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PROVA FINAL PARA L1CENCIATURA EM ARQUITECTURA
ANO LECTIVO 2003/2004
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MARTA SOFIA CAMPOS OLIVEIRA
F.A.U.P. AGOSTO 2004
Marta Sofia Campos Oliveira
Reflexões sobre o Urbanismo Actual: o testemunho de um Urbanista Espanhol Análise dos casos de estudo integrados no plano de estágio curricular.
Prova Final Para Licenciamento em Arquitectura Orientador: Arquitecto Nuno Portas
“En tanto tutor o supervisor de la “estagiária” Marta Sofia Campos, me atrevo a asegurar que su paso por nuestro atelier, durante los últimos meses, desde Septiembre del 2003, ha sido una experiencia plenamente satisfactoria para ambas partes. Lo que evidentemente sí puedo afirmar en primer lugar es que, desde su condición de estagiária, Marta Campos ha contribuido de forma notable en los proyectos a los que ha sido asignada y en los que ha tenido la ocasión de participar durante el periodo de permanencia en Madrid.” “Marta ha tenido ocasión de conocer, con su interés y consiguiente tensión, lo que es trabajar intensamente y bajo la presión de los siempre apretados plazos de entrega de los sucesivos proyectos.” “Los proyectos, de diferente carácter y escala, así como en distintos lugares del mundo, en los que hemos estado trabajando en estos meses, le ha permitido entrar en contacto con una gama de gran diversidad programática y de escalas. Entiendo que puede resultar altamente formativa en el supuesto de un estudiante que muestre su interés por la novedad y ante el reto de la innovación.” “Será sin duda una buena profesional de la arquitectura. Lamento no contar con la posibilidad, reservada a sus profesores académicos, de poder puntuar a la estagiária. En términos españoles, la calificación que yo le otorgaría en su “curso” en Madrid sería de sobresaliente.” Arquitecto Eduardo Leira, Carta de apreciação do plano de estágio curricular
Estágio realizado no período de Setembro de 2003 a Fevereiro 2004 sob a responsabilidade do Arquitecto Eduardo Leira – Madrid, Espanha.
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I
AGRADECIMENTOS
Para a concretização deste trabalho agradeço ao Arquitecto Eduardo Leira por toda a aprendizagem que me facultou, assim como a dedicação e disponibilidade concedida. À equipa da I3 Consultores, sobretudo à Arquitecta Susana Jelen e ao Arquitecto Luís Calvo pelo fornecimento do mais diverso material. Aos meus pais, família e Nuno Guimarães pelo apoio incondicional. Ao Francisco Javier e outros futuros companheiros de profissão de várias áreas do conhecimento por toda a cooperação. A todos estes agradeço com muito apreço e em especial ao professor Nuno Portas, orientador deste trabalho.
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II
ÍNDICE
Índice de Imagens
V
Índice de Abreviaturas
XI
Nota Introdutória
1
Objecto, Objectivo, Método Capítulo 1 – Contextualização Teórica
5
1.1– Instrumentos de definição e controle da cidade 1.1.1– Planos
9
1.1.2– Projectos urbanos
15
1.1.3– Os exemplos
23
- Plano Geral de Madrid de 1985 - Vila Olímpica de Barcelona 1.2– Instrumentos Intermédios/Duas realidades legislativas – Portugal/Espanha
31
1.3– Instrumentos de gestão urbanística - Sistemas de actuação
35
Capítulo 2 – Análise de Casos de Estudo
43
2.1– Plano de Urbanização do Alto do Lumiar, Lisboa
45
2.1.1– Identificação da problemática
47
2.1.2– Condicionantes do plano
48
2.1.3– Objectivos e estratégias do plano
50
- Extensão da cidade central - Urbanização em malha reticular - Alargamento da cidade central com integração de usos - Outros objectivos 2.1.4– Caracterização da proposta
57
- Organização do conjunto - Esquema radial de avenidas - Concepção geral da rede viária - Três zonas principais - Sistema de espaços verdes 2.1.5– Propostas desenvolvidas na prática de estágio curricular
67
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III
- Porta sul - Parque de mercadorias
2.2– Projecto de Loteamento, Póvoa de Varzim
73
2.2.1– Identificação da problemática
75
2.2.2– Objectivos e estratégias do projecto
81
– Área central/Área residencial singular 2.2.3– Caracterização da proposta
83
- Organização do conjunto - Permeabilidade/acessibilidade automóvel - Parque subterrâneo/acesso ao estacionamento privado - Circulação e espaços pedonais - Loteamento e usos/caracterização urbanística - Sistema de espaços verdes
2.3– Plano Conceptual de Haikou, China
95
2.3.1– Contextualização teórica
97
2.3.2– Identificação da problemática
99
- Principal problemática - Outras problemáticas 2.3.3– Objectivos e estratégias do plano
111
- Operações estratégicas - Acções estruturantes Capítulo 3 – Conclusão
137
3.1– Considerações Finais
139
Fontes Bibliográficas
Anexos Conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004
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IV
ÍNDICE DE IMAGENS
Fig. Nº 1 - Esquemas dualismo Plano/Projecto, El planeamiento urbano como proceso de regulacion variable, p.108/109.
Fig. Nº 2 - Fotomontagem do projecto da casa da Musica, do arquitecto Rem koolhaas, retirada de fontes de Internet, 28 de Julho de 2004
Fig. Nº 3 - Fotomontagem da proposta do Plano Territorial Parcial de Bilbao Metropolitano, El espacio público/ciudad y ciudadanía, p.216
Fig. Nº 4 - Plano Pormenor das Antas do Arquitecto Manuel Salgado, retirado de fontes de Internet, 8 de Agosto de 2004
Fig. Nº 5 - Cartaz de candidatura aos Jogos Olímpicos de Madrid 2012, retirado de fontes de Internet, 8 de Agosto de 2004 Fig. Nº 6 – Plano Geral de Avilés do Arquitecto Eduardo Leira em colaboração com CETA, retirado de fontes de Internet, 8 de Agosto de 2004.
Fig. Nº 7 - Plano Director Geral de Madrid de 1985, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.48.
Fig. Nº 8 - Atocha, operação de transporte e recuperação de um grande espaço público central, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.123.
Fig. Nº 9 - Parque linear de Manzanares, espinha verde da cidade, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.123.
Fig. Nº 10 - Proposta do ensanche a Este para terminar a cidade e transformar em periferia, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.124.
Fig. Nº 11 - Distribuidor e novo acesso ao Sul da cidade, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.126.
Fig. Nº 12 - Avenida urbana reestruturada Noroeste e terminar a M-30, 10 anos de planeamiento urbanístico en Espana 1979/1989, p.126.
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V
Fig. Nº 13 -Ronda de Dalt, inserida nos Projectos de requalificação para os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992, Barcelona Olímpica 1992/La ciudad renovada 1986, p. 70.
Fig. Nº 14 -Rambla Prim, inserida nos Projectos de requalificação para os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992, Barcelona Olímpica 1992/La ciudad renovada 1986, p. 64 Fig. Nº 15 – Esquema de planos do sistema de planeamento português antes do Decreto-lei nº 380/99, Ternos Passeios – um manual para melhor entendimento e fruição dos espaços públicos, p. 80. Fig. Nº 16 – Elementos constituintes do Plano, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 17 – Proposta antecedente ao Plano, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 18 – Esboço de Ressano Garcia, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 19 – Prolongamento do eixo histórico de Lisboa, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 20 – Fotomontagem da Planta Geral do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 21 – Planta da proposta estratégica, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 22 – Perspectiva da Avenida do eixo central, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 23 – Axonometria parcial da proposta do Alto do Lumiar, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 24 – Planta geral de Equipamentos Públicos, cedida pelo estúdio da I3 Consultores.
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VI
Fig. Nº 25 – Planta Geral do Sistema de Espaços Verdes, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 26 – 3D, da proposta Porta Sul, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 27 – 3D, da proposta Porta Sul, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 28 – Esquema da Planta de proposta de implantação da rotunda Porta Sul, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 29 – Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 30 – Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 31 – Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 32 – Fotomontagem da proposta do Projecto de Loteamento, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 33 – Planta de Loteamentos, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 34 – Fotomontagem aérea desta intervenção na Póvoa de Varzim, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 35 – Esquema de circulação viária, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 36 – 3D, vista da Alameda, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 37 – 3D, vista do edifício de escritórios, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 38 – 3D, vista da Praça Central, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 39 – Planta do Sistema de Espaços Verdes, cedida pelo estúdio da I3 Consultores.
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Fig. Nº 40 – Corte pela Praça Central, perpendicular à rua Gomes Amorim, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 41 – Fotografia da maqueta, vista aérea, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 42 – Fotografia da maqueta, eixo da Alameda, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 43 – Fotografia da maqueta, vista da rua Gomes Amorim, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 44 – Fotografia da maqueta, vista sobre a Praça Central, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 45 – Mapa de localização de Haikou, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 46 – Fotografia actual, passeio marítimo de Haikou Wan, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 47 – Fotografia actual, Avenida Changdi, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 48 – Fotografia actual, vista para a Península, mais precisamente para o local de implantação do China Exhibition Center, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 49 – Fotografia actual, Ponte New Century, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 50 – Fotografia actual, vista sobre o extremo Este da Ilha Haidian, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 51 – Fotografia actual, fachada do centro histórico, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 52 – Fotografia actual, fachada do centro histórico, cedida pelo estúdio da I3 Consultores.
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Fig. Nº 53 – Planta geral do Plano Conceptual de Haikou, China, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 54 – Esquema da localização das Operações Estratégicas, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 55 – China Exhibition Center, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 56 – Esquiços da proposta do China Exhibition Center, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 57 – 3D, vista aérea da proposta do China Exhibition Center, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 58 – 3D, vista da entrada do China Exhibition Center, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 59 – 3D, vista da marginal da Peninsula, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 60 – Haikou Wan e a proposta da torre Farol, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 61 – 3D da proposta do edifício-torre Farol, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 62 – 3D da Praça de Água, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 63 – 3D da Cidade de Água, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 64 – Cidade de Água, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 65 – Novo Porto de Haikou, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 66 – Pontes pedonais, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 67 – Linha do Metro Ligeiro, cedida pelo estúdio da I3 Consultores.
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IX
Fig. Nº 68 – Fotomontagem, vista do parque ecológico asiático, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 69 – Fotomontagem, vista do parque ecológico asiático, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 70 – Fotomontagem do golfe de Haidian, cedida pelo estúdio da I3 Consultores. Fig. Nº 71 – Esquema das Acções Estruturantes, cedida pelo estúdio da I3 Consultores.
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X
ÍNDICE DE ABREVIATURAS
C.M.L.
Câmara Municipal de Lisboa
C.R.I.L.
Circular regional interna de Lisboa
E.N.
Estrada nacional
P.D.M.
Plano Director Municipal
P.P.
Plano de Pormenor
P.U.
Plano de Urbanização
S.G.A.L.
Sociedade de Gestão do Alto do Lumiar
Z.E.E.
Zonas económicas especiais
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XI
NOTA INTRODUTÓRIA Objecto
A cidade tal como a conhecemos é o resultado de uma infinidade de transformações e processos humanos que lhe vão atribuindo características próprias e particulares. Pensar na cidade actual, é pensar no global, na influência que o homem produz na sua dinâmica, nos efeitos do tempo, na compreensão do espaço. A sua organização não é actualmente o resultado de uma relação Espaço/Habitante, mas contempla sim as diversas variáveis a considerar na valorização e preservação da paisagem, na gestão dos usos dos solos, na dinamização de mais-valias e respeito pelo espaço público e privado. Encontramos então uma multiplicidade de realidades e factores, que necessariamente pensados e regidos, constituem o esqueleto institucional do que hoje se constata como concretização física de cidade. Esta prova insere-se fundamentalmente no campo do urbanismo, abordando questões de ordenamento territorial, compreendendo algumas das especificidades criadas pela acção urbanística, atendendo a factores de ordem temporal e espacial, observando condicionantes e catalizadores da prática urbanística, delimitados aqui pelas temáticas e experiências presentes na minha prática curricular.
Objectivo
No seguimento da minha formação académica em arquitectura, desde as aulas de urbanística até à frequência de um ano dedicado à temática do urbanismo, em paralelo com a confrontação da realidade na prática curricular, desenvolveu-se em mim a curiosidade de incrementar o conhecimento e competências sobre as questões que definem e se desenvolvem no seio do urbanismo e consequentemente no planeamento urbano. Na reflexão sobre este percurso pretende-se obter uma visão mais especializada da problemática do urbanismo em geral, permitindo aceder ao conhecimento de facto, à experiência e execução no campo de trabalho, aos procedimentos utilizados e às dificuldades a ultrapassar. Recorre-se para o efeito à experiência de Eduardo Leira, reconhecido urbanista espanhol e orientador do meu estágio curricular. O Trabalho de investigação aqui desenvolvido visa proceder a uma leitura transversal de sistemas de planeamento urbano, representando a realidade existente, estudando outras experiências urbanísticas, como ponto de referência,
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1
reflectindo-se no conceito de um sistema de urbanidade que, senão perfeito, pretende dar uma melhor resposta às contrariedades com que se depara a cidade actual. Pretende-se
também
compreender
procedimentos,
necessidades
e
intervenientes de um Plano, o recurso a Projectos Urbanos como motores de transformação da cidade, diferenciar instrumentos de gestão territorial e entender os sistemas de actuação como elementos que salvaguardam a execução do Plano. Por último, através da análise de projectos, nos quais colaborei no seu desenvolvimento, durante o meu estágio, reconhece-se através de três casos de estudo, de três realidades diferentes, três formas distintas de urbanizar.
