Ideia, Discurso e Fato: O edifício da Casa da Música do Porto

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IDEIA, DISCURSO E FATO:

O EDIFÍCIO DA CASA DA MÚSICA DO PORTO UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO ARQUITETURA E URBANISMO 2015.2 MAYSA MACEDO DE AQUINO


APRESENTAÇÃO Este trabalho é resultado de um processo de pesquisa desenvolvido nas disciplinas de Trabalho de Curso I e II, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação da professora Julieta Leite.


Agradecimentos A todos aqueles que acompanharam este percurso. Aos amigos descobertos na graduação. Em especial, Rafa e Bela. Julieta Leite, que tanto colaborou. Cristiano Borba, pelos constantes debates. João Gallo de Almeida, por toda a ajuda e material cedido. Fernando Diniz, pelo primeiro contato com Koolhaas e pela atenção. Tiago Marmund e Dani Azevedo, pela convivência rica desde os tempos de Coimbra. Mãe, pai, irmãs.


RESUMO Este trabalho sugere uma abordagem para a compreensão de uma obra referencial, relacionada à capacidade de gerar emergências para o pensamento e o fazer arquitetônico. Para tanto, assume a importância do discurso como elemento de análise, sob a ótica das partes fundamentais que compõem os processos arquitetônicos ligados à produção crítica. Tendo a Casa da Música do Porto como enfoque, a investigação segue um percurso de três etapas: a ideia, ponto de partida para a encomenda do equipamento cultural de grande valor simbólico agregado; o discurso incorporado ao processo de projeto, buscando compreender os raciocínios conceituais presentes na proposta do OMA – escritório liderado pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas; e, por último, o fato arquitetônico, materialidade contemplada por meio de recensões críticas. As relações estabelecidas por essas etapas procuram sugerir as novas questões suscitadas pelo edifício. Palavras-chave: Discurso, Casa da Música, OMA, Rem Koolhaas. ABSTRACT This work suggests an approach to understanding a referential piece, related to the capacity of bringing about new questions to the theory and the architectonical doing. Therefore, it takes on the importance of discourse as element of analysis, under the eyes of the fundamental pieces that comprise the architectonical processes related to the critical production. By having the Casa da Musica as the main subject, the investigation follows a three steps procedure: the idea, starting point to the commission of a cultural equipment of great symbolic value. The discourse incorporated into the project process, seeking to understand the conceptual arguments that appear on the OMA’s proposal – Office led by the Dutch architect Rem Koolhaas; And, at last, the architectural fact, contemplated materiality by critical recensions. The established relations created by these steps sought to suggest the new questioning aroused by the building. Key words: Discourse, Casa da Musica, OMA, Rem Koolhaas.


INTRODUÇÃO “O que acontece quando as pessoas falam sobre arquitetura?” A pergunta lançada pelo teórico Adrian Forty no livro Words and Buildings (2004) motiva a investigação conduzida por este trabalho. Para além dos contornos que fundamentam o ensino e a prática da arquitetura, vistos quase exclusivamente sob a ótica do desenho, o presente trabalho surge de uma inquietação em torno da importância do discurso no pensamento e no fazer arquitetônico. De acordo com Forty, a linguagem é parte necessária da arquitetura e não deve ser entendida enquanto contribuição acessória. Nesse sentido, a pouca atenção dada à relação entre arquitetura e linguagem é fruto de uma tendência moderna, que identifica principalmente o trabalho mental de invenção criativa dos 1 arquitetos como a contribuição arquitetônica por excelência – em detrimento de suas outras componentes (FORTY, 2004, tradução livre). A observação de Forty adquire um respaldo ainda maior no cenário contemporâneo. Arquitetos como o holandês Rem Koolhaas despontam no cenário internacional por meio de célebres “manifestos arquitetônicos”, como é o caso de Nova York Delirante (1978) – obra fundamental no percurso de Koolhaas. À procura de princípios para a sua arquitetura, o holandês oferece uma amostra relevante do que o papel do arquiteto pode desempenhar: “produzir metáforas capazes de ordenar e interpretar a realidade metropolitana, convertendo-a em conhecimento social” (GORELIK, 2008, p. 9). As considerações de Koolhaas acerca da paisagem de Nova York dos anos 1940 tecem um capital acumulado de referências que sustentam a sua produção arquitetônica até os dias atuais. Parte importante da força retórica do arquiteto será injetada nas suas soluções projetivas, o que suscita uma prática arquitetônica de forte predominância de suas crenças e interesses. Nessa perspectiva, Koolhaas parece se encaixar à afirmação da arquiteta e crítica portuguesa Ana Vaz Milheiro (2014): “Produzimos discursos para podermos produzir.” Como exemplar contundente da constatação acima, surge o edifício da Casa da Música do Porto. Produto de uma adaptação polêmica de um projeto anterior desenvolvido

1 Exemplificada pela máxima de Mies van der Rohe: “Build – don’t talk”.


pelo arquiteto, a obra é paradigmática no que diz respeito à produção de discursos, seja por parte do arquiteto, seja por parte dos exercícios críticos que suscita constantemente. Aqui, a pergunta de Forty assume novos rumos: por qual motivo se fala tanto de uma obra? A questão permeia não só o discurso do arquiteto, como será visto ao longo deste trabalho. A abordagem contemplada consiste em entender o que há por trás de uma obra referencial, possível resposta para a pergunta anterior. Para tanto, opta-se por um percurso de três etapas, identificadas como ideia, discurso e fato. A ideia é o ponto de partida de novas emergências que serão traduzidas por meio de uma encomenda. No caso do edifício da Casa da Música, as emergências que precederam a encomenda do projeto estão relacionadas a uma tentativa de renovação imagética da cidade do Porto, local de inserção da obra. Imaginada para assinalar as comemorações do evento Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, a Casa da Música teria que responder não só à demanda do equipamento cultural de enfoque musical, mas à necessidade de construir um novo marco urbano. É lançada, então, uma encomenda que parte dos anseios e dos discursos justificativos de um evento, compreensão inicial desta metodologia de análise e mote de desenvolvimento do primeiro capítulo. O segundo ponto, exposto no segundo capítulo, incorpora o processo de projeto do edifício por meio do discurso do arquiteto, não só visto pela ótica da comunicação verbal. É preciso entender os raciocínios conceituais de Koolhaas enquanto componentes do seu exercício de arquiteto e da sua prática construtiva, seguindo o raciocínio de Forty. Para orientar uma compreensão mais precisa, o tópico do discurso, presente no título deste trabalho, favorece as mediações do arquiteto em torno do processo projetivo, na expectativa de empreender uma articulação mais estreita com as outras duas vertentes norteadoras: ideia/encomenda e fato. Por último, a discussão atinge as novas emergências e, portanto, os novos discursos motivados pelo fato arquitetônico, nome dado ao terceiro capítulo. O termo utilizado procura se referir à última instância arquitetônica,


definida pela materialidade do edifício. Duas perspectivas abrangem a maior parte das críticas analisadas: a relação do edifício com o lugar e o entendimento das condições estabelecidas a partir do tratamento dos interiores e do arranjo espacial programático. Este último eixo desperta o interesse de Koolhaas desde Nova York Delirante e se estabelece como prova de que as soluções projetivas do arquiteto constituem uma “demonstração prática das potencialidades observadas na obra teórica” (ALMEIDA, 2012, p. 213). O percurso das três etapas procura apontar as partes fundamentais dos processos arquitetônicos enquanto partes complementares, assumindo a importância do discurso nas relações estabelecidas por elas e tentando responder à pergunta lançada. Afinal, segundo o teórico Tom Markus: “a linguagem está no centro da produção, fruição e compreensão dos edifícios” (MARKUS apud FORTY, 2004, p. 12).


1. A Encomenda página 10 2. O Processo de Projeto página 21 3. O Fato Arquitetônico página 50 Considerações Finais página 84 Referências Bibliográficas página 87 Iconografia página 91



1.0 A ENCOMENDA O ano de 2001 reservava para os habitantes da cidade do Porto não só a expectativa do início de um novo século: 2 enquanto Capital Europeia da Cultura, ansiava-se por uma revitalização da dinâmica cultural urbana no âmbito das comemorações. Lançada em abril de 1997, a candidatura do Porto recebeu a confirmação do título em maio de 1998, juntamente com a cidade de Roterdã, na Holanda. Já no final de 1998, instituiu-se a chamada Porto 2001 S.A – sociedade anônima de financiamento público responsável pela concepção, organização, execução e promoção de todas as ações integrantes do evento Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura. Iniciou-se, a partir de então, um “processo longo e complexo de gestão de meios, criação de programas artísticos, sociais e educativos” (FUNDAÇÃO CASA DA MÚSICA, 2005) conduzidos pela Sociedade Porto 2001. Para aproveitar a condição excepcional do evento – entendida sob a ótica de geratriz de nova dinâmica cultural e sob a perspectiva de intervenção requalificante sobre a cidade (FERREIRA, 2004) – era preciso investir na melhoria e recuperação de importantes espaços públicos e equipamentos culturais, além de prover novos espaços destinados a suprir as demandas necessárias com relação à cultura. No domínio das expectativas e realizações da Capital Europeia da Cultura do ano de 2001, o primeiro capítulo deste trabalho busca analisar as circunstâncias da encomenda da Casa da Música – equipamento cultural que surge de uma carência a nível musical e da necessidade de representar o principal legado do evento. A princípio, é importante estabelecer algumas relações mais amplas, a exemplo do momento de grande projeção externa vivido em Portugal – cujo ápice se dá em Lisboa, por meio da realização da Expo’98, e se estende para o Porto. A partir de então, a investigação contempla o programa de ação do Porto 2001 e as motivações para a escolha do projeto da Casa da Música.

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2 Iniciativa da União Europeia, a Capital Europeia da Cultura é uma designação atribuída por um ano a duas cidades europeias com os seguintes objetivos: i) celebrar a identidade europeia; ii) incentivar a cooperação com organismos culturais nacionais e estrangeiros; iii) impulsionar os meios artísticos locais.


1.1 Porto 2001 e Expo’98: Tempos de promoção da imagem de Portugal O lançamento da candidatura do Porto acontece em um momento histórico de bastante relevância para Portugal: o país estava prestes a sediar a Exposição Mundial de 1998, em Lisboa. A feira celebraria os quinhentos anos da viagem marítima de Vasco da Gama à Índia, o que justificava a grande festa em caráter universal. Em termos de oferta cultural, a programação da Expo’98 estaria restrita aos meses de maio a setembro, época da exposição propriamente dita. No entanto, a intenção dos realizadores era bem mais ambiciosa: converter uma área degradada localizada na zona oriental da 3 cidade, nas margens do Rio Tejo, em cidade corrente – ainda que ancorada em equipamentos excepcionais, característicos desse tipo de demanda (FIGUEIRA, 2012). O aproveitamento das potencialidades políticas e estratégicas decorrentes desse evento resultaria em uma oportunidade de requalificação urbana. Apesar da adesão à União Europeia em 1986, Portugal ansiava 4 por “entrar” na Europa de modo mais consistente. Nesse 5 sentido, a promoção imagética e cultural pretendia minimizar a percepção arcaica do país, que passava a inaugurar uma nova fase modernizante, caracterizada por maior entrada de capital estrangeiro. Em 1989, pouco tempo após a adesão, o país já iniciava as negociações para a Exposição Mundial de 1998. No entanto, a distribuição geográfica dos investimentos para a cultura sempre se revelou assimétrica: antes do Porto sediar o evento de 2001, Lisboa já havia recebido o título de Capital Europeia da Cultura em 1994. No cenário quase exclusivo de concentração dos olhares e investimentos para a capital, emerge a mobilização política do Porto para o ano de 6 2001. É importante abordar a lógica operacional da Expo’98 e os seus possíveis desdobramentos para as realizações do evento do Porto. Sob o título Os Oceanos, Um Patrimônio para o Futuro, o tema da Expo’98 e sua abordagem ecológica conjugavam perfeitamente com o “desígnio regenerador da intervenção urbana” (FIGUEIRA, 2012, p. 155). Para tanto, a escolha da zona de intervenção se fazia pertinente: a área próxima ao Tejo se encontrava bastante degradada, em

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3 “(...) a Expo’98 joga-se muito na ideia de fazer cidade. (...). O pressuposto de todo o empreendimento é que, fechada a Exposição, o recinto pudesse ser transformado em cidade corrente (embora ancorada em equipamentos excepcionais). Ou seja, transitar de um momento especial – festivo – para um de normalidade – cidadã.” (FIGUEIRA, 2012, p. 153) 4 De acordo com Antonio Pinto Ribeiro (2005, p. 211): “ansiava-se por entrar na Europa em termos de promoção cultural, à semelhança do que parecia acontecer em termos políticos com a adesão.” 5 Segundo Jorge Figueira (2012, p.160), o modelo de intervenção urbana da Expo’98 centrou-se em criar uma imagem de “cidade de excelência”. 6 “Essa sucessão de acontecimentos e projetos resultou, não apenas de um forte dinamismo municipal, ao longo da década de 1990, como também de uma repentina e justa ‘descriminação positiva’ do Norte de Portugal, e do Porto em particular, por parte do governo central, como contrabalanço político em relação aos avultados investimentos realizados, à época, em Lisboa, em torno da Exposição Internacional de 1998 (Expo’98).” (GRANDE, 2013)


virtude da grande concentração de instalações industriais obsoletas. Com as diversas ações de planejamento, uma faixa de território de cerca de 5km de extensão, à beira do Rio Tejo, 7 seria recuperada – chamada de Parque Expo e futuramente convertida no Parque das Nações [1.1 e 1.2]. Aproximadamente metade da superfície construída na zona de intervenção seria destinada ao uso habitacional. O plano geral de urbanização incorporava o Recinto Expositivo – área destinada às estruturas efêmeras e permanentes da exposição 8 que deveria acomodar cinco pavilhões principais, duas áreas internacionais e três edifícios dedicados à realização de espetáculos (FIGUEIRA, 2012). Para conduzir uma desejada integração territorial e urbana, foi construída a Gare do Oriente, conhecido projeto de estação intermodal do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Apesar do interesse evidente em converter a perspectiva efêmera do evento em melhorias urbanas, a defasagem no que diz respeito ao alargamento da requalificação para outros setores da cidade é constantemente 9 apontada.

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7 Segundo informações disponibilizadas no portal da empresa estatal que comandou as ações da Expo’98. Disponível em: http://www.parqueexpo. pt/conteudo.aspx?lang=pt&id_ object=692&name=EXPO%2798. 8 De acordo com Jorge Figueira (2012, p. 158): “os cinco pavilhões principais eram o Oceanário (Serge Chermayeff); o Pavilhão da Utopia (Regino Cruz e S.O.M), depois Pavilhão Multiusos; o Pavilhão de Portugal (Álvaro Siza); o Pavilhão do Conhecimento dos Mares (João Luís Carrilho da Graça); e o Pavilhão do Futuro (Paula Santos e Rui Ramos), depois cassino.” 9 Na recensão crítica de Jorge Figueira (2012), vários autores apontam a força excessivamente centrípeta do projeto: centrado na zona ribeirinha, o Parque Expo praticamente deu as costas para outras zonas da cidade.

1.1: Vista aérea anterior aos preparativos para a Expo’98. A zona ribeirinha se encontrava repleta de instalações industriais obsoletas.

1.2: Terreno livre à espera das intervenções da Expo’98.


Do ponto de vista arquitetônico, o evento rendeu importantes obras que se adequam a uma perspectiva de marketing urbano, mas que evidenciam uma certa natureza sóbria, contida – condizente com o modelo de “cidade corrente” proposto desde a concepção da Expo’98. Quatro dos cinco pavilhões principais são assinados por arquitetos portugueses e demonstram a preferência por uma imagem mais próxima da arquitetura produzida em Portugal. É o caso da mais notável obra encomendada para o evento: o Pavilhão de Portugal, de Álvaro Siza Vieira [1.3]. No caso do Porto, o roteiro dos preparativos para o evento – sob a temática Porto, cidade das pontes para o futuro – seguia a ideia de operação de requalificação urbana empreendida na Expo’98. Entretanto, a escala de intervenção pensada para a Capital Europeia da Cultura do ano de 2001 seria diferente: ao invés de pautar a componente instrumental do evento em uma área específica de grandes dimensões, a mobilização infraestrutural se daria em contextos espalhados pela cidade, criando uma rede de cooperação entre as principais instituições culturais. Apesar do tratamento em menor escala, a oferta de requalificação do Porto 2001 não se restringiu ao programa de enobrecimento cultural, estendendo-se para ações de reabilitação em importantes zonas urbanas (FORTUNA et. al, 2003).

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10 A incidência operacional diferente também pode ser explicada pelo caráter pré-formatado dos eventos (FERREIRA, 2004). 11 Para Fortuna et. al (2003, p. 112), a noção de capital cultural “reportase aos recursos e aos atributos culturais dos lugares e das cidades que são passíveis não apenas de lhes conferir singularidade e, portanto, de servirem como fator de atração de turistas e consumidores, mas também de serem valorizados e explorados economicamente.”

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Com incidências operacionais diferentes, mas com abordagens próximas, o Porto 2001 e a Expo’98 partilhavam uma tendência, marcante sobretudo nos contextos de desindustrialização, de investir na “promoção do 11 ‘capital cultural’ das cidades” como fator de regeneração socioeconômica local, de renovação das imagens das cidades, de reforço da competividade nos mercados internacionais e de atração de investimentos, agentes econômicos, turistas e consumidores.” (RICHARDS, 2000 apud FORTUNA et.al, 2003, p. 122, destaques nossos). Nesse sentido, os esforços da comissão organizadora do Porto parecem ter se concentrado na redinamização interna da vida da cidade com vistas a uma promoção externa elevada (FORTUNA et. al, 2003). Diferentemente de Lisboa, a ênfase do Porto parecia ser o tom festivo do acontecimento e suas implicações. Ao já mencionado reforço das infraestruturas culturais, somou-se a regeneração do patrimônio histórico-monumental e a melhoria das habitações e das atividades de comércio, sobretudo na baixa portuense (FORTUNA et. al, 2003).

1.3: O Pavilhão de Portugal, projeto de Álvaro Siza Vieira. Foto: Rafaela Souza, 2013.


