Retalho de histórias - quem faz a Feira de Embu das Artes

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Retalho de hist贸rias quem faz a Feira de Embu das Artes Mayara Abreu Mendes

Capa



Mayara Abreu Mendes

Retalho de hist贸rias quem faz a Feira de Embu das Artes

Bauru 2015


Copyright © by Mayara Abreu Mendes Preparação de texto Mayara Abreu Mendes Revisão Eliza Bachega Casadei Estevão Rinaldi Pereira Mayara Abreu Mendes Produção Editorial Mayara Abreu Mendes Arte Coordenação: Mayara Abreu Mendes Produção Gráfica: Mayara Abreu Mendes Diagramação: Mayara Abreu Mendes Fotografia: Mayara Abreu Mendes

Mendes, Mayara Abreu Retalho de Histórias - quem faz a Feira de Embu das Artes/ Mayara Abreu Mendes. Bauru, 2015. 181 p.


Em um primeiro tempo, a Fotografia, para surpreender, fotografa o notável; mas logo, por uma inversão conhecida, ela decreta notável aquilo que ela fotografa. Roland Barthes, “A Câmara clara: nota sobre a fotografia” (1984)


Sumário

COSTURA: pág. 9 Fio de ouro …........................................................................................ pág. 10 Meus pequenos tecidos …..................................................................... pág. 14 Linha e agulha …................................................................................... pág. 18

COLCHA: pág. 27 A Feira …............................................................................................... pág. 28 Balas de coco do Cido ........................................................................... pág. 44 Bijuterias do César ................................................................................ pág. 58 Bolsas da Cleide .................................................................................... pág. 72


Caixinhas da Antônia ............................................................................ pág. 86 Crochês da Sueli ................................................................................. pág. 100 Gravações do Marcos Vinícius ............................................................. pág. 114 LPs do Cruz ............................................................................................. p. 128 Quadros da Meire ................................................................................... p. 142 Sandálias do João ................................................................................... p. 156

PONTOS FINAIS: p. 171 Fita Métrica ............................................................................................. p. 172 Máquinas ................................................................................................ p. 176


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Costura

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Fio de Ouro

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Dedico este livro à mulher que é minha base, meu ponto de força e equilíbrio e a quem gosto de chamar de mamily. Minha querida mãe, de quem tenho não só os genes, mas os olhos e muito do grande coração. Este livro é a prova viva de que tudo que você fez por mim foi por uma causa nobre: me tornei uma mulher determinada e estou prestes a ser jornalista; Ao meu eterno melhor amigo Caio Donato, aquele que acreditava no meu sonho de ser jornalista e formada por uma universidade pública mais do que eu mesma. Infelizmente, ele não está aqui para ver isso acontecer, mas meu trabalho sobre o lugar que tanto amávamos é também parte dele; Por último, a meu namorado Estevão, por não me deixar desistir e me dar o empurrão que precisava quando estava prestes a fraquejar. E, além, por me dar tantos bons momentos ao longo de quase três dos meus quatro anos e meio de universidade.

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Meus Pequenos Tecidos

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Agradecer. Sentir gratidão. Dois dos sentimentos mais bonitos que a gente pode ter por alguém. Fica ainda melhor se esse alguém se transforma em vários alguéns, pequenos pedaços de uma vida, de um coração ou, nesse caso, de tudo isso e mais: de histórias. Pela vida, só tenho a agradecer à minha mãe, que pegou sua coragem e força aos 17 anos e aceitou o desafio de me colocar nesse mundo sozinha. Agradeço a ela também por tudo que me ensinou ao longo desses pouco mais de 23 anos, longe ou perto. Lições de vida, de casa, de amor, carinho e de muito aprendizado foram passadas e eu espero ter sido uma excelente aluna. Ao menos a professora era a melhor do mundo. A vida também só é vida por causa de outras pessoas que sempre fizeram questão de demonstrar o quão orgulhosos eram por ter a primeira dos Abreu dentro de uma universidade pública: minha família. Os de sangue, os agregados, os que se foram e os que vieram: todos, cada qual com seu jeito de me deixar saber que me amam e que se importam comigo. Tem também aqueles três que chamo de irmãos dentro de casa: meus dois cachorros, grandes companheiros que me deixam saber do amor que sentem com suas lambidas, e meu pequeno irmão de carne, osso e sangue do meu sangue, que me faz rir e sempre está me esperando com suas bochechas cheinhas para eu apertar. Por último, mas não menos importante, meu padrasto. Ser especial que cativou a minha mãe e, por cativá-la, me cativou também. A todos esses, devo muito e espero poder pagar em cada volta à São Paulo, seja com um sorriso, um abraço ou qualquer outro gesto singelo de amor.

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Pelo coração, agradeço a todos os meus amigos que nunca me abandonaram e sempre me motivaram. Sou grata por todos aqueles que existiram em mim antes de eu vir parar em Bauru. Aos poucos e verdadeiros que sobraram debaixo do meu abraço tenho apenas gratidão. A todos os que passaram pelo meu caminho bauruense, principalmente àqueles que pude chamar de família, tenho amor, histórias para contar, fotos para mostrar e muitos “obrigada” a dizer para sempre. Nessa vida de pouco voltar para casa, o segundo lar só é lar de verdade por e com eles. No coração também tem espaço para mais um amigo, meu namorado Estevão. É aquele que me dá um colo quando preciso chorar ou desabafar, é quem me faz companhia vendo filme ou deitada com os pés para cima na cama, é também quem me incentiva e me faz lembrar que eu sempre posso mais. Agradeço mais ainda por toda a força que me deu desde o começo deste projeto, lá em 2013, quando pisávamos juntos pelas ruas de Embu das Artes. Pelas histórias, agradeço a quem me ensinou a moldá-las e me ajudou a ser cada vez mais jornalista. Meus queridos professores da universidade, em especial os três que formam minha banca. Dois que acompanharam minha jornada desde os meus primeiros passos, ainda que tortos, dentro da Unesp. E uma que me pegou já menos crua e me orientou na rota que me trouxe a este trabalho. Sou grata por me mostrarem que erros e acertos estão sempre aí, mas o importante é seguir em frente e ser uma profissional ainda melhor. Por fim, agradeço às histórias que formam este livro. César, Sueli, João, Antônia, Cido, Cleide, Cruz, Meire, Marcos Vinícius e a Feira de Embu das Artes. Pessoas que aprendi a admirar e me orgulho de ter conhecido. Cada um com seu jeito singular de fazer artesanato com as próprias mãos e corações e que aceitaram se juntar a mim neste barco, fazendo essa navegação ser muito mais leve e feliz. O que está por vir é de vocês e para vocês.

