Revista Brasileira de Cordel

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O Que é Literatura de Cordel? 06 A Filosofia nos folhetos de Cordel 18 A Criação de Brasília 34 A Arca de Noé 41

Patativa do Assare O voo do centenario mestre da poesia 47


Editorial poetico

Uma escola literaria

A nossa Literatura De Cordel, apelidada, Tem raiz em Portugal Mas aqui foi recriada. A de lá ficou mofina, Diante da nordestina A de lá não vale nada! Aqui, folhetos, canções, Romances e gemedeira, ABCs, moirões, pelejas, Capa talhada em madeira, Normas rígidas, pauta vária... É uma escola literária Da cultura brasileira! Desde o maior teatrólogo, Músico, pintor e escritor Todos vão beber na fonte Dos versos do cantador. Se os produtos derivados São muito valorizados, A matriz tem mais valor. Cordel não é só Folclore, Folheto e xilogravura, É Filosofia e estilo, É arte e Literatura É luta, dor e alegria É a mais pura poesia... A mãe da nossa cultura!

Crispiniano Neto Cordelista


Editorial Revista Brasileira de Literatura de Cordel Diretoria Executiva Editorial Editora Imeph

06. O que é Literatura de Cordel?

14. A Popularidade e Atualidade do Cordel

Redação Crispiniano Neto Projeto Gráfico e diagramação

Mayara Carol Araújo

Sumário

28. O Brasil de Pindorama Fala Tupi Guarani

38. A História da Ciência nos Versos de Gonçalo Ferreira

30. Regras da Poética Cordeliana

41. A Arca de Noé


18. A Filosofia nos Folhetos de Cordel

34. Criação de Brasília

44. De Repente...

27. Soletrando

36. 5 Séculos de Luta e Aventur, Desemprego, Racismo e Violência

Capa 47. O Vôo de centenário mestre da Poesia


O QUE Ée LITERATURA DE CORDEL

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ue Literatura é esta, cujos temas são aproveitados pelo cinema, pelo teatro, pela música, televisão e até mesmo pelos poetas e escritores eruditos? O que é isto que está chamando a atenção dos professores universitários e universidades do mundo todo, sendo sujeito de muitas teses de pós-graduação, de doutoramento e de estudos, como na França Estados Unidos, Japão, Rússia e outros países? Seria ela um traço do nordestino que desceu para o Sul do país, com os “pausde-arara”, estendendo a sua influência cultural? Afinal, o que é Literatura de Cordel que, no Nordeste, é somente conhecida por folhetos, abecês, romances e cantorias?” MACHADO, Franklin. O que é Literatura de Cordel? / Rio de Janeiro. Editora Codecri, 1980. P.11.

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Quando Portugal colonizou o Brasil, a maioria da população portuguesa era analfabeta e as gráficas, mesmo na Europa eram de um tecnologia muito atrasada, pois ainda não fazia muito tempo que Gutemberg tinha inventado a imprensa e as máquinas impressoras eram extremamente rústicas. Não havia sequer a eletricidade para permitir a fabricação de máquinas mais modernas, como as tipográficas de alta velocidade e muito menos as off-sets. Imprimir um livro grande, como a Bíblia Sagrada, Os Lusíadas era uma tarefa de anos, para não demorar demais as tiragens de livros grandes não passavam de dez exemplares. Então, uma comunicação mais rápida, uma literatura que permitisse tiragens maiores tinha que ser através de impressão de “folhas soltas” e de pequenos folhetos, os quais eram vendidos em Portugal, pendurados em cordões (cordéis) nas feiras e nas ruas mais movimentadas, através de cegos cantadores, autorizados pelo Rei, como forma de gerar emprego e renda para os deficientes visuais que tinham dotes artísticos. Trovadores, jograis, menestréis e cantadores tinham grande influência na difusão cultural da época, pois, sendo a população analfabeta, como já dissemos, uma literatura rimada permitia melhor compreensão e facilitava demais a memorização. Cantadores populares eram figuras indispensáveis em todas as vilas portuguesas da época, animando feiras e Artigo | 07

festas num tempo em que não havia rádio nem televisão.. Eles acompanhavam os poemas cantados, com violas ou rabecas, o que aprenderam com os ‘medajs’ árabes que trouxeram o alaúde para a região, quando dominaram por cerca de oito séculos, a Espanha, vizinha de Portugal e que, por um tempo foi reino unido do país que nos colonizou. Chegando ao Brasil, os folhetos contando histórias de princesas, bruxas, príncipes valentes e princesas encantadas, monstros e sábios encontrou um povo ansioso por estes mistérios e encantos, formado dos três sangues que formam a etnia brasileira, o próprio português com toda esta carga cultural, o índio que costumava sentar ao redor da fogueira e ouvir o pajé contar histórias mirabolantes que preenchiam o imaginário de todos, com idealizações, lendas, medos, milagres e heroísmos; o negro africano, um pouco mais adiantado culturalmente que o nosso índio, também vinha de uma cultura de muita imaginação, lenda, temores e lutas. Estava formado o ambiente fértil para nascer uma nova expressão cultural.


Os primeiros folhetos Os primeiros folhetos vieram de Portugal, nas caravelas juntos com os colonizadores, nem sempre eram escritos em versos, mas eram a principal fonte de leitura dos primeiros séculos do Brasil. Antes de entrarem nas caravelas tinham que passar pela rigorosa censura da Santa inquisição. Na Casada Torre do Tombo, em Lisboa, eram selecionados os que podiam ser lidos nas colônias e os que não podiam vir para o Brasil, Açores, Guiné, Moçambique, Algarves.

Surge a ‘Cantoria de Viola’ na Serra do Teixeira, Paraíba

O primeiro que se tem noticia Historia do Capitao do Navio, de autoria de Silvino Piraua de Lima.

Na primeira metade do século dezenove, por volta da década de 1840 surgem as primeiras cantorias de viola, organizadas, estruturadas como um espetáculo de produção poética sob o ritmo da viola com os versos sendo feitos no calor do improviso. Era uma evolução dos aboios dos vaqueiros que fizeram a povoação dos sertões nordestinos a casco de cavalo e além de chamar e tanger o gado através do grito mágico do aboio, quando no descanso, pegavam da viola e improvisavam versos relatando suas próprias aventuras e contando histórias do “arco da velha” que decoravam dos livrinhos que chegaram através das caravelas. A cultura que brota em torno da pecuária em todas as partes é sempre muito cantante. Os primeiros cantadores, considerados os pais da Cantoria de Viola Nordestina, são Ugolino do Sabugi, Romano do Teixeira, Silvino Pirauá de Lima e outros que deram forma ao espetáculo, definiram os primeiros gêneros poéticos a serem cantados, como as quadras, sextilhas, glosas, romances, etc.

Nasce a Literatura de Cordel Nordestina No final do século XIX surgiram os primeiros folhetos impressos, produzidos por poetas nordestinos e impressos em gráficas da região. O primeiro que se tem notícia História do Capitão do Navio, de autoria de Silvino Pirauá de Lima. Começaram surgir as gráficas no interior do Nordeste e a literatura de folhetos e romances populares ganhou fôlego, formando-se uma verdadeira indústria, com tipografia dedicadas exclusivamente a publicar folhetos. Em torno destas tipografias desenvolveu-se uma rede de distribuição dos folhetos, através de “folheteiros”, que saiam Sertão a fora, de feira em feira, cantando e vendendo o produto, bem como dos cantadores repentistas que iam fazer usas cantorias e aproveitavam para também faturar um pouco mais com a venda de folhetos que eram por eles cantados e depois vendidos, independente de serem da própria autoria ou não. Num determinado da cantoria paravam de fazer improvisos e iam cantar os versos feitos dos folhetos e romances que traziam na mala.

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Fonte: Apostilha CURSO DE INICIAÇÃO À POESIA – O Universo da Literatura de Cordel, de Crispiniano Neto Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Universo tematico e propostas de classificacao da Literatura de Cordel

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laro que não é fácil dizer por que tal ou qual tema foi, ou é, escolhido. Suas razões nem sempre se podem fixar em definitivo, mas sem dúvida nenhuma se pode encontrar uma relação temática com a época em que surgem as temas. De fato, mesmo os romances tradicionais, e não os fatos circunstanciais estão relacionados a épocas históricas, a determinado momento, tendo em vista sua manifestação. Daí a diversidade com que os temas se apresentam. De um lado, figuras humanas, como herói ou anti-herói; de outro Materia | 09

lado, aspectos de vivência social: religiosidade, aventuras, casos de amor. E também as narrativas que envolvem animais, o que representa, de certo modo, a maneira como a respectiva população considera o animal: ora exaltando-o, como é em grande parte, o ciclo do gado no romance nordestino, ora criando-lhe uma lenda prejudicial ao homem. De modo geral, se pode verificar por um estudo mais aprofundado dos temas, que a elaboração dos romances, tradicionais ou modernos se prendeu sempre à necessidade Revista Brasileira de Literatura de Cordel


" Desta forma muitas tem sido as tentativas de dar uma classificacao ao romanceiro, ora seguindo a grande tematica que envolve os romances, ora tendo em consideracao as caracteristicas que eles apresentam. " de fixar os acontecimentos, de registrar as figuras que dele participam, de anotar a maneira como decorreram, enfim tudo aquilo que, sem imprensa, sem jornais, sem rádio, as gerações mais antigas tiveram necessidade de gravar e transmitir através da história popular, para fazer a sua história. Daí haver sempre, - isto sobre tudo nos romances de fundo histórico, que narram guerras ou lutas realmente acontecidas, ou fixam figuras que efetivamente viveram, - no romanceiro não apenas a notícia como também o entretenimento. Desta maneira, podemos desde logo evidenciar a existência, no romanceiro e hoje na literatura de cordel, de dois tipos fundamentais da temática: os temas tradicionais, vindos através do romanceiro, conservados inicialmente na memória e hoje transmitidos pelos próprios folhetos – e aí se situam as narrativas de Carlos Magno, dos Doze Pares de França, de Oliveiros, de Joana d’Arc, de Malasartes, etc.; e os temas circunstanciais, os acontecimentos contemporâneos ocorridos em dado instante e que tiveram repercussão na população respectiva – são enchentes que prejudicaram populações, são crimes perpetrados, são cangaceiros famosos que invadem cidades ou praticam assassínios, Materia | 10

são também hoje, com a facilidade das comunicações, certos fatos de repercussão internacional. Temos assim os temas tradicionais, de um lado; e de outro lado, os fatos circunstanciais, quando a literatura de cordel se transforma em jornal escrito e falado e em crônica ou fixação dos acontecimentos.