Método
De forma a atingir o objectivo desta reflexão efectuou-se uma entrevista ao Arquitecto Eduardo Leira, na qual se pretendeu que este exprimisse opiniões, preocupações, e parte do seu conhecimento sobre as temáticas abordadas. Para a concepção desta entrevista procedeu-se, numa primeira fase, a uma pesquisa bibliográfica, de modo a auxiliar na identificação de problemáticas do Urbanismo actual, e posteriormente na fundamentação de algumas das questões inseridas na estrutura da entrevista. Na concepção do método de investigação cruza-se a interpretação da entrevista com factos e dados bibliográficos e a análise de casos de estudo, tal como se pode verificar nos capítulos seguidamente descritos.
Capitulo 1 Nesta primeira fase do trabalho pretende-se expor uma contextualização temática abordando generalidades urbanísticas, contemplando factos históricos e compreendendo as diferentes realidades existentes. Os textos encontram-se estruturados segundo uma lógica dedutiva e de forma a expor a diferente legislação existente, a par de opiniões de diferentes arquitectos. Esta lógica contém no referente à realidade dos Instrumentos de definição e controle da cidade uma análise inicial à temática dos Planos, posteriormente procedese à análise dos Projectos Urbanos, recorrendo por vezes a leituras de semelhanças, diferenças ou complementaridades. Na fase seguinte particulariza-se o campo de investigação, centrando-se nas problemáticas referentes a Planos Intermédios, entendendo estes como elementos articuladores entre Planos de carácter normativo e Projectos de carácter operativo.
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2
Finaliza-se este capítulo com uma leitura e compreensão de outra das fases do planeamento urbanístico, a qual se nomeia de Execução. Identificam-se e explicitamse os métodos, que garantem a execução dos Planos, previstos na lei. Todas
as
abordagens
fundamentam-se,
para
além
da
investigação
bibliográfica, numa conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, director da equipa que efectuou o Plano Geral de Ordenação Urbana de Madrid em 1985, a par de trabalhos em diferentes países e culturas.
Capitulo 2 Neste capítulo procede-se à análise de três casos de estudo, integrados no plano de estágio curricular, pondo em prática conceitos anteriormente desenvolvidos. A selecção dos casos supracitados fundamenta-se numa lógica de:
Diversidade tipológica – projecto de loteamento, plano de urbanização, plano conceptual ou estratégico;
Diversidade espacial – Póvoa de Varzim / Lisboa (comparação do processo) / Haikou, China (contraste do processo);
Diversidade temporal – antes do decreto-lei nº 380/99, o PU Alto do Lumiar em Lisboa, depois do mesmo decreto-lei, o Projecto de Loteamento na Póvoa de Varzim, sendo o terceiro caso de estudo um plano, o qual pude acompanhar desde a fase inicial até à fase actual, correspondente a um processo de resultado não determinado.
Apesar desta intenção de diversidade na escolha dos casos de estudo, adopto um processo de análise similar, de forma a obter uma leitura clara da amostra e alcançar uma conclusão o mais objectiva possível. O Processo de análise aqui desenvolvido inicia-se com a identificação e caracterização das problemáticas. Seguidamente apresentam-se os objectivos e estratégias referentes a cada caso de estudo, incluindo ainda no caso do Projecto de Loteamento da Póvoa de Varzim e do P.U. do Alto do Lumiar uma caracterização da proposta. Esta caracterização demonstrou-se pertinente visto o primeiro se encontrar na fase de conclusão e o segundo no inicio do processo de construção.
Capitulo 3 Por último, pretende-se efectuar uma reflexão das observações e ideias expostas ao longo de todo o trabalho, descodificando assim um urbanismo no qual é necessário compreender para intervir.
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Anexos Complementando os apontamentos de opinião inseridos ao longo desta reflexão urbanística, apresenta-se a totalidade da conversa efectuada com o Arquitecto Eduardo Leira, de forma a possibilitar uma leitura integral da mesma. As perguntas organizam-se segundo diferentes temáticas desenvolvendo assim uma reflexão mais abrangente. Procuro colocar inicialmente questões sobre os trabalhos executados pelo arquitecto, seguidamente interpela-lo sobre as mais valias do sistema de planeamento espanhol e as dificuldades com que se depara ao urbanizar noutros contextos urbanos. À posteriori, interrogo-o sobre questões de ordem arquitectónica que me elucidem na percepção das opções manifestadas nos projectos que eu escolhi como casos de estudo. Para terminar questiono-o sobre diversas problemáticas da actualidade, no âmbito da cidade e do urbanismo.
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CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA
Para compreender a complexa dinâmica da cidade, poder-se-á recorrer, entre outras, a duas áreas do conhecimento, a Arquitectura e o Urbanismo. É então necessário compreender a especificidade do funcionamento da ordenação urbanística. A cidade não pode crescer só por si, tem que ser o resultado de actos conjuntos, devidamente pensados e estruturados, ou seja surge como necessidade proceder a um planeamento dessa evolução, reconhecendo, defeitos e virtudes daí resultantes. Ao abordar a natureza e os problemas do planeamento actual não se pode evitar uma referência ao marco legislativo, pois é este que proporciona os instrumentos concretos e delimita as capacidades de acção para operar na cidade. Segundo o Arquitecto Eduardo Leira um dos princípios antitéticos da Legislação Urbanística encontra-se na análise dos seguintes critérios jurídicos “Tudo o que não é expressamente permitido, está proibido“1 e “Tudo o que não é proibido está permitido“2. No primeiro critério, o qual se verifica na generalidade das Legislações Urbanísticas, apresenta-se uma visão conservadora do Urbanismo, onde todos os procedimentos devem ser conformes à lei, não possibilitando um conceito de criação ou adaptação a uma diferente realidade, por vezes pontual, concedendo a esta legislação um carácter de rigidez processual. O critério oposto prevê que se possa conceber algo que não se encontre contemplado na legislação, ou seja, perante uma nova situação existe a possibilidade de adaptação, ou mesmo a criação de uma nova lei, concedendo então à legislação uma capacidade de flexibilização. Para que tal se verifique é necessário dotar os planos, ou os processos que os permitem alterar, de uma certa flexibilidade. Paralelamente surgem novas abordagens, fundamentadas em eventos de relevo para a cidade, que se estabelecem como motores de arranque, enfrentando as barreiras de transformação da cidade, nos quais se recorre a Projectos Urbanos, prévios ou criados especialmente para o efeito, a partir dos quais se pode construir uma nova estrutura de cidade. Surgem porém algumas questões nesta dualidade, quais os limites da actuação do Plano e do Projecto Urbano, a partir de que momento se sobrepõem? Deveriam os Projectos Urbanos ter a capacidade de poder renovar um Plano, ou deveriam novos planos já preverem os Projectos Urbanos?
Para responder a tais questões torna-se pertinente a compreensão da organização em que se hierarquiza o sistema de planeamento, os seus conteúdos, os objectivos e as formas de actuação. Deve-se também proceder a um reconhecimento 1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem.
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de uma realidade que nos é fronteiriça, tentando assim compreender, entre outras questões, os seus métodos de actuação e as respostas aplicadas a situações análogas às que deparamos no nosso país. Deste modo encontramos diferentes tipos de Planos, com distintos graus de pormenor estando estes directamente relacionados com a área do respectivo campo de acção, necessitando porém de mecanismos que apliquem a execução dos planos, denominados Sistemas de Actuação. Estes mecanismos de execução dos planos, pretendem ser o garante de um equilíbrio imprescindível na distribuição de benefícios e encargos provenientes do plano, evitando ainda situações de corrupção e favoritismo. Surge também como foco de interesse, identificar possíveis influências entre Portugal e Espanha, e as vantagens que a partilha destes conhecimentos poderá conceder ao desenvolvimento urbanístico de cada país em particular.
Reflexões sobre o Urbanismo actual: o testemunho de um Urbanista Espanhol |
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1.1– Instrumentos de Definição e Controle da Cidade
1.1.1– Planos
Definindo inicialmente o instrumento Plano, segundo as normas urbanísticas, este apresenta-se como “o resultado do processo de planeamento e gestão sempre que são explicitadas intenções e regras relativas a medidas e acções que os poderes públicos decidem adoptar para a resolução e prevenção de problemas, os quais definem o âmbito do plano. Deve incluir um conjunto de intenções e de medidas de carácter geral e específico cobrindo as questões do desenvolvimento urbano, do seu controle e estímulo, bem como contendo as alternativas de gestão.“1 O conceito de plano atribuído ao domínio do urbanismo e ordenamento do território compreende-se também por um resultado que tem origem numa decisão politica e desenvolve-se através de um processo administrativo. Esta decisão tem por principio preocupações relativas à generalidade do território, como também a um núcleo urbano, podendo este conter uma ou mais parcelas. A entidade Plano resulta de uma visão pluridisciplinar, abrangendo áreas tão diversas como o Urbanismo, a Arquitectura, as Engenharias, o Direito, a Economia, a Sociologia, a História entre outras. Desta forma poder-se-á fundamentar o projecto de uma organização espacial sob uma realidade física, social, económica e jurídica. Convertendo-se, através de uma decisão politica final, os parâmetros tais como medidas, orientações, controle e gestão do desenvolvimento urbano, em normas promulgadas pelo órgão da administração pública que detenha tal competência. Os planos de ordenação tornaram-se, na generalidade das cidades, num instrumento imprescindível, criando a aparência da existência efectiva de actuações de controlo. Na maioria das vezes, o plano resume-se a delimitar o terreno onde se poderá edificar, em simultâneo com a definição de usos e dimensão do que é possível construir nas zonas edificadas. O arquitecto Eduardo Leira chega mesmo a reforçar esta ideia afirmando que ”(…) os planos fazem-se porque têm que se fazer, não creio que sirvam para algo. (…) hoje só faço planos quando são imprescindíveis, porque constituem o passo anterior e o instrumento para a concepção de projectos, ou porque uma vez efectuado o projecto, só se pode aborda-lo mediante a prévia tramitação habilitadora de um plano.“2 Isto surge exemplificado na recente adjudicação, ao seu gabinete, da concepção do plano de Avilés, o qual só foi aceite na expectativa de poder conceber o projecto da ria. Uma das particularidades a que este plano responde 1 2
Normas Urbanísticas In 5, vol. I, p. 219. Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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é a tentativa de obter um plano selectivo, contrariando a ideia de plano enciclopédico, de resposta acumulativa a problemas não solucionados. Não é que o Plano se apresente sem utilidade, acontece porém é que este se vê como insuficiente para atender às novas realidades. Ao Plano não se pode permitir a actuação directa como projecto de execução, ou de desenho do espaço público, sendo necessário recorrer a instrumentos intermédios. Estes últimos devem possibilitar esta articulação, estudando organizações e elementos de um âmbito mais reduzido, particularizadas pelas suas características específicas. As legislações urbanísticas, Portuguesa e Espanhola, contemplam a existência dos instrumentos supracitados, dos quais são exemplo o Plano Parcial, o Plano Especial, o Plano de Pormenor e o Plano de Urbanização, embora alguns estejam conotados com a generalização quantitativa dos Planos Directores. Oriol afirma que “nenhum devia ter o carácter de plano, mas sim de projecto preciso e formalizado, ao qual fora necessário juntar a individualidade de cada arquitecto e cada operador, condicionadas pelo próprio projecto.”1. É um facto conhecido que cada vez mais a redacção de um Plano consiste em seguir a lei, cumprir os seus princípios, criando assim estereótipos. Existe uma sistematização dos planos, facto este que actualmente implica uma preocupação de não homogeneização dos planos, pois estes devem atender às especificidades e lugares que afectam e não a uma regra ou lei universal. O Plano sofre muitas vezes de uma vertente burocrática, perdendo alguns dos traços técnicos e direccionando-se então para uma actividade ordenadora, contrária aos princípios de síntese e integração, convertendo-se num somatório de aproximações sectoriais, maioritariamente unidimensionais. No decorrer dos anos o planeamento espanhol tem vindo a enveredar por uma evolução mais burocrática e legislativa, estabelecendo muitas vezes relações entre advogados e especuladores. O processo adoptado pelas regiões autónomas baseiase muitas vezes numa implementação de leis, perdendo-se deste modo a ideia de projecto, em detrimento de um excesso de regulamentação e de uma, cada vez maior e mais prejudicial, compartimentação exaustiva. Começam-se a abordar, através de uma visão sectorial, cada uma das infra-estruturas, implicando que a ordenação urbana não cumpra o seu papel, de integração dos sectores, sendo subjugada às decisões sectoriais. O Arquitecto Eduardo Leira considera “(...) o urbanismo e a ordenação do território um sector em maior competência com os outros.”, mas paralelamente recorda que “as leis sucessivas, cada vez mais complicadas do urbanismo, estão a super-ditar as decisões urbanísticas globais devido a integrarem 1
Oriol Bohigas, Espacio Público - Contra la incontinência urbana, Reconsideración moral de la arquitectura y la ciudad, Barcelona,2004, p. 138