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Linha e Agulha

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Sou paulistana de nascimento, coração e sotaque. Gosto do cruzamento da Ipiranga com a avenida São João, cinza é minha cor favorita, aprecio arranha-céus e seus designs nas alturas, falo semáforo, corretivo e a gíria “meu”, acredito já ter comido a melhor pizza do mundo (e com certeza minha calabresa não tem queijo) e, para mim, existe vida depois das dez da noite em dias de semana e depois das cinco da tarde no domingo. Apesar de tudo isso, desde criança algumas pequenas coisas do interior me encantam. O cheiro da grama, o céu estrelado, o trânsito que não é trânsito, a sorveteria perto da praça da igreja matriz e, principalmente, a sensação de tranquilidade que me dá. Mesmo sendo crescida e criada como paulistana, problemas respiratórios – bronquite, sinusite, rinite e amidalite – me fizeram frequentar mais o interior da Grande São Paulo do que imaginava. Aos 10 anos, depois de recorrentes crises de todas essas chamadas “ites”, mudei de escola e passei a estudar em Itapecerica da Serra. No Oito de Maio, fiquei até me formar em 2009 e acabei fazendo amizades para uma vida inteira na cidade e região. Contudo, não foi o carinhosamente chamado de Oito que me levou pela primeira vez ao que futuramente viria a ser meu trabalho de conclusão de curso. O colégio apenas me aproximou mais daquela BR 116 e daquelas ruas de Embu das Artes que permeiam minhas tão amadas barracas.

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O amor à minha Feirinha de Artesanato de Embu das Artes vem de outro amor antigo: as Barbies. Eu era uma menininha fissurada nas bonecas e fazia uma coleção. Tudo que eu pedia de presente eram elas ou outros artefatos que pudessem me ajudar a brincar: a casa, carros, móveis, namorados e filhos, mas, principalmente, roupinhas. Eu gostava de deixá-las expostas e mudava as roupas a cada semana ou então a cada vez que brincasse com uma. Meu paraíso era uma pequena sacola azul de tecido da Nestlé em que eu enfiava todas as peças e levava para onde quer que eu fosse, como uma mala delas. Por isso, quando a minha mãe inventava que o domingo seria dia de passear no até então Embu, eu abria um sorrisão, pois sabia que sairia de lá com pelo menos uma roupinha de época nova para as minhas Barbies. Eu nem alcançava a barraca, mas já tentava me pendurar para ver a cara da atenciosa vendedora (e artesã) que costurava cada uma das peças a mão. Apesar da minha mente infantil não imaginar o trabalho enorme que tinha, eu sentia uma enorme admiração por ela, afinal ela fazia parte de todas as minhas histórias inventadas, o que, na época, eram basicamente minha vida. Fui crescendo e acabei por largar minha coleção e minha sacola azul. Mas os passeios ao Embu continuaram e eu precisava de uma outra paixão: os brincos e as roupas. Com mente de adolescente despreocupada, comprava brincos hippies da barraca que tivesse as cores mais bonitas e as calças de estampa xadrez daquele que me fizesse o menor preço. Os passeios com família iam diminuindo e as idas ao Embu passaram a ser com o intuito de uma breve refeição nas barracas de rua com os amigos. Aquela cidade à beira de uma rodovia e cercada pelo Rodoanel já havia me conquistado há anos e até quando fui fazer meu primeiro intercâmbio, em 2010, tive que passar por lá. Lembrancinhas, cartões postais e bijuterias entraram na minha mala e estão até hoje com a minha família estaduni22

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dense. Voltando do meu semestre nos Estados Unidos, fiz cursinho e logo passei nessa também tão amada universidade. As visitas ao agora Embu das Artes foram ficando cada vez mais esparsas, mas tem aquela frase d’O Pequeno Príncipe que diz que “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” e eu sabia que havia cativado aquelas ruas centrais e não havia dúvidas de que elas faziam parte de mim também. Então, em 2013, quando fui até lá com meu namorado e com a minha mãe grávida de seis meses, me ocorreu a ideia de que poderia falar daquele pedaço da cidade no meu trabalho de conclusão de curso. Pensei, repensei, organizei e idealizei. Conversei com a Mayra, minha professora-amiga-irmã-mãe, pedindo ajuda e orientação. Dela fui para o professor Mauro, um grande amigo e amante, como eu, do jornalismo impresso. Ele me disse que o meu projeto era muito bom, mas que eu devia procurar outra pessoa: uma professora nova, muito animada e que, sem dúvida alguma, seria mais do que capaz de me orientar. Assim, fui apresentada à Eliza e não poderia ter dado melhor casamento. Ela, como eu, abraçou a causa e me deu as forças necessárias tanto no aspecto acadêmico (obrigada, querido amigo Barthes, e outros tantos companheiros de jornada) quanto me impulsionando em cronograma, qualidade fotográfica e auxílio textual e de estrutura. Assim, nessa longa caminhada, cheguei ao que agora é este livro. Um compilado de nove perfis de verdadeiros artesãos da Feira de Artesanato de Embu das Artes e um primeiro introdutório desta que sempre esteve comigo e que demorei para enxergar com os olhos certos: esses que tenho agora, da mais pura admiração. Nas próximas páginas, estão contadas por fotos e textos histórias de pessoas incríveis, com muita força de vontade e que lutam para não deixarem suas próprias artes morrerem. E é de pessoas como essas que eu irei atrás para sempre em minha vida jornalística. Bem-vindo ao começo do meu retalho.

