive uma discussão pesada com a Rafaela, e


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com tanta raiva, acabei entregando as provas em branco. A escola não me deu o livro de geografia. Como eu ia fazer a prova? - Você disse que a escola não te deu o livro de geografia, como se ela tivesse a obrigação de for‐ necê-lo. O Michelangelo te deu a bolsa de estu‐ dos. Você tinha que ter corrido atrás da grana, fazendo alguma atividade, como catar latinha, ou vai dizer que tem vergonha? - Fui encaminhado à sala de João Roberto. Ele disse que conversaria com Ana Cláudia pra de‐ finir meu futuro. No dia 18 de julho, ele me in‐ formou que não estaria mais no Michelangelo no segundo semestre e voltaria pra minha escola de origem, afirmando que a experiência não deu certo, acenando uma remota possibilidade de re‐ tornar em 2004. O mais humilhante é que ele me acompanhou até a porta. - Bem-feito pra você. Acho é pouco. - Nas férias, mergulhado na angústia, pen‐ sando onde foi que errei enquanto estudante do Michelangelo, juntei minhas forças e escrevi uma carta à Ana Cláudia, onde expus minhas falhas e pedi uma nova oportunidade pra estudar na es‐ cola. No auge da depressão, frequentei a Assem‐ bleia de Deus no Itararé, pra pedir ao Senhor, em sua infinita misericórdia, que Ele revertesse o quadro. A carta já tá nas mãos de Ana Cláudia. - Não adianta ir à igreja, orar a Deus , mas não mudar de atitude. Entenda que você é o único responsável por seu sucesso ou fracasso. - Juro por Deus que fiz o possível e até o im‐ possível pra aproveitar a oportunidade dada, mas tive problemas dentro e fora de sala de aula que


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pudessem imaginar a vã de filosofia de João Ro‐ berto, que me praticamente me expulsou do Mi‐ chelangelo, sem poder me despedir de vocês, como um cachorro sarnento. - Se tivesse aproveitado a chance, estudando, sem se fazer de coitadinho, ainda estudaria conosco. - Te peço encarecidamente que converse com Ana Cláudia pra que reconsidere sua decisão de me enviar pra escola de origem. Voltar àquela es‐ cola seria aceitar minha derrota, uma verdadeira vergonha. Por favor, me ajude. - Eu não vou interceder por você junto à Ana Cláudia porcaria nenhuma. Tá pensando que eu sou sua moleca de recados ou uma mensageira? Dá um tempo, Rodrigo! Ana Cláudia é uma em‐ presária da educação, tá na razão dela, e assino embaixo. O jogo acabou. Game over. Pelo amor de Deus, não me procure mais, nem me dirija mais a palavra! Ao me ver na rua, finja que não me conhece. Adeus, Rodrigo. Após Drielli entrar no carro da mãe, Rodrigo chorou copiosamente.


DOIS

UM TELEFONEMA DESAFORADO

Rodrigo estava lavando os pratos do café da manhã, quando o telefone tocou. Ele foi para a sala e tirou o telefone do gancho: - Alô, quem fala? - Bom dia, Rodrigo. É Ana Cláudia quem tá falando. - Bom dia, Ana Cláudia. - Rodrigo, há uma hora, a doutora Rita de Cássia, mãe da Drielli, veio fazer uma queixa contra você, dizendo que você foi procurá-la no Donna's Burger, pedindo sua ajuda pra voltar a estudar no Michelangelo. Ocorre que ela tá se sentindo assediada por você, e não quer mais manter nenhum contato. A mãe dela disse que se você continuar procurando Drielli, vai procurar a polícia. - Isso é um absurdo! Por mim, que ela chame a Polícia Militar, Polícia Civil, Marinha, Exército, Aeronáutica, Guarda Municipal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, o FBI, a Scotland Yard, a Polícia Montada do Canadá, a Liga da Justiça, os Vingadores e o diabo a quatro.