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decisões sectoriais (…)”1. Deste modo para que um plano seja aprovado dever-se-á enviá-lo previamente para os outros sectores, ouvindo as suas considerações e opiniões, as quais serão possivelmente integradas no plano. Perde-se então ao auscultar as considerações provenientes de cada sector, que como unidade autónoma apresentando a sua visão num prisma unidimensional, uma capacidade de proposta e de projecto que se configura como alicerce para conceber um projecto urbano. Augurando a sobrevivência do Plano surgem razões que o podem possibilitar, ao obedecer à reformulação dos seus conteúdos e objectivos. Apontam-se inicialmente temas como, por exemplo, a viabilidade geral e particular, as infraestruturas de toda a conurbação, assim como os grandes serviços metropolitanos, correspondendo a uma escala diferente da dos projectos urbanos, articulando sistemas possuidores de leis distintas e específicas, não obstante as inter-relações que os vinculam. Outra razão a apontar, refere-se à característica dos Projectos Urbanos terem geralmente estabelecida a data limite de construção num lugar concreto, como resultado da adaptação aos requisitos económicos do programa que gere os fundos disponibilizados. Surge-nos então a questão de o que fazer à restante cidade? independentemente de esta se encontrar por definir ou estando já consolidada, mas evoluindo autonomamente, adquirindo deste modo erros resultantes desta indefinição. A cidade deve-se perceber acima de tudo como fruto de importantes decisões politicas, não sendo possível que se mantenha sem sofrer modificações que transcendam o sistema político que a concebeu. Concordando com o referido anteriormente, são desajustados e inúteis os planos que seguindo a legislação tendem a durar vários anos sem adaptação à evolução política. Não descurando que a cidade entende-se desde o ponto de vista dos projectos, abordando cada um deles temas estratégicos, que têm um claro impacto na sua envolvente, é importante realçar que ela também se define através do contributo de grandes sistemas, pois estes possuem uma capacidade de inserção na totalidade da malha urbana. Percebe-se então que o Plano, com o seu imbróglio burocrático, que mais não é do que um instrumento desfasado da realidade, necessita ser substituído por um novo documento de vontade política, que se desenvolva em parceria com Planos
Sectoriais
de
Sistemas
e
critérios
metodológicos
referentes
ao
desenvolvimento e regulação da cidade. Existem autores que acrescentam “(…) que a nova figura deveria ser dotada de grande flexibilidade, possibilitando a sua adaptação às variadas exigências da função
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Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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directiva e coordenadora que é chamada a desempenhar num sistema hierarquizado e concreto de planificação urbanística.”1. Seguindo a óptica do pensamento citado, implicaria, no caso específico de Portugal, ao plano director municipal, a condição de não ultrapassar a fixação das directrizes básicas do ordenamento territorial e da coordenação dos restantes instrumentos de planificação física e económico-social. Com uma intervenção, sobre o território, de forma indirecta, determinaria o modelo territorial, bem como os objectivos inseridos
no
programa,
que
deveriam
ser
alcançados
nos
domínios
do
desenvolvimento económico e social do planeamento territorial e urbano, e do fomento das actividades e das infra-estruturas e equipamentos. Este instrumento poderia então se destacar como uma figura de coordenação fulcral das várias faces do planeamento urbano com carácter operativo. Em detrimento da estrutura por cascata de planos poderia ser viável enveredar por um sistema fundamentado pela variação de graus de determinação/indeterminação,
tentando-se
desta
forma
evitar
as
habituais
contradições, existentes nos PDMs, tais como serem normativos mas regularem demais e de menos, serem estruturantes mas não poderem consagrar as prioridades programáticas, assentarem na previsão mas não apanharem as oportunidades menos previsíveis. Pese embora a flexibilização do perímetro urbano permitida pela variação de graus de determinação/indeterminação, por alguns autores denominada de regulação variável, esta não se limita a regrar este último, alongando-se ainda à forma de regulação do solo urbano e do solo urbanizável. Será então fundamental que, embora nem todos os solos possuam o mesmo grau de indeterminação, se proceda ao ajuste do grau de determinação apropriado, contemplando alcançar a estruturação urbana em áreas prioritárias para o desenvolvimento Municipal. Segundo o Arquitecto Nuno Portas “um sistema de planeamento eficaz e económico caracteriza-se por poder passar, sem carecer de ilusórios soutiens, do plano ao projecto, porque um plano guia e um projecto executa-se.”2 Poderemos retirar que quanto maior for a estabilidade e previsibilidade do sistema urbano mais elementos do projecto se poderão introduzir no plano, principalmente no que se refere a espaço colectivo ou público, assumindo desta forma o conceito de não rigidez, alicerçado numa inter-relação entre a concepção do plano, o seu desenvolvimento e a execução do projecto.
1
José Osvaldo Gomes, Plano Director Municipal, 1985, p.102. Arquitecto Nuno Portas, Os Planos Directores como instrumentos de regulação, in Sociedade e território nº 22, p. 24. 2
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Pretendendo demonstrar um caso típico de falta de flexibilidade, podemos recorrer à Lei de Costas, existente na legislação espanhola, a qual impede, entre outras coisas, a edificação numa certa proximidade da linha de água. Se por um lado contém ímpetos de construção desregrada e desadaptada à envolvente, por outro lado impediu a correcta dinamização de projectos com pretensões de constituírem um contributo válido na transformação da malha urbana. Exemplificando esta questão o Arquitecto Eduardo Leira afirma que esta lei “(…) já impediu que se fizessem imensas barbaridades, mas também está a impedir que se façam coisas magnificas, pontuais e excepcionais, ao nível da praia da concha, do passeio dos ingleses em Nice, ou de Copacabana. Estava-se então a impedir três passeios marítimos mundialmente conhecidos, de uma beleza inigualável, os quais seriam proibidos pela lei de costas. O que era uma pena.”1 A noção de flexibilidade deveria se encontrar à disposição dos órgãos administrativos,
possibilitando-lhes
as
adaptações
necessárias
às
diferentes
realidades que lhes deparam. Tal facto muitas das vezes não se desenvolve, fruto da desconfiança para com os próprios gestores, os quais vão gradualmente diminuindo não só a flexibilidade física, como toda uma credibilidade jurídica necessária à sua aplicação. Esta dualidade plano/projecto aparece muito mais no âmbito profissional do que na realidade do planeamento, confrontando assim Arquitectos e Urbanistas. O Arquitecto Eduardo Leira crê que esta realidade “(…) divide-se entre os planos burocráticos que só regulam e que se separam da visão projectual, e os planos que tendo essa visão projectual se tornam mais estratégicos ao introduzirem directamente projectos.”; “Claramente agora um plano sem projectos começa a não interessar, penso que cada vez mais os planos perdem força se só representam um instrumento de regulação, um pouco discriminados.”2
1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem.
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Fig. NÂş 1 - Esquemas dualismo Plano/Projecto
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1.1.2– Projectos Urbanos Citando Oriol Bohigas para definir projecto urbano poder-se-á apontar que “o projecto urbano não é nem um plano urbanístico nem um projecto arquitectónico. É um projecto que define a forma e o conteúdo de um fragmento de cidade desde o espaço público à arquitectura, em termos suficientemente precisos para que a partir de ele se possa iniciar uma sucessão de projectos até à sua execução. Nele define-se o espaço público, determinam-se as características funcionais e simbólicas e especificam-se as formas essenciais com a devida flexibilidade normativa para que outros técnicos possam desenvolve-las definitivamente. O projecto urbano impõe uma predisposição morfológica e funcional decisiva, mas, ao mesmo tempo, deixa uma porta aberta aos projectos sucessivos e sobrepostos. É um projecto metade arquitectónico e metade urbanístico, um instrumento muito realista, com vontade e possibilidade de realização imediata, contém em si mesmo o sistema para a sua gestão definitiva.“1 Compreendendo as cidades como elementos não homogéneos e cuja percepção do seu todo não é facilmente legível, torna-se necessário tentar percebe-las segundo um somatório de núcleos de identidade, organizados numa malha retalhada, onde por vezes as unidades se opõem, mantendo porém uma certa coerência que permite uma actuação projectual. O projecto urbano deve resumir-se a uma unidade de cidade homogénea e claramente definida, a partir da qual se deve agrafar o mosaico urbano, concebendo elementos de ligação, que actuam em função de uma escala metropolitana. O Projecto Urbano permite desenvolver uma análise e controle da cidade, do particular para o geral, contrariando assim o processo previsto na grande maioria das legislações urbanísticas, pois estas actuam fundamentadas numa abordagem dedutiva. Convencionou-se por vezes que o plano contém todas as soluções, permitindo logo uma definição de cada sector da cidade. Este processo e a ideia em si implícita pode ainda se alongar se considerarmos uma organização na qual do Plano Nacional se chega ao Plano Regional e que deste último se define o Plano de cidade, constituindo paralelamente uma sucessão de erros acumulados, pois no que concerne à prática, parte-se do particular para o geral. Um Projecto Urbano contém em si mesmo, na sua especificidade, no seu método, a intenção de uma execução temporalmente programada, a par do agrupar de variáveis necessárias à estrutura da sua gestão. Relaciona-se o que é projectável, directamente com o tempo de execução previsto ou disponível. Entenda-se então que 1
Oriol Bohigas, Espacio Público - Contra la incontinência urbana, Reconsideración moral de la arquitectura y la ciudad, Barcelona 2004. p. 138, 139.
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uma mudança de condições estratégicas ou temporais ditam geralmente a caducidade do projecto, contrariamente ao que se passa no exemplo dos planos, cuja duração transcende a da problemática alvo, surgindo não amiúde a degradação de sectores urbanos como resultado de planos insensíveis ou irrealizáveis. Eduardo Leira reforça esta ideia afirmando que na actualidade uma característica fundamental dos Projectos Urbanos é que exista uma data fixa conhecida. Exemplifica tal facto com a alusão ao recente sucesso do Euro 2004, onde a partir de uma designada data estabeleceram-se metas finais de execução dos elementos a construir. Segundo o mesmo “Isso gera vontades entre organismos, dinheiros, permitindo fazer horas extras, dinheiros extras, coisas que a própria necessidade muitas vezes não consegue. É mais importante uma data fixa que uma necessidade de economia, porque a data fixa move montanhas. Estes pretextos têm essa grande força (...)“1 No entanto há que considerar que se concebem muitas coisas unicamente pela força dos pretextos quando no fim estas perdem sentido e banalizam-se. A exemplo desta temática surge-nos a diferença entre os jogos olímpicos de Barcelona e a Expo de Sevilha. No que se refere a Barcelona existiu sempre uma preocupação de alcançar continuidade de usos após o próprio evento, contrariamente em Sevilha tal facto não foi considerado, levando a uma tardia recuperação do investimento efectuado. Num caso que nos é mais familiar, a Expo 98 de Lisboa, tentou-se evitar a repetição dos erros cometidos em Sevilha, mas tal objectivo não foi totalmente contemplado. Recorde-se então a proposta que na altura pensava proceder à relocalização de alguns ministérios e departamentos governamentais, a qual não foi conseguida. A dimensão do Projecto Urbano e as imposições temporais inerentes possibilitam obter a colaboração dos cidadãos. Ao delimitar o seu âmbito, o Projecto Urbano simplifica-se e expondo-se atinge a compreensão do cidadão comum, nomeadamente daqueles que directamente afecta. Analisando esta temática o Arquitecto Eduardo Leira recorre ao exemplo de Madrid, apontando como actual lacuna do seu desenvolvimento urbanístico a falta de “transmissão e debate público dos grandes projectos a executar“.2 Este considera existirem projectos com grandes potencialidades, tais como a candidatura de Madrid 2012 à organização dos Jogos Olímpicos, assim como o projecto de grande envergadura, no campo das infraestruturas, respeitante à transformação da M-30 num túnel, os quais “(…) estão a ser planeados sem nenhum debate e sem discussão. Inclusivamente quando têm alguma 1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem.
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figura internacional integrada mais parece que esta vem cobrir a insuficiência de debate, tentando então que todo o mundo se cale, em vez de implementar a discussão (…)”1. Denote-se ainda, que fazer o túnel não é o que mais se destaca, mas sim a atribuição de usos e funções à cobertura do mesmo. Edifica-se? Criam-se espaços verdes? Estas sim, a par de outras que abrangem o mesmo âmbito, são as questões relevantes a considerar neste projecto e que deverão constituir o principal foco de debate. Outra “essência dos Projectos Urbanos bem concebidos é a sua capacidade transformadora e a sua capacidade de projecto multiplicador“2. Embora a ideia inicial visasse um processo de dinamização, quer estratégica, quer funcional, não surge maioritariamente previsto nas opções tomadas para a escolha da localização correcta do projecto a executar. Envereda-se, muitas das vezes, por localizações seguras, aproveitando terrenos disponíveis, por vezes até camarários, perdendo-se a ideia de uma estratégia global em detrimento de um certo facilitismo, ou seja, não arriscando demasiado e perdendo por vezes possíveis efeitos estruturais. O Arquitecto Eduardo Leira sugere como demonstração deste facto uma abordagem ao exemplo da Casa da Música, a qual com a sua localização pouco atrevida, surgindo num centro da cidade que vive por si só, muito dificilmente poderá ser o elemento transformador ou multiplicador que em outra localização lhe poderia estar implícito. Acrescenta ainda que ele a faria “(…) em frente ao mar, no meio da ribeira, na água, interagindo mais com o Porto do futuro”, embora admitindo não conhecer profundamente a cidade do Porto, arrisca a proposta de uma localização onde se encontra actualmente “(…) o edifício transparente do projecto de Sola Moráles, servindo de instrumento que ancoraria a atracção de pessoas”, reforça ainda que “se a Casa de Música estivesse neste ponto, aberto ao mar, seria seguramente um elemento de focalização com o qual a cidade ganharia ainda mais.”3 Outro exemplo por ele apontado encontra-se na cidade de Bilbao, na qual o projecto do museu Guggenheim surge como uma tentativa de dinamizar a cidade. O Arquitecto Eduardo Leira defende, visto ter concebido uma proposta de âmbito territorial para Bilbao a qual lhe concede um profundo conhecimento das problemáticas urbanas desta cidade, que se poderia ter ido muito mais longe na intervenção estrutural projectando algo que se relacionasse muito mais com a cidade alargada.