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Colcha

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A Feira

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O ano era 1969 e a forte cultura hippie dominava há certo tempo boa parte do mundo. No Brasil, não poderia ser diferente: a paz, o amor e a vida leve como lema eram pregados enquanto uma Ditadura Militar era rígida e ferrenha com jovens, estudantes e qualquer um que fosse contra o que era imposto. Em meio a tudo isso, a poucos quilômetros da cidade de São Paulo, Cassio M’Boy dava seus passos artísticos modernistas em Embu, deixando a cidade recém-emancipada ser visitada por grandes expoentes do Modernismo, como Anita Malfatti e Oswald de Andrade. Dessa movimentação intensa na cidade paulista foi surgindo uma vontade incessante de fazer na cidade o que viam na Praça da República em São Paulo: uma feira que misturava diversos artistas e produtos reunidos em um único espaço, atraindo, principalmente, os hippies e amantes menos fervorosos do movimento. Foi quando em trinta e um de janeiro de 1969 Claudionor Assis Dias, o Mestre Assis, e outros tantos jovens artistas da época deram o grandioso passo de inaugurar, ali na praça da então igreja matriz, o que hoje em dia é a maior feira de artesanato da América Latina: a Feira de Artesanato de Embu das Artes. Os artistas das décadas de 60 e 70 da Grande São Paulo não pretendiam perder sua clientela em formação para a já consolidada feira da República. Por isso, traziam o grande diferencial deles – a produção in loco. Ali, no Centro embuense, escultores, pintores, profissionais de 30

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tecelagem e couro somados a outros tantos artesãos davam forma aos mais diversos produtos na frente de quem estivesse passando. A sensação do ao vivo encantava qualquer um, pois a beleza de ver matéria-prima virar pedaço de artesanato cativa até hoje qualquer amante de arte. Os visitantes vinham de todos os cantos do Brasil e do mundo dispostos a deixar seus dólares para os expositores e a levar peças únicas e feitas exclusivamente à mão para onde quer que fossem. De lá para cá muitas coisas foram mudando, desde a forma de fazer arte na Feira à economia nacional. Hoje, os mais antigos tornam-se saudosistas daqueles dólares do passado, enquanto guardam alguns trocos de reais nos bolsos e notinhas dos cartões de débito e crédito empilhadas, também tristes com a falta de divulgação do trabalho feito artesanalmente e exposto por ali. Antigamente, a fama dos trabalhos era propagada pelo popular boca a boca e, aparentemente, mesmo que com toda a tecnologia ao alcance, essa tradição prevalece. Hoje em dia essa não é mais a melhor alternativa, afinal não são mais os hippies que vão atrás de artesanato, mas qualquer pessoa. Para atingir esse público tão macro e variado, faltam investimentos das secretarias de cultura e turismo em divulgação por meio das redes sociais e até pelos veículos mais tradicionais, como a televisão e o jornal impresso. O número de turistas que vão para a cidade para visitar pode até ser o mesmo de dez anos atrás, mas a diferença está no número de sacolas que carregavam no passado e que levam para casa agora. A Feira tornou-se uma fácil e comum escapada dos paulistanos num dia de céu azul e sol brilhando, mas mais para passeio do que para compras. Quem comemora mesmo são os estabelecimentos gastronômicos instaurados nos antigos casarões do Centro Histórico e redondezas, pois é para eles que quem passa pelas ruas da Feirinha vai. 32

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Nada disso quer dizer que a Feira de Artesanatos mais famosa e grandiosa do país esteja com dias contados. Pelo contrário. Ainda existem os frequentadores tradicionais da Feira, que eram levados por seus pais, que também visitaram pela primeira vez com seus próprios pais e, assim, estabeleceu-se uma cultura de que artesanato de verdade só se encontra por ali. E são esses que valorizam os trabalhos bem feitos dos artesãos e que enxergam as barracas de produtos artesanais não como as de camelô, mas sim como vitrines com pedaços de arte. Muito disso se deve ao trabalho de cada um dos artesãos, pois são eles próprios que dão seus jeitos de se divulgarem o máximo que podem. Na Feira, estão espalhadas 665 barracas de expositores das mais diversas formas de arte: cestos, bijuterias, redes, roupas, bolsas, quadros, objetos decorativos para a casa, CDs, DVDs, LPs, comidas, acessórios, sapatos e outras infinitas categorias. Em teoria, todos que estão lá são artesãos. Eles passam por um teste perante uma comissão formada por artistas, artesãos e funcionários da Secretaria de Turismo que decidem as vagas que estarão abertas para seleção e julgam quem será selecionado de acordo com a demonstração ao vivo da produção do seu trabalho. A prática acaba sendo bem diferente. São poucos os que levam produtos cem por cento feitos por si. Muitos acabam desistindo do artesanato puro simplesmente pela falta de incentivo e valorização de seus trabalhos. A venda deve ser sempre abaixo daquilo que o artesão estipula mentalmente ou então os produtos ficam parados na banca. Muitos deixam de lado o valor que implicariam do seu trabalho manual e tempo dedicado para a produção. Essa baixa motivação acaba por fazer com que alguns deixem de produzir e passem a comprar produtos no Brás, na 25 de Março ou da China para revender pelo mesmo preço que algo feito totalmente à mão.

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Cumprindo ou não aquilo pelo qual foi selecionado, o expositor deve pagar cerca de 570 reais ao ano – com a possibilidade de parcelar em dez vezes – para a Prefeitura. O valor é uma taxa de ocupação do solo, como um imposto, e dá direito à iluminação, utilização do banheiro público e ao fornecimento de funcionários para atendimento na Feira. Tais funcionários são responsáveis também por colher uma assinatura de cada expositor aos domingos e feriados que comprovam que eles estão fazendo uso do espaço que pagam. Os sábados, que costumam ser mais vazios, são dias opcionais. Os direitos são poucos e isso fica ainda mais visível quando se pensa que os artesãos só conseguem trabalhar sob determinadas condições climáticas: dias sem chuva, quase sem vento, preferencialmente com pouco sol. As barracas esquentam facilmente, os produtos molham com a chuva e tudo que está organizado e exposto corre risco de voar ou cair com ventos fortes. Das nove da manhã às seis da tarde, as adversidades enfrentadas são muitas. Guerreiros são aqueles que, apesar de tudo isso, encaram a Feira com a cabeça erguida e com a mesma vontade no presente que aqueles jovens modernistas do passado tinham quando resolveram começar tudo do zero. É por pessoas como os artesãos de verdade que ainda sobrevivem por aquelas ruas, barracas e pela Praça 21 de Abril que a grande fama da Feira de Artesanato de Embu das Artes deve continuar sendo propagada.