A variedade temática: tentativa de classificação Muitas têm sido as classificações a respeito do romanceiro em especial do português, transladado para o Brasil, e aqui sofrendo as adaptações ou reformulações que adequaram os romances ao novo ambiente. Porque é realmente este um dos aspectos mais salientes em um romanceiro quando estudado comparativamente: as modificações que cada povo realiza no tema. E realiza dentro de sua época, do momento histórico que vive. Desta forma muitas têm sido as tentativas de dar uma classificação ao romanceiro, ora seguindo a grande temática que envolve os romances, ora tendo em consideração as características que eles apresentam. Entretanto, menores têm sido as tentativas de classificação Revista Brasileira de Literatura de Cordel


de nossa literatura de cordel; a temática aí tem sido menos explorada no sentido de identificá-la em torno de determinados assuntos. Fora do Brasil, podemos lembrar duas sugestões de classificação da literatura de cordel: a de Júlio Caro Baroja, na Espanha, e a de Robert Mandrou, na França. No caso do Brasil, a respeito da classificação da literatura popular em versos, além da tentativa de Leonardo Mota, aí por 1921, em Cantadores, e possivelmente outras, podemos registrar duas mais recentes. Uma a que se deve à Casa de Rui Barbosa, feita por um grupo sob a orientação de Cavalcanti Proença; foi fundamentalmente desse saudoso especialista o esquema inicial, que, afinal, predominou. É realmente um quadro amplo, entrando em pormenorização bastante expressiva para um melhor conhecimento da produção de literatura de cordel. Orígenes Lessa, partindo da observação de que a temática dos romances populares é muito variada, assinala que essa temática é riquíssima (9); contudo, para classificá-la registra uma série de temas permanentes e outros que considera tipos que, em geral, passam, não se reproduzindo os folhetos. No primeiro caso, situa os seguintes temas: O desafio, real ou imaginário: histórias tradicionais; cangaço; Antônio Silvino, Lampião, Maria Bonita; seca e retirantes; vaqueiros e vaquejadas; mística; histórias bíblicas; profecias; milagres; festa religiosas; beatas e santos do sertão; Padre Cícero; sobrenatural; o diabo; romances de amor, de aventuras, trágicos; no segundo caso, incluem-se casos da época; crimes, desastre, acontecimentos policiais, revoluções; campanhas eleitorais; fatos políticos; luta ideológica (guerra da Coréia, Hitler, etc.); miséria do povo; eleições; Getúlio e sua morte; crítica de costumes; sátira política e social (crises, preços, falta de luz, etc.). Outra é a que propõe Ariano Suassuna (10); é mais sintética, procura situar a sistematização da literatura de cordel em limites mais definidos a partir dos dois grandes grupos – o tradicional e o de “acontecido”: 1. Poesia improvisada; 2. Poesia de composição: a) ciclos heróico; do maravilhoso; religioso e de moralidade; cômico, satírico e picaresco; de circunstância de histórico; de amor e fidelidade; b) formas: romances; canções; pelejas; abecês. A classificação adotada pela casa de Rui Barbosa, basicamente elaborada por Cavalcanti Proença: assim pode ser apresentada, conforme se vê no volume do catálogo da Literatura Popular (11): Materia | 11

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I – Herói Humano: 1. Herói Singular; 2. Herói Casal; 3. Reportagem (crimes, desastres, etc.); 4. Política; II – Herói Animal; III – Herói Sobrenatural; IV – Herói Metamorfoseado; V – Natureza: 1. Regiões; 2. Fenômenos; VI – Religião; VII – Ética: 1. Sátira Social – Humorismo; 2. Sátira Econômica; 3. Exaltação; 4. Moralizante; VIII – Pelejas; IX – Ciclo: 1. Carlos Magno; 2. Antônio Silvino; 3. Padre Cícero; 4. Getúlio; 5. Lampião; 6. Valentes; 7. Anti-Heróis; 8. Boi e Cavalos; X – Miscelânea: 1. Lírica; 2. Guerra; 3. Crônica – Descrições.

Recentemente Roberto Câmara Benjamin em interessante estudo sobre os temas de religião apresentados em folhetos (12), sugere uma classificação deste, levando em conta seus objetivos; seriam distribuídos em três grupos; 1. Folhetos informativos, os que registram fatos “de época”, ou de “acontecimento”, isto é, acontecimentos atuais, fixando-os para conhecimento de grande público; 2. Romances, são as narrativas tradicionais destinadas a entreter e distrair; 3. Opinião, são os que incluem crítica social. A estes três grupos o próprio escritor acrescenta, a seguir, um outro conjunto de folhetos: os que narram “casos”, os folhetos de “exemplo”, onde se arrolam acontecimentos sem explicação para o povo, mas que constituem exemplos a serem observados. A nosso ver é possível chegarmos a uma síntese das duas classificações brasileiras antes citadas: a de Proença e a de Suassuna. A nossa preocupação é a de apresentar a temática da literatura de cordel; e também assentar aqueles temas que são constantes ou permanentes nesta literatura, e isto sob duplo aspecto: de um lado quais são estes temas, como são expostos, por que existem; e de outro lado, como o cantador ou trovador populares consideram estes como os interpretam, o que seria, por assim dizer, a sua cosmovisão. Ou seja: como, no quadro de sua cultura, compreendem o fato tradicional ou o acontecido em face da sociedade em que vive. O que representa, de certo modo, o próprio sentimento desta sociedade. Daí procuramos harmonizar, de maneira mais singela – e sobretudo exemplificativa – o que existe nas diferentes manifestações populares em torno de determinado assuntos, constantes, senão permanentes, na literatura de cordel. Chegamos assim a uma simplificação do que sugerem Cavalcanti Proença e Suassuna, procurando indicar, em suas linhas gerais os assuntos da literatura de cordel.


Exemplificacao dos diversos temas

1. Temas Tradicionais a) Romances e novelas: Leandro Gomes de Barros – Batalha de Oliveiros com Ferrabrás; João Martins de Ataíde – Roldão no Leão de Ouro; José Bernardo da Silva (ed. prop). – História da Donzela Teodora. b) Contos Maravilhosos: Leandro Gomes de Barros – História de Maria e Alonso; João José da Silva – Aladim e a Princesa de Bagdá; Antônio Alves da Silva – Os últimos dias de Pompéia. c) Estórias de animais: Leandro Gomes de Barros – O boi misterioso; Luís da Costa – História do papagaio misterioso; José

Costa Leite – A vaca misteriosa que falou profetizando. d) Anti-heróis: Leandro Gomes de Barros – A vida completa de João Lezo; - Francisco Sales – As presepadas de Pedro Malasarte; João Martins de Ataíde – As proezas de João Grilo. e) Tradição Religiosa: - Manuel d’Almeida Filho – História de Jesus e o Mestre dos Mestres; José João dos Santos (Azulão) – O milagre de Jesus e o ferreiro orgulhoso; José Soares – Os milagres da Virgem Conceição.

2. Fatos circunstanciais ou acontecidos a) Manifestações de natureza física: José Bernardo da Silva – Os horrores do Nordeste; Delarme Monteiro – A seca, flagelo do sertão; João José da Silva – As cheias do interior e as inundações do Recife. b) Fatos de repercussão social: Rodolfo Coelho Cavalcante – A morte de Zé Arigó, o famoso médium de Minas Gerais; Severino Paulino da Silva – A tragédia de Garanhuns ou a morte do Bispo; Antônio Batista – A guerra de Juazeiro; Joaquim Batista de Sena – A vitória do Marechal Castelo Branco e a derrota dos corruptos; Manoel d’Almeida filho – Brasil, tricampeão do mundo; José Soares – O homem na lua; Joaquim Batista de Sena – História da novela de Antônio Maria em versos de cordel. c) Cidade e vida urbana: Leandro Gomes de Barros – O Recife novo; João Carlos

– Feira de Santana, princesa do sertão; Manoel Camilo dos Santos – Descrição da Capital João Pessoa. d) Crítica e sátira: Erotildes Miranda – Os horrores da devassidão; Expedito Sebastião da Silva – A marcha dos cabelos e os usos de hoje em dia; Minelvino F. Silva – ABC dos tubarões. e) Elemento humano: João Florêncio da Costa – História de Getúlio Vargas; Arinos de Belém – História de Antônio Conselheiro; João Martins de Ataíde – A morte de Padre Cícero Romão; José Costa Leite – A voz de Frei Damião; Francisco das Chagas Batista – A história de Antônio Silvino; Antônio Francisco da Silva – As bravuras e morte de Lampião; Ivo Luís Silva – O rei dos vaqueiros; Severino Borges da Silva – Bravuras de sertanejo.

Classificação de Franklin Maxado De época ou de Ocasião, Históricos, Didáticos ou educativos, Biográficos, De louvor ou homenagens, De propaganda política ou comercial, Promoção pessoal e anonimato, Pasquim ou de intriga, De safadeza ou putaria, Maliciosos ou de cachorrada, Cômicos ou de gracejos, De bichos ou infantis Religiosos ou místicos, De profecias ou eras, De conselhos ou exemplos, De fenômenos ou de casos, Maravilhosos ou mágicos, Fantásticos ou sobrenaturais, De amor ou de romance amoroso, De bravura ou heróicos, Vaquejadas, De presepadas ou dos antiheróis, De pelejas ou desafios e De discussão ou encontros. Fontes: Literatura de Cordel Antologia – Banco do Nordeste, organizado por Ribamar Lopes e O Que É Literatura de Cordel, Franklin Maxado, Editora Codecri – Rio de Janeiro. Materia | 13

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Da Popularidade e atualidade

Da Literatura de Cordel.

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om mais de cem anos de publicações ininterruptas, a Literatura Popular em Versos Escrita ou “Versos de feira”, ou, ainda, “romances e folhetos”, conhecida nos meios intelectuais como Literatura de Cordel - nomenclatura herdada de Portugal, onde os folhetos eram vendidos nas feiras, pendurados em barbantes (cordões ou cordéis) – já teve sua morte anunciada várias vezes, mas resistiu a todas elas. Achavam que ela sucumbiria à penetração dos jornais no interior; depois foi a era do rádio, com grande penetração nos sertões e mais uma vez falou alto o prenúncio trágico. Com a chegada da televisão ao interior, se previu de novo a derrocada do velho “correio do Sertão”. E agora se fala que a internet irá acabar a literatura popular nordestina... Tudo balela. O “cordel” resiste, por mais que lhe estiquem a corda. E tem conseguido até se aliar a cada um destes concorrentes, poderosos instrumentos de comunicação de massas.