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem. 3 Idem. 2
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Quando nos referimos a intervenções estruturais os processos tornam-se muito mais complicados, pois implicam uma inter-relação entre diversos entidades, logo “(...) É muito mais fácil restringir-se a um lote ou a um só edifício (...) não é tanto a questão do star system, ou de que o arquitecto tenda a fazer o seu projecto singular em Bilbao, isolado do mundo, e com isso pensar que modifica a cidade.”1, este problema relaciona-se mais “(...) com a facilidade de gestão, já que deste modo só há que projectar num lote em concreto, não obrigando esta a considerar toda uma relação e responsabilidade estrutural de um projecto destas características.”2 Hoje em dia um dos conceitos mais atractivos e inovadores é a Sinergia. Sendo um conceito recente, a sinergia, apresenta-se como um dos elementos em moda nos diversos campos de acção. Este conceito contempla o estabelecer de relações que pretendem obter da interacção das partes um resultado superior ao mero somatório das mesmas como entidades independentes. Ao pensarmos na cidade verificamos que, mais do que recorrer a interacções, opta-se pela repetição de elementos não se repercutindo os efeitos desejados. Surge então como necessário, para obtenção de um efeito realmente dinamizador, uma actuação que contemple agrupar e relacionar todos os elementos disponíveis, criando, por exemplo, interacções entre infraestrutura, edifício e espaço público. Tal facto enfrenta, actualmente, alguma resistência devido a uma visão de carácter unidimensional dos sectores envolvidos e a uma estrutura administrativa amplamente compartimentada. Apontando um bom procedimento poder-se-á citar como exemplo o Plano Pormenor das Antas. Existe aqui, resultante de necessidades orçamentais, um tratamento de grande projecto. Refere-se este então, a um estádio de futebol, como um elemento urbano que engloba toda uma urbanização circundante, na qual surgem entre outros, a relação com um dos sistemas de mobilidade da cidade, nomeadamente na questão do metro, a requalificação urbana através da criação de uma alameda como um novo eixo viário da cidade, assim como o previsto centro comercial. Esta transformação de um solo residual numa pequena nova centralidade plurifuncional, responde a uma das preocupações actuais do Arquitecto Eduardo Leira de ser “cada vez mais necessário e difícil conseguir integrar diferentes usos e funções.“3. Para que este objectivo seja alcançado é necessário romper com uma das ideias básicas da cidade tradicional, o Zoning, entendendo-se este como a ideia de cidade organizada em bairros concêntricos, circundando um bairro central de negócios, ou seja, de carácter
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Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem. 3 Idem. 2
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direccional. Propõe-se então como método a enveredar a Zonificação, abolindo uma visão de cidade desde o fragmento. Surge-nos então, a exemplo disso, o caso das Astúrias, no qual as três cidades, Gijon, Avilés e Oviedo, deveriam optar por uma conurbação de centros, aplicando-se o conceito de equipamentos cruzados, introduzido no Plano Geral de Madrid, no qual dois ou três distritos deveriam possuir equipamentos distintos mas que complementassem necessidades gerais, beneficiando com a união de uma maior escala e qualidade, servindo assim os três distritos e gerando relações entre eles. O arquitecto Eduardo Leira defende que a cidade define-se por um sistema de “(…) relações cruzadas, com usos mistos (…)“1 obtendo-se assim inter-relações onde cada centralidade se especializa, reconhecendo-se esta última através da existência de determinado projecto, que opera num âmbito alargado. Maior contribuição advinhase da possibilidade de estes Projectos Urbanos constituírem parte integrante e essencial de um plano, negando a actuação isolada. Na cidade do Porto, por exemplo, poderia ser eventualmente interessante que quatro ou cinco projectos, como a Casa da Música, a intervenção de Sola Morales, a rede de Metro, entre outros, resultassem do próprio Plano Director Municipal ou da sua revisão em curso. Quando o plano não é capaz de gerar projectos cria-se um confronto plano/projecto. Um bom plano é aquele que é muito estruturado, muito operativo, tais como os planos estratégicos geradores de projectos. É essencial neste processo pensar no para quê? onde e como mexer? e principalmente questionarmo-nos em quê? portanto, é necessário sermos muito selectivos nas opções a tomar, elegendo, como parte essencial da estratégia, projectos motores que asseguram o seu desenvolvimento. O plano estratégico fundamenta-se na compreensão de adaptação da gestão urbana às novas realidades que enfrenta. Eduardo Leira quando confrontado com a ideia de voltar a fazer um plano de ordenamento, prontamente respondeu que não estava interessado. Teriam que lhe dar condições para voltar à actividade de planeamento. Ressalvando que se encontra “(…) mais interessado em fazer projectos urbanos e poder executá-los, com essa responsabilidade estrutural que lhes está inerente. Neste momento, tentar ver projectos construídos é o objectivo mais importante”.2
1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem.
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Fig. Nº 2 - Foto montagem do projecto da casa da Musica, do arquitecto Rem koolhaas.
Fig. Nº 3 - Foto montagem da proposta do Plano Territorial Parcial de Bilbao Metropolitano.
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Fig. Nº 4 - Plano Pormenor das Antas, Arquitecto Manuel Salgado.
Fig. Nº 5 - Cartaz de candidatura aos Jogos Olímpicos, Madrid 2012.
Fig. Nº 6 – Plano Geral de Avilés, Arquitecto Eduardo Leira em colaboração com CETA.
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1.1.3 - Os Exemplos
Fig. Nº 7 - Plano Geral de Madrid de 1985.
O Plano Director Geral de Madrid de 1985
Concebido entre 1981 e 1985, o Plano Geral de Madrid, da responsabilidade da Oficina del Plan liderada pelo Arquitecto Eduardo Leira, foi o resultado de uma vontade política de reformar o plano pré-existente, datado de 1965, e de abolir o recurso a actuações urbanísticas isoladas e sem qualquer relação com a restante cidade.
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Este plano passou por um processo evolutivo no qual se distinguiram duas fases, uma inicial, na qual se pretendeu resolver problemas pontuais e independentes e após uma abertura à sociedade, nomeadamente através de um debate político e discussão pública, surgiu a ideia de uma concepção global de cidade traduzida num conceito de um plano mais estrutural. Podendo-se com isto afirmar que “(…) há uma enorme evolução interna do próprio conceito de plano e na versão final atribui-se mais importância a quatro ou cinco operações estratégicas, na medida em que o plano começa a ser (…) um plano muito mais de estrutura, um plano de grandes projectos que condicionam e marcam a estrutura de uma cidade.“1. Estas operações consistiram em projectos urbanos com um grande carácter de motores de transformação da cidade. Atocha é um projecto que se tornou real. Procedendo a uma leitura deste exemplo, poder-se-á considerar que mais não é do que uma obra de infra-estruturas, uma estação, mas, fruto da vontade catalizadora do plano, esta foi concebida como um interface, não se limitando a ser um projecto unidimensional. Mediante a existência de um plano conseguiu-se promover um concurso restrito a arquitectos de renome, de onde saiu vitoriosa a proposta concebida pelo Arquitecto Rafael Moneo. Embora actualmente se associe este projecto única e exclusivamente a este arquitecto, umas das vozes intervenientes no Plano Geral de Madrid ressalva que “(…) o grande êxito é nosso e por isso muitas vezes falamos como se fosse o nosso projecto, porque se não existisse o plano, dificilmente teria sido entregue a uma arquitecto de primeira linha.“2. Outra das grandes operações corresponde à intervenção do Parque Linear de Manzanares. Este projecto não conhece grande continuidade, não só pela sua insuficiente definição, como pelo facto da Câmara não lhe reconhecer o papel de aposta politica relevante, contrariamente à importância que lhe foi atribuída pelo Plano. Curiosamente
este
parque
vem
lhe
ver
atribuído
o
papel
anteriormente
desconsiderado, ao ser incluído nas intervenções a desenvolver no âmbito da candidatura às olimpíadas de Madrid 2012. No que corresponde à operação que contempla a malha que estrutura o Norte/Oeste, constata-se que foi plenamente executada, tornando-se mesmo numa referência ao Plano Geral de Madrid de 1994, no qual surgem vários exemplos deste tipo de processo. Por fim o exemplo da conclusão da M-30, conhecida via de Madrid, surge como um grande desenvolvimento na questão de atribuição de carácter urbano aos diversos projectos infraestruturais. Na óptica do Arquitecto Eduardo Leira “(…) essa foi uma das 1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Idem.
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permanentes do meu trabalho posterior, trabalhar com elementos de infra-estruturas, como parte muito importante dos projectos urbanos, a Porta Sul, a Porta Norte, o Interface de Gaia, a Avenida Longitudinal de Bogotá, o próprio Eixo de Bilbao, são alguns dos exemplos.“1. Poder-se-ão considerar estas operações estratégicas, como elementos que condicionaram o percurso posterior, no qual se concede especial relevância aos projectos urbanos, estabelecendo conceitos implícitos no Plano de Madrid, mas só desenvolvidos em actuações futuras.
Fig. Nº 8 - Atocha, operação de transporte e recuperação de um grande espaço público central.
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Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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Fig. NÂş 9 - Parque linear de Manzanares, espinha verde da cidade.
Fig. NÂş 10 - Proposta do ensanche a Este para terminar a cidade e transformar em periferia.
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Fig. NÂş 11 - Distribuidor e novo acesso ao sul da cidade.
Fig. NÂş 12 - Avenida urbana re-estruturante a N/O e o terminar da M-30.
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Vila Olímpica de Barcelona
A Vila Olímpica de Barcelona configura-se como um exemplo de relevo no estudo metodológico da concepção de projectos urbanos. Esta operação consistiu numa unidade formal e conceptual, desenvolvida por vários arquitectos, apresentando prazos extremamente curtos. Iniciou-se este processo encarando-o com uma definição de projecto arquitectónico, assumindo uma escala de pormenor ao nível do edifício e espaço público, não considerando até ai qualquer limitação ou alteração à posteriori. Estabelecem-se, seguidamente, os elementos unificadores que clarificam o conjunto, tais como sistemas de relações com o tecido urbano adjacente, sistema funcional e viário, que entre outros são variáveis indispensáveis à relação da unidade com o todo. A existência prévia de conceitos para a dinamização da cidade, não correspondendo necessariamente a um qualquer traço legislativo, pretende ser um esboço de um projecto executivo a desenvolver. Na visão do Arquitecto Eduardo Leira o exemplo de Barcelona é muito importante na medida em que já existia um projecto para a cidade, um Projecto Urbano, antes mesmo de se ter conhecimento das Olimpíadas. Estas surgem como um pretexto para levar a cabo uma série de propostas de transformação da malha urbana, dotando assim a cidade de uma visão mais global. Reforça então afirmando que “(…) penso que este é o único caso em que existiu esse projecto prévio. Neste caso, não se fazem coisas para as Olimpíadas, mas sim, usam-se estas como pretexto para conseguir as coisas que se queriam fazer ao nível da transformação da cidade, da frente marítima, das Rondas, de organizar a cidade. Noutros casos, mesmo existindo o pretexto ou o elemento, não existe o projecto prévio.“1. Tornou-se imprescindível criar novos documentos os quais explicitavam, em desenho, cada edifício, contendo os elementos definitivos e a margem possível para futuras alterações, paralelamente elaborava-se um conjunto de textos descriminando dimensões e quantidades, apontando também a classe social a acolher. Este projecto urbano beneficiou então de duas premissas importantes para a sua unidade e correcta evolução, ou seja, destacou-se o programa que tinha que respeitar o curto prazo existente, assim como uma política urbana baseada num conceito de coerência e estabilidade, onde não se denotam alterações nos órgãos de gestão. Uma terceira condição foi apontada pelo Arquitecto Eduardo Leira ao destacar que “(…) toda esta configuração, muito urbana, parece-me ser o único caso em que
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Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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uma câmara conseguiu que os seus próprios projectos de vias urbanas fossem proveitosos. Esta foi a meu ver uma batalha muito importante, servindo de exemplo em muitos projectos posteriores, nos quais tentamos dar carácter urbano a projectos de engenharia.“1. Percebe-se então que ao se manterem, todas as operações urbanísticas, a desenvolver, na equipa de projecto da Câmara, foi possível aproveitar projectos pré-existentes por esta concebidos, contrariando assim o usual recurso a engenheiros de organismos externos à Câmara.
Fig. Nº 13 - Ronda de Dalt, inserida nos Projectos de requalificação para os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992
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Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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Fig. Nº 14 - Rambla Prim, inserida nos Projectos de requalificação para os Jogos Olímpicos de Barcelona 1992.