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Que a arte nos aponte uma resposta Mesmo que ela não saiba E que ninguém a tente complicar Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer Oswaldo Montenegro

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O contraste de movimento entre o domingo e o s谩bado

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Balas de coco do Cido

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De camisa pólo, óculos de grau e muita dedicação, o senhor de 61 anos pode ser visto de longe em sua movimentada barraca de balas de coco. O sorriso tímido logo se transforma em conversa leve, ainda mais quando algum cliente quer experimentar uma de suas iguarias. A chamada bala de coco delícia tem tal nome e não à toa: Aparecido Gonzaga é dono de mãos de anjo e coloca em sua receita especial um pedaço de amor e doçura. Cido, como prefere ser chamado, é responsável pela produção das tradicionais balas de coco caseiras que vende e diz que iguais as dele não há por entre as barracas da Feira. Mas não é só isso que ele faz. Além da balinha, o também cozinheiro produz doces de leite em pó e balas de coco caramelizadas. Até 1990, seu Cido vivia em Sorocaba e trabalhava em uma empresa por lá. Em seus momentos de folga, as balinhas de coco já tomavam conta de seu tempo. Mas então ele se aposentou e a Feira passou a ser parte dele por inteiro. De Artur Nogueira, onde mora atualmente, para o Embu das Artes são 160 quilômetros. Ele vem e vai nesse mesmo trajeto todo final de semana e feriados desde 1991. Aos domingos, sua parceira de vida também é parceira de barraca e juntos aproveitam para vender e passar o dia na companhia um do outro. Vez e outra o casal conta também com a presença de um membro especial da família: o primeiro netinho. A barraca está na Feira há mais de 23 anos e, por isso, Cido conquistou clientes fiéis que chegam e já escolhem seus 250g de bala de coco 46

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caseira, seu saquinho de seis balas caramelizadas (ou algumas unidades soltas) ou então o potinho de doces de leite em pó decorados. Quando o cliente é novo, a balinha está sempre gelada para conquistar não só pela aparência, mas também pelo sabor indescritível. Em Artur Nogueira, entretanto, as balas saem apenas por encomenda, afinal, a produção para a Feira do final de semana não pode parar. Seu Cido evita faltar, porém não só para bater o ponto. Ele se importa com sua renda mensal, que é proveniente da Feira e da aposentadoria, e também com seus clientes que sempre o procuram, principalmente na parte da tarde. Eles vêm de todas as partes do Brasil, mas as delícias de coco também já ganharam o mundo, seja por brasileiros que levam para fora ou por estrangeiros que estão a passeio por aqui e levam como souvenir. Por isso, na barraca, além de placas em português, há sinais em inglês para os clientes estrangeiros saberem o que tem por ali, já que Cido não fala nenhum idioma que não o nosso abrasileirado português. A comunicação dele é feita de outra forma: com um sabor inesquecível e a certeza da qualidade.

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A m茫o est谩 sempre compondo m贸dul-murmurando Carlos Drummond de Andrade

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Olha bala emboladeiro, que o baleiro embala Ele ĂŠ bom embaladeiro, embolador de bala Embala bem bala de coco como quem no coco embola Roque Ferreira e Paulo CĂŠsar Pinheiro

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Bijuterias do C茅sar

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Só com um “Olá, tudo bem?” é possível perceber que César Ribas não é brasileiro. O sotaque, mesmo que não carregado, já dá indícios de que pode até ser latino, mas brasileiro, só se for de alma. O chileno mudou-se para o Brasil há 30 anos, durante o governo ditatorial de Pinochet. Graças às dificuldades em viver e trabalhar no Chile àquela época, César escolheu se aventurar, pegou uma mochila com quase nada e veio para cá, sem rumo, idioma, mas com muita vontade. O começo em São Paulo foi muito difícil. Com o pouco de dinheiro que havia trazido no bolso, alugou um quarto em uma pensão por um mês. Com o fim das moedas, a semana seguinte foi dura. Restou a ele dormir em qualquer lugar – no Tietê, na República – ou então caminhar a noite toda. Em suas andanças, esbarrou em três irmãos uruguaios que instalavam dutos de ar condicionado e convidaram César a se juntar a eles. Por seis meses, teve emprego e morava onde trabalhava e, assim, juntou todo o dinheiro que ganhou. Com suas economias, alugou um quarto em São Bernardo do Campo e comprou ferramentas e materiais para voltar a produzir as bijuterias que fazia no Chile. As exposições começaram na feira de artesanato da República com uma barraca improvisada por ele, mas logo conheceu conterrâneos que expunham no Embu e, em 1989, mudou de cidade e, tempos depois, de feira. Na época, as vendas na Praça da República eram por atacado, mas em 1994, com a entrada do Plano Real, as coisas mudaram e os produtos começaram a ficar e não sair. Só então deixou São Paulo de vez. 60

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Quando ainda ganhava em dólar, o chileno aproveitou para comprar sua casa em Embu das Artes e um carro. Nessa época, também, César tinha dez funcionários para produzir entre 1000 e 2000 peças ao mês para serem vendidas no atacado. Quando os tempos ficaram difíceis, acabaram-se os funcionários, o carro foi vendido e o trabalho diminuiu nas mãos de um homem só, deixando-o com sua determinação e carisma. Suas bijuterias são muitas e os materiais os mais diferentes e inusitados possíveis. Alpaca, latão, cobre, quartzo, abalone (concha importada da Nova Zelândia, semelhante à madre-pérola – que ele também usa – e que, atualmente, não pode mais ser tirada de lá) viram anéis, pulseiras e colares, todos pelas mãos do artesão, que solda, monta, corta e cola durante a semana para vender nos sábados, domingos e feriados. A Feira é sua única fonte de dinheiro e, infelizmente, a vida vai seguindo sem folgas na renda. O filho o visita toda semana na Feira, onde sua ex-esposa também trabalha. Sozinho e sem pagar aluguel, ele compra seus materiais e o necessário para passar a semana. Apesar das dificuldades de estrutura, César não reclama de seu trabalho, afinal, são coisas e escolhas da vida, mas não há nada como uma venda de um produto feito por ele.