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-Você não tem a noção do perigo. - Fui atrás da Drielli, na melhor das intenções, pra pedir que ela intercedesse junto à senhora pra que eu voltasse a estudar no Michelangelo, por conta do papel de liderança que ela exerceu junto aos colegas na minha adaptação ao Michelangelo. Eu não assediei essa menina. - De boas intenções, o inferno tá cheio. No entanto, Rodrigo, foi como ela se sentiu. - Só lamento, professora. Eu só queria reaver minha bolsa de estudos no Michelangelo. A Dri‐ elli, após participar da eucaristia na Paróquia Santa Rita, queria comer seu X-tudo. Fui à lan‐ chonete pedir que ela conversasse com a senhora e revertesse a decisão. Na última sexta-feira, deixei uma carta na recepção da escola, aos cui‐ dados da senhora. - Recebi a sua carta, na qual você dizia que estava arrependido do que fez. Mas eu e os pro‐ fessores do Michelangelo, após uma reunião para analisar sua carta, não nos convencemos do seu arrependimento. Cavalo selado só passa uma vez e você não soube aproveitar a oportunidade. Por que deveríamos acreditar em você? Até quando vai continuar enganando a si mesmo? - Sinceramente, Ana Cláudia, eu não tô me enganando. Apenas disse a verdade. Que culpa tenho de ter vindo da escola pública, com baixa qualidade de ensino, greves constantes e profes‐ sores mal pagos e desmotivados? Como já dizia o saudoso antropólogo Darcy Ribeiro: A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto. - Ah, Rodrigo, nem de Darcy Ribeiro eu gosto. Tenho pavor de políticos socialistas. Contra


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fatos, não há argumentos. O seu problema, Ro‐ drigo, é querer terceirizar as responsabilidades. Você devia ter estudado mais, se esforçado, me‐ tido as caras nos livros. A Drielli e as outras me‐ ninas me contaram que te aconselharam a isso, mas você deu de ombros. - Só no fantástico mundo da senhora que o aluno é o único culpado pelo seu fracasso escolar. Não acredita que o meio pode influenciar o pro‐ cesso de aprendizagem? - Não, Rodrigo. Há muitos alunos bolsistas que vieram de escola pública, estudaram no Mi‐ chelangelo, correram atrás, e, atualmente, são pro‐ fissionais bem-sucedidos. Já passou da hora de você parar de reclamar e tomar as rédeas da sua vida. - Ana Cláudia, eu tô arrependido de tudo que eu fiz. Por favor, me dê outra chance pra estudar no Michelangelo. -Isso tá fora de cogitação, Rodrigo. Além disso, você foi grosseiro, destratou pessoas, e ainda quer voltar a estudar à escola? Ora, Rodrigo, me poupe! Sua saída pra nós foi um alívio, porque a comunidade escolar te ajudou dentro do possível, mas você foi ingrato. Quase entrou em vias de fato com Rafaela, como se estivesse fora de si. - Me senti sob pressão, por ter entrado no meio do ano, próximo ao período de provas. Ainda pedi à senhora pra remarcar minhas pro‐ vas, porque não me sentia preparado pra fazê-las, mas a senhora me disse que só era possível pedir remarcação de prova, se tivesse com atestado mé‐ dico e ainda pagasse uma taxa. - Eu preciso dar um tratamento isonômico a


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todos os alunos. Não seria justo eu aplicar as provas pra você em outro período, a não ser por motivo de saúde. - Se a senhora tivesse acatado todas as suges‐ tões que eu coloquei na carta anterior, ainda estu‐ daria no Michelangelo. - Seus pedidos feitos na primeira carta eram impossíveis de atender, uma vez que fugiam do limite de ação da escola. - Se a escola quisesse investir em mim, teria disponibilizado, pelo menos um professor pra me dar assistência nas matérias que eu tenho difi‐ culdade. - Mas é claro que não, Rodrigo. Você que tem que superar seus complexos e começar a estudar por conta própria. O problema é que você é muito preguiçoso e acomodado. - Se a senhora pensa que sou acomodado, pa‐ ciência. Só Deus sabe o que fiz pra poder usufruir a chance que me fora dada. Por motivos alheios à minha vontade, não pude continuar na escola. - Coisa nenhuma. Eram fatores que estavam sob seu domínio. Deus é uma invenção dos ho‐ mens. Ele não existe. Suas escolhas vão deter‐ minar o seu futuro. Vai fugir das suas responsabilidades, Rodrigo? - Professora, admito não ter segurado a onda diante da pressão. No mais, eu me sinto uma ví‐ tima do sistema educacional público, que não me deu as condições necessárias pra que eu pudesse aproveitar a chance oferecida. - Como você me cansa, Rodrigo! Você é mesmo carne de pescoço, hein? Continua irres‐ ponsável e não toma pra si as responsabilidades.