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1.2 – Instrumentos Intermédios/Duas realidades legislativas – Portugal/Espanha
Aprofundando
a
temática,
já
anteriormente
referida,
que
aborda
os
instrumentos de ordenação urbana, constatamos existirem, tanto na lei portuguesa como na espanhola, instrumentos que articulam e preenchem todo o vazio compreendido na diferença de conteúdos e objectivos existente entre um plano municipal e um projecto de execução. Este género de planos intermédios caracterizase por terem um âmbito territorial mais restrito, servindo desta forma para detalhar e especificar melhor o plano geral. Os instrumentos básicos de ordenação urbana, plano parcial e plano especial de reforma interior, tal como implícito na legislação espanhola, fomentam o plano geral municipal, cada um respeitando o seu âmbito e as suas especificidades. Estes assumem como objecto preferencial a concretização da ordenação do solo, configurando sistemas de espaços livres e espaços parcelados edificáveis num determinado território. Defendem também o princípio dos sistemas de actuação e a fixação de execução por etapas. O Plano Parcial é o instrumento que converte uma ordenação geral, composta por zonas de usos e edificabilidade globais e sistemas gerais, numa ordenação detalhada, na qual esteja perfeitamente determinada a configuração dos espaços públicos e dos espaços parcelados. Esta ordenação, de grau de especificidade equivalente à do solo urbano, é composta por diversos elementos seguidamente nomeados: Espaços Parcelados ou zonas do plano parcial, Sistemas de espaços livres, Equipamentos Públicos e Comunitários, Polígonos e Unidades de Actuação, Redes de Serviços, Valorização económica e Plano de Etapas. Deve-se ressalvar que, quando se trata de áreas de solo urbanizável, o instrumento em causa é o plano parcial, por outro lado, quando as áreas em questão se referem a solo urbano, o instrumento a utilizar é o Plano Especial de Reforma interior, sendo que tal facto não se prevê na legislação portuguesa. Previstos desde a lei de 1975, dentro da tipologia de Planos Especiais, o Plano Especial de Reforma Interior debruça-se sobre a ordenação de um sector urbano. Esta característica semelhante à do Plano Parcial é o motivo pelo qual se incorpora no grupo dos planos de ordenação. Ambos os planos supracitados apresentam semelhanças ao que na legislação portuguesa se denomina de Plano de Pormenor. Constata-se isso, por exemplo, no facto de o Plano Parcial assumir características tanto do Plano de Urbanização como também do Plano de Pormenor. Este
último,
de
grande
minúcia,
destina-se
a
detalhar
mais
pormenorizadamente as parcelas do território por ele abrangidas. Particularizando as
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suas funções poderemos apontar então que este define a tipologia de ocupação, estabelece a concepção do espaço urbano dispondo nomeadamente sobre usos do solo, condições gerais de edificação, entre outros. Nas palavras do Arquitecto Eduardo Leira no “(…) Plano de Pormenor vai-se a um excesso de determinações que o convertem quase num pré-projecto. A prova é que se foge do Plano de Pormenor como se fosse um entrave.“.1 É também uma particularidade deste plano, o facto de a ele recorrerem, em caso de ser necessário procurar uma repartição equitativa das parcelas, sempre que exista mais do que um proprietário. Já no referente a Espanha o processo desenvolve-se separadamente. Parte-se de um Plano Parcial, o qual para ser totalmente executado pode implicar um projecto de Compensação ou de Cooperação e caso nenhum destes se verifique inicia-se a Expropriação. Por último, finaliza-se todo o processo com um Projecto de Urbanização, contrariamente à intenção de compactação do Plano de Pormenor, que muitas vezes torna-se numa figura complexa. O projecto de loteamento envolve simultaneamente uma operação de agrupamentos de terrenos localizados dentro de perímetros urbanos delimitados no plano municipal de ordenamento do território e na sua posterior divisão ajustada, com a adjudicação dos lotes ou parcelas resultantes aos primitivos proprietários. Em Portugal recorre-se frequentemente a este instrumento, não só no caso dos intervenientes serem apenas um ou dois proprietários mas também porque este é aprovado na autarquia por um técnico, avaliando apenas o projecto específico, sem a obrigatoriedade de existir uma preocupação com o desenvolvimento urbano global da cidade. O Arquitecto entrevistado destaca a importância do Plano de Urbanização e do Plano de Pormenor Português como elementos possuidores da capacidade de rectificar o Plano Director Municipal na área em que intervém. Em Espanha o mesmo não se verifica, sendo o Plano Geral o instrumento que assume essas modificações pontuais, em áreas de dimensão desajustada ao carácter destas intervenções. Como exemplo prático desta constatação, o Arquitecto faz referência a um Plano de Urbanização em desenvolvimento, numa área suficientemente grande da cidade de Vila Nova de Gaia. Neste exemplo coincidem variadas ocupações como o metro de superfície, entre outras, justificativos de toda uma transformação da área, mas que neste caso especifico não se traduziram obrigatoriamente numa revisão do P.D.M. visto este já prever áreas de flexibilidade. Apesar de tal possibilidade, geralmente não
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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se recorre às potencialidades deste instrumento, principalmente nos que usufruem do desenho como meio para planear ou que constituam conteúdo para a reestruturação da malha urbana. Verifica-se a utilização de PP´s em detrimento de PU´s, não tendo em conta o potencial, destes últimos, ao nível da gestão e do desenho da cidade. Tal opção apoia-se na falta de informação dos conteúdos e objectivos de cada plano. Outra potencialidade da legislação portuguesa consiste no pedido de informação prévia, definido na lei como “(...) um pedido de informação sobre a viabilidade
de
realizar
determinada
operação
urbanística
e
respectivos
condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infraestruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.”1 O Arquitecto Eduardo Leira do mesmo modo que defende que este instrumento é vantajoso, possibilitando que se projectem coisas novas para a melhoria da cidade, refere que “(…) tende cada vez mais a restringir (…) e a servir de comprovativo para que se cumpram as normativas existentes.“2
Fig Nº 15 - Esquema de planos do sistema de planeamento português antes do Decreto-lei nº 380/99.
1
Regime jurídico da Urbanização e Edificação, o Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, p. 8918, 8919 2 Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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1.3 – Instrumentos de gestão urbanística - Sistemas de actuação
Nos capítulos anteriores procedeu-se a um conjunto de abordagens onde se retrataram questões inerentes ao urbanismo numa visão generalista, à problemática do dualismo Plano/ Projecto Urbano, assim como a todos os outros instrumentos do planeamento, que para se materializarem recorrem necessariamente a distintas regulamentações previstas na lei para executar o plano na área a actuar. A gestão urbanística, observada numa óptica generalista, integra a execução dos instrumentos de planeamento, a par de outras actividades que não se integram no domínio da execução de um plano, nomeadamente ocupação, uso e transformação dos solos. Não sendo estes dois conceitos semelhantes e não descorando do facto de actualmente os planos abrangerem o território nacional, em quase toda a sua totalidade, deve-se salientar a execução dos planos se apresenta como a questão de maior relevo da gestão urbanística. É então pertinente perceber a execução como o desenvolver de processos e operações, em que se verifica a realização das propostas do planeamento, respeitantes a planos urbanísticos e subsequentes programas de realização. Preconizam-se então no plano, duas componentes uma estática e outra dinâmica, sendo que a primeira se demonstra na definição de regulações aplicadas ao ordenamento dos solos e a segunda que se manifesta ao estipular medidas de âmbito operativo. Observando-se o processo de planeamento na sua globalidade poder-se-á possivelmente constatar a existência de uma interligação entre planificação, execução e controlo, sendo que estes se influenciam mutuamente, tornando por vezes difícil estabelecer uma clara individualização destes momentos. O plano antecipa questões de execução recorrendo à definição de fundamentos de gestão do território, ou seja, ao quando e o modo de se concretizar. No processo de elaboração de um plano surgem desigualdades entre os proprietários dos solos as quais se demonstram como inevitáveis para cumprir a função a que se propõe. Perceba-se então que o plano “está bem como está; é na sua execução concreta que terá de se actuar para restabelecer a igualdade (…) que o plano rompeu, redistribuindo (…) tanto os benefícios (…) como os encargos (…) derivados do plano….”.1
1
Tomás Rámon-Fernandéz, Os sistemas de execução dos planos em Espanha dos planos gerais municipais do ordenamento do território em Espanha, A Execução dos Planos Directores Municipais, Coimbra, 1998, p. 65.
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No referente aos sistemas e instrumentos jurídicos de execução dos planos, a legislação urbanística portuguesa demonstrava ter grandes lacunas, as quais se tentaram suprimir com a entrada em vigor da Lei de Bases da Politica de Ordenamento do Território e de Urbanismo, lei nº 48/98, de 11 de Agosto. Pese embora a existência de tais omissões, a gestão urbanística não se deteve, fruto da existência na legislação de alguns instrumentos, uns previstos na Lei dos Solos e outros previstos nos próprios planos urbanísticos que embora viabilizando em certa parte a execução dos planos, não tornaram essa tarefa menos penosa pois não se demonstraram como os mais apropriados. Este documento legal embora não criando sistemas de execução de planos, veio porém determinar a necessidade de implementar tais sistemas. Sistemas estes que foram então legislados através da Lei de Bases aprovada com o Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, definindo para o efeito três sistemas: compensação, cooperação e imposição administrativa. Desenvolvendo-se em unidades de execução estipuladas pela Câmara Municipal, restringindo os limites de modo a contemplar parte dos objectivos nomeadamente a distribuição equitativa de benefícios e encargos pelos proprietários intervenientes,
englobando
unidades
a
estipular
como
espaço
publico
ou
equipamentos previstos no plano. O estado e as restantes entidade públicas assumem-se como promotores e dinamizadores do planeamento urbanístico independentemente da fase em que se encontre, pois a gestão urbanística assume contornos de função pública. É de salientar ainda que a iniciativa privada pode e deve ter um papel a desempenhar, na execução
do
planeamento
urbanístico.
Deve-se
ressalvar
também
que
no
planeamento urbanístico enquanto uns usufruem dos benefícios que dele advêm outros ficam com os encargos. De forma a garantir um equilíbrio nos fins atribuídos às diferentes áreas de actuação, sejam estas infra-estruturais, sistemas espaços verdes ou edificação, é imprescindível que os terrenos em questão sejam alvo do mesmo tipo de análise e actuação. É necessário, então, a criação de um sistema legal viável, com a competência de efectuar uma correcta repartição dos benefícios provenientes do plano, evitando assim situações de corrupção e favoritismo. Torna-se também pertinente o assegurar dos custos e encargos de urbanização, quer pela comunidade quer pelos proprietários em questão, sendo que esta responsabilização deverá ser igualitária. Paralelamente a este facto, respeito pela execução do plano na versão ratificada e a regulação de alterações e modificações ao mesmo, são questões fundamentais para que sejam assegurados os interesses dos intervenientes no processo, podendo não só se limitar
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o conteúdo das alterações como ainda recorrer ao pagamento de uma indemnização adequada à situação. Tal como anteriormente citado, podem surgir situações de influências e eventualmente corrupção que contemplam alterações ao plano, em função de interesses privados e que constituirá prejuízo aos interesses das comunidades abrangidas. Resulta deste facto a necessária criação de medidas que proporcionem normal desenvolvimento do plano e impeça que tais interesses pessoais o transformem num anti-plano. A figura de cooperação conhece na época um papel de relevo no direito do urbanismo, pois a colaboração entre as diferentes entidades públicas e a colaboração que estas empreendem com os particulares são cada vez mais frequentes e intensas. Duas características destacam-se neste sistema: a execução por parte da administração, de uma forma directa ou indirecta, das obras de urbanização e a distribuição, pelos proprietários incluídos, dos proveitos e custos de forma igualitária. Não representando na sua totalidade uma forma de execução dos planos urbanísticos surgem na nossa legislação abordagens superficiais de técnicas ou forma de cooperação
referentes
ao
urbanismo.