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Fio a fio, as m達os de artes達o v達o construindo delicadamente um anel

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As pulseiras t锚m um toque da rara concha: o brilho de dentro dela reluz nos bra莽os de quem usa os acess贸rios

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Bolsas da Cleide

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Da região de Pirituba, em São Paulo, saem todos os domingos e feriados Cleide Lopes e seu marido Rogério, conhecido como Ludgero. O casal, que cultiva uma horta, orquídeas e árvores frutíferas nas horas vagas, trabalha na Feira desde o final da década de 1970, quase dez anos depois do início de tudo pelas ruas do Embu das Artes. Os dois conciliavam empregos em uma empresa com a Feira, mas a época era propícia para o artesanato, principalmente pelo dinheiro, e ficaram apenas com a barraca dominical, mesmo com a pouca experiência com couro. A senhora de 67 anos chegou à Feira graças a seu irmão, que já expunha lá, e embaixo do braço levou suas agendas de couro. Com o tempo, ela e seu tímido, mas falante companheiro pensaram que a quantidade de dinheiro recebida com as agendas era pouco e então passaram a produzir calçados e bolsas do mesmo material. A procura pelas bolsas foi aumentando e os outros produtos acabaram deixados de lado. Sendo dois dos poucos artesãos das bolsas, a concorrência varia entre bolsas com acabamentos diferentes das deles e artefatos da China ou de courino (também chamado de couro ecológico). Mas, para os visitantes que gostam de pesquisar entre as outras barracas antes de comprar, a decisão é certa: eles sempre voltam para as mãos artesanais da Cleide e do Rogério. Por isso, em mais de 30 anos de Feira, eles nunca saíram de lá sem fazer uma venda. Os couros para as bolsas são comprados na própria Feira, já que os fornecedores vão atrás dos artesãos em suas barracas. Os metais e 74

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zíperes são comprados no Brás. A produção em si é feita em casa, à mão e apenas o fecho do zíper é na máquina, dando ainda mais o caráter artesanal rústico. Antigamente, ainda colocavam um selo de produto da Feira de Embu das Artes, mas a falta de apoio fez com que eles desistissem dessa ideia. Pela dificuldade de elaboração, a quantidade varia muito de uma semana para outra, nunca ultrapassando 30 peças. As formas são muitas e todas criadas por Rogério. Grandes, pequenas, médias, retangulares, arredondadas e até a mais inusitada e inédita de todas: quadrada. Não existe um produto deles que venda mais rápido que a bolsinha cúbica toda feita à mão e que, além de muito charmosa, deixaria designers formados no chinelo. A renda dos dois não vem só da Feira. Aposentados, eles também ganham por aluguéis de imóveis. Com artesanato, o dinheiro vem somente da Feira, das bolsas à mostra e das encomendas feitas por lá. Já tiveram domingos em que donos de loja foram e levaram todo o estoque do casal e, assim, não sobra tempo para fazer nada além da reposição do estoque. Algumas vezes, turistas estrangeiros passaram pela barraca e levaram meia dúzia de peças, principalmente coloridas. O lugar em que ficam é considerado um dos melhores, já que todos os turistas e frequentadores passam por aquela rua para ir para onde quiserem. É no coração da Feira que ficam dois grandes corações, prontos para ajudar, vender, reformar e dar um sorriso gentil.

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A desolação é o presente O resto é uma prova de sua paciência, do quanto realmente quis fazer E farei, apesar do menosprezo E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar

Charles Bukowski

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Abrir a mente para infinitas possibilidades: a criatividade

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Caixinhas da Ant么nia

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Um irmão com sub-visão levou Antônia Campos ao artesanato. Há dez anos, a então estudante de Psicologia e desempregada aceitou o convite do irmão a ajudá-lo com as muitas encomendas que recebia de grandes objetos decorativos feitos de canudos de papel. Na época, ela não imaginava que, depois de formada, deixaria a carreira de lado para seguir a vida como artesã. Entretanto, mais para frente, quando se viu novamente desempregada, pegou uma caixinha de decoração de sua filha e, ao fazer uma réplica com os canudos que já lhe eram familiares, percebeu que dava certo com objetos menores. Mas ainda não era nada definitivo. Na Feira, Antônia chegou há dois anos e logo no começo deixou seu emprego como psicóloga social na prefeitura de Taboão da Serra, sua também terra natal, e assumiu a postura de artesã aos 48 anos. A grande demanda de encomendas e de reposição de material vendido na própria Feira fizeram-na perceber que o que antes era um bico podia ser seu verdadeiro ganha-pão. Além da Feira, Antônia também vende para seus conhecidos e vizinhos que fazem encomendas, dá de presente aos amigos e também usa o Facebook para divulgar seu trabalho. O forte de sua barraca são as caixinhas de porta-treco, como chama carinhosamente. Os canudos de papel que usa são feitos com panfletos de promoções de mercado antigas que, pacientemente, separa em categorias de cores com o melhor lado para enrolar marcado. O portfólio de cores é enorme e as fontes de matéria-prima fazem questão de separar 88

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as novidades já não úteis para seus clientes porém indispensáveis para a artesã. Além dos canudos, Antônia também usa papelão para as divisórias e o fundo das caixinhas, tecido decorativo colado em papel cartão combinando com as cores dos canudos e pedaços de acetato com efeitos de cola seca respingada especialmente para uma espécie de tampa. Leves, envernizadas e muito bem elaboradas, as caixinhas têm também a companhia de diversos outros produtos que ela inventa no dia a dia com sua criatividade. Capas de agenda e caderno, porta-lápis, organizador de mesa, porta-papel higiênico, porta-papel de anotação são alguns dos exemplos da habilidade, personalidade e invenção de Antônia, que gosta de testar os produtos em casa e, se realmente acha útil, leva para vender. O trabalho é bem elaborado, mas Antônia dá conta do recado, e de forma muito metódica e detalhada. Hoje em dia ela faz cerca de 250 canudos por hora e, para as peças, a quantidade muda muito: tem com 30, 40, mas também com 300 canudos ou mais. Depois de todas as etapas, para uma peça simples, vão-se três horas do dia da mãe de três filhas, avó de um neto e dona de casa. E numa semana ela faz de 15 a 20 peças para carregar num ônibus intermunicipal aos domingos ou com a ajuda de sua filha mais velha, com quem divide casa, para dar uma eventual carona. E, assim, com suas mil e uma facetas, Antônia vai deixando seus pedaços em canudos se espalharem por Embu das Artes e por todo canto do mundo.

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Antes papel,

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agora canudo.