A escolha de intervenção em diferentes pontos do centro histórico revela uma condição anterior importante: em 1996, o centro histórico do Porto foi considerado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO. A valorização do capital cultural incluía uma gama considerável de investimentos para a requalificação urbana e ambiental, no sentido de melhorar a imagem da cidade e permitir uma aproximação à 12 Europa – desígnio do evento e dos anseios de mudança dos portugueses. Os intentos de requalificação asseguravam melhorias na mobilidade urbana e na acessibilidade dos espaços. Segundo Nuno Grande (2013), arquiteto português e produtor cultural do Porto 2001: Pretendia-se, no fundo, gerar uma ‘corrente sanguínea’ entre os teatros, museus, cinemas, galerias e praças da cidade, contando para isso com o redesenho urbano dos diversos passeios e vias, mas também, com a renovação de então

toda

as

condutas

consideravelmente

infraestruturais, obsoletas.

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Ainda para Grande (2013), inúmeras “vicissitudes e resistências políticas” impediram que a reabilitação urbana fosse conduzida da forma desejada. De fato, importantes obras não foram concluídas ou sequer saíram do cronograma do Porto 2001. No âmbito das infraestruturas culturais, o balanço é provavelmente outro. O vasto conteúdo programático requerido para o evento indicava a necessidade de um número relevante de equipamentos especializados. Essa dinâmica distancia o evento do Porto em relação à Expo’98, visto que o foco do programa de ação deveria contemplar novos equipamentos legados para a cultura e a recuperação de equipamentos já existentes [1.4]. Entre as obras feitas, destacam-se: (...) a Casa da Animação e a Biblioteca Municipal Almeida Garrett, bem como as obras de beneficiação no Museu Nacional Soares dos Reis, no Coliseu do Porto e no Auditório Nacional Carlos Alberto e a requalificação da Cadeia da Relação – Centro Português de Fotografia. (FERREIRA, 2004, p. 12)

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12 No sentido de minimizar a já mencionada percepção arcaica do país e conduzi-lo à imagem de excelência veiculada por alguns contextos europeus. 13 De acordo com reportagem do portal de notícias Sapo, obras programadas para as praças da Liberdade, Carlos Alberto e Filipa de Lencastre, além das ruas próximas ao Hospital Santo Antonio e parte das ruas Passos Manuel e do Almada não foram realizadas. Disponível em: http://noticias.sapo.pt/ info/artigo/1120990.


Nesse contexto, surge a ideia de uma casa de concertos destinada a suprir duas carências fundamentais da cidade do Porto: abrigar a sede da Orquestra Sinfônica do Porto e reconduzir a cidade aos circuitos internacionais dos grandes eventos de música. Outra carência do ponto de vista nacional deveria ser contemplada, visto que ainda não havia nenhum edifício em Portugal inteiramente dedicado à música – quer seja no âmbito da apresentação e fruição musical, quer seja no domínio da formação artística.

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Caberia ao futuro edifício representar o principal legado do Porto 2001: a construção de marcas efetivas de um período de forte importância simbólica para a cidade e seus habitantes. Da celebração do Porto “feliz, europeu e culto” (MAGNO, 2007, p. 10), surge a ideia da Casa da Música: “um edifício de características únicas onde a Música teria uma residência” (FUNDAÇÃO CASA DA MÚSICA, 2005). Para além de novo equipamento cultural, a Casa da Música deveria se apresentar como edifício emblemático da exuberância festiva.

1.4: Intervenções na baixa portuense. Os pontos amarelos indicam os equipamentos culturais (construção da Biblioteca Almeida Garrett e recuperação dos demais). Os pontos brancos indicam as reformas urbanas. (1. Biblioteca Almeida Garrett; 2. Museu Nacional de Soares dos Reis; 3. Centro Português de Fotografia; 4. Jardim da Cordoaria; 5. Jardim Carlos Alberto; 6. Rua do Almada; 7. Rua Galeria de Paris; 8. Rua de Passos Manuel; 9. Praça da Liberdade; 10. Coliseu do Porto; 11. Rua de Santo Idelfonso; 12. Praça da Batalha)


1.2 Surge a Casa da Música Incentivado pelo Ministério da Cultura, o projeto da Casa da Música enfrentou grande resistência inicial, em que até o programa arquitetônico escolhido foi alvo de críticas. Com uma tradição literária de peso e arquitetura de renome internacional, o Porto não era exatamente visto pela ótica de cidade musical. Entretanto, perspectivas mais aguçadas revelam a influência da música oitocentista do Porto na cultura portuguesa (MAGNO, 2007). A já mencionada carência dos espaços de música se uniu, provavelmente, à necessidade de exaltar uma das grandes artes portuenses. Com reflexos do chamado Efeito Bilbao – em que a construção do Museu Guggenheim [1.5 e 1.6], projetado pelo arquiteto Frank Gehry, conduziu a cidade de Bilbao a uma experiência de transformação em sua estrutura urbana (BONATES, 2009) – a ideia da Casa da Música é lançada com a intenção de inscrever definitivamente a cidade do Porto no roteiro das capitais europeias de vida cultural agitada e de importante atração turística. É relevante destacar que a preferência por uma obra emblemática, capaz de fortalecer a imagem da cidade no cenário internacional, superou uma certa expectativa no que dizia respeito ao emprego dos recursos para uma renovação urbana de forma mais homogênea. Era preciso, portanto, criar marcas que se estendessem muito além do ano de 2001. O projeto da Casa da Música se insere no processo de renovação urbana e numa perspectiva de construção de equipamento cultural de grande valor simbólico agregado. Assim como a intervenção de Bilbao partiu de uma “nova construção imagética da cidade no mundo contemporâneo” (BONATES, 2009, p. 62), a decisão de construir um edifício emblemático no contexto das comemorações do Porto provavelmente teria que assumir a mesma postura. Nesse sentido, as “fantasias mais liberais” (MAGNO, 2007, p.5) dos portuenses se sobrepuseram a uma certa noção de permanência da imagem portuguesa vista na Expo’98. É o que se verá adiante.

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1.5: Museu Guggenheim de Bilbao, 1992-1997

1.6: Detalhe da implantação do Museu Guggenheim de Bilbao.


1.2.1 Marcos da cidade e Realização do Concurso Os marcos da cidade devem ser avaliados como possíveis chaves de leitura nos processos de renovação urbana do Porto. Conhecido por seu “bairrismo cosmopolita” (MAGNO, 2007, p. 4), o Porto sempre foi palco de grandes construções – a exemplo da Ponte sobre o Douro e da Torre dos Clérigos [1.7 e 1.8] –, mas com arraigado senso de preservação de sua paisagem. Tanto a ponte de Gustave Eiffel quanto o projeto de Nicolau Nasoni – ambos conduzidos por estrangeiros – enfrentaram forte resistência inicial, conseguindo posteriormente reverter sua imagem de “estranheza” para alcançar o posto de verdadeiros marcos urbanos. A proposta da Casa da Música parece ter entendido essa forte componente histórica, querendo trazer para a cidade outro exemplar de grande impacto, mas com grandes marcas do simbolismo local (ALMEIDA, 2012). O terreno escolhido para o futuro edifício abrigava uma estação de bondes desativada, localizada próximo à Rotunda da Boavista, área de transição entre a baixa portuense e o eixo de crescimento da cidade, direcionado para o Atlântico [1.9].

Para a realização do concurso – como forma de limitar as candidaturas a profissionais de habilidades reconhecidas em projetos similares e de grande magnitude –, a comissão organizadora fez um convite direto ao que chamou de “melhores do melhores”: Zaha Hadid, Peter Zumthor, Norman Foster, Álvaro Siza Vieira, Rem Koolhaas, Herzog e de Meuron, entre outros. Foram 26 candidaturas ao todo, sendo 15 estrangeiras. Pelo curto prazo do concurso – que se concluiria em 6 meses – vários candidatos desistiram, dando seguimento à competição entre sete arquitetos.14Para a última fase, restaram três: Dominique Perrault, Rem Koolhaas e Rafael Viñoly [1.10].

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1.7: Ponte Maria Pia, Porto. Engenheiros: Théophile Seyrig e Gustave Eiffel (1875-77)

14 Segundo o portal da Fundação Casa da Música, sete arquitetos seguiram para a segunda fase do concurso: Dominique Perrault, Norman Foster, Peter Zumthor, Rafael Moneo, Rafael Viñoly, Rem Koolhaas e Toyo Ito. Disponível em: http://www.casadamusica.com/pt/acasa-da-musica/a-obra?lang=pt.


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1.9: Vista aérea da Rotunda da Boavista antes da implantação da Casa da Música, 2000.

1.8: Torre dos Clérigos, Porto (1735-1763). Projeto do arquiteto italiano Nicolau Nasoni.

1.10: Proposta do arquiteto Rafael Viñoly para o concurso da Casa da Música.


Por representar um novo marco na cidade do Porto, a decisão do concurso se revelou polêmica. A banca de jurados – composta por Pedro Burmester, Nuno Cardoso, Manuel Correia Fernandes, Eduardo Souto de Moura, Ricardo Pais, Manuel Salgado, Artur Santos Silva e Álvaro Siza Vieira – optou pelo projeto do escritório Office for Metropolitan Architecture (OMA), liderado pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas. Deve-se dar destaque à presença de Souto Moura e Siza Vieira na composição do júri, referências máximas da arquitetura portuguesa – e, mais especificamente, do que já se estabeleceu como Escola do Porto. O júri justificou a sua escolha pela forte dominante visual que o edifício deveria apresentar. Os projetos de Dominique Perrault e Rafael Vinõly [1.10], embora muito competentes do ponto de vista técnico, mostravam-se ligeiramente inferiores 15 em sua expressividade formal. A proposta oferecida por Rem Koolhaas demonstrava mais compatibilidade com os propósitos da Sociedade Porto 2001: “buscar para a cidade uma nova identidade, um marco, um ícone e ponto de referência” (FUNDAÇÃO CASA DA MÚSICA, 2005). Para o momento maior de celebração do Porto, desejava-se criar um verdadeiro ícone arquitetônico, capaz de estabelecer um diálogo direto da cidade com a contemporaneidade. Ao assumir uma postura de maior abertura, a arquitetura produzida no Porto convocava um novo exemplar, possivelmente mais afinado com os discursos das arquiteturas produzidas nos grandes centros (MILHEIRO, 2014).

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15 Informação disponibilizada no portal da Fundação Casa da Música. Não foram encontradas imagens da proposta de Dominique Perrault.



2.0 O PROCESSO DE PROJETO Como fazer um edifício sério na era dos ícones? Como fazer um edifício público (...) na era do mercado? Um edifício sem nostalgia, nem mesmo para arquitetura moderna? Um edifício europeu para um sítio português? (Texto de Rem Koolhaas disponível no memorial produzido para o concurso da Casa da Música, 1999, grifo nosso. Fonte: Casa da Música/Porto, 2008)

No âmbito do concurso, a forma e a escala do projeto apresentado pelo escritório de Rem Koolhaas já anunciavam a “excepcionalidade e a contemporaneidade da sua programação” (GRANDE, 2013). Nesse sentido, Nuno Grande reafirma os propósitos da seleção e destaca a compatibilidade da proposta de Koolhaas com as intenções já mencionadas. É preciso avaliar as promessas da proposta vencedora sob uma perspectiva crítica. Além dos registros do concurso, deve-se situar a visão de Koolhaas sobre as intenções de sua arquitetura. Em um primeiro momento, o enfoque será dado ao exercício teórico do arquiteto, ponto de partida relevante de sua trajetória profissional. Tem-se em questão, aqui, que falar sobre arquitetura é também produzir arquitetura, na medida em que a construção teórica se desdobra, posteriormente, no fato arquitetônico. Logo em seguida, a análise contemplará o capital acumulado de experiências e estratégias projetivas de Koolhaas, bagagem fundamental para os rumos que conduzirão à Casa da Música. Dessa forma, é possível avaliar os desdobramentos do processo de projeto cujo produto final terá êxito no concurso do Porto.

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2.1 A abordagem crítica através do discurso: O exercício teórico 16 de Koolhaas e as motivações de sua arquitetura Rem Koolhaas (Roterdã, 1944), autor do projeto escolhido para a Casa da Música, desponta primeiro como escritor. As experiências anteriores em cinema e jornalismo ajudam a entender o porquê da escrita ser, inicialmente, sua ferramenta mais forte de inserção arquitetônica. Desde 1975, atua também como fundador e peça-chave do OMA – Office for Metropolitan Architecture – escritório cuja prática inclui 17 projetos de arquitetura, urbanismo e cultural analysis (VERAS, 2015, p. 108). Em 1978, publica o seu primeiro “manifesto 18 retroativo”, sob o título de Nova York Delirante [2.1]. Nele, Koolhaas pretende advogar a favor da paisagem da cidade de Nova York dos anos 1940, conhecida por seus imponentes arranha-céus. O tom de manifesto evidencia o propósito de Koolhaas: anunciar novas formas de fazer arquitetura sob um caráter público e notório. Antes do projeto, a escrita de Koolhaas intercedia pela arquitetura que viria a ser internacionalmente conhecida, caracterizada pela exploração de “elementos 19 circunstanciais” (PORTO FILHO, 2005). Dessa postura, em que a cidade aparece como “fornecedora de estratégias artísticas e projetuais” (VERAS, 2012), surge o termo “manifesto retroativo”, sugerido pelo próprio Koolhaas já no subtítulo do livro: Nova York Delirante – Um manifesto retroativo para Manhattan.

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16 Como forma de limitar a análise do vasto conteúdo teórico produzido pelo arquiteto, o recorte escolhido por este trabalho privilegiou a investigação de Nova York Delirante, livro célebre de Rem Koolhaas responsável por inseri-lo em um cenário de destaque internacional. 17 No livro Megaestrutura e Metrópole: Uma Arqueologia do Programa de Rem Koolhaas, a autora Adriana Veras inclui o termo cultural analysis entre as práticas do OMA. De acordo com o discurso proferido em 2011 por Stephan Petermann, membro do OMA, cultural analysis indica a matriz teórica do escritório, responsável por “aprofundar o conhecimento sobre algum fenômeno relevante na condução do mundo global” (VERAS, 2015, p. 108). 18 “(...) uma mistura entre manifesto arquitetônico e interpretação urbana.” (GORELIK, 2008, p. 9) 19 “Associada a esta ‘teoria da retroação’, que privilegia os elementos circunstanciais de cada contexto projetual, vem uma atitude investigativa também voltada para a história e para certos modelos arquitetônicos (...). No entanto, examinar e explorar um legado arquitetônico não equivale neste caso a aceitá-lo sem reservas.’ (PORTO FILHO, 2005)

2.1: Primeira edição de Nova York Delirante (Delirious New York), 1978, Oxford University Press.


Criador de “fórmulas de alto impacto” (GORELIK, 2008, p. 9), o exercício teórico de Koolhaas mostra a intenção do arquiteto de antecipar os princípios de sua arquitetura. Em Nova York Delirante, por exemplo, Koolhaas está à procura das chaves de leitura da realidade metropolitana, futuramente convertidas na sua produção arquitetônica. Adriàn Gorelik, autor do prefácio 20 do livro, considera o gesto crítico do arquiteto holandês muito semelhante ao que pode ser visto em Aprendendo com Las Vegas (Denise Scott Brown, Robert Venturi e Steven Izenour, 1972), em que se sobressai a seguinte postura:

23

Descobrir numa paisagem real urbana existente,

20 Edição da Cosac Naify, 2008.

produzida

21 “(...) o arranha-céu é o instrumento de uma nova forma de urbanismo incognoscível. Apesar de sua solidez física, ele é o grande desestabilizador metropolitano: promete uma instabilidade programática perpétua.” (KOOLHAAS, 2008a, p. 110, grifo nosso).

anonimamente

pelo

coletivo

de

interesses que constrói a cidade, à margem de qualquer preceito da arquitetura legítima, as fontes de onde extrair a essência para sua revitalização. (GORELIK,

2008,

p.

9,

destaques

nossos).

Nesse ponto, o testemunho de Gorelik evidencia a competência do manifesto de Koolhaas. O objeto do discurso – a paisagem da cidade de Nova York e, em especial, seus arranha-céus – não é marcado por originalidade. À época da elaboração do livro, entre 1974 e 1978, Nova York já estava consolidada como “capital do século XX”. O que se mostra como novidade é a compreensão da realidade metropolitana de uma forma diferente: não mais a partir da mimese e do contextualismo purista, mas pela potencialização do presente como ferramenta de antecipação do futuro (GORELIK, 2008, p.10). Despontando historicamente no contexto do pós-modernismo, Koolhaas não adota a visão mais celebrada da época: crítica ao modernismo acompanhada de essência contextualista. Para o holandês, a arquitetura deve aprender com uma espécie de “alternativa paramoderna” (NESBITT, 1995, p. 357), em que o modernismo precisa ser revisto e introduzido a novas questões. Entre elas, a questão da congestão dos usos e atividades, racionalizada ao máximo pela modernidade através das estratégias de zoneamento. A arquitetura dos novos tempos deveria aceitar a condição de confusão da 21 metrópole, apontando para os chamados “desestabilizadores metropolitanos” [2.2 e 2.3] (KOOLHAAS, 2008a, p. 110).

2.2: Downtown Athletic Club (1931), exemplo de desestabilizador metropolitano. Nas palavras de Koolhaas (1978, p. 180): “a apoteose da cultura de congestão.” 2.3: Downtown Athletic Club, corte.