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" O radio, o jornal, e a TV chegam primeiro, mas a publicacao da mesma noticia em folhetos de cordel da mais credibilidade e desperta mais interesse ao acontecido. "

Em pleno século XXI o folheto poético permanece firme e forte, lépido e fagueiro, cruzando veredas e animando alpendres nas comunidades rurais dos minifúndios antieconômicos, latifúndios improdutivos, fazendas modernas de irrigação e assentamentos de reforma agrária. Ameaça deverasmente forte foi o êxodo rural. Mas, em vez de morrer ele acompanhou o seu leitor. Veio para as periferias das cidades e chegou às metrópoles, não só do Nordeste como Recife, Fortaleza e Salvador, mas também ao Rio de Janeiro, São Paulo e todas as cidades satélites de Brasília. Chegou também às universiArtigo | 15

dades e escolas de todos os recantos do Norte, Nordeste e do Sudeste. O maior problema foi o fechamento das tipografias de Literatura de Cordel, que foram 42. Mas elas estão ressurgindo. Agora em off-set, que os tempos são outros. Através de entidades de apoio à cultura ou, até mesmo, com fins comerciais, editam-se folhetos, o que garante a volta do vigor de mercado do folheto. Quando se pensava que esta literatura tinha sucumbido, eis que morreu Frei Damião e mais de setenta títulos foram publicados sobre o fato. A primeira vinda do papa João Paulo II

ao Brasil serviu de inspiração para a publicação de cerca de cinqüenta títulos cordelianos. A morte de Tancredo Neves provocou dezenas de publicações, a morte de Luiz Gonzaga também motivou uma enxurrada de poemas publicados. Por último tivemos a derrubada das torres gêmeas, em Nova Yorque. Poucos dias depois, vários folhetos estavam sendo vendidos nas feiras do Nordeste e dos grandes centros do Sudeste, com Osama bin Laden na capa. Hoje, o folheto jornalístico não leva mais novidades aos seus leitores cativos. O rádio, o jornal, e a TV chegam primeiro, mas a publicação da mesma notícia Revista Brasileira de Literatura de Cordel


em “folhetos de cordel” dá mais credibilidade e desperta mais interesse ao acontecido. “Saiu até um folheto sobre esse assunto”, essa é a marca registrada da credibilidade conferida a uma notícia para as pessoas do povo que têm nessa literatura, na Bíblia Sagrada e nos almanaques populares anuais, suas maiores referências culturais impressas. Esta força imorredoura e crescente, é que faz com que os folhetos de Literatura de Cordel sejam hoje tão utilizados em campanhas educativas e no marketing comercial ou político. Quando Cristóvão Buarque criou a Bolsa-Escola no Distrito Federal, por volta de 1995, seu governo me encomendou um poema para divulgar o programa entre os migrantes que moram em Brasília. Dele foram

Isabela Nardoni, João Hélio e até o presidente Lula já se tornaram temas de cordéis

publicadas duzentas mil cópias. Mais recentemente, a Secretaria da Cidadania de Mossoró me encomendou 15 títulos sobre temas da saúde. De cada um, foram publicados cinco mil exemplares, com perspectiva de novas edições. Folhetos sobre DST/AIDS, contra o alcoolismo, contra o Tabagismo, em prol da economia da água, em defesa da ecologia, contra a dengue, em defesa da escola pública, dos direitos da criança, da mulher, dos animais, do plantio do caju, da criação de caprinos e ovinos, enfim, em qualquer assunto que se queira falar com o povo na sua linguagem, recorre-se à poesia cordelista. Como dizia o mestre Paulo Freire, “não se chega à cabeça do homem do povo, sem passar pelo coração”. O uso da Literatura de Cordel em campanhas educativas está abrindo um novo ciclo, como os Cômicos ou de gracejos, Religiosos ou místicos, de Profecias ou eras, de Conselhos ou exemplos, de Lampião, de Padre Cícero e tantos outros que foram catalogados por Ariano Suassuna, Liedo Maranhão de Souza, Franklin Maxado e Orígenes Lessa. Artigo | 16

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O Caso Isabella, a morte da menina que foi jogada provavelmente pelos pais do sexto andar de um edifício em São Paulo, o Caso de João Hélio, o menino que morreu arrastado em um carro por marginais no Rio de Janeiro, tudo vira folheto de Cordel com uma velocidade impressionante. Estamos na praça com a segunda edição do livro Lula na Literatura de Cordel. São mais de duzentos folhetos que falam direta ou indiretamente em Lula, um presidente que ainda está governando. No livro catalogamos nada menos que 110 deles, de vários estados do Brasil. As editoras estão trabalhando uma nova fase da Literatura de Cordel, trata-se do Cordelivro, que se constitui na edição de folhetos de Cordel em forma de livros, ilustrados, muitas vezes até com um belíssimo casa-

As formas poeticas do cordel e do repente nordestinos vao surgindo em novos estilos musicais, enriquecendo o rap, o rock, o hip hop, a MPB

mento entre Cordel e Quadrinhos, um antigo sonho do pesquisador José Maria Luythen que começa a se concretizar. Dezenas de projetos que levam a Literatura de Cordel à sal de aula podem ser encontrados em todos os estados nordestinos, e ainda em São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, estados do Norte para onde milhões de nordestinos migraram arrastando a saudade da terrinha “sofrida, mas boa”. As formas poéticas do cordel e do repente nordestinos vão surgindo em novos estilos musicais, enriquecendo o rap, o rock, o hip hop, a MPB; o cordel tem Artigo | 17

hoje uma presença marcante no Teatro, na Literatura, no Cinema e nas artes visuais, inclusive um peso fortíssimo dos versos, das toadas e das xilogravuras no marketing. A agregação de valor ao produto “poema de cordel” cresce a cada dia, além do cordelivro, há uma forte indústria de produção e venda de CDs, de DVDs, de caixinhas de cordéis, de displays com coleções para venda ou servindo de mostruário, camisetas com versos e xilogravuras, livros com coletâneas de poemas e poetas. E há uma impressionante produção de monografias e te-

ses acadêmicas sobre a Literatura de Cordel. A publicação de folhetos acelerou nos últimos cinco anos com o surgimento de editoras como A Tupinankyn em Fortaleza, a Queima-bucha em Mossoró, a Casa do Cordel em Natal, um Sebo em João Pessoa, Manoel Monteiro na Paraíba, a Coqueiro e a Unicordel em Recife, a ABLC No Rio de Janeiro, a volta da Editora Luzeiro e a chegada da Editora Novo Horizonte em São Paulo, além de várias editoras empresariais que estão entrando no ramo do Cordel por verem nele um nicho promissor. Revista Brasileira de Literatura de Cordel


A Filosofia nos folhetos de Cordel

Questões pertinentes em relação à Filosofia e a literatura de Cordel

Por Francisco José da Silva Prof. Mestre em Filosofia (UFC)

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uando fui convidado para falar sobre o tema a Filosofia nos folhetos de cordel, me senti desafiado, pois qualquer pessoa diante disto poderia se perguntar: Qual relação há entre filosofia e literatura de cordel? Seria o que há de filosofia no cordel? Ou seria o que há de cordel na filosofia? O titulo diz muito sobre a questão a qual nos propomos desenvolver, pois poderia ser ‘Filosofia em Cordel’, ou, ‘Cordel e Filosofia’, ‘Filosofia no Cordel’, ou, ‘Cordel na Filosofia’ e ainda ‘Filosofia do Cordel’. Diante destas questões eu me alinho às duas últimas como mote a partir do qual iniciaremos nossa reflexão de hoje, ou seja, até onde é possível falar de uma filosofia presente na literatura de cordel, e ainda, é possível falar de uma veia poética na filosofia, ainda mais uma poética popular?


A filosofia é, pois, uma forma de saber que tem como fundamento a busca da verdade através da razão, desta forma a reflexão filosófica nos permite pensar a realidade de forma critica e a partir do todo. Lembramos que o grande expoente da filosofia e modelo de atitude filosófica foi o filosofo grego Sócrates, que através de suas perguntas levava as pessoas a pensarem por si mesmas. Começaremos então por uma frase que para mim serviria de inspiradora a partir da qual refletiremos sobre a filosofia nos folhetos de cordel. A frase é “A poesia é filosofia em versos, a filosofia é a poesia em prosa”. A poesia na origem da Filosofia Já que ao falar de literatura de cordel estamos falando em poesia, podemos perceber que na Filosofia há um pouco de cordel, pois na sua origem a Filosofia era expressa na forma de poesia, com versos. Desde tempos imemoriais a poesia tem sido a forma mais utilizada para se expressar, especialmente na carência de uma literatura escrita, enquanto ela é uma forma de mnemotécnica, ou seja, uma técnica de memorização eficaz, além é claro do caráter estético que nela se apresenta que lhe dava uma aura de divina. Um exemplo deste caráter divino da poesia pode ser constatado na invocação das Artigo | 19

musas, rotina sempre presente na literatura de cordel, mas que remonta a Homero, na Ilíada e Odisséia, e Hesíodo, na Teogonia e em Os Trabalhos e os Dias. As primeiras grandes obras poéticas da tradição ocidental que tem sua origem na Grécia antiga. No Canto I da Ilíada lemos: “Canta ó musa, a ira de Aquiles filho de Peleu...”. As musas são as filhas de Zeus e Mnemosyne (Memória), as quais presidem as criações artísticas e conduzem os poetas à contemplação daquilo que os deuses querem revelar através da poesia, da tragédia, da música, da dança, etc. O poeta é como que o arauto dos deuses, aquele que em seu canto revela a palavra dos deuses, não muito distante é a concepção bíblica da profecia, pois os grandes profetas (neviim), são os portadores da palavra de Deus, e muitos deles como Isaias e Jeremias eram considerados grandes poetas, sem esquecer do repentista hebreu David, que deliciava os ouvidos de Saul ao “cantar seus Salmos pelos ares”, como diria Raul Seixas. Desse modo, podemos dizer que existe uma relação estreita entre a poesia e a divindade, aquele que revela os segredos da natureza, da vida humana, etc. Esse caráter revelador da poesia ultrapassa o âmbito estritamente religioso, ele é reconhecido inclusive na filosofia. Em relação à importância da expressão poética na antiguidade e sua relação com a

Desse modo, podemos dizer que existe uma relacao estreita entre a poesia e a divindade, aquele que revela os segredos da natureza, da vida humana


Filosofia nos diz Aristóteles, em sua Poética: “Entretanto nada de comum existe entre Homero (poeta) e Empédocles (filósofo) salvo a presença do verso.” (Aristóteles, Arte Poética, I, 11). A partir deste texto, percebemos que o verso era a linguagem comum tanto da poesia quanto da filosofia, e ao contrário do que diria Platão, o qual rejeita a poesia em sua Republica (vale ressaltar que o próprio Platão era poeta, o que nos leva a questionar sobre sua posição), Aristóteles, ao contrário, exalta o caráter racional e universal da poesia, quando diz:

Por tal motivo a Poesia e mais filosofica e de carater mais elevado que a Historia, porque a Poesia permanece no universal e a Historia no particular. Aristoteles.

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“Por tal motivo a Poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História, porque a Poesia permanece no universal e a História no particular.” (op. cit, IX, 3). Com isso vemos claramente que há algo que aproxima a racionalidade filosófica da poesia e viceversa, é isto que faz com que o cordel, enquanto poética popular carregue em si os germes da reflexão filosófica na sua busca de expressar o real em sua complexidade. Podemos dizer que os grandes poetas marcam com suas obras a genialidade do pensamento, entre

eles destacam-se ainda mais aqueles que poeticamente filosofam. Entre os grandes ‘poetas-filósofos’ podemos citar Homero, Hesíodo, Sófocles, Esquilo, Eurípedes, Virgilio, Camões, Goethe, Schiller, Hölderlin, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos, e por que não acrescentar a estes grandes poetas clássicos, os grandes poetas da literatura de cordel como Leandro Gomes de Barros, Manoel Camilo dos Santos, Patativa do Assaré, Klevisson Viana, Manoel Monteiro, Mestre Azulão, Rouxinol do Rinaré e tantos outros (?), os quais com sua poesia levantam questões das mais pertinentes sobre a existência humana, sobre a morte, sobre a vida feliz, sobre o certo e o errado, sobre o mal, sobre o conhecimento, sobre nossa cultura. Não podemos subestimar nem a poesia clássica nem muito menos a poesia popular, como o cordel, no que diz respeito à forma de expressão ou ao conteúdo. A poesia é uma das primeiras manifestações artísticas da humanidade e carrega toda genialidade do espírito humano e, como pensa o filosofo alemão Hegel (1770-1831) na sua obra Lições sobre a Estética, é a forma de arte mais espiritual e mais completa, aquela que mais se aproxima da religião em sua manifestação do absoluto. Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Cordeis sobre Filosofos Além da possibilidade de levantar estas questões fundamentais, devemos lembrar da tarefa levada a cabo por alguns cordelistas, a de escrever sobre a vida dos grandes filósofos da humanidade. Entre estes cordelistas citamos Gonçalo Ferreira que escreveu sobre Pitágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles, vejamos este trecho o cordel sobre Platão:

Os vultos primaciais Livres de contestação Da filosofia grega Inegavelmente são Os inexcedíveis Sócrates Aristóteles e Platão. Foram eles realmente Os construtores da fé Iluminando os caminhos Do cristianismo até A doce eclosão do Cristo Em Jesus de Nazaré.