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O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte. Gregório de Matos

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Croch锚s da Sueli

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Nascida e criada em Embu das Artes, Sueli Satiko Osaki dos Santos viveu, também, mais da metade de sua vida por entre as barracas da Feira. Há 30 anos, sua mãe começou a expor suas vestimentas e seus acessórios feitos de crochê, que aprendeu também com a própria mãe, em uma barraquinha lá e a jovem Sueli já a ajudava. Antes de herdar o posto, quando não estava empregada na área de finanças, há dez anos, via na Feira uma forma de conseguir ganhar uns trocados para viver. Sua mãe adoeceu e foi assim que, quatro anos atrás, Sueli assumiu de vez o posto de artesã, pegando a antiga barraca e o bom ponto, em todos os sentidos que se possa ter. O marido dela também trabalha por lá desmontando e montando barracas dos artesãos que o pagam generosamente para exercer a função. Por isso, depois de aposentada, a melhor solução para poder viver um pouquinho melhor era mesmo usar aquilo que lhe foi passado de geração a geração: linhas, agulhas e pontos. Sueli, com seus 55 anos, não se restringe àquilo que sua mãe lhe ensinou e está sempre procurando no Doutor Google, como chama carinhosamente, tutoriais de novos pontos de crochê e novos modelos de roupas. Além do trabalho manual, há o processo de aprendizado com a internet, em revistas especializadas e o que está na moda, principalmente nas novelas. Para a produção, ela conta com a ajuda de mais quatro pessoas e com a de sua mãe que, mesmo doente, não quer deixar a filha que mais lhe ajuda na mão. 102 Retalho de Histórias


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Acostumada com números, ritmo pesado e adrenalina do setor financeiro do passado, a maior dificuldade para ela foi pegar o jeito das agulhas e a paciência para que tudo ficasse pronto. Das calculadoras e computadores saiu direto para o ponto alto e ponto baixo. Agora, a calma é tanta que um incenso para espantar insetos que deixa em sua barraca até se confundiria com forma de relaxamento e quem a vê sentada percebe que a produção não para. E não para mesmo: no inverno, ela já pensa em que linhas vai usar nos produtos da próxima estação e quais são as melhores texturas, e no verão, quando as vendas são mais fracas, vai elaborando novas peças para fazer com lã. Coletes, boinas, cachecóis, boleros, blusas, toucas, casacos, biquínis. A variedade é enorme. A estilista, analista, designer, filha e esposa dedicada se empenha e se desdobra em quantas pode para acudir e cuidar da mãe, comprar tecido e linha no Brás e na 25 de Março, vender nos finais de semana e feriados e manter sua casa. Sem filhos, ela se preocupa em passar o que aprendeu adiante e ensina todo mundo que pode para manter a tradição. E, aos nós e pontos cruz, ela segue tentando ganhar o valor e o reconhecimento que merece.

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Mรฃos que seguram pedaรงos de futura arte

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Partes de si que formam um ser inteiro

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Gravações do Marcos Vinícius

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A vida de Marcos Vinícius era bem tranquila e pacata na cidade de São Paulo. Ele trabalhava há dez anos com comunicação visual, fazendo diversos tipos de letreiros dentro de sua própria oficina. As leis para esse tipo de propaganda mudaram durante o Governo Kassab e, com isso, Marcos se viu obrigado a mudar de vez para o seu plano B, que veio diretamente da infância: as gravações calígrafas em diversos materiais. Desde pequeno, seu talento com caligrafia era inegável e o então menino adorava escrever. A paixão pelo manuscrito o fez colecionar recortes de revista e jornal com aquele tipo de letra para depois copiá-las e pegar as formas. Quando adulto, passou a talhar madeiras, metais, acrílicos, vidros e muitos outros materiais com sua bela escrita como forma de trabalho. Na Feira do Embu das Artes, Vinícius chegou há mais ou menos dez anos. Ficando com ele por cerca de uma hora, é possível perceber por que ele não desistiu: os pedidos não param e não há um só minuto em que ele esteja à toa em sua barraca de frente para a banca de jornal da Praça. Sua história com feiras de artesanato, na verdade, começou em Taboão da Serra, onde expunha seus trabalhos dentro do shopping. Foi lá que o convidaram a expor como visitante por um final de semana em Embu, despertando um amor que ele nem sabia que tinha, mas que o motivou e deu forças para conseguir sua vaga entre os artesãos. Há cinco anos, o paulistano virou paulista e mudou-se sozinho para a cidade em que trabalha. O filho, que mora com a mãe, costumava 116 Retalho de Histórias


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ajudá-lo a fazer as gravações e também a vendê-las na Feira, porém, com a entrada na universidade, ficou difícil acompanhar o pai na empreitada quase diária – com exceção aos sábados – deixando-o apenas com a sensação de orgulho. A filha também aparece de vez em quando para dar uma mão, mas o pai é também um avô preocupado e prefere vê-la com suas duas netas. De domingo a sexta, Marcos vive basicamente para seu trabalho: enquanto está na Feira, recebe encomendas do público para artigos pessoais ou gravações específicas para firmas. Em dias mais cheios, o trabalho chega em casa e o artesão grava o que tiver que ser gravado e corta mais pedaços de madeira para o dia seguinte. Normalmente, o trabalho é ao vivo: o cliente pede, escreve seu nome ou sua frase em um papel e Vinícius já sai escrevendo com suas máquinas. As mãos, durante o dia, pegam fogo junto com a máquina e a talha que gravam as madeiras incessantemente. Somam-se a elas, também, pós glitter de diversas cores, usados para colorir as gravações, e um pouco de cola, que segura o pó nas porções de madeira. Aos domingos, dias que costumam ser mais cheios para encomendas rápidas, Marcos não chega a ter tempo de almoçar e vive perguntando “E o que eu escrevo?”. O artesão não para um segundo e, ainda assim, arruma tempo para simpatia, cuidado com detalhes e preocupação em agradar ao cliente para criar a confiabilidade e a certeza de felicidade dele e de todos que passam por ali.

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O futuro, assim como o presente, tem muitos nomes a serem eternizados

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Do papel à madeira vão letras, talhas, cola, pinceladas de glitter e um pouco de fogo.