É nesse primeiro momento que surge a tão desejada 22 congestão programática das arquiteturas de Koolhaas. Ao observar a potencialização de atividades dos arranha-céus, Koolhaas identifica os princípios de um novo urbanismo, não mais refém das regras rígidas ditadas pelo planejamento. Ao invés de antever todas as funções dos espaços, o futuro do urbanismo residiria nas chamadas “arquiteturas 23 infraestruturais”. Koolhaas estaria interessado, portanto, em uma arquitetura de amplitude definitivamente metropolitana. Nas considerações do capítulo de Nova York Delirante dedicado aos arranha-céus, intitulado A Dupla Vida da Utopia: O Arranha-Céu, o arquiteto demonstra seu profundo interesse no principal componente da paisagem de Manhattan e nos novos princípios de urbanismo despertados a partir dessa observação: Em termos de urbanismo, essa indeterminação significa que um terreno deixa de corresponder a uma finalidade predeterminada. Daqui em diante, cada lote metropolitano acomoda – pelo menos em teoria – uma combinação instável e imprevisível de atividades simultâneas, o que faz com que a arquitetura já não seja tanto um ato de antevisão e que o planejamento seja um ato de previsão bastante limitada. (KOOLHAAS, 2008a, p. 109)

Apesar dos vários paradoxos cultivados ao longo de sua 24 carreira, Koolhaas manteve o tom vanguardista de seu Nova York Delirante. De acordo com Gorelik (2008, p. 21), a vontade polêmica dos textos do arquiteto se encaminhou, fundamentalmente, para uma arquitetura “mutante e em contínua proliferação”. Naturalmente, o arquiteto foi elevado à condição de figura provocativa, de verdadeiro agitador arquitetônico e cultural. Teria essa constatação influenciado a escolha da proposta do arquiteto para a sala de espetáculos do Porto? De fato, uma resposta afirmativa à questão levantada pode ser dada pelas evidências já demonstradas no período do concurso. A questão permeia outros pontos de investigação do trabalho: até que ponto a escolha da proposta de Koolhaas reflete no fato arquitetônico em si? A idealização da Casa da Música atingiu seu propósito dentro de um contexto de novas emergências? Além das promessas da proposta vencedora e do discurso que acompanha o arquiteto – inseparáveis – a análise crítica da obra a partir do seu processo de projeto é indispensável para o esclarecimento de tais perguntas.

24

22 “A importância de Nova York Delirante na definição de seu programa arquitetônico foi confirmada pelo mesmo Koolhaas quando escreveu Bigness, em 1994, novo manifesto dedicado a extrair a teoria que estava ‘latente’ naquele manifesto retroativo.” (GORELIK, 2008, p. 20). 23 “Em primeiro lugar, cada arranhacéu se apresenta como uma ‘cidade dentro de outra cidade’ (...)” (GORELIK, 2008, p. 10). Tal compreensão permite uma associação com a expressão utilizada pelo arquiteto e pesquisador Igor Guatelli (2012, p. 78): “arquiteturas infraestruturais [são] construtoras de situações urbanas, produtoras de objetos infraestruturais.” 24 De acordo com Adrián Gorelik (2008, p. 22): “Hal Foster é um dos que têm formulado a questão das ‘duas caras’ de Koolhaas, que escreve contra o consumo desenfreado da sociedade contemporânea, mas projeta lojas e a imagem de Prada; escreve contra a arquitetura do espetáculo, mas aceita encomendas de seu maior promotor internacional, o Museu Guggenheim (...).”


25

2.2 Transformações: os desdobramentos do processo arquitetônico Em 6 de julho de 1999, o júri português revelou a solução projetual escolhida para a Casa da Música. A proposta de Rem Koolhaas para o concurso se mostrava produto de um processo arquitetônico para outro programa e escala. Esse processo foi iniciado no mesmo ano, motivado pelas exigências de um cliente holandês profundamente interessado no projeto de uma casa com ampla vista da paisagem de seu terreno, situado nos subúrbios de Roterdã [2.4 e 2.5]. Numa análise do trabalho recente de residências desenvolvidas pelo arquiteto, Koolhaas havia trabalhado com uma série de projetos que revisitavam uma espécie de linguagem arquitetônica do modernismo – entre eles, a casa Villa Dall’Ava, concluída em 1991, e a famosa Maison à Bordeaux, finalizada em 1998. Entusiasmado com a possibilidade de trabalhar com o “contexto provocador” holandês [...], a estratégia projetual do arquiteto para o novo trabalho deveria regressar a “qualquer coisa estúpida e simples” (KOOLHAAS, 2008b, op. cit. p. 155) – fugindo, de certa forma, da natureza sofisticada das exigências dos projetos mencionados anteriormente. Nesse ponto, o projeto em Roterdã oferecia grau significativo de liberdade em termos de experimentação, pelo próprio contexto de inserção – visto que a arquitetura da Holanda, historicamente, afina-se com os discursos radicais e de 26 vanguarda, o que sugere o interesse constante por métodos investigativos e de cunho provocativo. Além do contexto holandês, a conformação do sítio – junção de três terrenos com uma profundidade visual disponível de 1km – e, em especial, as exigências do cliente, tidas por Koolhaas como “perturbadoras, mas também inspiradoras” (KOOLHAAS, 2008b, p. 156), consolidam o fator de experimentação do projeto. O arquiteto destaca as principais exigências do cliente da seguinte forma:

25

25 Título dado à conferência de Koolhaas realizada na Antuérpia, em maio de 1999. A conferência explora os desdobramentos do processo arquitetônico que culminou com o projeto da Casa Música. 26 Foi durante o período pós-moderno que a figura de Rem Koolhaas – expoente do movimento que ficou conhecido como “pragmatismo experimentalista holandês” – desponta no cenário internacional.


Em primeiro lugar, ele [o cliente] detestava desarrumação.

Outra

declaração

foi

o

seu

ceticismo em relação ao ano 2000. Ele queria que eu pensasse na casa antes; mas eles [a família] não fariam nada na casa até depois do ano 2000, até estarem certos de que seria seguro. A última afirmação dizia respeito à relação bastante ambígua

26

com os membros da sua família (...). A casa teria de ser uma casa onde todos pudessem estar juntos, mas também um lugar onde todos conseguissem viver separadamente.(KOOLHAAS, 2008b, p. 156)

Para entender os desdobramentos do processo arquitetônico em questão, opta-se, aqui, por um prêambulo crítico que percorre o capital acumulado de experiências e estratégias projetuais do arquiteto. As duas casas projetadas por Koolhaas na França serão o ponto de partida para a análise a seguir, que perpassará outras obras de fundamental importância.

2.4 e 2.5: Terreno de implantação da futura casa em Roterdã e edificação existente no lote.


2.2.1 O capital acumulado do arquiteto: Experiências e Estratégias Projetuais Embora o projeto da casa em Roterdã só tenha começado em 1999, o escritório de Rem Koolhaas já havia recebido o anúncio de uma possível encomenda em junho de 1998, através de um fax enviado pelo futuro cliente holandês. À época, finalizava-se a construção da Maison à Bordeaux, obra celebrada internacionalmente que conduziu o arquiteto à consolidação de sua carreira e despertou o interesse da proposta em Roterdã.27 Tanto a Maison à Bordeaux (1994-1998) quanto a casa Villa Dall’Ava (1984-1981) descendem, em termos de vocabulário 28 formal, do movimento moderno, visto que o arquiteto acreditava no caráter potente de definição espacial e “pureza” 29 formal advindo das soluções modernas. É importante mencionar, mais uma vez, que ambos os projetos irrompem de demandas propriamente sofisticadas e contemporâneas, no que concerne, especialmente, a revisões de importantes relações espaciais e ao uso da tecnologia. A casa Villa Dall’Ava, por exemplo, surge de uma encomenda relativamente complexa, em que se destacam as seguintes exigências do casal de clientes: uma casa com dois apartamentos distintos – um destinado ao casal, o outro destinado à sua filha –, uma piscina na cobertura com possibilidade de vista para a Torre Eiffel e ampla utilização do vidro. Nesse contexto, a composição espacial foi bastante influenciada pela localização do terreno, situado em uma colina no bairro residencial de Saint-Cloud – área afastada do centro de Paris caracterizada por residências do século XIX, 30 inseridas numa espécie de paisagem clássica de “Monet”. Aqui, o arquiteto optou por um volume principal de vidro no pavimento térreo, em que os membros da casa desfrutariam de uma área comum, com vistas e acessos ampliados para o jardim. O volume principal articularia os dois blocos de apartamento, setores paralelos interligados também por uma plataforma entre eles, onde ficaria a piscina [2.6, 2.7 e 2.8].

27

27 Os clientes de Roterdã visitaram três casas do OMA antes de firmarem o contrato: Dutch House, Villa Dall’Ava e Maison à Bordeaux. 28 Segundo Kate Nesbitt (2006, p. 355), o vocabulário formal de Koolhaas descende do construtivismo russo e do movimento moderno. 29 O que Koolhaas considerava desejável nos edifícios modernos era a sua “pureza”, “o caráter de delimitação exata ou definição do objeto” (NESBITT, 2006, p. 357). A potência dessa arquitetura é levantada pelo próprio Koolhaas: “(...) uma arquitetura potente, cuja potência é fácil, que passou sem transição do experimento isolado para a série (...). Estou tentando conviver com ela e, ao mesmo tempo desligar-me dela.” (KOOLHAAS, 1989 apud Nesbitt, 2006, p. 361). 30 Segundo texto disponibilizado no portal do OMA. Disponível em: http:// oma.eu/projects/villa-dall-ava.


28

2.6: Casa Villa Dall’Ava, Paris, 1984-1991, OMA. Volumes bem marcados para as diferentes relações de uso. 2.7: Uma das principais exigências dos clientes – piscina na cobertura com vista para a Torre Eiffel. No plano posterior, o apartamento da filha do casal. 2.8: Elevações da Casa Villa Dall’Ava. À esquerda, a vista do apartamento da filha do casal, situado no desnível. À direita, o apartamento do casal situado no ponto mais alto do terreno.


Koolhaas demonstra habilidade em projetar a partir do entendimento das demandas contemporâneas. A revisão da relação público/privado se coloca como elemento central da resolução em escala doméstica. Além disso, os traços modernos incorporam a atmosfera clássica da paisagem, sugerindo requinte e, ao mesmo tempo, um desejado desprendimento. A casa Villa Dall’Ava serviu de laboratório para a experiência da Maison à Bordeaux, projeto iniciado em 1994 sob condições bastante complexas: durante o processo de escolha do escritório para o projeto, o cliente ficou paraplégico. Com a decisão por trabalhar com o OMA, faz-se o pedido por uma casa complexa e plena de acontecimentos (GADANHO, 2015, p. 17) – que, possivelmente, oferecesse alternativas significativas à redução da mobilidade do cliente. Mais uma vez, o arquiteto elege o vocabulário formal moderno para a composição do projeto, marcado por planos horizontais e um forte jogo visual de concreto, aço e vidro. O “coração da casa”, como o escritório se refere à plataforma elevatória de 3m x 3,5m que se move livremente entre os três pisos, destina-se ao dormir, viver e trabalhar do cliente, ou melhor, à sua “estação” 31 – numa menção à ideia da “máquina de morar”, tão defendida por Le Corbusier [2.9 e 2.10]. Através da plataforma, o cliente muda continuamente a sua percepção da casa, inclusive do ponto de vista do sentido programático: cada piso estabelece uma distinção das relações de uso, e o cliente pode se mover através de um espaço que ora tem funções de estar, ora se apresenta como 32 cozinha, ora se torna um espaço de escritório. É interessante afirmar que a plataforma não é vista apenas sob o aspecto de circulação vertical entre os pisos, mas a partir da integração 33 aos espaços, muitas vezes sendo “mascarada” pela forma como se adapta aos cômodos da casa [2.11 e 2.12].

2.9: Maison à Bordeaux, 1994-1998, OMA. Composição em três níveis marcados por planos de vidro, aço e concreto. 2.10: O “coração da casa”, como se refere o OMA à plataforma elevatória do projeto, move-se livremente entre os três pisos.

29

31 No livro Por Uma Arquitetura (1958), Le Corbusier lança a ideia da casa enquanto “máquina de morar”. Mais do que um abrigo, a casa deveria se adequar às novas perspectivas do homem moderno. 32 De acordo com texto disponibilizado no portal do OMA. Disponível em: http:// oma.eu/projects/maison-a-bordeaux. 33 Ver texto de Andrew Kroll para o portal Archdaily. Disponível em: http:// www.archdaily.com/104724/ad-classicsmaison-bordeaux-oma/.


Koolhaas apresenta uma casa formada por três volumes distintos, atendendo à espacialidade complexa pretendida pelo cliente. No piso mais baixo, assentado na topografia do terreno, o arquiteto “escava” espaços de cunho mais íntimo, a exemplo da cozinha. No piso situado ao nível do jardim, fortemente marcado pelo uso do vidro, o plano aberto oferece ampla vista de Bordeaux e condições de área comum para os membros da família. Já no piso superior, destinado aos quartos do casal e das crianças, o volume composto é hermeticamente fechado, sendo penetrado apenas por janelas circulares que oferecem vistas aos moradores a partir de suas camas – inclusive, permite a ideia de diferentes pontos de vista de acordo com o crescimento dos filhos do casal [2.13].

30

As duas casas em destaque trouxeram grande reconhecimento ao arquiteto e, possivelmente, conduziram-no à necessidade 34 de inaugurar uma nova fase de experimentações. É o que vai ser analisado mais adiante. Diferentemente das propostas anteriores, o projeto de autoria do OMA para o concurso da Biblioteca Nacional da França não foi construído. Situado num contexto de grande produção do escritório – presente em importantes concursos, como o do Parc de La Villette (1982), em Paris, e o do ZKM Karlsruhe (1989), na Alemanha –, a proposta fez parte de um período de consolidação da trajetória do OMA (VERAS, 2012) e merece especial atenção pelas estratégias projetuais.

2.11: Plataforma elevatória da Maison à Bordeaux “mascarada” no piso do escritório do cliente.

2.12: Localização da plataforma em corte.

2.13: Os três níveis da Maison à Bordeaux.

34 “E como a nostalgia me incomoda, procuro cada vez mais não ser moderno, e sim contemporâneo.” (KOOLHAAS, 1989, apud NESBITT, 2006, p. 361, destaques nossos)


O projeto da Très Grande Bibliothèque (TGB, Paris, 1989) representa a primeira investida de Koolhaas no sentido da “exploração do vazio”, estratégia que surge de um interesse 35 anterior do arquiteto e só se torna evidente no seu trabalho a partir de então. Segundo Koolhaas, a obrigação de criar um edifício icônico, no caso da biblioteca, impulsionou-o “a criar diferença, a criar representações, a encontrar identidades distintas.” (KOOLHAAS, 2008b, p. 175) Nesse sentido, a proposta encontrada pelo arquiteto veio através da representação de um volume cúbico, bastante “estandardizado” (KOOLHAAS, 2008b, p. 176), no qual seriam escavados os espaços públicos da biblioteca, ao invés da tentativa de criar uma espécie de pavilhão [2.14]. A importância da Très Grande Bibliothèque na trajetória de Koolhaas será levada mais adiante, visto que os fundamentos da biblioteca estarão presentes na casa em Roterdã e, mais futuramente, na Casa da Música do Porto. Antes de estabelecer conexões com os futuros projetos do arquiteto, é preciso entender a estratégia projetual da biblioteca em Paris. O bloco sólido, compreendido através da ideia de edifício-envelope, corresponde a um repositório 36 de armazenamento das mais diversas mídias, o que prevê a distribuição de um programa de 250 mil metros quadrados numa estrutura espacial aberta de vinte andares – eficaz para a tão desejada congestão programática (ALMEIDA, 2012, p. 187). Os vazios “esculpidos” no edifício serviriam de contraponto à densidade do bloco, abrigando os espaços públicos da biblioteca [2.15]. O vazio, nesse caso, não aparece como elemento hierárquico de definição da forma do edifício, como se verá posteriormente. A ideia do edifício-envelope se mantém como estratégia principal, possivelmente pela obrigação de gerar um edifício icônico capaz de acomodar o maior e mais importante acervo francês. Terceiro colocado do concurso, o projeto de Koolhaas para a biblioteca servirá de estímulo para que a exploração do vazio apareça de forma efetiva em outras obras do arquiteto.

31

35 No livro Casa da Música/Porto (2008), publicado pela Fundação Casa da Música, o crítico Mark Wigley pergunta sobre o interesse de Koolhaas em relação à “exploração do vazio”, discurso que aparecerá fortemente na proposta da Casa da Música. Koolhaas reconhece que seu interesse surgiu da observação de um edifício em Amsterdã, construído nos anos sessenta ou no final dos anos 50. 36 A ideia do sólido arquitetônico como repositório de armazenamento será retomada no projeto para a casa em Roterdã.

2.14: Proposta do OMA para a Biblioteca Nacional da França (TGB, 1989)


O tema da biblioteca tem sido recorrente no trabalho de Koolhaas e ajuda a entender importantes posturas de seu exercício projetual. É o caso da proposta para as Duas Bibliotecas da Universidade de Jussieu (1993), também em Paris, que demonstra a preferência do arquiteto pela criação de uma promenade architecturale [...].

32

O recurso de lajes que formam transições verticais, possibilitando um passeio contínuo do edifício, permite a ativação dos espaços internos (ALMEIDA, 2012, op. cit. pp 214 e pp. 187) e, mais uma vez, “injeta” a congestão programática no edifício [2.16]. Por último, mediado pelas inflexões do arquiteto às particularidades do sítio (ALMEIDA, 2012, p. 188), surge o período representado pelas estratégias da Seattle Public Library (1999-2004). Com a qualidade contemporânea indicada por Rafael Moneo de conversão do edifício em paisagem (MONEO, 2007) , Koolhaas lida mais profundamente com os elementos locais e as relações de contexto físicocultural [2.17].

2.15: Maquete do design concept da TGB mostrando os vazios “esculpidos” no edifício.

2.16: Maquete para as Duas Bibliotecas da Universidade de Jussieu, OMA, 1993.

2.17: Seattle Public Library, 1999-2004, OMA.


2.2.2 “Primeiro estranha-37 se, depois entranha-se”: transformações da Casa Y2K à Casa da Música

33

“Quero oferecer aqui uma demonstração do que eu pensei ser o desenvolvimento de um único projeto e que, entretanto, e como numa divisão celular, se transformou em dois projetos. Quero fazer uma declaração muito aberta e crua de como o processo arquitetônico funcionou (...). Trata-se de um 38

processo muito estranho que combina a psicologia com uma espécie de investigação científica e, claro, muito do que poderei descrever apenas como oportunismo.” (KOOLHAAS, 2008b, p. 155)

Após percorrer o capital acumulado de experiências do arquiteto – com destaque para o tema da casa, a estratégia do vazio, a congestão programática, a promenade architecturale e as relações mais aprofundadas com o lugar –, é possível adentrar as motivações que levaram ao projeto da casa em Roterdã e seus desdobramentos. 39

A proposta para o cliente holandês teve início em 1999 e após um período recebeu a denominação de Casa Y2K – numa referência clara ao temor do “bug do milênio”, mencionado pelo cliente. A pesquisa do processo de projeto da casa Y2K será conduzida em torno do desenvolvimento do projeto inicial e de seu produto final, objeto principal de análise deste estudo: o edifício da Casa da Música do Porto. Numa conferência realizada na Antuérpia, logo após o anúncio do júri português, Koolhaas ofereceu uma espécie de “genealogia do projeto, da casa privada à Casa da Música” (WIGLEY, 2008, p. 185). Organizada para integrar as atividades de uma exposição intitulada Laboratorium, a conferência pretendia refletir sobre a ideia de arquitetura como laboratório – portanto, não encarada apenas como processo criativo, mas a partir da dimensão do projeto enquanto experiência ou, nas palavras de Koolhaas, “uma forma de alquimia” (KOOLHAAS, 2008b, p. 185).