Vemos nestes versos uma concepção que alia as idéias cristãs ao pensamento dos filósofos gregos, o qual foi na verdade a base para o desenvolvimento da teologia cristã posterior. Recentemente Rouxinol do Rinaré escreveu conosco um cordel sobre o filósofo grego

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Diógenes, o cínico, considerado o mais despojado, o mais irreverente dos filósofos gregos, que usava o sarcasmo, a ironia e literalmente ‘mordia’ aqueles que ele considerava reprováveis. Como exemplo, citemos trechos do cordel Diógenes, o cínico:

Deus quando criou o homem Facultou-lhe liberdade Pra pensar e investigar Deixou bem à vontade Do amor a sabedoria Nasceu a Filosofia Como busca da verdade Do grego, Filos, amigo. Sabedoria é Sofia A mãe de toda ciência Da mente que tudo cria Deus Pai, Primeiro Motor. Poeta superior Da divina poesia Como vemos de forma simples

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e concisa o poeta expressa o significado da palavra ‘filosofia’(amigo da sabedoria), e sintetiza todo seu conteúdo e ainda traduz uma concepção de racionalidade oriunda da divindade que o conduz ao conhecimento de sua mais elevada aspiração. Além disso, o poeta trata dos conceitos mais fundamentais da filosofia, tais como liberdade, amor, sabedoria, verdade, interpõe o conceito de deus cristão (Pai) e aristotélico (o primeiro motor) e relaciona o criador (poietes, em grego) e a criação (poema) com a produção poética (poesia). Pode-se encontrar maior profundidade em tão poucos versos? Podemos dizer ainda que se faz necessário e é importante a produção de cordéis biográficos sobre os grandes filósofos, tarefa a qual tem se dedicado Gonzalo Ferreira, mas isto não é a regra para que se possa filosofar com cordéis, ao contrário do que têm feito alguns cordelistas que escrevem cordéis sobre gramática, matemática, geografia, etc, pois para isto basta que se escrevam cordéis, os quais devem ser ‘investigados’ e neles se encontre todas estas disciplinas incluídas em seu conteúdo, seja num cordel de gracejo, seja biográfico, seja romance.

Como filosofar com Cordéis? Diante disso tudo e sabendo que a poesia tem uma ligação com a filosofia e pode expressar idéias e reflexões filosóficas, podemos nos perguntar: Já que a filosofia agora se tornou obrigatória em todas as escolas do país, seria possível ensinar filosofia com cordéis? Uma vez dispondo de uma biblioteca de cordéis na escola poderia o professor de filosofia utilizar-se dos cordéis e levar os alunos à reflexão por meio deles? Nada melhor que citar alguns trechos de cordéis que levantem questões filosóArtigo | 22

ficas (morais, éticas, políticas, epistemológicas, metafísicas, etc.) e permitam entrever não só ao admirador, mas ao pesquisador, ao professor em geral, e ao filósofo em particular, toda a riqueza filosófica que pode se encontrar nesses modestos folhetos de literatura popular, muitas vezes subestimados pela grande maioria das pessoas. Vejamos este trecho do cordel Viagem a São Saruê de Manuel Camilo, o qual relata uma viagem fantástica a um lugar onde há tudo em fartura: O povo em São Saruê Tudo tem felicidade Passa bem anda decente Não há contrariedade Não precisa trabalhar E tem dinheiro à vontade Lá os tijolos das casas São de cristal e marfim As portas barras de prata Fechaduras de ‘rubim’ As telhas folhas de ouro E o piso de sitim (...) Tudo lá é bom e fácil Não precisa se comprar Não há fome nem doença O povo vive a gozar Tem tudo e não falta nada Sem precisar trabalhar O que pensar diante de um cordel que trata de uma sociedade plena de fartura se contrapormos a realidade do povo nordestino que nos períodos mais agudos da seca sofrem a privação das coisas mais básicas? Outro ponto digno de nota é Revista Brasileira de Literatura de Cordel


a concepção de que nesta sociedade utópica as pessoas não precisam trabalhar, uma clara referência a vida no jardim do Éden, onde após o pecado original o homem é condenado ao trabalho penoso. Esta visão do trabalho traz os ecos da visão de mundo antiga e medieval, para os gregos, por exemplo, o trabalho era reservado apenas aos escravos, enquanto os livres cuidavam das questões do pensamento. Também relacionado a isso podemos dizer que

esta critica ao trabalho é endereçada não ao trabalho enquanto tal, mas pode ser uma alusão às condições de trabalho do homem do campo, explorado e espoliado pelos grandes latifundiários, que gozam da fartura sem mover uma palha. Também é interessante notarmos o contraste entre amor e honra no cordel Entre o amor e a espada de José Camelo de Melo, autor do famoso Pavão Misterioso:

O amor quando se alberga No peito do rico ou pobre Se torna logo um guerreiro Com capacete de cobre E só obedece a honra Porque a honra é mais nobre

Seus frutos são o amor As raízes são a honra Que de incógnito frescor Dão vida e beleza a árvore E a seus frutos sabor

Se o amor é soberano A honra é sua coroa Portanto o amor sem honra É como um barco sem proa É como um rei destronado No mundo vagando a toa

Colhem-se os frutos da árvore E ela não esmorece Mas cortando-lhe as raízes Ligeiramente emurchece Da mesma forma é a honra Ferida, o dono entristece. Qual dos dois tem proeminên-

A árvore é como o amante cia e é mais importante, o amor ou honra? Seria a honra mais nobre que o amor? Por que seria a honra a coroa do amor, e não o contrario? Teria o amor que estar sempre amparado pela honra? Com certeza estes versos do cordel supracitado trazem a marca de uma época, na qual a honra era um dos bens mais importantes para as pessoas, mas será que poderíamos dizer que a honra seria tão valorizada nos dias de hoje? O poeta pretende ligar o amor e a honra de uma forma tão perfeita, mas deixa entrever uma valorização da honra mesmo em detrimento do amor. Em nossos dias podemos encontrar manifestações de honra, mas talvez não tão freqüentes como outrora, ou mesmo em outras culturas, como por exemplo, a oriental onde a honra ocupa um lugar privilegiado, talvez mesmo acima do amor. Até que ponto as pessoas não confundem a honra com uma alta consideração de si mesmo derivada do egoísmo, o qual leva muitos a cometerem os crimes mais horrendos em nome de uma pretensa ‘honra’? Seriam os crimes passionais resultado do amor ou da honra? Por essas reflexões iniciais percebemos o quanto estes versos do cordel podem nos conduzir para questões complexas de ordem ética e Artigo | 23

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moral, que vão muito além de uma mera consideração do senso comum. São também muito interessantes estes versos de Rouxinol do Rinaré tirados do cordel O Justiceiro do Norte: O homem valente e justo Do berço já traz o tino E tendo fibra e coragem Traça seu próprio destino Como se deu nas andanças Do herói Pedro Justino. Pedro Justino é o personagem do cordel de Rouxinol do Rinaré que narra as aventuras de um sertanejo que vai além do sertão se embrenhando nas regiões do Norte do Brasil. Mas para além do óbvio podemos encontrar nestas aventuras um misto de construção de um destino, o qual aponta para uma concepção de liberdade, enquanto uma autonomia do sujeito face às circunstâncias, e de destino traçado, onde o homem é o resultado de uma serie de eventos previamente estabelecidos que o conduzem a uma missão predestinada. Há um conflito entre a liberdade do homem ser o que ele escolheu e o fatalismo que leva o individuo a uma passividade diante de uma vida traçada por Deus. Este mesmo conceito é reforçado pelo próprio autor nos versos iniciais do Cordel Violação, a trágica historia de Renato e Maria (uma adaptação da novela homônima de

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Rodolfo Teófilo): O homem na vida sonha Faz planos, mas na verdade O desfecho do destino Só pertence à Divindade Sem ao menos pressentir Qualquer um pode cair Na cruel fatalidade! Somos fruto do que escolhemos ou há um destino traçado para todos? O homem é livre ou é um joguete aos caprichos da divindade? Será que Deus pode traçar um destino contrario aquele que eu me propus? Com que finalidade? No verso do cordel supracitado o autor propõe que apesar do homem planejar sua vida, preparar todo o terreno para realizar seus sonhos, é a divindade que de forma misteriosa conduz seu destino, ou seja, o desfecho de sua vida não lhe pertence, mas é resultado de uma escolha de Deus. Esta visão fatalista do destino encontra eco na filosofia estóica dos gregos e na teologia cristã, onde o homem está submetido aos desígnios de Deus, e mesmo os maus estão sob sua vontade. Diziam os estóicos “suporta o que não depende de ti”, e buscavam agir segundo a razão e a natureza. Totalmente diversa é a visão existencialista, que vê a escolha como a única forma

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autêntica do homem ser, para os existencialistas ateus crer em um destino traçado por Deus seria negar sua autonomia e liberdade de escolha, ou como diz Sartre, estamos condenados a ser livres, pois mesmo quando não escolhemos estamos fazendo uma escolha, a de não escolher (!). Outro exemplo que podemos utilizar para demonstrar que o cordel não é mera reprodução do que se diz, mesmo quando se trata de ciência, é aquele tirado do cordel de Fernando Paixão A historia do começo do mundo – a teoria do Big Beng, nele o autor assim se expressa: Então me ponho a pensar Na suprema criação O que esta por traz da vida E das leis da evolução Alguns pensam que é “acaso” Eu penso em intervenção Porque disse um cientista Que a sublime existência É a obra de um acaso Mas na minha consciência Tudo é obra e criação Da Suprema Inteligência Mesmo aceitando a leis da teoria da evolução o autor suspeita que haja

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algo mais por traz de tantas coincidências, o autor contrapõe acaso e intervenção, se posicionando ao lado desta ultima como explicação mais adequada e viável para a resposta do grande mistério da vida. Para ele, o universo é resultado da vontade de uma Inteligência Superior e não mero resultado do acaso e na seqüência do cordel apresenta uma serie de argumentos para justificar sua tese e arremata com essa brilhante estrofe: “Matéria sem consciência Do universo é ruína” Pois o homem, ser pensante No universo predomina Legitima a criação Seu destino determina. Seria o universo um projeto que tem como meta a produção de uma consciência capaz de conhecê-lo? Estaria a matéria trazendo em si a busca de auto-conhecimento? A visão proposta pelo autor no trecho acima citado é denominada ponto de vista antrópico, ou seja, o homem devido a sua condição superior de racionalidade interpreta o sentido do universo como sendo um processo que conduziria necessariamente ao seu surgimento, como se a matéria contivesse em si os germes necessários ao surgimento da consciência. Como podemos perceber até agora, estas e outras questões podem ser encontradas, investigadas