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LPs do Cruz

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De frente para a Igreja Nossa Senhora do Rosário, onde a cidade de Embu das Artes foi fundada, o professor de Literatura monta sua barraca de LPs, CDs e DVDs aos sábados, domingos e feriados. Cruz, apenas Cruz, como se apresenta e gosta de ser chamado, colecionava LPs por amor à música. Amor esse que veio da infância, por ser plateia fixa de sua mãe cantora e por ter acompanhado os melhores anos da música. Dali para a adolescência, a paixão virou trabalho com uma equipe de som. Há cerca de sete anos começou a frequentar uma exposição em Embu das Artes chamada “Loucos por Vinil” e passou a vender seus discos e pedaços de raridade musical. Da exposição para a Feira foi um passo com direito à licença. Os produtos originais e o preço justo (e muito camarada) são o ponto forte da barraca e, por isso, não há uma pessoa na cidade que não a indique para compradores de música. Quase todos os seus antigos exemplares já se foram e, atualmente, compra de quem quiser vender para ele: brechó, ferro velho, instituição de caridade ou alguém que apareça durante suas horas de trabalho. Os alunos também ajudam o querido professor, seja levando os discos antigos dos pais para venda ou encomendando e comprando cópias para uso próprio. Em sua barraca passam todos os tipos de pessoas, mas, ultimamente, o forte das vendas de vinil tem sido os adolescentes. Com ou sem os pais, os quase jovens adultos aproveitam e levam várias sacolas reche130 Retalho de Histórias


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adas musicalmente e, quase sempre, com um exemplar raro. Já os mais velhos têm preferido os CDs, com exceções aos antigos amantes de LP. Atacado ou varejo, todos os preços são flexíveis e se resolvem com uma boa conversa com o vendedor. Os estilos musicais são tão ecléticos quanto Cruz, afinal, ele só vende o que gosta de ouvir. Sua filha, que o ajuda na barraca, emplaca uns álbuns de rock novo quando está por perto, só que se depender dele, saem apenas clássicos nas vendas e no tocador. Os álbuns vão do sertanejo de raiz, passam pelo samba brasileiro tradicional, fazem alguns flashbacks com românticas e dances dos anos 70 e 80 e chegam no rock clássico e heavy metal. Tim Maia, Beatles e Pink Floyd são os mais vendidos dos LPs. Porém, por incrível que pareça, existe um CD que, quando toca, é venda na certa: uma coletânea dos grandes clássicos da soul music. Durante a semana, as aulas vão de segunda a quinta. Na sexta, dia de folga dos dois trabalhos, o pai, que também é mãe há três anos, aproveita para cuidar da casa e dos dois filhos. Agora, ele também se prepara para voltar a vender seus produtos na internet e reconquistar seus grandes clientes virtuais, como Erasmo Carlos. Equilibrando a vida tripla em Embu, o homem de 53 anos segue ensinando há 24 anos com o que já tem na mente, educando os filhos e vendendo um pouco de simpatia, conhecimento, carisma e muito amor pela música. Ganhando bem para fazer as duas coisas que mais gosta, a vida segue leve e feliz.

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Reverberando notas, ecoando estrofes

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Enxergar a m煤sica com outros olhos

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Quadros da Meire

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Das aulas de gramática e literatura às telas e tinta a óleo há uma grande distância, mas, para Meire Lopes, não existe barreira alguma entre as artes. A professora de Língua Portuguesa pelas manhãs se transforma em uma grande artista da expoente Naïf em todas as tardes, finais de semana e feriados. As mãos, depois de três graduações e uma pós, variam, hoje, entre resquícios de giz e pingos de tinta, que, às vezes, acabam parando até nos sapatos e nas roupas – não que haja problema. A Meire da manhã é, há dezoito anos, cheia de metodologia, didática e regras para ensinar a fim de qualificar seus alunos de ensino estadual e, quando toca o último sinal, fica com a incerteza de trabalho bem cumprido e a certeza de que falta reconhecimento. Já a da tarde pinta com o coração e deixa a alma leve nos pequenos e grandes quadros, assim como em delicadas caixinhas e, quando a noite chega e é hora de recolher suas obras nos armários e no ateliê que divide, o alívio e a sensação de leveza tomam conta. Entretanto, toda a pureza e expressão da arte Naïf só chegou às mãos que seguram apagador e pincéis graças às aulas. Depois de pintar por anos com as técnicas espatuladas aprendidas em cursos e com seu marido, foi no Mestrado em Literatura na USP que a pintura da alma da artista apareceu e a fisgou. Foi com o marido também que chegou à Feira de Embu das Artes. Morando em Osasco e frequentando o Embu durante metade da semana a passeio, foram conhecendo as pessoas dali e, de repente, já haviam 144 Retalho de Histórias


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comprado uma chácara na cidade. Juntos, por fim, abriram uma loja e há dez anos foram convidados a fazer parte do projeto Arte Ao Vivo, um espaço onde os artistas produzem e expõem suas obras quando quiserem no meio da Feirinha. Desde então, o ateliê oficial de Meire passou a ser sem paredes, com vista para a Praça e rodeado de olhares. Todos os dias, a professora vira artista em uma pequena distância de quilômetros e fica ali por um longo tempo, do almoço até anoitecer. Meire não é só parte da Feira, ela é um pedaço da cidade. Afinal, mesmo quando quase não tem barracas ela está por lá, seja com moradores e visitantes, como numa loja, ou então com aqueles que são seus amigos, como no quintal de sua casa. Não é só a venda que a torna parte, mas sim todo o processo de produção feito ali, embaixo daquela palhoça. E assim a pintura faz parte da vida dela e não há como desvincular, pois é sua maior e melhor forma de expressão. E, para ela, é impossível também viver sem nossa amada língua. Foram duas picadas das artes que nunca deixarão de coçar.

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O misto de cores é também o misto de emoções

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Fazer de suas express玫es uma arte e de sua arte uma liberdade

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Sandรกlias do Joรฃo

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João Violeiro de Jesus virou João da Sandália no começo da década de 70. O senhor de 67 anos nasceu na cidade de Senhor do Bonfim, na Bahia, e veio para São Paulo com sete anos de idade acompanhado de sua mãe. Das engraxadas em sapatos a catador de latinhas na rua, a infância do menino era entre o ensino fundamental e os pequenos bicos para ajudar a mãe a sobreviver. Seu primeiro emprego oficial foi numa banca de jornal, onde, além de cuidar, lia as notícias e aprendia mais sobre o mundo em que vivia. No estado de São Paulo, depois de grande, aprendeu também a gostar do que vinha diretamente dos Estados Unidos e do Reino Unido, apaixonando-se pelo rock dos Beatles e dos Rolling Stones e pela psicodelia do Pink Floyd, aprendeu a amar também o cinema e suas histórias. João experimentou tudo que lhe era apresentado, tanto na música quanto nas drogas e nas bebidas. Depois de tantas experiências, foi a hora de colocar o pé no chão e perceber que existia, sim, um tempo, aquele do relógio, do calendário e que uma hora ou outra as responsabilidades viriam batendo à porta. Foi em meio a isso que o artesanato entrou em sua vida. Com a chegada mais forte do movimento hippie, o jovem João foi entrando cada vez mais fundo no universo e aquela rebeldia o empolgou. Tendo facilidade para aprender qualquer coisa dita difícil pelos outros, ele se aventurou nas sandálias e nunca mais as largou. O artesão é pai de uma mulher chamada Camila, do seu primeiro casamento, e cria sozinho seu filho, um menino de sete anos de nome Marco Polo, 158 Retalho de Histórias