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Seu futuro é duvidoso, caso persista nestas atitudes. - Além de diretora pedagógica do colégio onde estuda a elite econômica do Espírito Santo, a senhora tá bancando a Mãe Dinah ou o Walter Mercado, o astrólogo do ligue ya, fazendo adivi‐ nhações do meu destino, que só pertence a Deus? Prevê o quê: que eu morra assinado por dívidas de drogas, que acabe exercendo trabalhos braçais, como puxar carroça? Faça seu prognóstico. - Deixe de gracinha, Rodrigo. Sou uma mu‐ lher cética. Não acredito em previsões, horóscopo ou religiões. - Todos são ateus até o avião cair. - Meu caro, já cansei dos seus insultos e desa‐ foros. Termino esta ligação te dando um conselho, não de educadora, mas de amiga: pare de pro‐ curar a Drielli, senão você vai ter sérios proble‐ mas, até mesmo ser apreendido e internado no ICAES. Lá, os menores são maltratados. É o que você quer, Rodrigo? Imagina sua mãe aflita, ao ver um filho no reformatório. Fora que você terá portas fechadas pra empregos, porque as em‐ presas não contratam pessoas que foram inter‐ nadas no ICAES. - Eu não vou mais ouvir suas acusações e de‐ saforos. Vou desligar, porque tenho mais o que fazer. Passar bem, Ana Cláudia. - Espero que tenha entendido meu recado. Adeus, Rodrigo.


TRÊS

O SEGUNDO ENCONTRO

No sábado, 9 de agosto, Rodrigo estava na praça de alimentação do Vitória Mall, onde com‐ prou no Ninas Chicken uma porção de frango com fritas e uma garrafa de Fanta Uva de 600 ml. Ao se aproximar de uma das mesas para comer seu lanche, deu de cara com Drielli, que disse: - Mas que inferno, Rodrigo! Até no shopping, você me persegue! Vá embora, senão eu vou chamar o segurança! - Que culpa tenho, minha filha, da gente se encontrar? A gente se esbarrou por uma coinci‐ dência. O shopping é uma área pública. - Não, senhor. O shopping é uma propriedade particular. -Propriedade particular de uso público. - Whatever, Rodrigo. Soube que a Ana Cláudia te deu um esculacho no telefone pra que você parasse de me importunar. - Quero que ela e você se danem! Tô pouco me lixando pras duas. - Viu como você é ingrato e cospe no prato que comeu?


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- Como eu cuspi no prato que eu não comi? Foi um prato que me tiraram, antes que eu pu‐ desse dar as primeiras garrafadas. - O problema é seu. - É muito fácil julgar e apontar o dedo quando você é uma menina branca, loira, olhos verdes e bochechas rosadas, mora numa mansão na Mata da Praia, teve oportunidade de estudar no Miche‐ langelo desde a primeira série do Ensino Funda‐ mental, sempre teve os livros e materiais escolares comprados pelos seus pais, tem alimentação sau‐ dável e balanceada, seus pais te dão mesada pra seus passeios no shopping, onde você vai ao cinema e à praça de alimentação comer no Mc‐ Donalds aquele Big Mac caprichado. Amiga, saia dessa bolha aí e venha a ver o mundo real. Pelo amor de Deus, saia da redoma! - Pra começo de conversa, eu não sou e nunca fui sua amiga, no máximo, colega de classe. Se tenho esse padrão de vida, é porque os meus pais se esforçaram por meio do trabalho e do estudo. A bem da verdade, você está com inveja e olho grande. Que coisa feia! - Você diz que não é moleca de recados, mas age como se fosse, ao defender a decisão de Ana Cláudia em me devolver à minha escola de ori‐ gem. Como poderia entregar os resultados espera‐ dos, se a escola não me deu as condições necessárias pra que isso ocorresse? - Dou razão a quem tem razão. Ana Cláudia está certa e você está errado. - Reconheço que errei, pela falta de equilíbrio emocional em lidar com a pressão da semana de provas. Tava muito nervoso. Se fui grosseiro com