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e discutidas a partir da leitura de folhetos de cordel, o que requer do leitor (professor) uma curiosidade e preparação para tratar destes temas de forma lúdica e instigante. Do que foi dito até aqui está claro que os folhetos de cordel trazem uma imensa gama de questões a serem elaboradas e desenvolvidas num espaço coletivo de reflexão, ou como diria o filósofo Matthew Lipman, numa comunidade de investigação, a qual permitiria aos educandos um espaço democrático de debate e investigação das implicações contidas nas narrativas estudadas. O cordel é uma ferramenta incrível para levar o educando ao conhecimento da nossa cultura nordestina, de nossas raízes, mas pode ser mais que isso, ele pode levar-nos a uma reflexão critica de nossas idéias e ideais, de nossos costumes, das concepções e ideologias presentes em nossa formação e do pensamento do homem simples que expressa em seus poemas as realidades mais complexas da condição humana. Não devemos esquecer também o papel estético que os folhetos ocupam em nossa realidade, o qual acaba sendo obscurecido por aqueles que o querem manter numa cúpula, como um objeto de museu, mas que na verdade não percebem o quanto o cordel é versátil e capaz de se reinventar em sua linguagem e se atualizar em seus conteúdos. Mas para que o mesmo cumpra este papel é necessário da parte do professor um conhecimento das raízes de nossa cultura, ou seja, de sua própria identidade, para não se tornar um mero reprodutor das idéias advindas de outros lugares com a pretensão de serem universais, o professor precisa de tempo e condições mínimas para não se tornar cativo de uma estrutura que o nega a possibilidade de cumprir seu papel de forma mínima, isto é, a de ser um capacitador, um orientador, um motivador do aprendizado que leve os indivíduos a pensarem por si mesmos, a serem cidadãos autônomos. Não cabe aqui nenhuma critica ao professor enquanto tal, mas aos gestores públicos desse intrincado processo, os quais sabemos que propositalmente trabalham com o intuito de manter as pessoas sobre controle, dóceis e passivos, cristalizando um tipo de sociedade excludente e individualista. Por isso, consideramos que a Filosofia pode e deve ter no cordel, especialmente aqui no Ceará e em todo o Nordeste, mais um aliado em seu trabalho incansável de levar os homens ao conhecimento de si e a Artigo | 26

problematização das falsas verdades e certezas impostas pelo neoliberalismo, pela tradição e pelos meios de comunicação de massa. Só assim estaremos transformando nossos concidadãos de meros zumbis teleguiados e dependentes de celulares e outras parafernálias modernas em pessoas capazes de pensar por si, de investigar o mundo que os cerca, de criticar as falsas verdades impostas, de denunciar os desmandos da política, de se manifestar e transformar a realidade!

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Soletrando Galope Beira Mar (Fragmentos soletrados) Compositores: Xangai e Ivanildo Dias CD: Xangai - Qué qui tu tem Canário

No ma-ti-nal a me-ren-da re-co-men-da ser só fru-gal pas-ta den-tal de es-co-var de-ve la-var com co-li-pe no ga-lo-pe da bei-ra-mar Não dei-xe o in-tes-ti-no fi-car fi-no que só fei-xe co-ma pei-xe no pa-la-dar um ca-la-mar es-ca-lo-pe no ga-lo-pe da bei-ra-mar

vi-ta-mi-na no to-ma-te a-ba-ca-te ver-de po-mar po-de cor-tar tos-se gri-pe no ga-lo-pe da bei-ra-mar Um re-gi-me de ver-da-de li-ber-da-de é seu ti-me é su-bli-me ser po-pu-lar par-la-men-tar par-ti-ci-pe no ga-lo-pe da bei-ra-mar

Um ex-em-plo de gi-gan-te ru-mi-nan-te um ca-me-lo pa-ta pe-lo ru-di-men-tar pa-ra ma-tar se-re-le-pe no ga-lo-pe da bei-ra-mar Es-car-la-te tan-ge-ri-na Soletrando | 27

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O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani Raimundo Caetano e Waldir Teles

Cabeceira é Iacanga Terra antiga – Ibiporã Estaca – Ibirapoã Mel vermelho – Irapiranga Terra roxa – Ibipitanga Poço fundo – Itapuí Rio dos Índios – Avaí Mastro ou poste é Ibirama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani A Várzea é Ibipetuba Nariz de Pedra - Itatina Descavado – Ibiapina Pedregulho – Itaituba Mel amarelo – Irajuba Clareira é Baiapendi Coisa verde é Batovi Cascatas é Iturama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani A fonte é Itororó Lagoa branca – Ipatinga Terra branca é Ipitinga Bica d’água é Iteró Casca amarga é Iperó Rio dos ventos – Butuí De lei, é Camaçari Rio dos musgos Iguatama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

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Pedra redonda - Itanguá Rio torto é Iampara Luz da lua é Iaciara Ninho de abelhas - Irajá Navio é Ingaratá Rio do Leite - Icamburi Delegado é Canapi Bem estar é Catuama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Laje branca é Itapetim, Montanha é Ibitiura Água que brota é Imbura Flor é chamada Imbotim Fonte funda é Inhapim Ponta de pedra Itapi Rio dos musgos Iguaí Ossada é Canguaretama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Pedra angular – Itatema Vão estreito – Itacambiro Rio de pedra - Itaciro Rio imprestável - Ipanema Pau d’alho - Imbirarema Rio doente é Ingaci Fonte verde é Impuí Canteiro é Ibotirama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Pedras soltas – Itaquera Depois da fonte – Inharé Rio das Frutas - Imbaré Terra antiga é Ibiquera Cepo é Ibirapuera Angelim – Aracuí Flor de arara – Arapoti Umbuzais - Umburetama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Charco se chama Ipuçaba Aldeia negra – Itabuna Serra negra - Ibituruna Cordilheira – Ibiapaba Porto é Igarequiçaba Pedra verde é Itaobí Areia é Ibicuí Bica d’água é Torotama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Casa de pedra - Itaioca Pedra amarela – Itaiuba Cerradão é Catanduba Construção quer dizer Moca Fenda ou rasgo – Vossoroca A lua é sempre Jaci O sol é Coaraci E apiário é Iretama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

Rio doente Ingaci Fonte verde Impui Canteiro Ibotirama O Brasil de Pindorama Falou Tupi Guarani

Água boa é Icatu Pomar se chama - Ipotiba Abundância – Imbiritiba Árvore grande - Imbiraçu Casa de vespa é Inchu Alameda - Imbiraci, Pedra agulha é Itabi Pedra erguida - Itapoama O Brasil de Pindorama Falou Tupi-Guarani

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Regras da poéetica cordeliana Regras (O que é e o que não é Literatura de Cordel)

N

ão é qualquer folheto de 11cm X 16 cm que pode ser considerado Literatura de Cordel. Além do formato com as medidas indicadas, para que se possa considerar Literatura de Cordel, é preciso observar, em primeiro lugar, o aspecto literário. A Literatura de Cordel Portuguesa, não é bem literatura, pois o que definiu mesmo o formato do folheto foi a tecnologia gráfica precária da época, mas os folhetos tanto podiam trazer poemas, como escritos em prosa, da forma que poderiam tratar de receitas de

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bolo, tábuas de marés, fases da lua, horóscopo, etc. Aqui no Nordeste brasileiro, é que ela se tornou forma de Literatura mesmo, ao definirse, não só a forma dos folhetos, como também a temática, as regras poéticas, o fato de serem todos em poesia, a criatividade, fantasiosidade das histórias descritas. Enfim, todas as características de um segmento de arte literária. Diferenças entre a Literatura de Cordel Portuguesa e a Literatura de Folhetos dita Literatura de Cordel Nordestina

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Portuguesa

Nordestina

a. Dirigida a todos os públicos b. Gênero literário, teatral, informativo e outros. c. Verso, Prosa e Receituários d. Postura ideológica de conciliação de classes e. Vendida em ruas pendurados em barbantes (cordéis)

a. Dirigida ao meio popular b. Gênero estritamente literário e informativo c. Definição pela poesia (exceto os almanaques) d. postura ideológica denunciadora e crítica dos opressores e. Vendida de mão em mão. Nas feiras é vendida em rodas, e expostos em mala aberta ou em pequenas bancas no meio da roda.

Literatura de Cordel e Cantoria improvi sada

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A imensa maioria das apostilhas e livros que “ensinam” da fazer Literatura de Cordel confundem a cantoria improvisada com a Literatura de Cordel. Somente Ariano Suassuna fez a divisão correta. Até mesmo os grandes estudiosos do Folclore confundiram estes dois universos da poesia popular nordestina. A Literatura de Cordel é composta por toda a parte escrita e impressa da poesia popular divulgada em formato de folhetos (08 e 16 páginas) romances (de 24 páginas em diante, saltando de oito em oito por ser o que comporta uma folha de papel ofício dobrada em quatro partes e impressa frente e verso), as folhas soltas, com poemas, canções e emboladas. Esse é o gigantesco mundo da Literatura de Cordel. Já a cantoria improvisada, o repente de viola é outro universo gigantesco, com mais de cem estilos poéticos, como a

própria sextilha, que comum aos folhetos e os repentes, a toada de sete linhas, as décimas, mas também diversos tipos de quadrões, de mourões, a Gemedeira, o Gemido de Dois, Treze por Doze ou numerado, o Galope à Beira-mar, os diversos tipos de martelos e os estilos de fantasia, Brasil caboclo, o Brasil de Pai Tomás, o Boi da Cajarana, Mulher Teimosa ou Rojão Pernambucano. Enfim, um mundo de mais de cem estilos, cada um deles com sua própria estrutura de rimas, de métrica e uma lógica na oração a ser desenvolvida, além de uma melodia e um ritmo próprios. A intersecção entre cantoria e Literatura de Cordel se dá, na cantoria quando os repentistas cantam canções e poemas ou mesmo folhetos e romances decorados e da Literatura de Cordel quando em pelejas e discussões são usados diversos estilos de cantoria Revista Brasileira de Literatura de Cordel


As regras do mestre Rodolfo Coelho Cavalcanti para a poesia popular impressa. 1. As histórias/estórias têm que ser descritas em versos; 2. As estrofes devem ser de seis versos (sextilhas1), de sete versos (Sete linhas2), de dez versos (décimas ou glosas3); 3. Os versos, devem ser de sete sílabas (heptassílabo ou redondilha maior) ou de dez sílabas( decassílabos ou martelos); 4. Cada página deve ter de quatro a cinco estrofes (quatro, quando se trata de estrofes de sete linhas e até cinco, quando se trata de sextilhas. No caso específico de ser em décimas, ficam apenas duas ou, no máximo três estrofes numa página; 5. Os folhetos são montados no tamanho 11cm X 16 cm, o que representa ¼ de uma folha de tamanho ofício, dobrada ao meio e novamente dobrada, de modo que, ao dobrar duas vezes uma folha tamanho ofício, ficam oito páginas de 11cm X 16cm. Assim Artigo Artigo | | 32 10