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como nas fábulas que costumava ler. Ele se divide entre o grande profissional e o pai de coração mole durante a semana. Vai da escola para o Centro Velho de São Paulo e volta para pegar o menino, conferir lição de casa e colar couro em pneu. Mesmo com a idade já avançada, a produção semanal de João varia entre 30 e 40 sandálias, equivalente ao trabalho de duas ou três pessoas. Elas são feitas de pneu de avião reciclável na sola, tiras de couro pintadas e com fechos comprados no Brás. Todo o processo é feito manualmente e já está tão automático que ele nem olha mais para fazer os buracos dos fechos milimetricamente corretos. Os modelos variam entre femininos e masculinos, simples e abertos e complexos e fechados. Os clientes que já passaram por ali são tantos que João nem consegue se lembrar de todos, principalmente por ter dificuldade em memorizar rostos e nomes, mas sempre lembra das histórias. Sendo o mais antigo dos artesãos que expõem na Feira atualmente, João foi homenageado quando a feirinha completou 45 anos de vida. O pedaço de metal gravado com o nome dele e algumas palavras da Prefeitura fica guardado, pois João é muito reservado e nunca foi de se exibir. Ele faz suas sandálias porque gosta e porque elas são sua única fonte de renda. Mas, principalmente, porque na Feira está sua vida. Seus amigos, seus clientes e, mais importante, suas raízes estão ali. E para isso não precisa de muitos confetes e serpentinas. Com sua humildade e jeito simples de enxergar o mundo, João anda com os chinelos que vende e não é só nos pés que é possível encontrar vestígios de seu trabalho: as mãos e unhas já não têm mais uma cor definida, é um misto das tintas que usa para pintar o couro. A aparência simplória esconde um homem cheio de histórias de vida, de inteligência altíssima, mas que nunca deixa o bom humor e o sorriso de lado. Ele só quer que os outros vivam e que deixem ele viver.

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A caminhada sempre foi longa,

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mas os sapatos nunca foram problema.

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A condição essencial para a felicidade é ser humano e dedicado ao trabalho. Léon Tolstoi 166 Retalho de Histórias


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Pontos Finais

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Fita M茅trica

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Das histórias que ouvi, dos relatos que escrevi, das fotos que tirei e das pessoas que conheci. De tudo isso, tirei um pouco e levei para a vida. Aprendi que fotografia conta muito mais do que um brevíssimo momento tornado nela estático: uma imagem contém em si mais que mil palavras, sim, e às vezes diz exatamente aquilo que a gente não consegue colocar em caracteres. As páginas de Word que viraram páginas deste livro são pedaços das mais incríveis histórias de vida que pude descobrir pelos cantos de Embu das Artes e eu me sinto presenteada com cada uma delas. As noites que não dormi pensando em como tudo isso seria, lá atrás, em 2014, se tornaram mais horas de vida deste trabalho e se juntaram aos dias que passei vidrada em uma tela de computador digitando incessantemente o que viriam ser esses perfis. De tudo que vivi, aprendi e apreendi um pouco. Espero ter deixado um pouco de mim em cada uma das magníficas pessoas que vivem o que você, leitor ou leitora, acabou de ler. Pois não há dúvida alguma de que ao final de cada entrevista eu me tornei mais Cido, César, Cleide, Rogério, Antônia, Sueli, Marcos Vinícius, Cruz, Meire, João e Embu das Artes.

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M谩quinas

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Anexo de citações: p. 36: música “Metade”, de Oswaldo Montenegro p. 53: poema “A mão”, de Carlos Drummond de Andrade p. 54: música “Garaximbola”, de Roque Ferreira e Paulo César Pinheiro p. 81: livro “Factótum”, de Charles Bukowski p. 96: poema “Ao Braço Do Mesmo Menino Jesus Quando Appareceo”, de Gregório de Matos p. 166: livro “What Is To Be Done?” de Léon Tolstoi

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Referências Bibliográficas: BARTHES, Roland. A câmera clara. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BOAS, Sergio Vilas. Perfis e como escrevê-los. São Paulo, São Paulo: Summus, 2003. DUBOIS, Philippe. Da Verossimilhança Ao Índice. In: ______. O ato fotográfico. Campinas, São Paulo: Papirus, 1994. p. 25-53. FIDELIS, Gabriel. Povo sem história e sem raiz, é como gado: você toca para onde quiser. Jornal Correio Embuense, Embu das Artes, fevereiro de 2015. p. 6. FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa-preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo, São Paulo: Hucitec, 1985. GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. p. 13-41. HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Sextante, 2012. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Barueri, São Paulo: Manole, 2009. MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: um diálogo possível. São Paulo, São Paulo: Editora Ática, 2002. PREFEITURA DE EMBU DAS ARTES. História da Cidade de Embu das Artes. Disponível em: <http://www.embudasartes.tur.br/index.php?historia-1>. Acesso em 22 out. 2014. WOLFE, Tom. Radical Chique e o Novo Jornalismo. São Paulo, São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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“Vou mostrando como sou E vou sendo como posso Jogando meu corpo no mundo, Andando por todos os cantos E pela lei natural dos encontros, Eu deixo e recebo um tanto” Os Novos Baianos, Mistério do Planeta

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De 1969 até hoje, a Feira de Artesanato de Embu das Artes passou por mudanças, renovações, perdas e ganhos. Mesmo com mais de 40 anos de história, a essência do passado ainda se faz presente: pelas ruas, praças e em todos os cantos, é possível não só ver, mas sentir um pouco de arte vinda das mãos de verdadeiros artistas. Em “Retalho de Histórias”, a própria Feira e nove desses artesãos são retratados em pequenas reportagens fotográficas cheias de memórias, sentimentos e vida.

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