Sendo
unicamente
reconhecido
aos
proprietários a possibilidade de exigirem a cedência de informações e à administração a gestão e a execução, assumindo toda a responsabilidade, das operações urbanísticas, não se pode afirmar a existência na prática de uma cooperação entre os intervenientes citados. Contrariamente à organização supracitada, seria necessária uma inversão dos papeis dos intervenientes, de forma a que aos interessados passasse a ser atribuída voz activa na implementação de obras e na realização das construções projectadas. Para efeito deveriam então constituir-se em comissão, com funções executivas, por eles eleita. Desta forma, poder-se-ia conhecer uma nova dinâmica no regime de cooperação. Tal conceito nunca conheceu aplicação efectiva resultado da adopção, a partir de 1975, da medida de expropriação, beneficiando assim soluções colectivas muitas vezes inadequadas ao âmbito da sua aplicação. A opção de enveredar por este tipo de sistema, é o resultado de que devido às unidades de actuação – grande número de proprietários, factores de incerteza, margem limitada de benefícios, entre outros, -os proprietários não tomem a decisão de actuar através da constituição de uma junta de compensação, tal como prevê o sistema de compensação. O sistema de compensação implica que por parte dos proprietários da unidade que representa uma maioria reconhecida por lei da superfície total da unidade de actuação, exista iniciativa, vontade de actuação, constituindo assim a necessária junta de compensação para a execução do plano. Estabelecem-se e criam-se estatutos
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próprios, pela junta de compensação, os quais devem à posteriori serem aprovados pela câmara. Como excepção a esta regra surgem os casos referentes a proprietários únicos com vontade de actuação, em que se mantém, este sistema mas não sendo necessária a constituição de uma junta. A junta de compensação possui plenos poderes de actuação, independentemente da não transmissão à junta das propriedades dos seus membros. Esta não transmissão pode implicar em última instância uma reparcelação, na qual também participam as empresas urbanizadoras incorporadas ou a formalização de cessões dos terrenos, obras e instalações correspondentes, após o qual cada proprietário poderá usufruir da nova parcelação efectuada. Este sistema é sem dúvida favorável às câmaras, pois permite-lhes manter a tutela e o controle do processo urbanístico, sem que para o efeito despendam de mais recursos financeiros. Existem, por último, situações que não possibilitam a actuação do sistema de compensação, tais como: um número excessivo de proprietários, a não existência de elementos de incerteza no processo e um balanço satisfatório de benefícios e cargas. O terceiro sistema de actuação é como anteriormente apontado, o sistema de imposição administrativa, no caso da legislação portuguesa, ou sistema de expropriação na legislação espanhola, que tem como único elemento de actuação a administração. Em Portugal este sistema opera sob um conceito que em termos legislativos ainda não se encontra totalmente desenvolvido e que contempla maioritariamente o interesse público, traduzido em expropriações por motivos de construção de equipamentos, vias, entre outros. Numa abordagem generalista podemos retirar que o decreto-lei nº 380/99 assume a função de revelar questões de base que até então não se encontravam previstas na lei, tais como as matérias relativas à execução dos planos; à perequação de benefícios e encargos; às expropriações dos planos; à avaliação, entre outros. Assim sendo, poder-se-á afirmar que este não se restringe ao reunir e unificar das matérias legais anteriormente dispersas. É também inovação o reconhecimento e a acção reguladora na consideração de interesses públicos e privados fundamentais e previstos nos planos, consideração esta que deverá estar implícita a qualquer planeamento. Muitas das respostas encontradas por este decreto, tais como a aplicação do código de expropriações por motivos urbanísticos, vigoram em função da concepção de diplomas complementares, com fim regulamentar, que à data de hoje ainda não se encontram no activo. O sistema de expropriação espanhol para além de considerar o anteriormente citado, expropria terrenos por motivos urbanísticos que demonstrem ser uma mais
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valia para a cidade, urbanizando-os, procedendo à organização espacial da edificação de forma que se considere mais oportuna, desde que é adjudicada a promotores, até à venda pública. Desta forma, poderá como resultado de toda a operação, a administração obter benefícios ou mais valias, ou por outro lado, suprimir lacunas sociais assumindo operações de menor valia económica. Para execução de elementos de sistemas públicos, ou não formam parte de unidades de actuação ou se formando, devem antecipar-se ao desenvolvimento das mesmas, a expropriação recorre, para efeitos de execução dos anteriores elementos, a actuações isoladas. Na visão do Arquitecto Eduardo Leira a expropriação é um instrumento “(…) importante. Todos eles são mecanismos para tentar facilitar, gerir uma cidade que esta muito fraccionada, na qual o mosaico cadastral torna-a mais complexa. Entenda-se por visão cadastral, cada um no seu terreno, cada um com o seu direito. Há que inventar algo para romper este esquema. Daí a importância da expropriação, não tanto na velha linha da expropriação que todavia se mantêm muito mais em Portugal, com o interesse público compreendido como algo isolado que constrói a estrada, o hospital, atendendo a projectos de interesse publico, mas sim como arma para impedir o veto. Cada vez mais eu penso que na prática, quando se normaliza o sistema de expropriação, não como excepção, não como actuação pontual, apenas como sistema de gestão urbana, é para evitar que algum proprietário possa impedir o que se vá fazer. A expropriação que se estabeleceu com maior naturalidade em Espanha não é algo excepcional, não é um castigo, que se cria para não usar. É uma espécie de ameaça que se faz sobre os proprietários, para que se perceba que se deve chegar a um acordo. A isso sim, estamos condenados, porque se não chegarmos a um acordo vemo-nos nos tribunais. E uma questão fundamental é que quem expropria ocupa logo o terreno desde que deposite a indemnização. Discutimos então a expropriação, eu pago-te o que penso que vale o terreno, e deposito-o na caixa de depósitos, tu se estás de acordo levantas o dinheiro, caso contrário, não o fazes e vamos para tribunais mas entretanto eu já ocupei o terreno. O que ocorre agora na maioria das expropriações em Espanha, sobretudo quando se fazem para grandes zonas que se declaram para expropriação, negoceia-se com os proprietários ou devolve-se-lhes o solo depois de urbanizado ou ainda se eles tiverem dinheiro para tal, é-lhes permitido urbanizar o solo assegurando porém uma parte proporcional para interesse público. É sistema espanhol é muito mais flexível no que respeita à execução. A expropriação é fundamental, pois de outra forma o proprietário privado por si só pode impedir transformações benéficas a toda a comunidade. Normalmente em todos os países há uma lei denominada de expropriação
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forçosa que é indicada para os casos em que por exemplo se expropria para construí uma rua, não tanto por motivos urbanísticos mas mais por motivos de interesse público pontual, e deste modo permaneceu até que surgiram as leis urbanísticas. Consiste em mais um procedimento, tal como o de cooperação e compensação. Define-se legalmente assim, mas sempre tem uma carga de que nos estão a tirar o que é nosso, que é um facto importante. Existe um termo muito bonito na legislação espanhola, que uma vez que se calcula o preço, acrescenta-se-lhe mais 5% aos quais se chama afectación, ou seja, é o afecto que o proprietário ao que lhe pertence.“1 Podemos também observar a desarticulação entre o previsto no decreto-lei nº 380/99, no referente à perequação, e o previsto no código das expropriações, no referente ao cálculo do valor de indemnização. Este último, não leva em conta se, para a determinação da indemnização, resultou a perequação de benefícios e encargos. Neste seguimento, o código em questão indica a avaliação do terreno considerando a possibilidade construtiva prevista no plano, mas não considerando que se existir a indicação de um índice médio de utilização para a área, o valor do solo ao qual se refere a indemnização não deverá depender do zonamento do plano mas sim do respectivo índice médio. Deverá então existir uma interligação entre a perequação e a indemnização, a qual supõe que quando não sejam, prejuízos provocados pelos instrumentos de planeamento, compensados através da acção de mecanismos de perequação, aí sim, deve-se recorrer ao pagamento indemnizatório. Deve-se portanto salientar que “(..) só se pode fazer perequação aquando da execução do plano, sendo apenas aí que as desigualdades decorrentes do plano se fazem notar; e a indemnização só pode ser exigida quando a perequação não tenha funcionado.”.2 O direito à perequação reconhece a todos os proprietários abrangidos pelo plano uma distribuição equitativa dos benefícios e encargos resultantes dos agentes de gestão territorial, relacionados com os particulares. Estes meios devem perspectivar, directa ou indirectamente, processos de perequação os quais obedecem, na sua aplicação, a planos de pormenor ou unidades de actuação, tal como estabelecido no PDM. Este decreto fundamenta-se em cinco princípios de base, ou seja, os seus objectivos, nos quais contemplam segundo o artigo 137º “(...) redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos proprietários; obtenção pelos municípios de meios financeiros adicionais para a realização das infra-estruturas urbanísticas e para o pagamento de indemnização por expropriação; disponibilização de terrenos e edifícios ao município para a implementação, instalação ou renovação 1 2
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004. Fernanda Paula Oliveira, Sistemas e instrumentos de execução dos planos, Coimbra, 2002, p. 23.
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de infra-estruturas, equipamentos e espaços urbanos de utilização colectiva, designadamente zonas verdes, bem como para compensação de particulares nas situações em que tal se revele necessário; estimulo da oferta de terrenos para urbanização e construção, evitando-se a retenção dos solos com fins especulativos; eliminação das pressões e influências dos proprietários ou grupos para orientar as soluções do plano na direcção das suas intenções.” 1 Para levar a efeito este princípio, as autarquias usufruem de mecanismos, tais como, o estabelecimento de um índice médio de utilização, no qual o plano poderá apontar, para cada propriedade ou conjunto de propriedades, a edificabilidade média em conformidade com o previsto na aplicação dos índices e orientação urbanística existente no plano. A execução do direito de construção, é então, subserviente ao licenciamento urbanístico, o qual respeitará os parâmetros presentes no plano. A determinação da edificabilidade média é feita recorrendo a uma fórmula de cálculo que relaciona certas superfícies com a totalidade da área abrangida. Sempre que se verifique que a edificabilidade do terreno em questão seja inferior à média prevista, o proprietário, em caso de urbanização, deverá usufruir de compensação adequada. Esta compensação deve se encontrar estabelecida no regulamento municipal, recorrendo a medidas onde se procede a um desconto nas taxas a suportar pelo proprietário ou então à aquisição pela autarquia, da parte menos edificável do terreno, através de compra ou permuta. No caso contrário, quando a edificabilidade for superior à média prevista no plano, deverá o proprietário, aquando a emissão de alvará, ceder para equipamento, em favor do município, uma área que compreenda
a
parcela
edificável
excedente.
Prevê-se,
no
seguimento
do
anteriormente descrito, a possibilidade de no âmbito do plano se permitir que aos proprietários a que foi concedida a construção superior à edificabilidade média, possam adquirir a proprietários que disponham de direito concreto de construção inferior à média, o excesso que daí decorre. No que concerne ao mecanismo onde se estabelece uma área de cedência média, a qual é estipulada pelo plano, prevê-se que, quando for emitido o alvará, sejam cedidas à autarquia parcelas de terreno com finalidade de criação de infraestruturas e pequenos espaços públicos, os quais devem funcionar em favor do conjunto a edificar. Poderá ainda ser cedida uma área de terreno para zonas verdes urbanas, equipamentos e vias sem construção adjacente, tal como o estabelecido no plano. Quando a cedência efectiva ultrapassar a cedência média estabelecidas, deverá ser atribuído ao proprietário, quando este pretenda construir, uma 1
Regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, o Decreto-lei nº 380/99 de 22 de Setembro, p. 6618
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compensação na forma de desconto de taxas a suportar por este, ou a aquisição pelo município, por compra ou permuta, da parte do terreno excedente. No caso inverso, correspondente a uma área de cedência inferior à cedência média, o proprietário deverá ressarcir a autarquia, em numerário ou espécie, em conformidade com o estabelecido pelo regulamento municipal. Por último, surge o mecanismo relativo à repartição dos custos de urbanização, a qual será estabelecida, de forma isolada ou em conjunto, pelo tipo ou a intensidade de aproveitamento urbanístico determinados pelas disposições do plano e superfície de lote ou da parcela. Poder-se-á através de acordo com os proprietários visados, efectuar o pagamento dos custos de urbanização, recorrendo à cedência, de lotes e parcelas com igual capacidade e valor de edificabilidade. Destaca-se então que são considerados, para o efeito, como custos de urbanização os que se referem às infraestruturas locais e gerais. É imprescindível referir que se deve combinar o recurso ao índice médio com a previsão de área de cedência média, e ainda, que poderão estes três mecanismos de perequação ser combinados ou sequências para actuação, conforme o desejado pelo município. Poder-se-á ainda abordar outra questão na execução dos planos, referente à compensação e perequação conceptual, na qual as propriedades se mantêm numa economia de troca. Esta economia baseia-se então na cedência mútua de parcelas de terreno para que, por exemplo, se construa uma via, de interesse público, procurando distribuir equitativamente os encargos, relativo à cedência de terrenos. Sugere o Arquitecto Eduardo Leira “(...) se se pode alterar o pagamento do custo de infraestruturas, por maiores volumes, porque não o fazer de uma forma aberta, monetarizada.”1
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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CAPÍTULO 2 ANÁLISE DE CASOS DE ESTUDO
P.U. ALTO DO LUMIAR
LISBOA
2.1.1 - Identificação da problemática
A zona do Alto do Lumiar, com uma superfície aproximada de 300 hectares, encontra-se situada a Norte da cidade, contígua ao aeroporto e fora do que se considera o limite do contínuo edificado/consolidado da cidade de Lisboa, a 2ª Circular. Esta área encarava-se como uma periferia, podendo mesmo ser considerada, o que noutros contextos se denominou de uma área de sombra. Defina-se então como uma área relativamente próxima, na imediata periferia rural da cidade, que vai adquirindo uma maior proximidade relativa, na medida em que o crescimento urbano/metropolitano salta a municípios exteriores, transcendendo essas áreas que, em tempos, foram os limites rurais da cidade. Esse crescimento por saltos, com novas construções implantadas em espaços mais afastados do centro, desenvolve posteriormente áreas mais próximas, que se transformam em interiores. Esses limites rurais, apoiados nos caminhos históricos de acesso à cidade, foram em ocasiões desenvolvidos por extensão desta. Saliente-se que quando existem acidentes topográficos ou barreiras formadas por elementos urbanos, tais como grandes infra-estruturas, verifica-se o aparecimento de áreas de sombra, que, historicamente, constituíram a localização preferente da habitação degradada. Lisboa tem sido um caso extremo de construções onde a ocupação dos denominados clandestinos alcançou uma importante entidade e difusão. O Alto do Lumiar representa uma das áreas anteriormente referidas, onde se implementaram construções desta tipologia, envolvendo os núcleos outrora rurais do Lumiar e da Charneca, sobretudo, por ocupação de grandes Quintas. Além disso, o Alto do Lumiar foi utilizado como espaço destinado à construção de alojamentos provisórios camarários, sendo os núcleos da Musgueira Sul e Norte disso exemplo. No referente à acessibilidade, estas zonas caracterizam-se por serem precárias. Encontrando-se, normalmente, localizadas próximo a grandes eixos viários, condicionados pelos engarrafamentos dos seus enlaces, como é o caso da 2ª Circular, e apoiam-se em antigos caminhos rurais, tais como a Alameda das Linhas das Torres, que definindo os seus limites com edificação, dificultam o aumento do eixo viário e a consequente redução do fluxo de tráfego. Surge então uma problemática caracterizada pela escassa conectividade das vias e a fragmentação dos tecidos urbanos. A área do Alto do Lumiar, apoiada na antiga estrutura de caminhos rurais, converte-se numa peça isolada, afastada, em termos relativos, do contínuo edificado da cidade, do qual, no entanto, está tão perto. Ressalva-se porém que o isolamento da peça e a sua não relação com a cidade, não se supera unicamente através da melhoria da acessibilidade. Já na concepção do
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Plano Director de 1977, se assumia a condição periférica da peça do Alto do Lumiar. Estava então concebida como uma actuação autónoma, contida em si mesma e de dormitório urbano. Deparamos agora com a questão de manter essa condição periférica, ou, pelo contrário, adoptar-se outro tipo de focagem ou concepção para o desenvolvimento, como extensão da cidade? Uma das problemáticas urbanísticas da actualidade alicerça-se no tratamento das periferias, procurando deste modo superar essa condição através do conceito de cidade contínua. As condições latentes da peça recomendam o seu tratamento como potencial extensão da cidade contínua. A proximidade e a continuidade à cidade central supõem que se modifiquem as condições de partida. A extensão só se poderá verificar quando suportada numa continuidade das vias, resultando assim na necessidade de que a cidade supere a sua actual barreira, a 2ª Circular, intensificando a conectividade viária, ao mesmo tempo que se melhora sensivelmente a acessibilidade. Dada a complexa topografia de Lisboa existem poucas áreas, que possam servir de base para a extensão da cidade, esta seria uma delas. O que caracteriza o Alto do Lumiar não é o seu passado de área degradada mas o seu futuro de área de oportunidade. Verifica-se então que a presente proposta de Plano concebe-se sob a perspectiva da oportunidade. Oportunidade para a inovação, para implantar usos diversos e, ao mesmo tempo, diversidade de tipos de residência incluindo a habitação intensiva, que cada vez será menos procurada na periferia. Oportunidade, em definitivo, para criar uma extensão da cidade num novo meio atraente e de qualidade.