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você e demais colegas do Michelangelo, peço des‐ culpas. O que você ganha com todo esse ressen‐ timento? - É tarde demais pra dizer que se arrepende do que fez. O que tá feito, tá feito, não tem como voltar atrás. Não fui eu quem me dei mal. Por falta de aviso que não foi. - Reitero que não tinha condições de comprar o livro de geografia. Se a escola não queria com‐ prar o livro, por que vocês não se juntaram pra comprar o mesmo? Caso tivesse todas as condi‐ ções pra estudar e não tivesse dado valor, você teria razão em julgar. No entanto, diante da minha falta de condições financeiras e pedagógi‐ cas, seus juízos de valor são levianos e cruéis. - Minhas pontuações não são nada levianas. - Na década de 90, estudei na rede pública municipal de Vitória. Naquela época, havia a de‐ terminação da Secretaria de Educação de não re‐ provar os alunos. Tudo pra fazer bonito ao Ministério da Educação e ao Banco Mundial. Os professores, a contragosto, eram obrigados a passar os alunos, ainda que eles não soubessem ler, escrever e dominar as quatro operações. – Os professores da escola pública, especial‐ mente os concursados, quando entraram, sabiam dos salários baixos. Se tão insatisfeitos, peçam exoneração e busquem melhores oportunidades profissionais na iniciativa privada. É bom que dá espaço pra quem quer dar aulas de verdade. Desculpe a expressão, mas os professores estão cagando e andando pros alunos. Tão preocu‐ pados com seu salário na conta no fim do mês. Tem que demitir essa cambada e colocar gente


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que gosta que faz, sem reclamar, com sorriso no rosto. - Os professores, há mais de sete anos, en‐ frentam o arrocho salarial. Por conseguinte, eles trabalham desmotivados e dão uma aula de qual‐ quer jeito, o que reflete na qualidade do ensino. Vai continuar apontando o dedo? Vai continuar fazendo juízo de valor a meu respeito, sem co‐ nhecer a minha história e as minhas origens? - Aponto e vou continuar apontando o dedo na sua cara, porque vi tudo que aconteceu, nin‐ guém me contou, Rodrigo. Quem não te conhece, te dá razão e fica com pena de você. Deixa de ser mau-caráter e cínico. - Fui privado de fazer uma oitava série em turma, sem direito à formatura e camisa de for‐ mandos, por conta de um projeto sofrível de rear‐ ranjamento dos alunos em grupos de trabalho. No final do ano de 2000, autoritariamente, sem con‐ sultar a comunidade escolar, a direção do Golbery do Couto e Silva, escola onde eu estudava, aplicou uma prova relâmpago em todos os alunos. Constatou-se que eu tinha dificuldades no racio‐ cínio lógico-matemático na escrita. - Os outros são sempre os culpados pelos seus problemas. - Em vez de me deixar ficar na oitava série para resolver as dificuldades em horário alterna‐ tivo, me jogaram numa turma equivalente à sexta série que chamavam de Fundamental 2. Se por um lado, pude conhecer outros colegas de outras faixas etárias, por outro, me sentia constrangido em estudar com aqueles meninos de sexta série. A situação ficou mais tranquila quando fui pro In‐


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termediário, equivalente à sétima série, com alunos praticamente da mesma faixa etária. - E daí? - A cada três meses, havia uma avaliação para definir se o aluno permanecia no GT ou iria para um GT mais avançado. Fiz essas avaliações por duas vezes. Só algum tempo depois, pude ir para os Estudos Avançados, equivalente à oitava série, que teve só 10 alunos. - Seus argumentos não me convencem. - Fiz um tal de reforço, mas que era de manhã e não servia para nada. O almoço fornecido pela escola era uma gororoba e tinha gosto de comida de hospital. Às vezes conseguia o dinheiro para pagar um PF ou almoçava na casa da Christine, minha colega de escola. Vai continuar apontando o dedo, Drielli? - Você é um ingrato e cospe no prato que co‐ meu, ao criticar a comida da escola que você estu‐ dou, paga com o dinheiro dos pagadores de impostos, como os meus pais. Se achava a comida ruim, por que não trouxe ela de casa? Agora en‐ tendi que a ingratidão é uma constante em sua vida. Você não sabe agradecer aquilo que tem. Vive reclamando que nem um velho ranheta de 80 anos. Nem meu avô, aos 71 anos, é tão ran‐ zinza. Rodrigo, aos 16 anos, você é amargurado, ressentido e complexado. Penso que você precisa procurar um psicólogo pra você tratar esses com‐ plexos. Você é uma pessoa mentalmente per‐ turbada. - Eu não cuspi no prato que comi. Falei que a comida fornecida pela escola que estudava era uma porcaria e digo mil vezes mais, se preciso for.