Márcia Abreu em Histórias de Cordéis e Folhetos, Mercado das Letras, 1999 traz as normas que eram definidas por Rodolfo Coelho Cavalcanti, mestre baiano da Literatura de Cordel sobre a forma de se produzir esta Literatura. Rodolfo dá as cartas sobre técnicas de versificação usadas na Literatura e Cordel e sobre a própria maneira de se diagramar e de se compor, do ponto de vista gráfica, um folheto. Quanto às regras, podemos lembrar basicamente:

sendo, os folhetos e romances são todos montados com números de páginas múltiplos de 8. Sendo, portanto, de 8, 16, 24, 32, 40, 48 ou 64 páginas. 6. Os de oito e até 16 páginas são chamados de folhetos; 7. Os de 24 páginas em diante são chamados de romances, independente do assunto. 8. As capas devem ser feitas de papel de cor e as páginas internas (miolo), normalmente é feito de papel jornal; 9. A ilustração da capa pode ser feita de xilogravura, fotografia ou desenho. Sendo que o mais recomendável é o uso da xilogravura. 10. Os títulos, de preferência, devem ser metrificados. Ex. O Soldado Jogador (sete sílabas), As proezas de João Grilo (sete sílabas) História de Mariquinha e José de Souza Leão (dois versos de sete sílabas). Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Sextilhas

Sete linhas

Décimas ou glosas

São estrofes de seis versos de sete sílabas As rimas devem ser postas na seqüência ABCBDB. Em alguns casos a primeira rima (A) a pode rimar com a última da estrofe anterior, como normalmente se faz na cantoria improvisada. Na Literatura de Cordel não é obrigatória a “deixa” porque e é usada na cantoria improvisada para dificultar a prática que alguns poetas têm de levar estrofes decoradas. Há também as sextilhas em decassílabos, mas raramente ela é usada nos folhetos de cordel, sendo mais apropriada para o improviso.

São estrofes de sete versos de sete sílabas, com rimas postas na seqüência ABCBDDB. Trata-se de um estilo poético pouco usado no início da Literatura de Cordel Nordestina, mas que depois passou a ser adotada em poemas como A Chegada de Lampião no Inferno. O estilo Sete Linhas é muito usado na cantoria improvisada por permitir melodias muito bonitas. É tão musical que é chamado na cantoria de “Toada de Sete Linhas”. Os cordelistas modernos usam bastante o estilo Sete Linhas.

As décimas são estrofes de dez versos de sete sílabas, com a posição das rimas obedecendo, na maioria dos casos, a seqüência ABBAACCDDC. Trata-se de uma forma poética mais usada para glosar motes em pelejas e discussões, mas também pode ser usada para a composição completa de um folheto, como é o caso da Batalha de Oliveiros e Ferrabrás, de Leandro Gomes de Barros. Há também o chamado “estilo de Assu” em que as rimas obedecem a seqüência ABBACCDEED. As décimas em decassílabos são usadas em poemas e pelejas.

Obs. Os demais estilos que normalmente são apresentados em apostilhas de Literatura de Cordel como sendo próprios da poesia escrita, só são usados na composição de folhetos e romances, como Brasil Caboclo, Martelo a Desafio, Gemedeira, Mourão Voltado, Quadrão Perguntado, Galope à Beira-mar ne outros, são estilos de cantoria improvisada, só sendo usados na Literatura de Cordel, quando se trata de pelejas e discussões. Estes outros estilos serão descritos nos próximos números desta revista, com acompanhamento de um CD para que se possa ter uma dimensão aproximada do universo da cantoria improvisada e da Literatura de Cordel.

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A Criação de Brasília Chico Diassis

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Brasília, cidade linda É a musa do Cerrado Teu céu azul, estrelado, Tem belezas mais de mil Tua miscigenação No Distrito Federal Faz do Planalto central O coração do Brasil.

Com o Padre João Ribeiro, Hipólito José da Costa A mudança era proposta E ganhava repercussão Era século dezenove No ano de vinte e dois Quando Dom Pedro propôs Sua denominação.

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, Ele e os inconfidentes Queriam teu esplendor Ao pedirem que o País Transferisse a capital Do imenso litoral Para o vasto interior.

Francisco Adolfo, Visconde De Porto Seguro, faz Uma viagem a Goiás Berço das grandes bacias E entre Trás Lagoas, nota O local apropriado Pra que seja sediado O poder de nossos dias.

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O senador Cavalcanti Apresentou ao Senado Um projeto baseado Na viagem do Visconde, Cento e oito anos antes Da fundação da cidade, A sua localidade Já era sabida onde. No ano de oitenta e três Dom Bosco, salesiano, Sonhou com um altiplano Onde a terra prometida Estava à beira de um lago Conforme a antevisão Nova civilização, Novo tempo e nova vida. Foi proclamada a República E sua constituição Previa a demarcação Do Distrito Federal. Virgílio Damásio e Muller Dois distintos senadores Do terceiro artigo, autores, Lembraram da capital.

O deputado Nogueira Paranaguá autoriza A demarcação precisa No ano 92. E Floriano Peixoto A Comissão Cruz envia Pra demarcação sadia Ser concluída depois Fez-se o Quadrilátero Cruz Em muitos mapas, presente O governo de Prudente No ano 96 Mil novecentos e cinco Na campanha mudancista Senador e jornalista Tocam o assunto outra vez Dia sete de setembro Data por nós consagrada, Em 22 foi lançada A pedra fundamental. O Epitácio Pessoa Comemorando a essência Cem anos de independência Da nossa pátria natal.

Após trinta e quatro anos Juscelino entra em ação Inicia a construção Consolidando a proposta Contando com paisagista Arquiteto e engenheiro Faz com Israel Pinheiro, Niemeyer e Lúcio Costa Em 21 de abril De 60 foi fundada A cidade projetada Pra sediar o governo. As maiores decisões De Brasília estão partindo E hoje estamos assistindo Nossa capital crescer.

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Cinco seculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violencia SEVERINO DIONÍSIO Eu não vejo porque comemorar Cinco séculos de vida do Brasil, Deveria passar o mês de abril Sem ninguém desta data se lembrar Se o índio não tem onde morar, Prostituta não tem a assistência O político não usa coerência Pouca coisa mudou da ditadura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência! EDVALDO ZUZU Não se pode esquecer o pelourinho, O porão do navio e a senzala O quilombo que tanto o povo fala Onde o negro sofreu sem ter padrinho, Conselheiro e Zumbi neste caminho Foram mártires da mesma penitência Suportaram castigos sem clemência Não tiveram da lei a cobertura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência! SEVERINO DIONÍSIO Descobriram o Brasil, mas foi em vão. Não deviam jamais ter descoberto Que se o branco não tem chegado perto Só os índios mandavam nesse chão, Sem políticos corruptos na nação, Sem a droga gerando delinqüência, Não havia república nem regência Nem ninguém criticando a pele escura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência!

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EDVALDO ZUZU Este monstro cruel capitalismo Não aceita o regime igualitário Sufocou o poder do operário Colocou nossa pátria no abismo Afogou de uma vez o comunismo Amparado na voz da prepotência Onde o fraco não ganha concorrência Pra um regime cruel de linha dura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência! SEVERINO DIONÍSIO Este nosso Brasil é bom demais Pra quem tem uma vida bem feliz, Quem desvia o dinheiro do país Vive entre os maiores marajás, Quem explora as riquezas naturais, Quem jamais examina a consciência Quem não tem um fiapo de exigência Grita viva ao Brasil em toda altura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência!

SEVERINO DIONÍSIO São quinhentos janeiros de poder Concentrados nas mãos dos oligarcas, Que sufocam, castigam e deixam marcas Onde o pobre não para de sofrer, Os mendigos não têm o que comer, Os Sem Terra encontram resistência, Os Sem Teto caçando residência E os doentes na rua da amargura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência! EDVALDO ZUZU Nosso povo inda deve estar lembrado Do que houve em Olinda sempre praia, Buriti Cristalino e Araguaia E o massacre no chão de Eldorado Quebra-quilos, Praieira, Contestado, Quando vítimas não teve Inconfidência? Bater palmas pra sua independência É juntar fanatismo com loucura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência

EDVALDO ZUZU Vera Cruz, Santa Cruz, Monte Pascoal, Pindorama e Brasil até agora Quando a classe burguesa comemora A pobreza se sente muito mal. Uma grave injustiça social Vem trazendo terrível conseqüência As esmolas das frentes de emergência Humilhando os que estão na agricultura Cinco séculos de luta e aventura, Desemprego, racismo e violência

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Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Gonçalo Ferreira, nascido em Ipu, no Ceará, reside no Rio de Janeiro, onde é presidente da ABLC – Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Autor de mais de 300 folhetos abrangendo os mais diversos assuntos, Gonçalo Ferreira dedicou-se a contar em versos cordelianos as vidas de alguns mais afamados cientistas do mundo. Pode se contra mais de

três dezenas de biografias de cientistas produzidas em Cordel por este primoroso poeta popular que, além de cordelista é também contista e ensaísta, sendo um dos escritores de grande referência na área do cangaço. Pesquisador incansável, traz para seus poemas dados fundamentais para a compreensão da vida e da obra destes grandes benfeitores da

A história da

Gonçalo Ciência nos versos de Ferreira humanidade. Vários outros poetas também se dedicaram a cantar as vidas dos cientistas e temas científicos, mas a obra de Gonçalo Ferreira é a melhor referência para qualquer professor que se disponha a usar a Literatura de Cordel como ferramenta didático-pedagógica no ensino de Ciências. Desde Aristóteles, sobre quem escreveu o folheto “Aristóteles Vida e Obra” até Câmara Cascudo, mesmo tendo a marca de maior folclorista do Artigo | 38

Brasil, também enveredou por pesquisas científicas especialmente nas áreas de Antropologia e Etnografia. Sobre Aristóteles, Gonçalo Ferreira descreve: Quando Tales de Mileto, Da Grécia, o primeiro guia, As cortinas do saber Carinhosamente abria Mostrava o florescimento Da grega sabedoria. Deus tem planos para todos Porém cabe a nós, humanos,

Rigorosa obediência As conselhos soberanos Para que sejamos dignos Desses celestiais planos Aristóteles reuniu Mais do que dignidade; Pois ele, Platão e Sócrates Formaram a grande trindade Dos mais notáveis filósofos Da Grécia da antiguidade. Gonçalo continua descrevendo a vida de Aristóteles, consagrado como filósofo, ma tamRevista Brasileira de Literatura de Cordel


O poeta descreve as andancas, os trabalhos exercidos por Aristoteles e, de modo especial suas grandes descobertas.

bém reconhecido cientista e mostra que Platão, o mestre, não lhe passou o bastão deixando a todos surpresos e ainda levando a Aristóteles cuidar de pesquisas científicas para somente depois voltar à Filosofia.