2.1.2 - Condicionantes do Plano
As condicionantes fundamentais são impostas por um lado, pelos números fixados para a operação, 3.367 fogos a realojar in situ, cumprindo premissas existentes nos compromissos assumidos, os quais despoletaram este processo urbanístico. Prevendo-se, então, que este número represente 15% da população total. Por outro lado impõem-se condicionantes através das fronteiras naturais do terreno denotando-se a Poente a Alameda das Linhas de Torres que com todas as suas edificações marginais quase que torna impossível qualquer ligação com esta rodovia; a poente o planeado eixo rodoviário fundamental Sul-Norte bloqueando qualquer possibilidade de ligação com as zonas adjacentes; a Sul o Parque das Conchas e a impossibilidade de o romper com infra-estruturas rodoviárias, formando um obstáculo para a concepção da rede viária; a nascente a existência do Aeroporto com rígidas e
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Fig. Nº 16 - Elementos constituintes do Plano.
Fig. Nº 17 – Proposta antecedente ao Plano.
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severas regras de utilização e vizinhança, prevendo-se ainda um futuro terminal de carga e a estação da carris, gerando-se um fluxo de tráfego indesejável para a nova zona habitacional, constituindo um outro factor a considerar na concepção da rede viária; finalmente a norte, o velho aglomerado habitacional da Charneca a par de grandes núcleos habitacionais clandestinos e legais, sendo estes, também, obstáculos a contornar numa solução aceitável de uma qualquer rede viária. Houve assim que contemplar, não só, os parâmetros de um programa sobrecarregado em termos de espaço disponível, mas ainda, de gerir aquele espaço de forma a viabilizar a sua utilização para a vizinhança do Aeroporto. Para além disto os acessos não se encontravam nas condições mais favoráveis, podendo as infraestruturas apresentar problemas a jusante, sendo necessário prevê-los dada a duração do empreendimento. Resumindo os condicionamentos fundamentais são:
A sua posição, um tanto excêntrica relativamente à cidade central, obrigando a considerar a sua acessibilidade como um condicionalismo chave;
A presença do Aeroporto de Lisboa, com o seu impacto e condicionalismo nas cérceas de edificação, respeitando os regulamentos de segurança;
O traçado das vias fundamentais existentes e propostas pelo Plano Director Municipal de Lisboa, tais como a 2ª Circular, o Eixo Rodoviário Norte-Sul, a 3ª Circular e a Av. Santos e Castro, visto estas possuírem uma forte característica de barreira e limite separador da continuidade urbana.
As densidades previstas pelo Plano Director de Lisboa e a necessidade de criar neste espaço mais de 20.000 fogos, cumprindo os termos da proposta na qual 3.367 fogos correspondiam a cerca de 15% do total dos fogos a construir.
2.1.3 - Objectivos e estratégias do plano
Extensão da cidade central O Plano de Urbanização do Alto do Lumiar não se limitou apenas a uma modificação de elementos do Plano Director Municipal de Lisboa, datado de 1977, tendo-se procedido também a uma abordagem distinta. Altera-se então o próprio objecto,
transforma-se
uma peça
isolada, cidade
dormitório, periférica, em
urbanizações projectadas como extensão da cidade central. Para esse efeito, concebeu-se um eixo fulcral, consistindo no prolongamento do eixo histórico de Lisboa. Inicialmente, efectua-se o reconhecimento do seu papel como elemento da cidade, estudando-se nesta perspectiva o processo de o prolongar.
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Fig. Nº 18 – Esboço de Ressano Garcia.
Fig Nº 19 – Prolongamento do Eixo Histórico de Lisboa.
Fig. Nº 20 – Fotomontagem da Planta Geral do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar.
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Quase sem ser reconhecido como tal, pode-se identifica-lo no encadeamento de avenidas que, alinhavadas nas suas sucessivas rotundas/articulações, decorrem entre a baixa e a 2ª Circular, formado por: Avenida da Liberdade, Avenida Fontes Pereira de Melo, Avenida da Republica, Campo Pequeno, Campo Grande. O conceito da sua concepção prevê que este se desenvolva por troços, mediante sucessivos prolongamentos, nos quais vão sendo introduzidos requebros que se relacionam com os que actualmente representam efeito histórico acumulado. O eixo, previsto pelo criador da expansão moderna de Lisboa, o Engenheiro Ressano Garcia, dilui-se actualmente no seu último troço, o Campo Grande, caracterizado como uma via-parque rematando-se na 2ª Circular. A zona do Alto do Lumiar nas imediações da 2ª Circular, mais precisamente a antiga Quinta de Calvanas, aparece como o espaço que através de um novo traçado pode prolongar o Eixo Histórico. O desenvolvimento do Alto do Lumiar deve então entender-se como uma extensão do prolongamento da cidade, sendo necessário a execução de um novo nó viário na 2ª Circular, mediante o qual adequadamente desenhado e contemplando a sua obrigatória capacidade rodoviária, se solucione a continuidade da extensão sobre esta. É pertinente, ainda, se estabelecer a continuidade do eixo compreendido entre o Campo Grande e o novo nó na 2ª Circular. O plano, que esteve na origem do prolongamento do eixo, após proceder ao realojamento da população, deixa de ser concebido como um Plano – Remédio para uma área degradada, transformando-se numa proposta de futuro, permitindo desenvolver uma área de oportunidade da cidade. A diferença fundamental consiste em aproveitar a oportunidade de transformar a cidade, num contínuo edificado, não tratando esta área, isoladamente, contida em si mesma, na periferia da cidade. Historicamente as operações de prolongamento de eixos exibiram uma lógica própria, de outra índole, caracterizadas pela preponderância hierarquizada da nova via, o eixo prolongado, cuja entidade e carácter emblemático a diferenciava da malha de ruas que por este eram criados. No entanto, e para os efeitos desta análise, deve-se destacar a importância concedida pelas cidades a estas operações de prolongamento de Eixos, entendidas simultaneamente como operação de transformação da cidade e como apostas de futuro. Quando a cidade se propõe estender o seu eixo histórico, esta define o carácter da ambiciosa operação, à qual terão de sujeitar-se outros interesses e objectivos parciais, na medida em que realmente Lisboa decida empreender essa
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operação da cidade. Já não se trata, sobretudo, de uma actuação na periferia. Nem a sua dimensão, nem a oportunidade de prolongar o Eixo, permitem contemplá-la como uma actuação indiferenciada e isolada da área central, como foi habitual nas actuações convencionais de habitações na periferia nas últimas décadas. Tenta-se porém estabelecer actualmente uma maior e melhor inter-relação com a cidade. No interior da urbanização do Alto do Lumiar, o modo de prolongar o Eixo debate-se com uma escassa margem de manobra. O seu traçado recto, penetrando no novo território a re-colonizar, cruza a antiga Quinta de Calvanas. Poderia ter-se projectado um Eixo recto, até ao Montinho de S. Gonçalo. Contemplou-se essa possibilidade pois demonstrava ser uma opção clara e, como tal, atraente. No entanto esse possível traçado dificilmente se adaptaria ao terreno, obrigando assim a um maior movimento de terras. Paralelamente a esta dificuldade, o Eixo desenvolvia-se contra o Montinho, tornando-se problemática a sua continuidade até à Porta Norte. Não descurando o facto de que se o Eixo se prolongava desse modo, a generalidade do desenvolvimento, do lado Este, tornava-se excêntrico. O Eixo não serviria assim de espinha dorsal do novo crescimento. Perante essa opção, repetiu-se o esquema quebrado existente nos troços dos anteriores prolongamentos do Eixo Histórico Lisboeta. Definem-se então três troços adquirindo, cada um deles, um carácter distinto e a consequente secção diferente.
Fig. Nº 21 - Planta da proposta estratégica. Reflexões sobre o Urbanismo actual: o testemunho de um Urbanista Espanhol |
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Inicia-se por um troço que transcorre ao longo de um parque-salão, junto ao próprio Eixo, configurado como elemento emblemático da cidade e do novo crescimento. Seguidamente, o intermédio e fundamental, que se constitui simultaneamente como directriz da malha reticular principal e suporte de edificação nas suas margens. Por fim um terceiro, menos emblemático, no qual se produz a transição do Eixo à periferia e que culmina na Porta Norte.
Urbanização em malha reticular Com uma visão de longo prazo que se conjuga com um grande pragmatismo, Ressano Garcia concebe a Avenida original como via e suporte de um processo de urbanização em malha reticular apoiado nesta. Nos troços da Avenida, marcado pelas rotundas, estabelecem-se as diversas características do novo tecido urbano. Cada caso caracteriza-se mediante o estabelecimento de ruas transversais e paralelas à Avenida, configurando assim quarteirões de forma regular e diferentes dimensões. Defina-se assim, embora no caso de Lisboa não se enuncie como tal, o que noutras cidades se denominou ensanche, não existindo na língua portuguesa um termo equivalente para a sua correspondência urbanística. O conceito, na ausência de termo específico, poderia identificar-se através da expressão, nova urbanização por traçado. Expressão esta, mais genérica, concedendo um maior ênfase ao que caracteriza maioritariamente este tipo de desenvolvimento urbano, que incide preferencialmente na relação regular rua/edifício, caracterizando o conjunto dai resultante. Na nova urbanização, por traçado, a edificação está marcada pelas vias que, convenientemente distanciadas entre si, configuram quarteirões regulares. A edificação perimetral implica deixar um espaço interior utilizável pelos residentes ou pelo equipamento. Torna-se a revalorizar a rua como espaço público. A rua configurada por uma edificação regular e contínua, que substitui os apáticos e indiferenciados espaços inter-blocos, característicos das urbanizações intensivas e cuja não definição do espaço público e privado contribui para a sua degradação. Por outro lado, o interior dos quarteirões, pode ser um espaço apropriável pelos utentes, como solo privado e/ou de acesso público, mas definido pela edificação perimetral. Na operação do Alto do Lumiar recupera-se a importância e o protagonismo da obra de urbanização, característica da urbanização por traçado. Obra de urbanização ou simplesmente Urbanização que há-de conceber-se adaptada ao terreno, seu suporte natural, que há-de reconhecer-se na malha, introduzindo diversidade no modelo isotrópico. Urbanização que estabelece o traçado das ruas às quais se condicionará a edificação mas que não parte de uma forma, nem
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rígida nem unívoca de tipologia apriorística dos conjuntos de edifícios. As secções das vias, a importância dos passeios, sem esquecer as faixas reservadas ao trânsito, assim como o sistemático implante de árvores nas ruas, hãode se constituir como atributos da nova urbanização. Urbanização que, com os traçados de avenidas e ruas, permite diversificar, na sua adaptação ao terreno, a configuração das distintas malhas que, resultantes da principal, reticular, caracterizam o sentido principal do crescimento. Sobre a base, por um lado, das pré-existências que permanecem, e por outro lado, da topografia, configuram-se, mediante traçados derivados da trama reticular central, as distintas partes do dito alargamento da cidade. A concepção dessas diversas peças apoia-se, antes de mais, nos traçados viários que definem quarteirões ou, nalgum dos casos, espaços abertos para os parques. A edificação terá que ser necessariamente diversificada adaptando-se a esses traçados.