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Não disse nenhuma mentira. Pro seu governo, eu também pago impostos, toda vez que vou ao arma‐ rinho da dona Nilma comprar um caderno de 20 matérias, ou no mercadinho do seu Agenor, quando compro ovos pra mamãe. - Vá procurar um psicólogo. - Sim, tenho problemas psicológicos que pre‐ cisam ser tratados. Matilde, a psicóloga que tra‐ balhava no posto do meu bairro, pediu exoneração da Prefeitura de Vitória e foi traba‐ lhar no Tribunal de Justiça. Desde então, o cargo tá vago na unidade de saúde. Até hoje, não con‐ sigo compreender por que a Ana Cláudia não me comunicou o fato pessoalmente que eu tava sendo desligado do Michelangelo. Aquele verme do João Roberto disse que foi escolhido pra co‐ municar a decisão, porque era o mais equilibrado. Por que ela não falou comigo na decisão, dele‐ gando a terceiros a comunicação do fato? Ela temia uma relação violenta da minha parte? Não havia outra maneira de resolver essa questão que não fosse me reenviar ao Tobias? A escola me viu como mero investimento que não deu retorno a curto prazo. O capitalismo selvagem imperou na educação. - Ana Cláudia não te chamou para comunicar a decisão, porque tava com nojo da sua cara e não queria mais te ver. Você foi pra ela a maior de‐ cepção que ela teve na vida, porque não entregou os resultados que ela queria. Portanto, você foi convidado a se retirar do Michelangelo e voltando para escola de origem, de onde você não deveria ter saído. Soube de fonte segura que ainda não se apresentou à escola. Não vai demorar muito pra


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alguém denunciar ao Conselho Tutelar, e aí, sua mãe vai ter sérios problemas. - Eu não me apresentei nem vou me apre‐ sentar ao Tobias, porque tô matriculado no Theta do Centro, onde consegui bolsa integral. Lá, além do uniforme e das apostilas, ganhei uma cartela de passe escolar para frequentar a escola. - Volto a dizer: Dono de escola não quer des‐ culpas, quer resultados. Está em suas mãos mudar o seu destino. O conselho que lhe dou é este: mude de atitudes, ou vai penar nessa vidinha mi‐ serável.Vê se não joga fora a chance que o Theta tá te dando.É uma ótima escola.Passar bem, Rodrigo.


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MUDANDO DE OPINIÃO

Numa tarde de domingo, Drielli ligou para Rodrigo: - Olá, Rodrigo, boa tarde. É a Drielli que tá falando. - Oi, Drielli. Tá me ligando pra quê? - Após pensar no que você disse, mudei de opinião em relação a você, que tava certo, e a Maria Cláudia, errada. Se você tivesse uma edu‐ cação de qualidade, teria deslanchado no Miche‐ langelo. Me perdoe pelas palavras duras que disse a você. Tava com meu ego ferido, cheia de ressen‐ timentos. Cega pelo ódio, não conseguia ver mais nada ao meu redor. Como você tem sido sua vida lá no Theta? -Tenho gostado bastante do Theta. Lá estou fazendo monitoria pras disciplinas de física e ma‐ temática. Após as aulas, vou com os colegas na lan house da Gama Rosa para jogar Counter-Strike, no time dos terroristas, porque ninguém é de ferro. É maravilhoso que você tenha mudado de opinião e reconhecido seus erros, após nossas con‐ versas. Da minha parte, você tá perdoada.