37 “Já alguém disse que a Casa da Música é como a Coca-Cola para Fernando Pessoa: Primeiro estranha-se, depois entranha-se.” (MAGNO, 2007). 38 Discurso de Koolhaas na conferência Transformações (Antuérpia, maio, 1999) 39 “O Bug do Milênio [ou Y2K] foi um acontecimento que ocorreu no fim do século XX, e passou de um simples problema relacionado à informática para a preocupação de todo o mundo.” Disponível em: http://mundoeducacao. bol.uol.com.br/informatica/bug-milenio. htm.


É nessa perspectiva que a abordagem crítica do processo arquitetônico pretende se inserir também num contexto de investigação das dinâmicas atuais de projeto. Diferentemente do que se via na arquitetura moderna, em que o espaço era origem da ação e do gesto projetual, sendo o “ponto de arranque” do projeto (MONEO, 2007, tradução livre), a arquitetura contemporânea nasce de métodos, experiências e diagramas, o que sugere que o espaço torna-se resultado de um verdadeiro laboratório. Diante da trajetória de Koolhaas e dos projetos observados, o arquiteto responde a essa conjuntura com propriedade e relevância. As construções teóricas observadas e a arquitetura de forte viés experimental desde o período de pós-modernidade asseguram sua postura definitivamente contemporânea. E nada mais conveniente a essa perspectiva do que um projeto absolutamente privado que ganha ares de edifício público e icônico.

34

40 O discurso, aqui, é entendido nos mais variados suportes de comunicação do arquiteto. Tem-se em questão a análise dos raciocínios conceituais viabilizados por esses suportes – textos, croquis, diagramas, maquetes, entre outros.

Com essas considerações, é viável apresentar as várias fases 40 de projeto da Casa Y2K e o discurso que as acompanha. Partindo do desejo do arquiteto de regressar a algo “estúpido e simples”, os desenhos iniciais da casa registram a busca por uma forma genérica, que sofrerá uma série de evoluções para se adequar às exigências do cliente e aos intentos do escritório [2.18]. Após as tentativas iniciais de desenho, a primeira maquete da Casa Y2K evidencia as escolhas da equipe de Koolhaas: um grande túnel central, acompanhado de elementos “extraestruturais”, que cumpririam as funções destinadas aos setores privados. Por sua vez, o grande túnel se destinaria ao espaço em que “a família se pode juntar, se e quando quiser” (KOOLHAAS, 2008b, p.156) –, além de configurar um grande “vazio” na arquitetura do edifício e solicitar a contemplação da paisagem em amplitude [2.19]. A defesa do vazio é recorrente no trabalho do arquiteto. Para Koolhaas, a trajetória do OMA deve ser encarada a partir de um interesse constante em técnicas de perfuração: O elevador, a escada rolante, a rampa, são entendidos como modos de perfurar um objeto no espaço e no tempo. A derrota que infligem no

sólido

inerte

transforma-se

no

evento

arquitetônico central. (KOOLHAAS, 2008b, p.175)

2.18: As primeiras tentativas da Casa Y2K ecoavam a Maison à Bordeaux. Tinha-se o “espaço coletivo aberto sob um bloco fechado flutuante” (WIGLEY, 2008, p. 262). Logo, o espaço central se tornará dominante.


Essa primeira configuração já demonstra a hierarquia do vazio, elemento que será o ponto de partida para a criação da forma. A ênfase dada ao vazio relembra a estratégia da Très Grande Bibliothèque, mas não segue a mesma lógica – na Casa Y2K, o vazio determina a procura pelo aspecto formal da edificação, como se verá ao longo das etapas de projeto.

35

Para o arquiteto, o processo de projeto em questão resulta de uma “confrontação dialética permanente entre, por um lado, a procura de forma e, por outro, o processo de encaixe do programa nesta forma” (KOOLHAAS, 2008b, p. 155). Ao lidar com o vazio para criar a forma, Koolhaas introduz os demais elementos que configuram o programa da casa de modo quase secundário. À definição do partido, seguiu-se o encaixe do programa. Fez-se um inventário de todos os espaços necessários, sendo impossível encaixar tudo na proposta inicial. Para a manutenção do partido, optou-se por aumentar os elementos externos. Entretanto, segundo o próprio Koolhaas, as plantas se mostravam sempre “pouco atrativas” (KOOLHAAS, 2008b, p. 157). Com a impossibilidade de encaixe do programa, a proposta passa por um período de desenvolvimento importante. A ideia do túnel escavado se mantém constante, ao passo que os elementos “anexos” da primeira maquete se convertem em uma “camada espessa” (KOOLHAAS, 2008b, p. 157) acoplada ao grande vazio. O sólido fragmentado da primeira proposta dá lugar ao objeto único, capaz de integrar as estruturas programáticas e o grande vazio central [2.20 e 2.21] 2

3

1 (1) 2.19: Primeira maquete desenvolvida para a Casa Y2K e tentativa de distribuição do programa. (2) 2.20: Um dos primeiros conjuntos de plantas para a solução projetual da Y2K. Os elementos extra-estruturais da primeira maquete dão lugar a um objeto único. (3) 2.21: Maquete da Y2K após as sucessivas tentativas de encaixe do programa.


Koolhaas acreditava que a nova solução continha o desejo de fazer da casa “ao mesmo tempo um objeto e uma palavra” (KOOLHAAS, 2008b, p. 157). Enquanto o túnel seria um elemento de enfoque necessário à paisagem, a casa – enquanto programa – só aparecia à medida que os espaços “escavados” surgiam nas quatro laterais da camada espessa, o que sugere uma aparência pouco convencional. Como já foi visto, é constante o posicionamento do arquiteto e do escritório acerca dos questionamentos sobre o programa e sobre novas estruturas organizativas. Com essa nova proposta, entretanto, era igualmente impossível organizar o programa, o que imputou à equipe a seguinte decisão: criar os espaços necessários, que depois seriam ajustados à forma da casa [...]. A sequência do processo de projeto acomoda, a partir de então, o discurso necessário para convencer o cliente do grande potencial da proposta e da sua adequação às exigências definidas. Com base no argumento de projetos anteriores, Koolhaas sugere que o sólido se comporta como um grande elemento de armazenamento, que poderia ocultar toda a desarrumação indesejada – o que reforça o caráter de objeto mencionado anteriormente. “Escavados” no sólido estariam todos os elementos que conferem à casa o seu caráter próprio: a sala de estar, os quartos, a cozinha (KOOLHAAS, 2008b, op. cit. pp. 157 e 158, respectivamente). Percebe-se que o discurso do arquiteto é motor de sua arquitetura, ao passo que o processo de projeto reinventa o discurso e renova o vocabulário capaz de explicar o que se sucede (CORTÉS, 2006). Cabe mencionar a estratégia de desenho do diagramaconceito da Casa Y2K e, portanto, o que pode ser chamado de “morfogênese” do projeto (WIGLEY, 2008, p. 191). A partir da seleção de plantas da casa Villa Dall’Alva e da Maison à Bordeaux, juntamente com fragmentos de “plantas de 41 casas canônicas” – que incluem casas projetadas por Le Corbusier, Alvar Aalto, Luis Barragan e Frank Gehry – são produzidas possíveis variações de arranjo espacial da Casa Y2K, sempre com os espaços programáticos distribuídos ao redor de um grande pátio central (WIGLEY, 2008, p. 194), conforme visto anteriormente. O resultado desse processo de colagens e sobreposições será importante para a afirmação de um raciocínio conceitual para o projeto, cuja elaboração 42 incorpora os termos “sólido”, “escavação”, “túnel” e “vazio” – fundamentais para descrever o processo da Y2K e sua posterior conversão [2.22, 2.23 e 2.24].

36

41 Termo empregado por Mark Wigley (2008, p. 191) no livro Casa da Musica/ Porto para se referir às plantas de projetos canônicos, referenciais. 42 “(...) desenhos evolutivos foram feitos usando a linguagem de “sólido”, “escavação” e “vazio” de modo a persuadir o cliente de que a forma inusual da casa resulta, de fato, uma série de modificações simples da forma arquetípica casa como caixa com coberturas inclinadas.” (WIGLEY, 2008, p. 267)


37

2.22: Fragmentos de “casas canônicas” selecionados para estudo do diagrama conceitual da Casa Y2K. (WIGLEY, 2007, p. 191). 2.23: Rearranjo das plantas selecionadas para composição da planta diagramática da Y2K. 2.24: Diagrama-conceito da Casa Y2K. A imagem criada contribui para a aparição dos termos “vazio”, “escavação”, “túnel”, que serão fundamentais para a apresentação do processo de projeto.


Em uma série de maquetes apresentadas ao cliente, notase a evolução experimental da casa, que passa a dispor de duas versões: o sólido constituído de espaços absolutos e esvaziados e o sólido constituído de materiais translúcidos [2.25] – este último concentrou os esforços do escritório, que via na versão translúcida a possibilidade um interior 43 enriquecido (KOOLHAAS, 2008b, p. 158). O arranjo espacial pouco conveniente contemplava todas as estruturas programáticas de uma casa comum: a parte superior estava destinada aos espaços íntimos e contava com a distribuição do quartos e dos banheiros; já a parte inferior cumpriria as funções de estar da família, principalmente no que diz respeito ao vazio. Cozinha e escritório também estariam dispostos no piso inferior, mas assentados nas áreas laterais [2.26].

38

43 “(...) estes materiais podiam ser levados a refletir de tal modo que se conseguisse um interior enriquecido.” (KOOLHAAS, 2008b, p. 158).

2.25: Evolução de maquetes da Casa Y2K.

2.26: Esquema de distribuição final do programa.


Outra condição importante do ponto de vista da forma é a coberta da casa, onde se introduz uma quantidade de níveis que se assemelham ao topo de uma montanha [...]. Para o arquiteto, a coberta seria um dos elementos de maior qualidade do edifício, visto que reforçava o sentido de paisagem (KOOLHAAS, 2008b, op. cit. p. 159). De forma compreensiva, retoma-se a reflexão de Rafael Moneo: “existe uma pretensão, notadamente contemporânea, de dotar o construído dos traços característicos daquilo que chamamos de paisagem” (MONEO, 2007, tradução livre). Durante todo o processo de projeto, o discurso de Koolhaas esteve articulado no sentido de conciliar experimentações e o convencimento do cliente. À medida que o projeto progredia, instaurou-se uma situação confusa, em que o cliente demonstrava certo grau de excitação, mas logo depois se mostrava crítico e preocupado (KOOLHAAS, 2008b, p. 158). Era preciso mais engenho para persuadir o cliente, que não se manifestava positivamente. A proposta para a casa em Roterdã enfrentou várias fases, desde o que Koolhaas chamou de “preliminares para a Casa 44 Y2K” – período extenso de elaboração dos esboços, em que já se via a insatisfação do cliente – até um período com maior nível de detalhamento das decisões projetuais. O cliente se mostrava convencido apenas durante as apresentações do arquiteto, sempre muito “sedutoras” do ponto de vista do discurso. Pouco tempo depois, enviava faxes demonstrando 45 seu ceticismo em relação à adequação da proposta. A relação tortuosa entre arquiteto e cliente continua, até que outros acontecimentos definem circunstâncias importantes para o andamento do projeto. Numa viagem à Nigéria como professor de Harvard, Koolhaas se depara com uma situação extremamente diferente do que esperava: “(...) o que parecia ser uma condição deprimida era antes um sistema de sobrevivência altamente organizado no qual a população parecia ao mesmo tempo incrivelmente criativa, motivada e acima de tudo direta e enérgica. Duas semanas na Nigéria mudaram a minha perspectiva completamente. Quando regressei à Holanda, estava eufórico e também intolerante relativamente a qualquer coisa que não fosse direta, eficiente e bela.” (KOOLHAAS, 2008b,

pp.

159

e

160,

destaques

nossos).

39

44 Desde o fax enviado pelo cliente, em 1998, o arquiteto e sua equipe esboçavam o material da casa Y2K. 45 Apesar de demonstrarem interesse por uma “obra de arte”, uma “casa do futuro”, com “materiais do nosso tempo”, prometendo um “desvio do mero aconchego”, os clientes demonstravam inflexibilidade quanto ao posicionamento da casa, ao orçamento, à calendarização e aos termos do contrato (WIGLEY, 2008, p. 268).


Provavelmente intolerante com a constante insatisfação do cliente holandês, Koolhaas aproveitou a mudança de perspectiva proporcionada pela viagem à Nigéria para oferecer um ultimato ao cliente. Só existiam dois caminhos para a proposta: a aceitação e consequente conclusão do processo ou a negação e o abandono do projeto. Nesse 46 momento, surge o convite para a sala de concertos no Porto, e o arquiteto – ao se aproveitar de um suposto estado de hipereficiência motivado pela experiência na Nigéria -, não hesita em transpor a solução da Casa Y2K para o terreno localizado na Rotunda da Boavista, centro do Porto. 47

A relação de poder e a força do discurso do arquiteto apareceram de forma enfática no momento da decisão de “reaproveitamento” do projeto da Casa Y2K. Pelo teor de 48 ruptura e cinismo que a solução continha, membros do escritório discordaram da decisão. Por um tempo, a equipe se dispôs a desenvolver um projeto para a Casa da Música que, embora mantendo a ideia de sólido excêntrico da casa Y2K, oferecesse uma alternativa minimamente distinta (ALMEIDA, 2012, p. 192) [2.27]. Diante do inconformismo da equipe, Koolhaas impõe a sua autoridade perante o funcionamento do escritório e exige que a transposição do partido se faça da maneira mais próxima possível. Para o arquiteto, a força do projeto da Casa Y2K residia no seu aspecto formal, sendo mais interessante “usar toda a pesquisa anterior como uma forma de imediaticidade” (KOOLHAAS, 2008b, p. 160). Posteriormente, o arquiteto justificou a postura da seguinte forma:

40

46 O OMA recebe o convite para o Porto em 12 de março de 1999. A princípio, havia a intenção de conduzir os dois projetos paralelamente. Com a crescente insatisfação de cliente e arquiteto – e a notícia de que o OMA está na pré-seleção do Porto –, Koolhaas acaba por recusar o último pedido do cliente por um “volume normal” (WIGLEY, 2008, p. 267) e antecipa o fim formal da Casa Y2K para o dia 25 de maio de 1999. 47 Nesse momento, em especial, o discurso enquanto força argumentativa. 48 Segundo Koolhaas: “Inicialmente, deu-se um choque e membros do nosso escritório ficaram escandalizados com a possibilidade de sermos tão cínicos” (2008b, p. 160).

A Casa da Música iniciou sua vida como uma casa para um holandês. Seu processo de ‘reciclagem’ é uma alegoria sobre a instável relação que existe entre a forma e o uso (...) (KOOLHAAS, 2008b, p. 208)

2.27: Croquis de estudo para adaptação do projeto. As estratégias de implantação conduzidas pela equipe demonstram o interesse por uma solução formal minimamente distinta da Casa Y2K.


A argumentação do arquiteto se torna ponto-chave quando a observação do volume da Casa Y2K revela condições relevantes para a defesa do projeto. Da perspectiva do vazio central como futura sala de espetáculos, Koolhaas extraiu o mote da plausibilidade da proposta: com a ampliação das dimensões do vazio para o novo uso, o elemento se 49 configuraria como uma espécie de caixa de sapatos – espaço retangular próprio para o aproveitamento das condições de acústica. A observação gerou a principal defesa do arquiteto, que será utilizada no concurso. Era possível unir acústica e um volume interessante do ponto de vista formal. A princípio, Koolhaas pretendia incorporar dois auditórios principais – um de maior dimensão, outro menor – na configuração do vazio central. À medida que o projeto evoluía, o arquiteto identificou a possibilidade de extrair ao máximo o potencial da perfuração, a partir do deslocamento do auditório menor. Com uma sala de concertos atravessando o sólido – e outra sala que “deformava” o volume –, só restava ao arquiteto “escavar” 50 no sólido os demais elementos programáticos (KOOLHAAS, 2008b, p. 161) [2.28]. Os questionamentos acerca da relação entre a forma e o uso encontraram condições extremas para se estabelecerem no processo de projeto. Com o fim formal da Casa Y2K, ocorrido no dia 25 de maio de 1999, o escritório pôde se dedicar livremente à “reinterpretação” do projeto mal-sucedido, convertendo-o na futura casa de espetáculos. Nesse momento, a clareza argumentativa do arquiteto se impõe como elemento 51 principal: o discurso da Casa Y2K será reutilizado para o Porto. Os esforços da equipe se concentravam em produzir um arranjo espacial compatível com a casa de concertos, apesar da forma excêntrica do sólido. Enquanto isso, os raciocínios conceituais da casa Y2K se encaminhavam para a apresentação ao júri. Da segunda conversa com os clientes de Roterdã, Koolhaas extraiu a lógica das imagens apresentadas para as pranchas e memorial do concurso [2.29 e 2.30]. A imagem da sequência dos vazios sendo retirados pelas mãos do arquiteto assumirá a força retórica da apresentação no Porto. 2.28: Estudo de disposição dos auditórios principais da Casa da Música desenvolvidos nos dias 3 e 7 de maio de 1999. A princípio, os auditórios estariam alinhados no vazio central. Pouco tempo depois, a solução contempla uma deformação maior do sólido.