Aristóteles empregou O tempo e o pensamento Como um observador Meticuloso e atento Estudando, do organismo, O seu desenvolvimento.

Com a morte de Platão Certamente caberia A Aristóteles dirigir Os rumos da Academia, Mas Platão, frustrando a todos Não lhe deu a honraria.

Se nos domínios da Física Pouco se aprofundaria Noutras áreas do saber O seu prestígio crescia Sobretudo na acima Ditada Biologia.

Aproveitando o momento O aluno genial Percorreu o mundo grego E cumprindo o ideal Estudou Biologia E Filosofia natural. O poeta descreve as andanças, os trabalhos exercidos por Aristóteles e, de modo especial suas grandes descobertas. Artigo | 39

Gonçalo continua descrevendo a vida e a obra de Aristóteles, a influência que exerceu sobre o pensamento da humanidade ao longo da história, o desaparecimento dos seus escritos e a redescoberta destes, impactando o saber de épocas diferentes. Por fim, fecha o folheto Aristóteles Vida e Obra, registrando a morte do grande Aristóteles: Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Em Cálcis, na ilha egéia, Em luminosa manhã Morreu o grande filósofo Com a consciência sã Cerca de trezentos anos Antes da era cristã. Gonçalo Ferreira relata em poemas de cordel as vidas de vários outros grande sábios da humanidade. Gente do porte de Demócrito, Pitágoras, Sócrates, Hipócrates, Tales de Mileto, Copérnico, Leonardo Da Vinci, Isaac Newton, Kepler, Galileu Galilei, Charles Darwin, Johan Gutenberg, Laplace, Santos Dumont, Einstein e Albert Sabin.

Sobre o brasileiro Santos Dumont, Gonçalo diz: Tinha o homem pelos céus Uma paixão milenar Mas não dispondo de órgãos Adequados pra voar Via com inveja os pássaros Voando livres no ar. E vendo nos passarinhos Ora a suave leveza Ora planando no ar Ora exibindo destreza Tinha no coração mágoa Secreta da natureza. Santos Dumont enviado Pela santa providência Disse: - Deus não me deu asas Porém deu-me inteligência Para que voemos livres Com as asas da Ciência O inventor brasileiro Satisfez a milenar Paixão que a humanidade Tinha em conquistar o ar Proporcionando ao homem A sensação de voar.

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Todos os folhetos de Gonçalo Ferreira sobre a temática científica e outras temáticas, como a política, a vida no sertão, o cangaço, a vida da cidade grande e toda uma gama de assuntos que explora em seus mais d trezentos folhetos podem ser encontrados na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, onde ele é presidente e reside, na rua Leopoldo Fróes, 37, bairro Santa Tereza, Rio de Janeiro, atendendo pelo telefone (21) 2232-4801, e-mail: contato@ ablc.com.br. O site da ABLC que tem um variada riqueza de informações sobre Literatura de Cordel é: www.ablc.com.br


A arca de Noé De Antonio Francisco

Todo mundo ouviu falar Do dilúvio universal, Da Arca que Noé fez, E colocou um casal. De todos seres que tinha Dentro do reino animal. Tem muitos que acreditam Nessa bela narração, Outros dizem, é mentira Não passa de invenção De uma mente dotada De muita imaginação. Cordel | 41

Quem me contou essa história Foi Dedé de Macabêu, Lá na lagoa das garças, Ele pescando mais eu Contou tin-tin por tin-tin Como tudo aconteceu. Eu sei que tudo é verdade Sei aonde está a Arca, O cachimbo e o chinelo, De Noé o patriarca. E porque até agora, Ninguém encontrou a barca.

Ele disse que Noé Cansado de trabalhar, Quando o machado cegou Ele invés de amolar, Colocou madeira bruta Na barca sem descascar Revista Brasileira de Literatura de Cordel


E quando ele fez a jaula Do casal de guaxinim Do lado esquerdo da grade Foi um casal de cupim Entre o miolo e a casca De um galho de alecrim.

E botou numa sacola Um casal de embuá Um casal de rato branco E um casal de preá E mandou uma das filhas Ir deixar no Ceará.

Guardou a jaula na arca E foi buscar o casal, De tatu-bola, que tinha No fundo do seu quintal, Quando o céu mudou de cor E caiu um temporal.

Depois colocou num saco Um casal de gavião Outro de tatu canastra Botou num carro de mão E ele mesmo foi deixar Em Codó do Maranhão.

Toda terra escureceu, Começou a trovejar, O céu abriu as torneiras Seis semanas sem parar Deixando somente a “Arca” Dividindo o céu do mar. Enquanto Noé lá fora Enfrentava o tempo ruim, Dentro da barca uma festa Para o casal de cupim, Brincando de esconde, esconde Na casca do alecrim. Quando houve uma estiagem Noé, subiu ao convés, Abriu uma das gaiolas. E soltou dois caborés, Que voltaram com 6 dias Com lama presa nos pés. Com seis semanas depois, A grande barca chegou, No sul da grande Bahia, Noé desceu e pegou, Um caroço de cacau Fez uma cova e plantou. Depois disse pra família Agora vamos soltar Os animais que trouxemos Do sertão até o mar De acordo com a flora, E o clima do lugar. Cordel | 42

No Rio Grande do norte Noé botou pouca fé, Mandou deixar em Natal. Um casal de caboré Dois casais de caranguejos E um de bicho de pé. No Goiás Noé deixou Um casal de boi zebú, No Mato Grosso botou Um casal de tuiuiú E aonde hoje é Brasília Um casal de guabiru. Agora eu deixo Noé Esse grande patriarca Pra falar sobre os cupins Que viajaram na Arca, E o que eles fizeram Com a madeira da barca. Quando o tempo adormeceu As garras do temporal. Que Noé tirou da barca Pra terra o ultimo casal Os cupins abriram as asas Para o vôo nupcial. E ali ficaram sozinhos Na barca se divertindo, Na gangorra da fartura Um descendo, outro subindo Matando o tempo comendo Bebendo, amando e dormindo.

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Mas quando um dia acordaram Daquele sonho dourado Todo Nordeste da arca Tinha sido mastigado Até na ponta do leme Tinha cupim pendurado. Ficaram desesperados Com tanta devastação, E decidiram fazer Uma grande expedição Pra saberem como estava O resto da embarcação. E percorreram essa Arca Do sul até o oeste, E voltaram estarrecidos Depois que fizeram o teste, Quase toda barca estava, Como as tábuas do Nordeste. Se reuniram de novo E passaram a tarde inteira Atrás de uma saída, Procurando uma maneira Pois só no norte da Arca Ainda tinha madeira. E, como o norte era a base Resolveram preservar, Porque se comessem a base A Arca ia afundar E com ela todos eles Iam pro fundo do mar. Promulgaram a lei do norte, Recrutaram um batalhão E em cada canto da base, Colocaram um pelotão, Pra defender com a vida O fundo da embarcação.

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Mas cupim guardar madeira Tinha muito o que falar! Quando a fome bateu neles, Começaram devagar. Comendo a casca por cima Pra barca não afundar. Mas tinha uns mais gulosos Que mastigavam a madeira Transformavam ela em pó E atravessavam a fronteira E traficavam com ela Nos cupins da arca inteira. O tráfico foi aumentando A barca não suportou, Partiu-se em quatro pedaços, Na mesma hora afundou, Levando todos os cupins Só um casal escapou. Diz Dedé que os dois cupins Tinham aprendido a lição, Estavam agora no norte Defendendo a região Como se o norte fosse O fundo da embarcação. Mas cupim guardar madeira Eu mesmo não tenho fé Vão fazer o que fizeram Com a Arca de Noé, Logo, logo, a Amazônia Não vai ter um pau em pé. E quando nada restar! Nem mesmo marcas no chão Vão dizer a Amazônia Não passa de invenção De uma mente dotada De muita imaginação. Nesse tempo os Japoneses Estão fabricando ar, De semente de melão, E o Brasil vai comprar. Pra desdobrar e vender, Quem for vivo vai saber O quanto custa respirar.

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De

Repente...

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O

s repentistas têm tiradas geniais registradas na memória coletiva de todo o Nordeste brasileiro, mesmo que cantem repentes submetidos a regras extremamente rígidas de Rima, Métrica, oração, Ritmo e melodia. Para produzir uma sextilha de improviso dispõem de, no máximo quinze segundos e ainda têm que iniciar a primeira linha da estrofe pegando “na deixa” ou seja com a mesma rima, de preferência sem repetir a palavra como no caso dos improvisadores sulistas. Há poetas que conseguem fazer uma sextilha com apenas nove ou dez segundos. Mas vamos lembrar uma sextilha que ficou na memória coletiva do Nordeste Brasileiro: é do poeta Antonio Pereira de Pernambuco, conhecido como “O poeta da saudade”: Saudade é um parafuso Que dentro da rosca cai, Que tem que entrar torcendo Porque batendo não vai Depois que enferruja dentro Nem destorcendo não sai! É ele também o provável autor de outros dos mais belos improvisos de todos os tempos: Há entre o homem e o tempo Contradições bem fatais O homem não faz mas diz O tempo não diz, mas faz O homem traz mas não leva O tempo leva e não traz! Já o poeta paraibano que viveu no Ceará há décadas, ficou Artigo | 45

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imortalizado com várias estrofes, mas essa é considerada um clássico do repente nordestino. Diante do mote A Terra caiu no Chão que lhe foi dado por um advogado que estava incomodado porque um cantador sem diploma chamava mais a atenção do povo que ele, Bentivi improvisou de forma genial: Eu plantei um pé de uva Dentro de uma panela Em cima de uma janela Na casa de uma viúva Um dia veio uma chuva Com relâmpago e trovão Veio um vento furacão Que arrebentou a janela, Esbagaçou a panela E A TERRA CAIU NO CHÃO

O poeta piauiense Domingos da Fonseca foi outro monstro do improviso. Num dos seus momentos de glória, assim descreveu em quinze segundos a essência da escravidão negra no Brasil. Quando era injusto o Brasil Os negros se cativaram. O choro dos filhos brancos As mães negras consolaram E o leite dos filhos pretos Os filhos brancos tomaram! Diniz Vitorino, pernambucano ainda vivo e atuante na profissão de violeiro há anos já colocava um cheiro de preocupação com o meio ambiente em seus improvisos, como o fez nessa estrofe magistral:

Pois se eu atirar nele O bosque chora intranqüilo E a mata se banha em pranto Por não poder mais ouvi-lo! Já o poeta Ercílio Pinheiro, norte-riograndense que fez profissão no Ceará saudou assim o mestre folclorista Luis da Câmara Cascudo:

E Fabião das Queimadas, poeta escravo que comprou sua alforria com o ganho dos seus improvisos feitos ainda em quadras e ao som de uma rabeca, deixou esta quadrinha genial para a posteridade: A minha alma de velho Anda agora remoçada Q’a paixão é como o sono Chega sem ser esperada!

Eis o Doutor Cascudinho, Que prestimoso tesouro. O meu Sertão também tem Cascudo, grilo e besouro... Os de lá não valem nada, Mas esse aqui vale ouro!