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- O governo cobra muitos impostos dos contri‐ buintes, mas não vejo esse dinheiro sendo inves‐ tido na educação. Por isso, a gente vê tantas pessoas que saem da escola sem saber escrever o próprio nome ou interpretar um texto simples. São os chamados analfabetos funcionais, fadados aos subempregos e empregos de baixa quali‐ ficação. - Após pensar muito, cheguei à conclusão de que os políticos não querem que as pessoas te‐ nham uma educação de qualidade, porque se isso acontecer, elas começam a questionar, e os polí‐ ticos podem ser derrubados. Pessoas que pensam, raciocinam e questionam são bastante perigosos ao sistema. - Há um mês, tive ânsia de vômito, ao ler uma reportagem de que hospitais conveniados ao SUS tão cobrando por exames e consultas que deve‐ riam ser de graça. São médicos e funcionários in‐ duzindo os mais humildes ao engano. É por isso que a saúde no Brasil está essa porcaria. Eles criam a dificuldade e vendem a facilidade. São bem malandrinhos, né? Sinto vergonha ser brasi‐ leira nessas horas. - O posto de saúde do Bairro da Penha tá sem psicóloga. - É lamentável ver bons profissionais, como a psicóloga do posto do Bairro da Penha, que foi pro Tribunal de Justiça por conta dos baixos salários. Amigo, você tem todo direito de não transparecer alegria, de não fingir uma falsa felicidade. Con‐ versando com mamãe, ela disse que conhece uma psicóloga e vai ver com ela se pode te atender de


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graça. Me passa seu telefone para que ela entre em contato. - Muito obrigado pelo carinho comigo. Pode passar meu número para a psicóloga. Meu tele‐ fone é 3345-8033. - Diguinho, meu bem, tenho um babado forte pra te contar: O professor Miguel, de ciências, saiu do Michelangelo, por causa de uma atividade de sen‐ sibilização feita com as turmas de sétima série dentro de uma caverna, num parque que agora não me lembro o nome, pedindo que os alunos se tocassem. Duas alunas não gostaram, e acompanhadas dos pais, foram reclamar pra Ana Cláudia, que chamou o professor pra uma conversa, onde pediu demissão. - Drielli, na moral, esse professor Miguel não é flor que se cheire. Corre à boca pequena que ele assediava as meninas do terceiro ano e pré-vesti‐ bular do Lamarck. Essa atividade de sensibiliza‐ ção… sei não, hein? Tenho certeza que era oportunidade para cometer alguma safadeza. Re‐ sumo da balada: esse professor é bem safadinho. - Eu também acho. - Os pais dessas meninas são muito vacilões. Eles tinham que dar parte desse professor à polí‐ cia. Esse cara tem que ser preso! Creio que os pais não deram parte do professor Miguel à polícia, porque são de famílias tradicionais, vira e mexe, estão nas colunas sociais, e não querem exposição. Por isso, rolou a operação abafa. - Triste, mas é assim que funciona. - O troféu King King ficou pra Ana Cláudia, em entrevista à Rádio RBN, ao afirmar que o ocorrido na escola seria apurado internamente e


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nada teria a declarar, em respeito à privacidade das menores e do professor. - São os negócios, meu querido. A escola só quer preservar sua imagem. - Ah, se uma parada dessas ocorresse numa escola do meu bairro, o professor seria linchado. - João Roberto também foi pro olho da rua. - Mentira! - Verdade, Rodrigo. O coordenador do Funda‐ mental 2 e Ensino Médio, foi mandado embora do Michelangelo por justa causa, por conta de uma acusação gravíssima de assédio sexual contra Michelle, professora de artes e sobrinha da Ana Cláudia. Foi mexer logo com a parente da dona? Segundo boatos, ela já não aguentava mais as in‐ vestidas do pedagogo. Onde se ganha o pão, não se come a carne. Acho muito difícil que o João Roberto consiga emprego em outra escola parti‐ cular em Vitória, talvez no Espírito Santo, porque os donos de escolas mantêm contato uns com os outros. Ele queimou seu filme feio. - João Roberto é o pedagogo sem noção. Pa‐ rece o Joselito Sem Noção do Hermes e Renato, programa de humor da MTV. Como ele vai dar em cima da sobrinha da dona da escola que o em‐ pregava? É ousadia demais da conta, bicho! Se a Michelle correspondesse, beleza, mas ela tava se sentindo assediada. Nas aulas de artes, percebia como a professora se sentia desconfortável com a presença daquele crápula. - Soube por alto que ele também coagia as ser‐ ventes e cozinheiras a manterem relações sexuais com ele, pra que o bonitão não fizesse a caveira delas com a Ana Cláudia.