41

49 “Pode-se ver o volume e como era uma coisa excelente usar a casa para este propósito: se se faz uma sala de concertos há sempre a tirania da caixa de sapatos, que realmente detesto, nós tínhamos uma caixa de sapatos como um vazio, ou uma caixa de sapatos negativa, a perfurar o volume como um túnel. Portanto era uma oportunidade incrível (...) de ser acusticamente correto e ainda assim arquitetonicamente fascinante.” (KOOLHAAS, 2008b, p. 160, destaques nossos) 50 À semelhança dos primeiros ajustes programáticos da Y2K. 51 E, portanto, a linguagem que incorporava os termos “vazio”, “sólido”, “escavação”.


42

2.29: Imagens preparadas pelo OMA para apresentação ao cliente holandês, 11 de março de 1999. 2.30: Sequência preparada para o concurso da Casa da Música, 1º de junho de 1999.


52

2.3 “A Domesticação do Vazio”: os preparativos finais do concurso

O diagrama basilar da casa é apenas levemente

43

modificado para se tornar no diagrama da casa de concertos. O espaço de estar central retangular, antes destinado a uma família, mantém as suas proporções e simplesmente expandese para se tornar numa sala de concertos. (...). O sólido assumiu uma forma diversa para acomodar os diferentes programas, mas foi produzida uma instituição pública importante colocando

uma

(WIGLEY,

2008,

casa p.

privada

261,

a

52 Termo empregado por Mark Wigley no livro Casa da Música/Porto para se referir à transição da Casa Y2K para a Casa da Música (2008, p. 261).

esteroides.

destaques

nossos).

Nesse momento, é preciso entender, além dos domínios das observações sobre o processo projetivo realizadas pelo arquiteto, os motivos de uma bem-sucedida transposição do partido. Por que o vazio central – antes um túnel de enfoque sobre a paisagem – funcionava aparentemente bem do ponto de vista da conformação de um auditório? Wigley relata que desde a primeira conversa entre o arquiteto e o cliente holandês, o anseio por um amplo espaço central seria identificado como principal “motor do projeto”. Era necessário que os moradores pudessem viver separadamente, tendo seus espaços de trabalho radicalmente afastados. No momento em que sentissem a necessidade de se reunir, o encontro deveria acontecer em um espaço aberto, “limpo de qualquer confusão” (WIGLEY, 2008, p. 262). Da imponência de uma espécie de espaço público dentro de um domínio privado – na escala doméstica da Y2K – é que possivelmente se dá a adequação da proposta para o Porto. Novamente, a revisão da relação público/privado parece ser o intento do arquiteto no projeto em Roterdã. Ao surgir de uma experiência anterior que apenas esboçava a “estratégia do vazio” – representada pela proposta de 1989 para a Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliothèque) –, a Casa Y2K pretendia focalizar o estudo do vazio e tratá-lo com hierarquia [2.31]. Com seu caráter público, o vazio poderia ser facilmente reinserido no domínio da Casa da Música (WIGLEY, 2008, p. 269)

2.31: Conjunto final de plantas da Casa Y2K. O vazio como centro da composição será inserido no domínio da Casa da Música.


Para os preparativos finais do concurso, a mediação do arquiteto em torno do processo de projeto se dará de forma mais intensa. A fim de ressaltar a argumentação da Y2K como modelo a ser seguido, Koolhaas sugere a apresentação da “maquete negativa” da Casa da Música, que irá apresentar os “vazios como sólidos” – o vazio permanece como mote, mudando apenas a sua percepção [2.32 e 2.33]. A ênfase na relação sólido/vazio continua a mover o trabalho do escritório incessantemente. Apenas um dia antes do júri, são definidas três opções para o aspecto global do edifício: concreto “a esconder o interior”, revestimentos transparentes “a expor ao exterior a lógica do interior” ou uma combinação dos dois (WIGLEY, 2008, p. 273). O projeto entregue ao júri terá seis pranchas e um vasto 53 memorial – oitenta e duas páginas. No memorial, Koolhaas 54 cria uma espécie de storyboard para apresentar a narrativa do processo [...], cujo mote segue a sequência teatral dos vazios mencionada anteriormente. Essa sequência é acompanhada de um pequeno texto que procura descrever o edifício como uma “massa sólida” da qual os espaços programáticos serão progressivamente retirados para formar um sólido esculpido e 55 único (WIGLEY, 2008, op. cit, p. 258). De acordo com o crítico Mark Wigley, o memorial “parecia bastante bem construído em comparação com os painéis” (2008, p. 206). Ao identificar a 56 forma de exposição de outros trabalhos do OMA, o português Luís Santiago Baptista propõe a intenção do arquiteto: “No limite, o projeto é o processo.” (BAPTISTA, 2015, p. 44).

2.32: Maquete negativa da Casa da Música, à esquerda, e esquema de distribuição das principais salas de fruição coletiva. O vazio, antes tratado como elemento único na Casa Y2K, gera o vazio central (auditório principal) e as áreas contíguas geram os demais vazios (salas de permanência do futuro edifício).

44

53 O concurso exigia três pranchas e a apresentação de um pequeno relatório. 54 Guia visual que apresenta uma série de ilustrações em sequência 55 Conforme testemunho de Mark Wigley para o livro Casa da Música/ Porto, publicado pela Fundação Casa da Música. Wigley teve acesso a todo o material do OMA produzido durante o processo de projeto, desde a Casa Y2K à Casa da Música. Ver: Luís Santiago Baptista, “S, M, L, XL: Um Atlas da Arquitectura Metropolitana in Koolhaas Tangram, p. 44.

2.33: Plantas e cortes esquemáticos da Casa da Música na fase final de preparação para o concurso. O vazio central e os demais vazios articulados ao seu redor compõem os principais elementos do programa.


Essa perspectiva se confirma quando o arquiteto apresenta o 57 projeto da Casa Y2K para os clientes do Porto numa tentativa de exposição do processo de projeto que indica a seguinte postura: A razão básica para que isso aconteça é que existe um momento ridiculamente frágil no processo de

45

projeto no qual só se tem o instinto e não as provas de uma demonstração. Portanto, ou se apresenta a coisa de modo tão brutal quanto possível, ou, através da criação de falsas inevitabilidades, tentase manipulá-la como uma sequência irrevogável. (KOOLHAAS, 2008b, p. 193, destaques nossos)

A explicação de Koolhaas parece se encaixar às constantes mediações do processo de projeto. À medida que as decisões vão se tornando até mesmo arbitrárias, o foco do arquiteto reside na tentativa de viabilizar o projeto da Casa da Música a 58 partir da Casa Y2K a todo custo, seja a partir da demonstração de um “instinto” – que, a princípio, não exige comprovações 59 mais elaboradas –, seja a partir da criação de uma sequência de “falsas inevitabilidades” . O arquiteto explora as várias possibilidades de sustentar o seu discurso, por meio de um ato de projetar que inclui a “fabricação” de uma própria história do projeto – ou processo de projeto (WIGLEY, 2008, p. 193). Talvez nesse ponto resida grande parte da importância de Koolhaas no cenário contemporâneo. Ao apresentar aos clientes “sequências irrevogáveis” de processos projetivos, o arquiteto pretende lançar mão de histórias arquitetônicas – mais exatamente do que projetos. Na transição Y2K – Casa da Música, Koolhaas parece lidar com a constante necessidade de um mito explicativo para a justificativa de uma ideia arquitetônica possante, segundo o estudioso português Pedro Gadanho (2015, p. 17). Nessa perspectiva, Gadanho acrescenta: (...)

um

cliente

provocador

e

aborrecido

é

despedido pelo arquiteto e, de seguida, o processo criativo de escavação e criação de volumetria vem servir que nem uma luva ao processo do concurso da Casa da Música. O pragmatismo da história revela que, se a arquitetura contemporânea caiu no aleatório – e se, ainda assim, se deseja fazer história através da arquitetura – então, mais do que nunca, é necessário saber construir e contar estórias arquitetônicas (GADANHO, 2015, p. 17)

57 Mark Wigley em entrevista com Rem Koolhaas: “O projetar e o produzir de uma história do projeto ocorrem simultaneamente. Portanto, quando falaste aos clientes do Porto estavas a oferecer-lhes a história da sua proposta.” (2008, p. 193) 58 A exemplo da volta da Nigéria e da perspectiva da hiper-eficiência. 59 A exemplo das observações sobre o processo projetivo e dos vários “encaixes” para tornar possível a transposição da Y2K para a Casa da Música.


Pondo em questionamento diversas assunções sobre o campo disciplinar da arquitetura, o processo de projeto da Casa da Música já anuncia a possibilidade de um fato arquitetônico marcado por novas emergências de um cenário contemporâneo. Segundo Wigley (2008, p. 181), o projeto da Casa da Música “desafia a ideia básica de que o arquiteto tem que auscultar o cliente, o programa, o sítio, o orçamento – que esses são os fatores que geram a arquitetura”. Para compreender os efeitos dessa postura, a terceira etapa deste trabalho se dedica a explorar a materialidade do edifício a partir de sua recensão crítica, buscando entender a dimensão de obra referencial e suas implicações.

46

34 Uma das pranchas apresentadas ao júri, 1ºde junho de 1999. A maquete azul com os vazios sendo retirados progressivamente sintetiza o material que será explorado exaustivamente no memorial. Em destaque, o posicionamento do sólido branco em relação à Rotunda da Boavista, Porto.


47

35. Parte do memorial apresentado ao júri relações estabelecidas pelo sólido branco com a configuração espacial da Rotunda. 36. Parte do memorial apresentado ao júri. A partir de uma imagem do Musikrein de Viena – famosa sala de concertos na forma “caixa de sapatos” – e da perspectiva interna do auditório principal da Casa da Música, Koolhaas pretende reforçar a plausibilidade da proposta e o sentido das revisões históricas no seu trabalho . 37. Fotomontagem da perspectiva interna do auditório principal presente no memorial. A vista do auditório focaliza o eixo central da Rotunda.


48

38. O processo de projeto da Casa Y2K à Casa da Música a partir das maquetes produzidas pelo OMA. As duas opções de maquetes no canto superior direito representam o futuro edifício do Porto e seus possíveis revestimentos. (Fonte: Casa da Música/Porto, 2008).



3.0 O FATO ARQUITETÔNICO Em 2005, finda-se o processo de construção da Casa da Música. Inaugurada no dia 15 de abril, a obra de Rem Koolhaas simbolizava os gestos mais arriscados do domínio da cultura internacional no contexto da cidade do Porto. A partir de então, a recensão crítica da obra – ou do fato arquitetônico – exige a contemplação de importantes eixos, a exemplo das relações com o lugar e dos novos tratados com a arquitetura internacional. Nesse sentido, é importante retomar o fio condutor desta pesquisa. Partindo de um entendimento das ideias que motivam os processos arquitetônicos contemporâneos ligados à produção de uma obra referencial, a investigação em torno da Casa da Música segue um percurso de três etapas: i) a encomenda do equipamento cultural de grande valor simbólico agregado e seus meios de seleção, identificada como a ideia; ii) o processo de projeto da Casa da Música, cuja compreensão exige o retorno ao discurso do arquiteto e suas ponderações acerca das estratégias projetivas; iii) e o fato, entendido como a última instância arquitetônica, definido pela materialidade do objeto e pela emergência de novas ideias. Implantado no sítio, o edifício de Rem Koolhaas estabelece relações com o lugar. Nesse ponto, é necessário ter em mente que a noção de lugar não se restringe a uma compreensão física do território de inserção: o lugar é uma construção cultural, na medida em que se constitui de uma 60 “qualidade ambiental” revelada pela prática do construir (NORBERG-SCHULZ, 1976 apud NÓBREGA, 2009). Com isso, uma pergunta se faz necessária: como a Casa da Música se relaciona com a construção cultural que caracteriza a localidade portuense? À guisa de resposta, é preciso compreender a forma como os arquitetos locais abordam o território e identificam o principal discurso de sua arquitetura. Com essas considerações, a terceira etapa deste método de abordagem investirá na compreensão das novas emergências suscitadas pelo fato arquitetônico, com destaque para os aspectos de implantação do edifício e o entendimento das relações estabelecidas por meio do tratamento dos interiores e do arranjo espacial programático da Casa da Música.

50

60 De acordo com Norberg-Schulz (1976 apud NÓBREGA, 2009, p. 16), lugar é: “Uma totalidade constituída de coisas concretas que possuem substância material, forma, textura e cor. Juntas, essas coisas determinam uma ‘qualidade ambiental’ que é a essência do lugar.”


3.1 A arquitetura 61 autorrenferenciada de Portugal e o impacto da Casa da Música País afastado dos grandes centros europeus, Portugal apresenta uma cultura mais ligada ao seu passado atlântico. Por razões geográficas, econômicas e sociais, distancia-se das vertentes vanguardistas que caracterizam fortemente a produção cultural de outros países, a exemplo de França, Inglaterra e Alemanha. Dessa forma, desenvolve uma consciência de autonomização cultural, que se reflete com vigor em sua arquitetura (MILHEIRO, 2014). A partir desse senso de autonomia cultural é que se desenvolve a cultura arquitetônica portuguesa e a forma como se torna significante do ponto de vista internacional. Na perspectiva inevitável de distanciamento dos grandes centros, Portugal procura fazer uma gestão de sua história, capaz de produzir e legitimar o seu discurso arquitetônico (MILHEIRO, 2014). É no período moderno – em que o senso de racionalidade e funcionalismo se torna latente, sobretudo do ponto de vista universalizante –, que a procura por referências próprias, tipicamente populares, gera uma espécie de manual autorreferenciado da arquitetura portuguesa: construções de matrizes profundamente regionais, caracterizadas por engenho, austeridade e coerência formal [3.1]. A catalogação do repertório arquitetônico local, desenvolvida no final da década de 1950, contribuiu para a divulgação de um estudo intitulado Arquitectura Popular em Portugal [3.2], publicado em 1961. Os trabalhos em campo foram realizados por um grupo de jovens arquitetos portugueses que buscavam empreender uma noção de arquitetura moderna ao lidar com os meios e tecnologias disponíveis, oferecendo uma “síntese entre a arquitetura tradicional nacional e a arquitetura moderna internacional” (UNIVERSIDADE DO PORTO, 2008). A partir de então, legitima-se um discurso arquitetônico que será o mote do trabalho de grandes arquitetos portugueses, a exemplo de Fernando Távora, Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura.

51

61 Termo empregado por Ana Vaz Milheiro em palestra concedida para a Escola da Cidade.

3.1: Arquitetura popular encontrada na Zona 1. O trabalho de campo realizado nos fins da década de 1950 (operação que ficou conhecida como Inquérito à Arquitectura Regional) avaliou referências populares de seis zonas.

3.2: Arquitectura Popular em Portugal. Lisboa: Sindicato Nacional dos Arquitetos, 2 vol.


3.1.1 As referências da Tríade 62 dos Heróis da arquitetura portuguesa Fundador da chamada Escola do Porto, Fernando Távora é o primeiro representante de destaque dessa nova reflexão crítica. Mestre de figuras como Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto de Moura – ambos alunos de Távora na Universidade do Porto –, o arquiteto participou da empreitada que conduziu à publicação mencionada anteriormente, além de ter presenciado os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM’s) entre 1951 e 1959.

52

62 Conforme termo mencionado pela arquiteta Ana Vaz Milheiro na palestra concedida para a Escola da Cidade.

Ao convocar a retomada da história e da tradição, o trabalho de Távora ganha forte repercussão no ambiente acadêmico e no cenário da arquitetura portuguesa. Avesso a rupturas, Távora propõe uma abordagem criteriosa do lugar, tomando o processo arquitetônico pelo “(...) entendimento da paisagem e da edificação e [pela] utilização dos sistemas construtivos numa perspectiva orgânica.” (TOSTÕES, 2004, p. 23) Tais características podem ser observadas no projeto para o Pavilhão de Tênis da Quinta da Conceição, datado de 1958. Integrante do projeto para o Parque Municipal da Quinta da Conceição, o edifício cumpre a função de rematar o percurso do parque (CLEMENTINO, 2013), localizado num terreno onde existia um convento do século XV. Para a obra, Távora teve de lidar com o tratamento formal da edificação a partir do pré-existente, optando por uma composição de geometria bem marcada aliada ao uso de materiais tradicionais, como o granito presente no plano horizontal da fachada principal. Com o Pavilhão, o arquiteto demonstra que sabe conjugar perfeitamente o exercício da modernidade com as referências do lugar [3.3 e 3.4]. Colaborador de Fernando Távora entre 1955 e 1958 – inclusive do projeto para o Parque da Quinta da Conceição –, Álvaro Siza Vieira será o principal representante do legado da Escola do Porto. Nascido em Matosinhos, localidade junto à cidade do Porto, Siza Vieira soube compreender de modo surpreendente a paisagem portuguesa, em especial a do Norte do país, e traduzir o entendimento do contexto para as suas estratégias projetuais.

3.3: Pavilhão de Tênis da Quinta da Conceição, 1958-1960.

3.4: Pavilhão de Tênis da Quinta da Conceição. Detalhe para a composição de planos bem marcados e para o uso de materiais tradicionais, como a telha cerâmica e o granito.


São as bases da arquitetura lançada por Távora que se refletem na forma de Siza pensar o projeto (CLEMENTINO, 2013), assimilando elementos importantes da tradição sempre a partir de uma perspectiva crítica. Inserido no processo de revisão do movimento moderno, Siza desenvolve o gosto pelo uso de materiais e sistemas construtivos tradicionais. Um bom exemplo da conciliação entre o olhar apurado da paisagem, as novas formas de se fazer arquitetura e o uso de tecnologia disponível pode ser encontrado no projeto para a Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira [3.5].

53

O projeto da Casa de Chá é representativo das primeiras investidas de Siza Vieira. Finalizada em 1963, a proposta – resultante de um concurso vencido por Fernando Távora, que entregou a encomenda para o seu colaborador – é entendida “através do contato direto com o sítio” (FRACALOSSI, 2012), numa perspectiva de intervenção guiada pela sensibilidade da paisagem. O resultado é uma arquitetura de caráter puro, que reflete uma espécie de tradução do pré-existente. O repertório inicial de Siza alcança projetos de habitações sociais, como a Quinta da Malagueira [3.6 e 3.7], em Évora, e se reinventa nas encomendas de múltiplas naturezas recebidas pelo arquiteto.

3.6: Habitações Sociais da Quinta da Malagueira, 1973-1977, Évora.