Não atiro num Vem-vem Nem posso matar um grilo Artigo | 46

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O vôo

centenário do

mestre da poesia Por Gilmar de Carvalho

Materia | 48

O

que levaria um menino nascido no meio do mato, longe dos grandes centros e cego de um olho, aos quatro anos e com poucos meses de escola formal, a se transformar num dos nomes mais vigorosos da poesia brasileira? Antônio Gonçalves da Silva, nascido a 5 de março de 1909, na Serra de Santana, a 18 Km de Assaré, a oito léguas do Crato e a mais de 500 Km de Fortaleza, é prova da superação das adversidades na construção de um destino que não é traçado por um Deus determinista, mas enfrentado no dia-a dia por todos nós. Revista Brasileira de Literatura de Cordel


O menino poderia ter o mesmo destino de tantos outros “severinos” ou de tantos poetas/ violeiros obscuros que se perderam pelas veredas e atalhos de um sertão cáustico. Antônio leu muito e isso deu a ele um diferencial. Era aquele menino a quem os letrados de sua cidade emprestavam um livro sabendo que ele seria bem digerido. Essas leituras não o colocaram numa torre de marfim e se revezavam com a lida da terra nos alqueires que seu pai deixou ao morrer quando Antônio contava com oito anos de idade. A educação formal foi de poucos meses, mas ficou a dívida ao antigo e limitado mestre. Ouviu poetas e violeiros cantando na serra, e a leitura de um cordel deu a ele a dimensão da poesia da voz. Intuía que um dia poderia também compor. Aos 16 anos, convenceu a mãe a vender uma ovelha para comprar uma viola. Agradou aos “serranos” e passou a se apresentar quando havia festa. Um parente que vivia na Amazônia ouviu seu canto e quis levá-lo consigo. A mãe relutou, mas cedeu quando teve a promessa de que o filho trovador estaria de volta pouco tempo depois. Em Belém, Antônio ganhou de José Carvalho de Brito, escritor cearense que também cumpria temporada paraense, o epíteto de Patativa, pela maviosidade do canto. Surgiram outros Patativas, ele colocou seu topônimo como diferencial e passou a ser Materia | 49

Patativa do Assaré. Durante mais de 25 anos, trabalhou a terra e cantou ao som da viola. Compôs a maior parte de seu repertório longe dos holofotes da mídia. Casou, em 1936, com Belarmina Paes Cidrão, a dona Belinha, companheira de uma vida inteira, com quem teve cinco filhos (Afonso, Geraldo, João, Pedro e Raimundo) e quatro filhas (Maria Maroni, Mirian, Inês e Lúcia).

Ouviu poetas e violeiros cantando na serra, e a leitura de um cordel deu a ele a dimensao da poesia da voz. Intuia que um dia poderia tambem compor. O cuidado com o verso o levou à leitura do “Tratado de Versificação” de Olavo Bilac e Guimarães Passos. Esse zelo pela forma não o engessou nos cânones do parnasianismo, antes, sinalizou as possibilidades da voz. A voz chegou à escrita, nos torneios de viola que largou, fazendo uma poesia que não era apenas maviosa, mas contundente, quando o traço mais marcante é sua conotação política. Patativa fez poema de amor, de gracejo, eróticos alguns (que ele nunca publicou), telúricos, sobre as desigualdades sociais e a necessidade

da Reforma Agrária. Nunca fez uma poesia fora de lugar, parafraseando um grande crítico. Tampouco fez uma poesia fora do tempo. Tudo nele estava absolutamente sintonizado. Assim, falou das mídias (xingou a televisão no poema “Presente disagradave”), dos meninos em situação de rua, do progresso como elemento de dissolução de formas de sociabilidade (da lida nas casas de farinha, dos engenhos de ferro, da desativação da linha férrea) e do MST como o grande movimento social organizado do país. O poeta, a seu modo, cristalizou a história do século XX. Esteve no centro de momentos cruciais da vida brasileira. A repressão, que não o fez calar, ainda que tenha sido intimado para depor, em 1967, por conta de sua ligação com lideranças estudantis do Cariri e do poema “Poeta Roceiro”. Foi um ser político, na exata acepção dessa expressão. O primeiro livro veio em 1956 e deveu-se ao rádio a difusão de sua poesia. Todo dia de feira no Crato, ele vinha vender parte de sua produção, fazer compras e reencontrar os amigos. Em 1951, foi inaugurada a Rádio Araripe do Crato, a primeira emissora do interior cearense. O poeta foi convidado a dizer poemas no programa apresentado pela radialista Teresinha Siebra. Patativa ganhou fãs. Um deles foi o filólogo José Arraes de Alencar, cratense radicado no Rio de Janeiro e funcionário do Revista Brasileira de Literatura de Cordel


Banco do Brasil. Arraes estava de férias, visitando a família, quando foi surpreendido pela voz do poeta declamando um poema ao microfone. Pediu que ele viesse vê-lo. Propôs a publicação de um livro. Patativa alegou que não tinha como pagar. Ficou acertado que pagaria com a venda dos exemplares. Os poemas seriam ditados por Patativa, datilografados por Moacir, filho do folclorista Leonardo Mota, organizados por Arraes e publicados, com o título de “Inspiração Nordestina”, por Borsoi Editor, do Rio de Janeiro. Interessante a influência do rádio na vida e na trajetória do poeta. Ele chegou ao vinil por conta de Luiz Gonzaga ter ouvido, no rádio do carro, numa viagem que fazia pelo interior da Paraíba, um violeiro entoar a “Triste Partida”. Ele quis saber quem era o autor e foi visitar Patativa no Crato. Quis comprar os direitos da obra. Patativa concordou com a gravação, desde que fosse mantida sua autoria. Assim se fez, e ele estreou no disco em 1964. Vieram outros livros (“Novos Poemas Comentados”, “Cante lá que eu canto cá”, “Ispinho e Fulo”, “Balceiro”, “Aqui tem coisa”, “Cordéis” e “Ao pé da mesa”, esse último em parceria com o sobrinho Geraldo Gonçalves de Alencar) e discos (“Poemas e Canções”, “A terra é natura”, “Canto Nordestino”, “85 anos de Poesia” e “Patativa do Assaré”). A preocupação Materia | 50

dele com a preservação do registro, com a fixação de sua poética, estava sendo feita. Durante anos, ele se exercitou com a viola. Enfrentava viagens no lombo de burro, vestia o paletó, usava gravata, empunhava a viola e fazia a festa quando disputava com o algoz. Aos poucos, foi se afastando das cordas e pode-se pensar no poeta como o violeiro à capela. A voz é indissociável de sua poética.

Patativa esteve nas peliculas e nos videos, deixou o registro de sua voz, escreveu livros e tem sido cada vez mais objeto de teses, dissertacoes, monografias, artigos e ensaios. Patativa queria o livro e descartava o folheto de cordel. Chamava os cordelistas de escrevinhadores, dizia não querer fazer comércio de sua lira e não se afastou de sua terra, até os 70 anos, quando Dona Belinha o convenceu a viver na cidade do Assaré, ao lado da Igreja Matriz. Com sua casa sempre aberta aos visitantes, Antônio Gonçalves da Silva se destacou pela coerência e pela fluidez de sua fala, maviosa como o cantar da patativa. Fazendo poesia, trabalhando o chão, com suas mãos calejadas, can-

tando o mundo, foi intérprete de sua gente e porta-voz dos excluídos de todos os tempos. Pretendia ter o alcance e a grandeza de um Castro Alves atualizado: conseguiu. A mídia nunca o mascarou. Nunca posou de celebridade e nunca abandonou sua cidade. As viagens para receber comendas, títulos de cidadania e shows tinham bilhetes de ida e volta. Foi sempre o poeta-camponês. Isso, apesar de ter estado no lugar certo, na hora certa: nos jornais alternativos que vicejaram depois do golpe de 1964, no palanque da Anistia, das “Diretas-Já” ou nos torneios verbais na Serra de Santana. Em 1986, subiu, espontaneamente, no palanque de Tasso Jereissati, candidato ao governo do Ceará. Acreditou na idéia de mudança, anunciada pelo jovem empresário que estreava na política. O apoio lhe rendeu, depois, cobranças, mas ele manteve a amizade com Tasso, sem perder a liberdade de declarar o voto em Lula para presidente nas eleições de 1989, 1994 e 1998. Patativa esteve nas películas e nos vídeos, deixou o registro de sua voz, escreveu livros e tem sido cada vez mais objeto de teses, dissertações, monografias, artigos e ensaios. Foi Doutor Honoris Causa de três Universidades cearenses (URCA, UECE e UFC), cidadão de muitos municípios e Estados, ganhou prêmios, mas o que mais o emocionava era a recepção calorosa pelas ruas, Revista Brasileira de Literatura de Cordel


praças e auditórios. Era o instante da performance, quando seu corpo pequeno de 1,50 m se agigantava, os gestos se tornavam eloqüentes e ele dizia as verdades que vinham do fundo do tempo e se atualizavam no instante presente. Nunca se falou tanto de um poeta de extração popular sertaneja. Por quê? Pela excelência de seu verso e pela manutenção de suas raízes, cantando o mundo a partir de sua aldeia. Patativa é a mais perfeita tradução de um clássico construído pelo povo e voltado para o povo. Viveu da terra. Criava e não precisava de álibis para fazer uma poesia tensa e sonora, como as cordas da viola de cego que nunca foi, apesar de ter perdido as duas vistas. Ele enxergou sempre longe e muito bem. Anteviu, no sentido de que a voz poética é profecia. Mais que um poeta, foi um cidadão, pleno no exercício de seus direitos e cumpridor de seus deveres. Sua altivez era respeitada pelos seus contemporâneos, pelos que tiveram o privilégio de conhecê-lo ou pelos que o descobrem pela leitura de seus poemas, pela audição dos versos que ele disse ou pelas imagens em movimento que nos dão apenas uma pálida idéia do monumento que ele foi. Sua história de vida é história de luta, dele e de todos os camponeses, nascidos sob a égide da poesia da voz, ouvindo trancoso, pegando no cabo da enxada, esperando pelas chuvas, mas capazes de abrir caminhos, inscrever seus anseios, expectativas e sonhos num fundo comum e incorporar suas lutas numa luta maior, que é luta de todos nós por uma sociedade mais justa, menos competitiva e desigual. Quando completou 90 anos, Patativa do Assaré ganhou um memorial, localizado num antigo sobrado, que reúne objetos pessoais do poeta, livros, discos, vídeos. A iniciativa era de criar um espaço de pesquisa e um lugar para o cultivo de sua poesia como visão de mundo. Patativa fez a sua parte, deixou a sua marca. Sua poesia está aí para transformar o mundo. Ela tem esse poder encantatório, pela força das verdades que enuncia. As bibliotecas armazenam seus livros. A parafernália tecnológica nos possibilita recuperar sua voz. As tevês estão sempre a reprisar essa personagem de documentários e perfis. Assim, graças às mídias, o poeta pássaro estará sempre entre nós. Patativa é um exemplo de superação de dificuldades de toda ordem para a poesia se fazer presente e interferir na realidade contraditória e diversa. Quando ele completaria 100 anos, é a hora e a vez dos cidadãos brasileiros, de todos os tempos e de todos os lugares, o saudarem, em alto e bom som, e engendrarem uma polifonia rascante a partir de seus poemas.

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