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- Todo castigo pro miserável do João Roberto é pouco. Penso que se ele for pro inferno, nem Sa‐ tanás, o príncipe dos demônios, o aceitaria. Tratase um psicopata e predador sexual. Esse vaga‐ bundo tinha que ser castrado com faca, sem anes‐ tesia, igual fazem com o boi ou o porco na roça. - Não precisa exagerar, Rodrigo. - Lá no Theta, soube de um caso de assédio sexual. Rosiane e Jefferson, alunos do terceiro ano, passaram o carnaval na casa de praia do tio dela, em Manguinhos. Não se sabe como, mas a transa entre eles foi gravada. - Jesus, tem misericórdia! - As imagens foram parar na mão de Pietro Passabon. - O cantor pop e apresentador do Pietro e VC, programa independente de cultura na TV Ci‐ dade Sol? - Ele mesmo. - Caraca, que sinistro! - Então, o apresentador começou a assediar Rosiane, sua então vizinha de porta, pra que ela prestasse favores sexuais, caso contrário divul‐ garia o vídeo na internet. A moça recusou, ale‐ gando que tinha nojo dele. Ai, o distinto pai de família e acima de qualquer suspeita disse que Rosiane tinha até um dia determinado para que ela se encontrasse com o assediador. - O que a Rosiane fez? - Assustada com as ameaças, Rosiane contou aos pais sobre o ocorrido. No dia seguinte, Ro‐ siane e seus pais foram à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, onde contou sobre a chantagem do músico. Ela mostrou ao delegado


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seu celular as conversas por SMS que manteve com Pietro. Falou ainda que o assediador queria encontrá-la até um determinado dia. O delegado aconselhou a Rosiane marcar um encontro na praia, onde faria o flagrante, que seria monitorado pelos investigadores. - Como terminou? - Rosiane foi à Praia de Camburi. Em seguida, Pietro, que convidou a moça para entrar no carro dele. Quando Rosiane entrou no carro, os poli‐ ciais apareceram e o delegado deu voz de prisão ao cantor. Na DPCA, Pietro disse que se reser‐ vava o direito de ficar em silêncio e só falaria em juízo. No dia seguinte, Pietro foi encontrado morto na cela. Ele tinha mais de 30 perfurações pelo corpo. Sua camisa estava ensanguentada. - Esperava que ele fosse preso, processado e condenado, mas não linchado. - Infelizmente, nas cadeias, é a lei do cão que impera, Drielli. Os presidiários vêm os estupra‐ dores e pedófilos como párias, tanto que ficam em alas separadas. Na casa do vagabundo, foram achados vários CDs, DVDs e HDs contendo ima‐ gens de crianças e adolescentes praticando sexo explícito com o apresentador. - Rodrigo, na sexta-feira que vem, se Deus quiser, vou embarcar pro intercâmbio em Van‐ couver. Vou ficar lá até meados de agosto do ano que vem. O que você acha da gente comer aquela pizza maracanã de calabresa, com uma Coca Cola bem geladinha, no Vitória Mall. - Bacana. Aceito o convite. - Não é um adeus, mas um até breve. Em 2005, vou tentar o vestibular em três universi‐


SENZA PIETÀ

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dades importantes, mas torcendo pros calendários não conflitarem. - Boa sorte pra você no intercâmbio, Drielli. Vou sentir muitas saudades. - Eu também, amigo. A gente se vê na sexta. Um beijo. - Outro, meu bem.



SOBRE O AUTOR

Maxwell dos Santos é brasileiro, nascido em Vitó‐ ria/ES em 1986 e mora na referida cidade. É jor‐ nalista, radialista, designer gráfico e servidor público da Prefeitura de Cariacica desde 2017 e professor de Literatura Brasileira dos cursinhos populares Risoflora e Atitude. Técnico em Multi‐ mídia pelo CEET Vasco Coutinho, licenciado em Letras/Português pelo Instituto Federal do Espí‐ rito Santo, especialista em Educação Especial com Ênfase em Transtornos Globais do Desen‐ volvimento e Superdotação pela Faculdade de Educação Paulistana, especialista em Revisão de Textos pela Faculdade de Minas, licenciando em História pelo Centro Universitário Internacional, bacharelando em Jornalismo Digital pela Unias‐ selvi e pós-graduando em Escrita Criativa, Ro‐ teiro e Multiplataformas pela Faculdade Novoeste. twitter.com/escritormaxwell instagram.com/sanmaxwell1



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