3.7: Perspectiva da Quinta da Malagueira com a paisagem da cidade de Évora ao fundo.

3.5: Casa de Chá da Boa Nova, Leça da Palmeira, 1958-1963.


Percebe-se sempre o trabalho de Siza Vieira a partir das linhas naturais ou construídas do pré-existente, no entendimento das condições de conforto ambiental, no uso de uma linguagem quase mimética da paisagem – embora harmonize tão perfeitamente com as qualidades das novas arquiteturas – enfatizando a criação de uma imagem muito forte da arquitetura portuguesa, muitas vezes difícil de superar (MILHEIRO, 2014).

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Tendo alcançado destaque a nível nacional, Siza elabora propostas de grande apreciação crítica em outros contextos, como é o caso do Centro Galego de Arte Contemporânea (1988-1993), localizado na cidade de Santiago de Compostela, noroeste da Espanha. Aqui, Siza trabalha mais precisamente numa região de inserção marcada pelas relações de um contexto urbano consolidado. A implantação do edifício se dá em um terreno adjacente ao convento de Santo Domingo de Bonaval, monumento do século XVII (NÓBREGA, 2009). Nota-se sua capacidade de ser permeável, de absorver as referências do lugar, mantendo uma linguagem arquitetônica que remete, invariavelmente, à cultura arquitetônica portuguesa [3.8, 3.9 e 3.10].

3.8: Centro Galego de Arte Contemporânea, Santiago de Compostela, 1988-1993. O edifício projetado por Siza Vieira absorve as referências do traçado urbano e da edificação do século XVII.

3.9 e 3.10: Acima, o acesso principal do edifício. Abaixo, relação com o Convento de Santo Domingo de Bonaval.


Aluno de Távora e Siza Vieira, Eduardo Souto de Moura completa a tríade dos “heróis” da arquitetura portuguesa. Influenciado fortemente pela atividade de Siza, tendo colaborado em seu ateliê entre 1974 e 1979, pode-se dizer que os dois últimos arquitetos contribuíram para um enquadramento contemporâneo das reflexões sobre a arquitetura portuguesa. Ao priorizar qualidades essenciais do campo disciplinar em que está inserido, Souto Moura revela forte apego às composições formalistas e à chamada “arquitetura de citações diretas” (MILHEIRO, 2014) –marcada por racionalidade, economia e uma concepção estática do espaço – a exemplo dos projetos para a Casa das Histórias Paula Rego [3.11 e 3.12] e para o Estádio de Braga [3.13]. Obra extremamente importante para os portugueses, o Estádio de Braga resulta de uma encomenda para as atividades da Eurocopa, evento de futebol que aconteceu em Portugal no ano de 2004. Representante principal do legado do tradicional evento, o Estádio de Braga é reconhecido por colocar a arquitetura portuguesa num diálogo mais internacional (MILHEIRO, 2014). À época, dava-se o processo de construção da Casa da Música, que só seria finalizado em 2005. A obra de Souto Moura reforça a imagem da arquitetura portuguesa de Távora e Siza Vieira, utilizando uma tecnologia bastante sofisticada – mas de cunho vernacular, 63 diferentemente das tecnologias “fantásticas” da obra de Koolhaas.

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63 Em alusão à chamada “Tecnologia do Fantástico”, termo empregado por Koolhaas em Nova York Delirante (2008, p. 117).

3.11 e 3.12: Casa das Histórias Paula Rego, Cascais, Portugal (2005-2009). As árvores preexistentes e a conformação do terreno são referências estruturantes do projeto.

3.13: Detalhe da implantação do Estádio Municipal de Braga, concluído em 2003.


Convém mencionar o principal gesto projetual de Souto Moura para o Estádio de Braga: inscrito em uma pedreira [3.14], o estádio sugere um encaixe perfeitamente assentado à paisagem existente – embora sua implantação surja de uma espécie de simulação, visto que a pedreira original foi demolida para a construção. O gesto de grande artificialidade do arquiteto ilude o olhar e esconde uma condição consideravelmente invasiva, mantendo o intuito de preservar as continuidades da cultura arquitetônica portuguesa (MILHEIRO, 2014).

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É pelo traço distintivo e pela recusa ao anonimato (MILHEIRO, 2015) que a arquitetura portuguesa consegue se estabelecer com grande êxito no cenário internacional. O prêmio Pritzker dedicado a Souto Moura – com ênfase do júri ao Estádio de Braga – comprova a condição de destaque mencionada. Junto com Siza Vieira, ganhador do mais importante prêmio da arquitetura internacional em 1992, Souto Moura evidencia a posição privilegiada de Portugal. O comunicado emitido pela premiação faz uma síntese da arquitetura de Souto Moura, justificando a escolha da seguinte maneira:

64 Excerto do comunicado emitido pelo júri do Pritzker reproduzido no Jornal Público. Disponível em: http://www. publico.pt/culturaipsilon/noticia/soutomoura-vence-o-premio-pritzker-2011-onobel-da-arquitectura-1487170.

Os seus edifícios apresentam uma capacidade única de conciliar características opostas, como

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o poder e a modéstia, a coragem e a sutileza, a ousadia e simplicidade - ao mesmo tempo.

À conclusão do Estádio de Braga, segue-se a inauguração da Casa da Música, o que motiva tempos entusiasmados em relação aos rumos da arquitetura em Portugal. Em um artigo publicado na Revista 2G, intitulado Arquitectura Portuguesa 2000-2005 [Um Guia Temporário], a arquiteta e crítica portuguesa Ana Vaz Milheiro tenta traçar uma espécie de perfil do que se veria a partir de então no cenário português. A arquiteta vislumbrava um panorama “aberto e inclusivo” [...], contemplando pistas de projetos realizados e de outros ainda não construídos que poderiam sinalizar o “clima cultural” do período (MILHEIRO, 2015, op. cit, p. 88). De acordo com Milheiro, o futuro da arquitetura portuguesa residiria na tensão medida entre o Estádio de Braga e a Casa da Música, edifícios que representavam, respectivamente, o modernismo vernacular tão característico de Portugal e o vanguardismo radical da arquitetura centro-europeia.

3.14: Encaixe do edifício na pedreira.


O testemunho da arquiteta acompanha a inauguração do fato arquitetônico – motivo de entusiasmo para os portugueses e 65 para a crítica internacional – até se deparar com uma mudança de perspectiva radical dez anos após a construção da obra de Koolhaas. Da emergência de um “momento ‘refundador’” (MILHEIRO, 2015, p. 88) para a arquitetura portuguesa, Milheiro avalia a Casa da Música como um edifício solitário no contexto de Portugal. A arquiteta ressalta, no entanto, que o exercício crítico serve para tensionar o discurso – nem o Estádio de Braga é tão vernacular quanto se propõe, nem a Casa da Música é tão estrangeira quanto se pensa (MILHEIRO, 2015). A observação tecida pela arquiteta sugere a necessidade de ponderação das reflexões críticas que vão orientar a compreensão do edifício.

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65 O crítico de arquitetura do jornal The New York Times, Nicolai Ouroussof, comentou, à época da inauguração, que a Casa da Música é um “edifício cujo ardor intelectual está combinado com sua beleza sensual” (2004, tradução livre). Disponível em: http://www. nytimes.com/2005/04/10/arts/design/ rem-koolhaas-learns-not-to-overthink-it. html?_r=1.


3.2 Da intenção ao gesto: Surge o fato arquitetônico A finalização da Casa da Música coincidiu com a conclusão do Estádio de Braga. Após um processo de construção conturbado – que envolveu alguns impasses políticos relacionados ao orçamento do edifício e problemas com a empreiteira na execução inicial da estrutura – o sólido branco do Porto finalmente passava pela aplicação dos revestimentos internos no final de 2004, última fase do processo arquitetônico. Com o projeto do edifício concluído um ano e meio após o concurso, a execução praticamente havia começado em janeiro de 2001, época em que se dava o crescimento dos pilares do nível mais baixo do estacionamento – inseridos num grande buraco escavado para acomodar o futuro objeto [3.15 e 3.16].

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O material entregue ao júri do Porto não dava qualquer indicação sobre a investigação de materiais para os interiores. O contato com o modo de vida “hiper-eficiente” da Nigéria parecia ter afetado o arquiteto, de forma a apresentar um objeto “apurado até o seu estado conceitualmente mais áspero”, como observou Wigley (2008, p. 199). A percepção de que o OMA poderia funcionar de modo “muito mais intuitivo e instintivo, em vez de labutar constantemente sobre toda e qualquer decisão” (KOOLHAAS, 2008b, p. 181), foi fundamental para que o desenvolvimento do projeto ocorresse dentro do prazo desejado para o concurso. O prazo extremamente reduzido influenciou o caráter do material entregue, visto sob uma perspectiva mais brutal. Ainda não havia definições para o tratamento exterior do sólido, muito menos pistas sobre as especificações de ambientes e revestimentos [3.17].

3.15 e 3.16: Fase inicial de execução do edifício. Grande buraco escavado para acomodar a estrutura. 3.17: Parte do material entregue ao júri do concurso.


É no momento de elaboração dos desenhos de execução para a fase inicial de construção do edifício, nos três primeiros meses após o concurso, que a questão do “estatuto definitivo do sólido” [...] é resolvida. Ao revelar o interesse por interiores ricos em referências contextuais, Koolhaas pretende realçar a “experiência nuclear do edifício” (WIGLEY, 2008, pp. 276 e 278). Como forma de obter esse efeito, surge a maquete branca com a indicação do concreto armado para o sólido e, logo depois, os primeiros estudos de materiais para os revestimentos internos [3.18 e 3.19].

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A primeira fase do projeto executivo se dedicou à resolução estrutural e à organização espacial do edifício. Em termos de arranjo programático, a resolução insistia em manter fortes reminiscências da Casa Y2K - com exceção dos vazios principais, os demais programas foram ajustados rapidamente e de forma labiríntica, a exemplo da casa em Roterdã [3.20]. O primeiro conjunto de desenhos de projeto é entregue a 31 de dezembro de 2000 – ainda sem a indicação das estratégias de ornamento.

3.20: Distribuição do programa da Casa da Música a partir da configuração dos vazios principais. O diagrama acima mostra os espaços coletivos escavados (vazios, em branco) e os espaços secundários (sólidos).

3.18 e 3.19: Maquete branca produzida durante a primeira fase dos desenhos de execução do edifício.


O ano de 2001 marcou o início da construção, como estava previsto. Entretanto, um impasse com a empreiteira relativo à forma de sustentação das paredes principais fez com que o edifício começasse a subir apenas em novembro de 2001. Nesse período, o escritório Inside Outside, conduzido pela designer holandesa Petra Blaise, foi convidado a trabalhar com os interiores. O OMA já havia realizado – durante os seis meses anteriores – diversos estudos sobre as condições dos revestimentos internos, aproveitando o primeiro atraso da construção para a pesquisa incessante de materiais [3.21].

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Com a retomada da construção, o ano de 2002 acompanha os primeiros sinais do fato arquitetônico, à medida que a estrutura ultrapassa os painéis de vedação do local. No ano de 2003, um novo impasse interrompe a construção, alongando o tempo de projeto destinado aos interiores. O edifício ainda não acabado, mas já com a “casca” de concreto armado a atuar como uma enorme escultura (WIGLEY, 2008, p. 287), espera o momento de se apresentar definitivamente como arquitetura [3.22]. O processo chega às vias finais no ano de 2004, época em que as amostras finais de materiais são definidas e os principais chefes de projeto do OMA são chamados para trabalharem conjuntamente no projeto do Porto. Para a equipe, é dada a missão de encontrar o que há de mais específico nos materiais em termos de pertinência ao caráter do projeto e à imagem do Porto [3.23].

3.22: “Casca” de concreto armado à espera dos revestimentos internos e das esquadrias.

3.21: Estudos dos revestimentos internos da Casa da Música registrados no livro Casa da Música/Porto (2008).


Ainda no ano de 2004, quando se realiza o primeiro concerto no edifício ainda não acabado [3.23], a Casa da Música reverbera o seu peso para a assunção de um novo momento do Porto. Portugal vislumbrava a possibilidade de confluência do seu “modernismo vernacular” – sofisticado, embora atento ao tradicional – com os discursos mais radicais, capitaneados por Rem Koolhaas (MILHEIRO, 2015). Entre outubro de 2004 e fevereiro de 2005, o edifício passa pela aplicação dos revestimentos internos. No dia 15 de abril 66 de 2005, data da inauguração do edifício, a Sala Suggia – nome dado ao auditório principal – surge imponente sob um forro de padrão de folha de ouro, conforme será visto posteriormente. Delineado na paisagem do Porto, o fato arquitetônico assume a dimensão de obra referencial já anunciada nas ideias da Sociedade Porto 2001 e nos discursos de Rem Koolhaas.

3.23: Primeiro concerto realizado no edifício, registro do livro Casa da Música/Porto (2008).

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66 Em homenagem à violoncelista portuense Guilhermina Suggia.


3.3 O Impacto da Casa da Música: A recensão crítica 3.3.1 Exterior: A relação com o lugar

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O primeiro ponto importante para compreender o impacto da Casa da Música é a análise do tecido urbano onde o objeto está inserido [3.24]. O terreno escolhido pelos organizadores do concurso abrigava uma antiga estação de bondes, localizada na Rotunda da BoaVista – como é chamada a Praça Mouzinho de Albuquerque. A garagem dos bondes e a estação ferroviária localizada no quarteirão adjacente se encontravam desativadas desde a construção do metrô do Porto no final dos anos noventa (ALMEIDA, 2012, p. 194) [3.25]. O desenho da Rotunda – de reminiscência haussmaniana – pretendia instituir um caráter monumentalista, embora a região tenha se constituído de forma fragmentada e pouco consolidada (ALMEIDA, 2012, p. 194). Em virtude do uso anterior destinado ao terreno e da configuração do entorno da Rotunda, esperava-se que o novo uso oferecesse uma perspectiva diferente para a área – argumento favorável à necessidade de uma obra referencial. Na esteira do efeito Bilbao, a Casa da Música cumpriria o mesmo intento da renovação imagética urbana. Nesse aspecto, o poliedro do OMA era bastante persuasivo e se adequava à potência visual requerida.

3.24: Vista aérea do Edifício da Casa da Música.

O lote destinado à Casa da Música está localizado junto à Avenida da Boavista, importante eixo que orientou o crescimento da cidade em direção ao Atlântico. Por essa condição, a região da Rotunda se apresenta como um entorno instável, uma espécie de “transição entre a parte antiga e a parte nova do Porto” [...]. Para João Gallo de Almeida, no estudo desenvolvido para a dissertação de mestrado intitulada Edifícios Icônicos e Lugares Urbanos, a proposta de Koolhaas incorpora essa condição, orientando o posicionamento do objeto para os dois eixos principais: o centro da Rotunda e a Avenida da Boavista [3.26]. 3.25: Demolição da estação de bondes existente no terreno próximo à Rotunda da Boa Vista.


O arranjo dos dois auditórios principais alinhados com duas referências estruturantes da paisagem aproxima a estratégia do arquiteto a configurações típicas do urbanismo oitocentista europeu (ALMEIDA, 2012, op. cit. pp. 195 e 198, respectivamente). Gallo ainda acrescenta que para o arquiteto português Nuno Grande, esse aspecto da Casa da Música confere certa coerência com o desenho da Rotunda da Boavista (Grande, 2005 apud Almeida, 2012, p. 198).

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Apesar de ser uma área localizada no centro da cidade do Porto – cidade “intacta”, termo utilizado pelo OMA no texto para o concurso –, a provável leitura é de que o grande “meteorito” koolhaasiano teria sofrido impacto consideravelmente maior se estivesse situado em alguma outra área mais consolidada da cidade. O estudo de Gallo de Almeida ainda chama atenção para a configuração de espaço de passagem que é característica da Rotunda: por ser um espaço de articulação viária, a grande distribuição de fluxos do local é considerada do ponto de vista formal do edifício. Ao compreender a experiência do observador em movimento por meio de sua volumetria multifacetada, a Casa da Música convoca a fruição de sua qualidade escultórica a partir dos diversos ângulos de mediação do edifício com o entorno (ALMEIDA, 2012, p.199) [3.27].

3.26: Estudo de João Gallo de Almeida para a estratégia de implantação da Casa da Música. Os auditórios principais estão alinhados com duas referências estruturantes da paisagem: a Avenida da Boavista e o centro da Rotunda.


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3.27: Com uma volumetria multifacetada, o edifício estabelece relações com a configuração espacial característica da Rotunda. Fotos: João Gallo de Almeida, 2010.


De acordo com as indicações de Koolhaas durante o desenvolvimento do projeto, os grandes recuos em relação ao limite do lote deveriam atender à postura independente do objeto arquitetônico. Nesse ponto, o entendimento de Gallo de Almeida (2012, p. 199) evidencia uma condição ambígua: o objeto se faz independente ora pela sua forte demarcação na paisagem, ora pela perspectiva de “surpresa urbana” que surge de algumas visadas próximas à Rotunda. O levantamento fotográfico do trabalho destaca a ausência do edifício quando observado de algumas vias radiais adjacentes [3.28 e 3.29].

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Isso só é possível pela estratégia de implantação da Casa da Música. Os grandes afastamentos já mencionados conferem a criação de um edifício solitário, ocupante de uma “ilha” de superfície ondulada [3.30], condição que reforça outra ambiguidade: ora a topografia artificial da praça funciona como uma espécie de base para o suporte da nova volumetria – numa tentativa de minimizar a autonomia formal do edifício – ora reforça a arbitrariedade de uma “delirante paisagem” (ALMEIDA, 2012, p. 203), rompendo radicalmente com certas noções de contexto. Tal aspecto relembra as discussões sobre as referências contextuais na arquitetura. Diferentemente da tríade de “heróis” portugueses, a obra de Koolhaas não estabelece “citações diretas” com a paisagem construída. Segundo Igor Guatelli (2012, p. 80), o termo “diálogo” – constantemente utilizado para a reflexão crítica dos edifícios de Siza Vieira, por exemplo – é insuficiente para o entendimento das relações de contexto. Para o autor, um diálogo pode ser trabalhado a partir de razões distintas, o que exige uma série de questionamentos oriundos de perspectivas diversas.

3.28 e 3.29: Vista posterior do edifício em direção à Avenida da Boavista. Nesse ponto, o observador só percebe o sólido escultórico à medida que se aproxima. Fotos: João Gallo de Almeida, 2010.

3.30: Implantação da Casa da Música a partir dos grandes recuos em relação ao limite do lote e da criação da praça de topografia artificial.


Cabe, aqui, a partir da compreensão de Guatelli, uma pergunta central: como a Casa da Música dialoga com 67 o construído? À guisa de resposta, o “manto ondulado” oferece pistas relevantes. Diferentemente da possibilidade de gesto arbitrário, a criação da praça de topografia artificial representa um acerto em termos de referência contextual para a crítica de outros autores, a exemplo de Rafael Moneo, que acrescenta:

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(...) Koolhaas não pôde resistir à tentação de converter a arquitetura em paisagem, e assim confiou a uma superfície ondulante o assentamento do poliedro e o acordo com a geometria e o traçado das ruas da cidade. Quando algum crítico dentro de duzentos ou trezentos anos analisar este edifício, não poderá deixar

67 Metáfora utilizada por Igor Guatelli para enfatizar o aspecto formal da praça de topografia artificial (2012).

de reconhecer o ondulante pódio como um tributo estilístico ao gosto arquitetônico dos princípios do século. (MONEO, 2007, p. 57, tradução livre, destaques nossos)

A chegada ao edifício revela, portanto, a preferência por uma solução cujo domínio formal estabelece traços de ruptura e de continuidade. Ainda segundo a perspectiva de Moneo, Koolhaas escapa da autonomia do objeto, característica da arquitetura moderna, ao convertê-lo em um magma construtivo que merece a qualificação de paisagem (MONEO, 2007, p. 57). Sob esse aspecto, se a autonomia formal da volumetria insiste em uma condição objetual, o tratamento dado ao pódio ondulante aproxima a arquitetura do contexto físico-cultural [3.31]. O arquiteto espanhol enfatiza o desejo contemporâneo de assimilar o entorno enquanto uma extensão da natureza (MONEO, 2007, p. 48). Nesse sentido, faz referência a outro projeto do OMA do mesmo período em questão, a Biblioteca Pública de Seattle, concluída em 2004 [3.32]. Por ser contemporânea da Casa da Música e estabelecer relações semelhantes do ponto de vista de ligação com o sítio, a compreensão da proposta da biblioteca é fundamental. O lote destinado à implantação do edifício está inserido em um quarteirão no centro de Seattle e abrange em seu entorno imediato hotéis, centros empresariais, edifícios comerciais e institucionais alocados em arranha-céus modernos. Os diversos usos e um sistema de transporte eficaz colaboram para tornar a “área intensamente urbana” (VERAS, 2015, p. 168). O entorno construído oferecerá um ponto de partida relevante, ao mesmo tempo em que a preocupação constante com os fortes abalos sísmicos comuns na cidade terá papel substancial na concepção do projeto.

3.31: Detalhes da praça de topografia artificial. Fotos: Rafaela Souza, 2013.


Se na Casa da Música a “geografia de uma cidade barroca” (MAGNO, 2007, p. 3) orienta a estratégia da superfície ondulante, a conjuntura da topografia acidentada de Seattle é absorvida pela volumetria escultórica da biblioteca (VERAS, 2015, p. 172). Diferentemente dos projetos da década de 1980 realizados pelo escritório – alguns contemplados por este estudo –, a Casa da Música e a Biblioteca de Seattle parecem estabelecer outro momento de trabalho do OMA, agora disposto a contemplar de forma mais evidente as particularidades do sítio (ALMEIDA, 2012, p. 188). Embora os dois projetos se conectem por esse ponto de vista em comum, é importante lembrar que a proposta de Seattle não resultou de um concurso 68 , e o processo projetivo foi conduzido desde o princípio para a concepção da biblioteca. A Casa da Música, por sua vez, surge de uma encomenda anterior, direcionada a outro programa, o que inflige considerações diferentes no que diz respeito ao diálogo mencionado anteriormente.

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68 Segundo Adriana Veras (2015, p. 166), a proposta da Biblioteca Pública de Seattle foi conduzida da seguinte forma: “Joshua Ramus, membro do OMA e natural de Seattle, informou-se sobre o projeto e se antecipou, participando de reuniões públicas e realizando pesquisas.”

O sólido do Porto se parece bastante com o que seria construído em Roterdã, ampliado radicalmente em escala. A notável arbitrariedade procura ser compensada, em algum nível, pelo tratamento exterior em concreto branco, referência ao domínio cromático dos edifícios portugueses [3.33]. A textura do concreto é rugosa e também remete, não por acaso, ao gosto português. Ao recusar uma amostra do teste de concreto que já havia sido aprovada pelo OMA, o grupo de arquitetos locais do projeto – o atelier ANC – buscou um efeito mais refinado para a utilização do material (WIGLEY, 2008, p. 283)

3.32: Fachada principal da Biblioteca Pública de Seattle, OMA, 1999-2004. As relações de contexto físico-cultural são absorvidas pelo edifício.

3.33: O tratamento exterior em concreto branco aproxima a Casa da Música das referências portuguesas.


Uma possível leitura é a de que o sólido vai se moldando ao sítio por meio de algumas sutilezas que buscam disciplinar a autonomia forçada da volumetria. Isso parece motivar parte importante da crítica a se posicionar com empatia em relação à Casa da Música. Uma das análises criteriosas da implantação do edifício, por exemplo, é conduzida pelo estudo de Tyler Survant, que enxerga proporções típicas das arquiteturas grega e romana na decisão formal de Koolhaas (SURVANT, 2008 apud ALMEIDA, 2012, p. 204) [3.33 e 3.34].

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Por outro lado, Rafael Moneo destaca a condição genérica do prisma multifacetado, capaz de assumir em sua “abstrata disponibilidade” [...] diferentes usos e de reforçar um sentido de indiferença formal frente aos princípios de continuidade entre forma e função – como a polêmica adaptação do projeto demonstrou. Ainda assim, o arquiteto espanhol acredita que a contundência do poliedro se apresenta como catalizadora de uma experiência de “aparição da arquitetura” (MONEO, 2007, op. cit. pp. 50 e 61, respectivamente). Diante das considerações observadas, a arquitetura gerada por Koolhaas parece ser “responsavelmente autônoma” do ponto de vista das articulações com o sítio. É o que pode ser constatado também por meio do reconhecimento da volumetria em relação aos alinhamentos viários nas faces voltadas para a Rotunda [3.35]. Outro ponto de analogia contextual é proposto pelo OMA ainda durante o projeto [3.36], quando uma simulação de ocupação do quarteirão adjacente – compatível com a altura de áreas já consolidadas da Rotunda – coincide com o topo da janela do auditório principal (ALMEIDA, 2012, p. 202).

3.35: Faces da Casa da Música alinhadas com os eixos viários reforçam o sentido de articulação com o sítio. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.

3.34: Estudos de Tyler Survant com ênfase nas relações geométricas da Casa da Música.


Antes de adentrar o edifício e percorrer importantes considerações sobre os espaços do hermético poliedro, é preciso fazer uma síntese da compreensão reforçada pelo fato arquitetônico. A materialidade do edifício impõe uma constatação, de certa forma, ambígua: de um lado, o apelo intencionalmente autônomo da volumetria – cuja forma não tem precedentes na cultura arquitetônica do Porto, por assim dizer – e de outro, a ativação de uma situação urbana promovida pelo dito objeto autônomo. A presença de uma obra referencial serviu, nesse caso, como suporte de ativação territorial (GUATELLI, 2012, p.78), promotora de “novos usos lúdicos e informais normalmente desenquadrados dos espaços públicos tradicionais” (GRANDE, 2005 apud ALMEIDA, 2012, p. 129) [3.37 e 3.38]. A afirmativa é interessante principalmente do ponto de vista do pedestre que se desloca de um percurso de espaços públicos tradicionais em direção à Casa da Música. O centro do Porto se apresenta ao visitante a partir da contemplação de referências espaciais históricas: a Estação de São Bento, a Torre dos Clérigos e o grande eixo monumental estabelecido pela Avenida dos Aliados. A experiência de chegar ao edifício por meio de um passeio público que atravessa áreas tradicionais da cidade permite uma certa confrontação com o modelo de transição que já começa a se inserir a partir da Rua da Boavista [3.39]. É no longo passeio em direção à Rotunda que os primeiros sinais do edifício comunicam a noção de “surpresa urbana” ao visitante.

3.38: A ampla praça de topografia artificial promove a ativação de novos usos lúdicos. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.

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3.36: Estudo do OMA para a implantação da volumetria a partir da simulação de ocupação do quarteirão adjacente (eixo da Rua 5 de Outubro). O topo do auditório principal coincide com o gabarito

3.37: Para Gallo de Almeida (2012, p. 205), a projeção do edifício oferece a possibilidade de abrigo e ponto de encontro. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.


A atenção se eleva à medida que o caráter monumental do fato arquitetônico vai despontando na paisagem. Quando o pedestre chega à Rotunda e visualiza o edifício, a pausa do percurso é convidativa à reflexão: em meio a um passeio longo, permeado por várias referências históricas, o encontro com a superfície ondulante – que abriga um dos edifícios mais midiáticos dos últimos tempos – convoca uma nova experiência.

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O visitante seria apenas um fruidor da midiatização em torno do edifício? A curiosidade se aguça diante da falta de vitalidade da Rotunda – cuja configuração espacial já identifica uma noção de subutilização do lugar [3.40]. O fluxo de carros é quase sempre intenso, o que dificulta o acesso em direção ao edifício. A face do poliedro voltada para a Avenida da Boavista é deslocada em relação ao eixo principal – relacionado ao auditório de maior porte – e reclama uma independência possivelmente coerente com sua condição de acesso principal (ALMEIDA, 2012, p. 203) [3.41].

3.40: Vista do edifício a partir da Rotunda da Boavista. A curiosidade do visitante é reforçada pela falta de vitalidade da Rotunda – mero espaço de passagem. Foto: Rafaela Souza, 2013.

3.39: Percurso que contempla as referências espaciais históricas – Estação de São Bento, Torre dos Clérigos, Avenida dos Aliados – e o eixo da Boavista. O pedestre que se desloca dos espaços públicos tradicionais em direção à Casa da Música é confrontado com o modelo de transição que já pode ser visto a partir da Rua da Boavista, imediatamente anterior à Avenida da Boavista. 3.41: A face voltada para a Avenida da Boavista é deslocada do eixo principal – conformado pelo vazio do maior auditório – em função da deformação do volume. A estratégia projetual, vista no capítulo anterior [2.28], reivindica uma independência possivelmente coerente com a condição de acesso principal do edifício (ALMEIDA, 2012, p. 203).


O acesso ao pedestre pode ser feito de duas formas: a entrada em direção ao restaurante, situada no piso térreo; e a entrada em direção ao hall, situada no primeiro pavimento. Para esta última, o visitante precisa subir um lance de escadas contínuo, que aparece com um certo caráter cerimonial (ALMEIDA, 2012, p. 203). O acesso ao poliedro, principalmente pela via da escada, reforça a expectativa do visitante em fruir o objeto imediatamente desconhecido que está à sua frente [3.42 e 3.43].

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A sensação de “coisa estranhamente domiciliar” (GUATELLI, 2012, p. 81) é pertinente diante do fato arquitetônico. A primeira referência à arquitetura contemporânea da cidade é trazida por meio do concreto branco da fachada e, em parte, pela textura do material, que projeta duas malhas na superfície do sólido: (...) uma malha, mais proeminente, resultante da derrama do concreto, estabelece uma sutil estratificação da

escala

adjacentes,

horizontal dos

não

pavimentos

enquanto

uma

muito

distinta

dos

edifícios

segunda

malha

diagonal parece envolver todo o edifício de modo a acentuar sua condição de objeto.” (ALMEIDA, 2012, p. 203, destaques nossos).

3.42: Esquemas de acesso ao pedestre. No piso térreo, o acesso se dá em direção ao restaurante, em vermelho. No primeiro pavimento, o acesso se dá em direção ao hall.

3.43: Vista dos acessos ao pedestre. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.


A textura do concreto lembra, ainda que de forma banal, o gosto português pela exploração dos materiais, suas rugosidades e expressões. À entrada do edifício, mais uma prova do caráter desconcertante da geometria do poliedro: de um vão de entrada ligeiramente esculpido no volume de concreto até as escadas que partem do hall e vão iniciar uma verdadeira promenade architecturale [3.44 e 3.45], a sensação é de que o ângulo reto “parece proibido” (GUATELLI, 2012, p. 82)

3.44: Vão ligeiramente esculpido no volume para marcar o acesso principal da Casa da Música. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.

3.45: Escadaria que parte do hall do edifício. Foto: Rafaela Souza, 2013.

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3.3.2 Interior: Arranjo espacial programático De imediato, o átrio de entrada expõe um imponente pilar inclinado, e à exceção da loja da Fundação Casa da Música e da bilheteria – ponto de concentração de visitantes –, o espaço do hall apenas aguça a curiosidade do descortinamento espacial que será possível a partir do movimento pelas escadarias [3.46 e 3.47]. O olhar dirigido aos lances de escadas já insinua que a fruição do edifício não se dará de forma apreensível. Do hall, a observação de algumas fendas nos níveis superiores mantém a impressão de uma “espacialidade grotesca” (GUATELLI, 2012, p. 83) [3.48]. A expressão cunhada por Guatelli pretende relacionar a experiência da Casa da Música à sensação de estar em uma “grotta, ou gruta, caverna.” (2012, p. 82). O engenho estrutural reforça a condição de estranhamento. Como forma de acomodar as deformações do sólido, os espaços interiores apresentam diversos suportes oblíquos, situação que evidencia, segundo Moneo, “a falta de pudor para conseguir construir aquilo que se pretende” (MONEO, 2007, p. 60). Koolhaas desestabiliza as noções de arquitetura, principalmente no que diz respeito à cultura arquitetônica portuguesa, marcada por uma espécie de “liberdade equilibrada” (MILHEIRO, 2014). A permanente delicadeza veiculada pela imagem da arquitetura produzida em Portugal se distancia de opções mais arriscadas – e, talvez por isso, a Casa da Música tenha ficado como obra única no cenário português, como sugere Milheiro (2014). O passeio ascendente conduz o visitante a verdadeiras irrupções, vazios que são lançados de uma maneira repentina aos olhos do observador [3.49]. Os vazios, antes tratados do ponto de vista conceitual no processo de projeto, são os espaços de permanência do edifício, salas destinadas à fruição coletiva. O legítimo momento em que a Casa se abre para a cidade é testemunhado a partir dos foyers – áreas imediatamente anexas ao auditório principal. Por exigências acústicas, o vidro ondulado é responsável por intermediar a experiência do observador, seja no momento em que o olhar se direciona para o interior do grande auditório, seja no momento em que a vista se detém na paisagem do Porto [3.50 e 3.51].

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3.46: Átrio de acesso. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.

3.47: Vista da loja da Fundação Casa da Música e da bilheteria a partir do hall. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.

3.48: “Fendas” no interior do edifício observadas a partir do hall. Foto: João Gallo de Almeida, 2010.


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3.49: Esquemas de Gallo de Almeida para as estratégias de circulação do edifício. Por meio de um itinerário contínuo, os vazios são conectados aos espaços residuais.

3.50 e 3.51: Em meio a um passeio contínuo repleto de irrupções, o foyer estabelece o legítimo momento em que a Casa se abre para a cidade. Do foyer, o visitante pode contemplar também o espaço do auditório.


As grandes aberturas presentes no hermético poliedro pretendem exaltar o caráter público da instituição, segundo o próprio Koolhaas (EL CROQUIS, 2007). No entanto, a utilização do vidro especial ondulado nas extremidades do auditório evidencia limites de visibilidade do edifício. A cidade mantém contato com os acontecimentos da Casa da Música, mas não com o teor de aproximação desejado ainda no projeto. Se na Casa Y2K a grande sala de reunião familiar cumpriria a função efetivamente pública do programa e destacaria a relação com a paisagem, na Casa da Música o auditório apresenta certos entraves no que diz respeito à comunicação visual entre o visitante e a paisagem da cidade [3.52]. A fixação de Koolhaas na manutenção do partido comprova, portanto, algumas limitações do fato arquitetônico (ALMEIDA, 2012). Outro ponto bastante questionado do auditório projetado pelo OMA é a disposição do público. Para Moneo (2007, p. 48), o auditório surge de uma negação da noção de espaço, visto que a disposição rígida da caixa retangular dificulta a experiência compartilhada. Apesar de Koolhaas exaltar os motivos acústicos da sala de concertos, a configuração “em bloco” da plateia forma fileiras extensas e acentua o distanciamento das poltronas localizadas mais ao fundo em relação ao palco (ALMEIDA, 2012, p. 210).

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3.52: O emprego do vidro ondulado nas extremidades do auditório prejudica a comunicação com o exterior. Foto: Rafaela Souza, 2013.

À leitura de Moneo e Almeida, soma-se a impressão da estratégia de “compensação” já mencionada. Para um auditório rígido, aberturas laterais são dispostas com a intenção de ampliar a permeabilidade dos espaços. Dos demais vazios destinados à fruição coletiva que gravitam ao redor da sala principal em diferentes níveis é possível ter acesso visual ao auditório – ponto-chave da articulação entre as salas de menor porte e o espaço mais importante do edifício [3.53]. Essa observação, no entanto, gera mais controvérsias do ponto de vista da apropriação pelo público. As aberturas laterais do auditório podem ocasionar um certo nível de distração não condizente com a fruição dos concertos, visto que há circulação de visitantes nas salas adjacentes a todo momento (ALMEIDA, 2012, p. 210). É verdade que a congestão programática tão característica do OMA pode gerar um certo desconforto, principalmente na utilização de um espaço tão nobre.

3.53: Vista de uma das aberturas laterais dispostas ao redor do auditório. Foto: Isabela Barboza, 2013.


Para articular tantas salas em uma volumetria disforme, o arquiteto lança mão de diversos equipamentos de circulação. Além das escadarias principais que induzem uma circulação perimetral ao redor do auditório principal, a Casa da Música apresenta uma série de bifurcações, a partir das quais novas percepções do espaço vão sendo descobertas pelo visitante. Escadas rolantes, longos corredores e plataformas conectam os espaços arranjados de forma labiríntica no poliedro [3.54 e 3.55].

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Cabe falar, aqui, sobre o arranjo espacial do edifício. Tendo o vazio do auditório como a estratégia projetual dominante – que estabelece o centro da composição tanto em planta quanto em corte [...] – o agenciamento programático é totalmente submetido ao partido [3.56], assim como na Casa Y2K [ver imagem 2.31]. À exceção do subsolo, térreo e primeiro pavimento – cujos espaços são destinados, em sua maioria, às especificidades técnicas de uma casa de concertos –, os demais níveis estão distribuídos conforme a altura e a disposição do auditório, oferecendo o suporte necessário para a realização das atividades coletivas [ver imagem 3.64]. A verticalização do programa evoca estratégias anteriores do OMA, a exemplo da Biblioteca de Jussieu, mencionada no capítulo anterior. Dessa forma, o interior do edifício é totalmente concebido como uma promenade architecturale (ALMEIDA, 2012, op. cit. p. 214) [3.57].

3.56: Planta baixa do quinto pavimento da Casa da Música. O arranjo espacial é totalmente submetido à estratégia dos vazios principais. Esquema de João Gallo de Almeida.

3.54 e 3.55: O arranjo programático pouco convencional do edifício gera espaços confusos, fragmentados, que serão articulados por diversos equipamentos de circulação. A estratégia reforça um certo sentido de desorientação espacial. Fotos: João Gallo de Almeida, 2010.


Os espaços contíguos à Sala Suggia, nos diferentes níveis, mantém um convite ao percurso. Ao invés da origem-destino habitual de uma casa de concertos, a experiência na Casa da Música é essencialmente a de perder-se durante o percurso, por meio das constantes travessias (GUATELLI, 2012, p. 85). A ideia de continuidade dos espaços é amplificada pelas aberturas interiores e exteriores, fazendo com que as salas menores se abram para o auditório principal e para a paisagem do Porto [3.58]. Para Guatelli, a diversidade de miradas rompe com o espaço “estático e ensimesmado” (2012, p. 86) que caracteriza as tipologias tradicionais de salas de concertos.

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3.57: Corte esquemático da Casa da Música: 1) O vazio do auditório como centro da composição; 2) Escadarias principais e a estratégia de verticalização do programa.

3.58: A diversidade de miradas do edifício. Sala 2 (auditório de menor porte) e Sala Renascença.


O visitante é constantemente estimulado a explorar o edifício, seja por meio das bifurcações que determinam uma rede complexa de deslocamentos, seja a partir do tratamento policromático dado aos interiores que se acomodam ao redor da sala principal [3.59]. Enquanto os espaços de circulação são caracterizados por uma neutralidade que remete à condição global do sólido – piso em alumínio naval e paredes de concreto branco –, os ambientes de fruição coletiva se apresentam como verdadeiros espaços sinestésicos, cujos revestimentos acentuam o caráter próprio desses espaços e ratificam o argumento estrutural do sólido escavado (WIGLEY, 2008, p. 209) [3.59 e 3.60].

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A utilização dos materiais para os revestimentos internos é um dos grandes motivos de apreciação da Casa da Música. Depois de um longo período de investigação, o escritório conseguiu extrair dessa possibilidade um maior refinamento do edifício. Ao resolver um espaço neutro por meio de camadas decorativas, Koolhaas consegue enriquecer a experiência nuclear do edifício – intento demonstrado desde o processo projetivo. As múltiplas condições sensoriais evocadas pela diversidade de revestimentos assinalam uma “experiência urbana interiorizada” (ALMEIDA, 2012, p. 214). O fascínio de Koolhaas pela congestão da metrópole se mantém vivo e acentua a imprevisibilidade de situações dentro do edifício. Dessa forma, a suavidade interior é contraposta à dureza do objeto koolhaasiano (WIGLEY, 2008, p. 201), de forma a garantir uma atmosfera própria à experiência de estar no edifício. A Sala VIP e o terraço localizado na cobertura [3.61 e 3.62], ambos em azulejos, asseguram uma importante referência à cidade do Porto, mas não escondem a natureza de Koolhaas: na Sala VIP, por exemplo, o azulejo é utilizado indiscriminadamente, revestindo até mesmo o teto. Longe de se encaixar no perfil português, Koolhaas maneja até mesmo os espaços interiores como superfícies autônomas (MONEO, 2007, p. 57).

3.59: A percepção do sólido escavado a partir da retirada dos vazios principais

3.60: Ateliê de Cibermúsica, um dos principais espaços de fruição coletiva.


Não só a partir do uso peculiar do material é que se dá a autonomia de cada espaço principal, mas também pela caracterização do revestimento em conformidade com a função, o que garante sentido à multiplicidade interior [...]. É o caso da Sala Suggia, espaço mais importante da Casa da Música, em que o padrão de folha de ouro confere uma respeitada noção de nobreza (ALMEIDA, 2012, op. cit. p. 218) [3.63].

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A diversidade de revestimentos, no entanto, intensifica um certo viés de descontentamento por parte da crítica portuguesa. Nessa perspectiva, o arquiteto e crítico portuense Jorge Figueira comenta o fato arquitetônico projetado por Koolhaas: Na Casa da Música cabem muitas salas diferentes escondidas pelo mesmo casaco excessivo, extralarge [relativo ao aspecto global do edifício]. Salas especiais com

azulejos

renascentistas,

painéis

de

azulejaria,

prismas de esponja, borrachas, acolchoados, mosaicos axadrezados, folhas de ouro. O casaco oversized camufla a técnica pop que permite a “reconstituição” do clima local, a partir de materiais e ícones populares, como nos McDonalds. (FIGUEIRA, 2015, p. 81, destaques nossos)

Notadamente, a crítica estrangeira manifesta um senso de tolerância maior em relação às estratégias de Koolhaas. O posicionamento de Figueira, por sua vez, é contundente com a bagagem de autonomização cultural portuguesa (MILHEIRO, 2014), marca principal de uma cultura que preserva certo grau de intocabilidade. A denúncia do portuense começa por ressaltar a incompatibilidade do edifício no que diz respeito à escala e soa mais agressiva quando compara a estratégia de ornamento dos interiores conduzida pelo OMA às investidas dos McDonalds – banais, descompromissadas, impregnadas do aspecto comercial.

3.63: Padrão de folha de ouro a revestir o interior da Sala Suggia. Foto: Rafaela Souza, 2013.

3.61: Sala VIP, espaço destinado aos concertos especiais da Casa. Os azulejos pintados à mão reproduzem cenas rurais, tipicamente portuguesas. O arquiteto opta por utilizá-los indiscriminadamente, reforçando o caráter autônomo dos espaços.

3.62: Terraço da Casa da Música. Foto: Isabela Barboza, 2013.


Se a função da crítica é a de tensionar o discurso, como bem avaliou Ana Vaz Milheiro (2014), a compreensão pormenorizada do fato arquitetônico se encontra no limiar estabelecido pelos vários discursos analisados. O edifício projetado por Koolhaas é a materialização das relações complexas explicitadas por cada ponto de vista em destaque neste capítulo: austeridade exterior e opulência interior; ruptura do tecido urbano e, ao mesmo tempo, certa coerência com as intenções monumentalistas do entorno; estrangeiro e, em certa medida domiciliar, simultaneamente; fragmentado, mas também singular. A condição ambígua da Casa da Música reforça a urgência de novas questões no pensamento e na prática da arquitetura – e não apenas ratifica uma iconografia do construído. Aqui, a metáfora de Mark Wigley (2008, p. 288) sentencia: a Casa da Música é uma pergunta na qual se pode entrar.

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3. 64: Material de João Gallo de Almeida para a distribuição do programa da Casa da Música.


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3.65: Cortes

Corte Leste-Oeste.

Corte Norte-Sul


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Elevação Leste 3.66: Elevações

Elevação Norte

Elevação Oeste

Elevação Sul


CONSIDERAÇÕES FINAIS “O que acontece quando as pessoas falam sobre arquitetura?” A pergunta de Forty, lançada no início deste trabalho, certamente evoca significados mais profundos do que aqueles que podem ser sugeridos à primeira vista. É capaz, até mesmo, de provocar certo estranhamento, visto que a ótica do desenho costuma atrair a atenção das principais reflexões disciplinares no campo da arquitetura. O presente trabalho se insere no contexto da discussão levantada por Forty e pretende interrogar a importância do discurso nos processos arquitetônicos, normalmente associados ao trabalho mental de invenção criativa dos arquitetos. A partir da análise de uma obra que suscita problematizações diversas, a questão da importância do discurso foi tratada sob diferentes pontos de vista ou, mais precisamente, sob a ótica das etapas que compõem a produção de uma obra referencial: ideia/encomenda, discurso/processo de projeto e fato arquitetônico. Diferentemente da alcunha de Charles Jencks 1 para os edifícios de forte apelo imagético – os chamados edifícios icônicos –, optou-se, aqui, pelo termo “referencial”. A Casa da Música, conforme indicado no final do terceiro capítulo, não ratifica apenas uma iconografia do construído, mas desperta, sobretudo, uma inquietação crítica capaz de promover novas emergências no cenário contemporâneo. Em grande parte, a Casa da Música segue seu próprio curso, para além de ter surgido de uma espécie de aproximação ao Efeito Bilbao. O que favorece essa condição é, sem dúvida, o destaque dado ao discurso, nos seus mais variados suportes. O projeto do OMA apresentado ao júri do Porto procura aparecer como uma fabulosa história arquitetônica, capaz de desafiar verdadeiras assunções presentes na disciplina. Seja pela presença dos fortes raciocínios conceituais no então projeto da Casa Y2K, seja pela argumentação a favor da transposição do partido para a Casa da Música, as mediações de Rem Koolhas procuram sugerir uma acentuada carga crítica de suas propostas, na expectativa de legitimá-las dessa forma. Para entender as motivações dessa postura, foi necessário adentrar o capital acumulado de experiências do arquiteto. Ao sair da “esfera de influência da arquitetura moderna” (FIGUEIRA, 2015, p. 79), vista em projetos como a Casa

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69 De acordo com o livro de Charles Jencks intitulado Iconic Building – The Power of Enigma (2005)


Villa Dall’Ava e a Maison à Bordeaux, Koolhaas recorre mais fortemente à tentativa de viabilizar suas ideias por meio de um conjunto de formas que exaltam a comunicação do seu discurso e fogem aos modelos de representação tradicional da arquitetura, a exemplo da apresentação no Porto, vista com atenção no segundo capítulo. Nesse ponto, a clareza argumentativa é incorporada com mais veemência à prática arquitetônica de Koolhaas, motivo possível do êxito obtido no concurso. Com essas considerações, é possível avaliar as correspondências existentes entre as três etapas mencionadas acima. Por meio da análise dos discursos justificativos e programáticos do evento Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, tem-se uma ideia do que se esperava da Casa da Música. A encomenda de um projeto inovador, capaz de representar um novo marco para a cidade, convocava um exemplar mais próximo dos intentos do evento: a celebração da identidade europeia e a renovação imagética do Porto. Dessa forma, o desejo cosmopolita dos portuenses se associava perfeitamente ao posicionamento de Koolhaas, naquilo que é compreensível enquanto seu discurso arquitetônico numa perspectiva mais ampla – ou seja, suas marcas identitárias, sua gestão de referências, seu domínio nos contextos mais radicais, de vanguarda. Não só a forma de exposição do projeto foi responsável pela celebração da proposta do OMA, convicção que só pode ser percebida a partir da análise do fato arquitetônico. A Casa da Música “vendida” para o concurso do Porto é muito mais brutal do que aquela que viria a emergir a partir do fato arquitetônico – condição que ratifica o interesse do júri por uma opção muito mais arriscada, distante da “bagagem de autonomização cultural” da arquitetura portuguesa (MILHEIRO, 2014). As articulações entre a encomenda da Sociedade Porto 2001, as promessas de Koolhaas e os exercícios críticos suscitados pela materialidade do edifício identificam a importância do discurso na produção e compreensão de uma obra referencial, tentando responder à pergunta colocada na introdução: por qual motivo se fala tanto de uma obra? Se a Casa da Música é uma pergunta na qual se pode entrar, como afirmou Mark Wigley (2008, p. 288), é possível que as relações estabelecidas anteriormente, vistas sob a ótica do discurso, reforcem o caráter interrogativo do edifício e

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provoquem a emergência de novas questões, a exemplo da ineficiência de uma polarização crítica – como foi sugerida por Igor Guatelli (2012, p. 80) ao abordar as razões do “diálogo” na arquitetura. A falta de uma maior apreciação da obra entre os portugueses, no entanto, reverte esse quadro e remete à fala de Ana Vaz Milheiro, quando a arquiteta reflete sobre a significância da arquitetura portuguesa no cenário internacional: “Produzimos discursos para podermos produzir”. O pensamento e o fazer arquitetônico se tornam, portanto, reféns do seu discurso?

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ICONOGRAFIA 1. A ENCOMENDA 1.1: FIGUEIRA, J. A Expo 98 de Lisboa: Projeto e Legado. Arqtexto. Universidade Federal do Rio Grande de Sul, Brasil, v. 16, p. 159, 2012. 1.2 FIGUEIRA, J. A Expo 98 de Lisboa: Projeto e Legado. Arqtexto. Universidade Federal do Rio Grande de Sul, Brasil, v. 16, p. 159, 2012. 1.3 Acervo Rafaela Souza (2013) 1.4 Elaboração da autora 1.5: http://www.archdaily.com/422470/ad-classics-the-guggenheim-museum-bilbaofrank-gehry 1.6: http://www.archdaily.com.br/br/tag/guggenheim-museum-bilbao 1.7: http://www.afaconsult.com/portfolio/106711/92/ponte-pedonal-sobre-o-rio-douro 1.8: http://www.conhecer.pt/media/upload/images/porto/torre_dos_clerigos.jpg 1.9: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=257919 1.10: http://www.rvapc.com/works/277-casa-da-musica 2. O PROCESSO DE PROJETO 2.1: http://oma.eu/publications/delirious-new-york 2.2: KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante. São Paulo: Cosac & Naify, 2008 a. p. 181 2.3: KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante. São Paulo: Cosac & Naify, 2008 a. p. 182 2.4: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 155. 2.5: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 155. 2.6, 2.7 e 2.8: http://www.archdaily.com/448320/ad-classics-villa-dall-ava-oma 2.9 e 2.10: http://oma.eu/projects/maison-a-bordeaux 2.11: http://www.archdaily.com/104724/ad-classics-maison-bordeaux-oma 2.12: https://simplesarquitetura.wordpress.com/2013/11/20/maison-bordeaux/ 2.13: http://oma.eu/projects/maison-a-bordeaux 2.14 e 2.15: http://oma.eu/projects/tres-grande-bibliotheque 2.16: http://oma.eu/projects/jussieu-two-libraries 2.17: http://www.archdaily.com/11651/seattle-central-library-oma-lmn 2.18: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 262. 2.19: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 156. 2.20: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 157. 2.21: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 2.22, 2.23 e 2.24: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto:

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Fundação Casa da Música, 2008. p. 264. 2.25: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 2.26: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 265. 2.27: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 270. 2.28: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 271. 2.29: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 268. 2.30: http://oma.eu/projects/casa-da-musica 2.31: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 162. 2.32: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 252. 2.33: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 253. 2.34: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 187. 2.35: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 256. 2.36: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 198. 2.37: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 257. 2.38: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3. O FATO ARQUITETÔNICO 3.1: https://www.youtube.com/watch?v=YdFbfR-Q6dI 3.2: https://www.youtube.com/watch?v=YdFbfR-Q6dI 3.3: http://www.vegasolaz.com/arquitectura-portuguesa/img_1296/ 3.4: http://fernandocerqueirabarros.blogspot.com.br/2011/07/pavilhao-de-tenis-daquinta-da.html 3.5: http://www.archdaily.com.br/br/01-20953/classicos-da-arquitetura-casa-de-cha-boanova-alvaro-siza 3.6: http://www.archdaily.com.br/br/01-49523/classicos-da-arquitetura-quinta-damalagueira-alvaro-siza 3.7: El Croquis. Madrid, n. 68/69, 2010. 3.8, 3.9 e 3.10: http://alvarosizavieira.com/1964-galician-museum-of-art 3.11 e 3.12: http://www.archdaily.com/103106/casa-das-historias-paula-rego-eduardosouto-de-moura

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3.13 e 3.14: http://www.archdaily.com/143195/braga-municipal-stadium-eduardo-soutode-moura 3.15 e 3.16:GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.17: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.18 e 3.19: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.20: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.21: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.22: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.23: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.24: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.25: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.26: ALMEIDA, J. F. G. Edifícios Icônicos e Lugares Urbanos. 2012. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p. 198. 3.27: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.28 e 3.29: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.30: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.31: Acervo Rafaela Souza, 2013. 3.32: http://www.archdaily.com/11651/seattle-central-library-oma-lmn 3.33: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.34: ALMEIDA, J. F. G. Edifícios Icônicos e Lugares Urbanos. 2012. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p. 204. 3.35: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.36: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3:37 e 3:38: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3:39: Elaboração da autora 3.40: Acervo Rafaela Souza, 2013. 3.41: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. 3.42: Elaboração da autora 3.43: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.44: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.45: Acervo Rafaela Souza, 2013. 3.46: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.47: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.48: Acervo João Gallo de Almeida, 2010.

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3.49: Acervo João Gallo de Almeida. 3.50: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.51: Acervo Isabela Barboza, 2013. 3.52: Acervo Rafaela Souza, 2013. 3.53: Acervo Isabela Barboza, 2013. 3.54 e 3.55: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.56: Acervo João Gallo de Almeida, 2010. 3.57: Elaboração da autora 3.58: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.59: GUEDES, Guta Moura; TAVARES, André. Casa da Música/Porto. Porto: Fundação Casa da Música, 2008. p. 209. 3.60: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.61: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.62: Acervo Isabela Barboza, 2013. 3.63: Acervo Rafaela Souza, 2013. 3.64: ALMEIDA, J. F. G. Edifícios Icônicos e Lugares Urbanos. 2012. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). Faculdade de Arquitetura – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. p. 223-224. 3.65: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007. 3.66: El Croquis. Madrid, n. 134/135, 2007.

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