Alargamento da cidade central com integração de usos Existe uma pretensão de superar as condições de cidade dormitório. Na periferia, no meio suburbano, é fácil descentralizar a localização de actividades até agora reservadas ao centro das cidades. As condições para essa diversificação de usos podem proporcionar-se no Alto do Lumiar, pois este não é uma periferia, reproduzindo-se formas próprias da cidade central, na sua extensão. A sua proximidade à cidade e as características da urbanização permitem empreender esforços para a criação de condições que permitam gerar no Alto do Lumiar uma imagem de marca, onde os alargamentos, agora tradicionais, conseguiram como lugar de atracção de outros usos diferentes dos residenciais, e derivado de uma massa crítica de suficiente edificação residencial, atrair por si só a localização de serviços. Por sua vez, essa condição de extensão da cidade central permitirá desenvolver uma diversidade de tipologias de habitação intensiva, em altura, que a diferenciam de uma operação de periferia. A condição supracitada a par da viabilidade económica do plano potenciam o alcançar de uma diversidade. Se por um lado se torna necessário o oportunismo de estender a cidade, sem que tal signifique uma rotura do tecido urbano, por outro lado é fundamental que este projecto se torne um êxito de mercado, tanto dos promotores como do município. A diversidade de produtos, tanto de habitação como de outros usos, permite teoricamente conceber, à margem da capacidade financeira para os empreender, a
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aptidão de desenvolver diferentes produtos simultaneamente, acautelando que estes não compitam entre si para os mesmos segmentos de mercado. Podem ainda estes novos produtos assumir singularmente um papel de motores de transformação, sendo disso exemplo a construção de centros comerciais, contribuindo estes, juntamente com a urbanização anteriormente executada, na colonização do território e dinamização de um conceito que contribua para aliciar outros usos e favorecer a construção adicional de habitações. Na sua condição de singulares, deverão existir para os usos em questão um solo específico, prevendo-se simultaneamente implantações distintas das restantes actuações. A nova urbanização por traçado permite introduzir
uma diversidade
significativa, perante uma homogeneidade aparente, o traçado regular de ruas, valorizando uma mistura de usos. No que respeita à edificação, a nova urbanização por traçado deveria conceber-se de um modo aberto, proporcionando diversidade nas formas dos edifícios, mas regulando, a sua ordenada disposição nos quarteirões.
Outros objectivos Duma forma geral o terreno e suas características físicas, geológicas e climáticas impuseram como outras opções fundamentais o seguinte:
Criar uma rede viária que responda às exigências do tráfego geradas pela nova zona habitacional, definindo uma hierarquia de vias e concebendo uma acessibilidade fluente à zona, partindo das outras vias primárias, através de nós de ligação. Todo este processo deverá ainda observar a saturação da 2ª Circular e a concepção do nó de Calvanas;
Localizar as áreas de recreio e parques urbanos numa zona agricolamente mais rica e com maior abundância de água, tais como linhas de água;
Evitar os grandes movimentos de terra, aproveitando a ondulação geral do terreno e adaptando a mesma à estrutura construída;
Implantar em terrenos, que não podem ser ocupados com cérceas altas, equipamentos escolares, desportivos, entre outros, que não necessitando de grande altura, necessitam de grandes áreas;
Integrar na área urbana a criar o núcleo histórico da Charneca, constituindo um tecido urbano nas zonas limítrofes do núcleo, que permita estabelecer uma transição entre o contacto e o tecido nitidamente urbano que se prevê para o resto da urbanização, assim como integrar o parque das Conchas/Lilazes, atenuando o seu efeito de barreira entre a nova ordenação e as áreas urbanas consolidadas do Sudoeste;
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Recuperar, como peça de património, de grande importância visual e cultural, o Forte da Ameixoeira, integrando-o no parque urbano;
Preservar, como valor cultural e histórico, o edifício residencial da Quinta da Musgueira bem como quaisquer outros edifícios degradados que existem naquele território;
Conseguir uma estrutura urbana coerente e densa que permita até certo ponto criar defesas contra os ventos dominantes e contra os principais focos de poluição na zona, tal como a poluição sonora provocada pelo Aeroporto da Portela;
Preservar e sempre que possível valorizar os principais pontos de interesse paisagístico do território tais como o Montinho de São Gonçalo, colinas, várzeas e leitos de água.
2.1.4 - Caracterização da Proposta
Organização do conjunto O Plano de Urbanização do Alto do Lumiar, localizado no limite Norte do território municipal de Lisboa, desenvolve-se sobre uma superfície aproximada de 300 hectares. Como limites físicos implícitos na sua localização surgem a Leste, o Aeroporto de Lisboa, constituindo uma barreira insuperável, a Oeste o limite é estabelecido pela Alameda da Linha das Torres até ao Lumiar e, a partir deste ponto, pelo traçado proposto, no Plano Director de Lisboa, para o Eixo Rodoviário Norte-Sul. Outros limites são, a Sul, a Avenida Marechal Craveiro Lopes, 2ª Circular, e a Norte, os limites do Concelho de Loures. A extensão da cidade para o Alto do Lumiar não pode continuar a ser considerada com critérios de autonomia mas, pelo contrário, dever-se-ão reforçar as características de centralidade paralelamente à vontade de construir cidade e não periferia suburbana. O presente Plano apostou numa imagem formal aberta e flexível, necessária como modelo ou como guia, partindo da lógica geométrica da quadrícula como princípio ordenador. Esta lógica impõe-se através da rede viária principal, com vias dispostas ortogonalmente, seguindo a ordem modular da retícula regular. Todo o sistema viário está armado sobre uma espinha central que continua e prolonga o traçado das Novas Avenidas do Eixo Histórico de Lisboa, vencendo a barreira da 2ª Circular e ligando a cidade central. Este tecido assim concebido prende-se com a forma com que, tradicionalmente, Lisboa se tem estendido para Norte. Este é um plano que gere um projecto para a construção de uma nova parte da
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cidade, a curto e médio prazo, suportado pelo traçado como instrumento que, seguindo o modelo de malha ortogonal, define a matriz geral de ordenação do solo. Um Projecto de Obra Pública, como proposta urbanística do espaço colectivo, que venha recuperar a tradição dos grandes projectos urbanos realizados pelos engenheiros municipais de Lisboa. A urbanização do Alto do Lumiar é o primeiro empreendimento desta espécie que, ao apresentar condições favoráveis de viabilidade económica, foi lançada pela Câmara Municipal de Lisboa, sendo posteriormente adjudicada ao grupo de empresas construtoras que constituem o S.G.A.L. – sociedade de Gestão do Alto do Lumiar, LDA., fundado com o objectivo de gerir este empreendimento. Deve-se considerar a condicionante, que também é uma vantagem, da existência do contrato assinado em 1984 entre a CML e o SGAL para a execução da intervenção. Ainda que o contrato seja o instrumento operativo, que permite assegurar a execução da reestruturação urbana cometida ao Plano de urbanização, este não deve, nem se condicionar a esse contrato, nem incluir nos seus documentos questões de natureza contratual. Assim, e recorrendo ao compromisso aceite pela CML e pela SGAL de completar o realojamento em 6 anos, não se fixaram no Plano etapas, nem fases de período pré-estabelecidas, já que isso foi objecto do contrato e em concordância com as contrapartidas que neste se estabeleceram.
A revisão do plano não deverá conceber-se como um instrumento para regular o crescimento da cidade mediante um puzzle de peças de localização/ordenação indiscriminada, ligadas umbilicalmente à cidade, mais ou menos autónomas e isoladas na sua concepção. Antes, pelo contrário, o Plano deverá conceber-se, como um instrumento onde materializar uma estratégia de
transformação da cidade,
considerando o novo crescimento residencial como um fenómeno subsidiário e, em qualquer caso, com algum grau de interligação e dependência em relação ao contínuo urbano da cidade. O Plano deverá, também, conceber-se com um elevado nível de flexibilidade. Um Plano rígido poderá não ser operacional, podendo inclusivamente ser ultrapassado pela realidade. Deve então conter a suficiente flexibilidade e capacidade de autocorrecção, de forma a adaptar-se às circunstâncias da evolução. Assim, o Plano não pode pretender imagens acabadas, pré-estabelecidas e finalizadas na sua totalidade, de forma a atingir um desenvolvimento urbano tão amplo, no espaço e no tempo. Pelo contrário, dever-se-ão estabelecer as regras do jogo, onde se tenham estimado as necessidades e parâmetros de cada momento, que regulem os critérios de divisões
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sucessivas, de forma a garantir, durante o seu desenvolvimento, a coerência do conjunto baseada num princípio ordenador, em alternativa a um plano rígido e condicionador. Admitiu-se para a execução da operação, a opção por uma modalidade extrema de concertação público/privada, que não visa renunciar a responsabilidade camarária, contratando directamente a sua execução com agentes privados. Adoptando-se por esta modalidade de promoção foi pertinente considerar que o promotor contratado actuou numa dupla condição:
Por um lado, fê-lo em substituição contratada com a Câmara Municipal de Lisboa, para realizar investimentos que numa operação tradicional competiriam à autarquia.
Por outro lado, realizando os investimentos de urbanização e edificação, de âmbito local, habituais numa promoção privada.
A obrigação de substituição incide precisamente, nas obras de urbanização mais custosas e, em simultâneo, as quais é necessário executar em primeiro lugar, ou seja, o Eixo rodoviário fundamental da cidade que serve de suporte/estrutura para o resto. Optou-se então por um eixo, adaptado à topografia do terreno, articulado em duas rotundas centrais que definem os três lanços interiores. Este eixo, pela sua posição mais equilibrada dentro da peça, produz uma integração das diferentes partes mantendo, cada uma delas, a especificidade topográfica. O seu traçado dispõe-se sem alterar as pré-existências e compromissos a manter. Este eixo, proposto como uma ampla avenida de 70 metros de secção, através do seu troço que conecta ao pré-existente, liga com o Campo Grande à altura da Avenida do Brasil. No empreendimento do Alto do Lumiar, o prolongamento do Eixo de Lisboa é concebido também como a espinha central da nova extensão ordenada da cidade, com módulos de 80 metros e cujo o uso é essencialmente habitacional. A dimensão da quadrícula, de 80x80 metros entre eixos de arruamentos, estabeleceu-se sobre a base de uma separação entre blocos de 20 metros, o que define a quadrícula do quarteirão em 60x60 metros. Se os quarteirões se edificam com blocos perimetrais de 15 metros de fundo, liberta-se um espaço interior no quarteirão de 30x30 metros. A dimensão de 60 metros para o quarteirão, assegura uma óptima relação de exposição, longitude da fachada por área, permitindo, ao mesmo tempo, uma ocupação, pela edificação, que pode chegar até 75%, caso se edifique pelos quatro
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lados. Caso se mantenha livre de edificação um dos lados do quarteirão, a percentagem de ocupação reduz-se a 62,5% e 43,7%, respectivamente, em condições ambientais aceitáveis. Estas dimensões e percentagens de ocupação do quarteirão permitem atingir, elevadas densidades brutas, aproximadamente de 2,4 m2 /m2, com alturas médias de 6 a 7 andares, consoante se edifique pelos quatro lados ou permaneça livre um deles. A alternativa escolhida é, portanto, a de uma malha quadrangular, adequada na justificação de um tecido habitacional à base de quarteirões inserindo-se nas margens de alturas médias. Ordenações deste género demonstraram ser muito flexíveis ao longo do tempo durante o processo de execução, proporcionando, ainda, variedade e qualidade urbana, num grau superior às ordenações onde os tipos de edificação não contemplam o traçado, do qual é exemplo frequente a tipologia em bloco aberto. O resultado consiste num tecido urbano variado onde se concentram diferentes tipologias, desde blocos de moradia uni-familiar de três pisos até à habitação colectiva em bloco aberto, o bloco pequeno com serviços comuns, o bloco isolado singular, fechando o quarteirão perimetralmente em dois ou em três dos seus lados. O quarteirão aberto, em um ou dois lados, abre o espaço livre interior facilitando uma relação com o resto do tecido, não descurando, no caso de espaço livre privado, a sua intimidade. A fixação real da forma faz-se ajustando o modelo teórico da malha em quadrícula à forma do território, à sua topografia e às suas pré-existências. Assim, na parte central, a malha ajusta-se perfeitamente aos núcleos históricos do território, assumindo as suas irregularidades e as suas pré-existências principais.
Esquema radial de avenidas A proposta responde ao critério geral de obter e reforçar as características de extensão urbana, para os terrenos objecto do novo planeamento. O documento que serviu de base para a Revisão do Plano Urbanístico do Alto do Lumiar, contempla implicitamente tal critério, o qual traduz os objectivos programáticos do executivo municipal no âmbito do Plano Estratégico/Plano Director Municipal. O documento em questão indica que o plano do Alto do Lumiar deverá ser objecto de ajustamentos que proporcionem uma expansão qualificada da cidade de Lisboa, numa zona que vai sofrer impactos muito positivos de recentes decisões; Expo98, Nova ponte sobre o Tejo, Construção da CRIL, Expansão da rede do Metro. O ordenamento desenvolve os critérios estabelecidos pela C.M.L., visando, para além do uso habitacional, contemplar outros usos geradores de actividade urbana. Em conjunto com a previsão de elementos de carácter re-qualificador, como é
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o prolongamento do Eixo de Lisboa, tudo leva a estruturar este empreendimento como uma autêntica expansão qualificada da cidade. A previsão de um sistema de dotações públicas, espaços verdes e equipamentos, que abarque 32,3% da área de intervenção, unida à perspectiva de uma rede viária estrutural formalizada, à qual se destina 34% dos terrenos, garante níveis consideráveis de qualidade urbana para o conjunto desta acção urbanística. Estas condições proporcionaram a re-formulação da ordenação anterior, estabelecida pelo Plano Director Municipal de 1977, conduzindo-o para um plano urbanístico respeitando os critérios ajustados às necessidades actuais da cidade.
Concepção geral da rede viária A rede viária planeada visa responder a uma hierarquia viária adequada aos critérios de ordenamento e funções das diferentes zonas constituintes do plano. Procurou-se que cada via responda, da melhor forma possível, às exigências do tráfego atribuído à sua categoria. Distinguem-se três classes de vias:
As vias fundamentais da cidade;
As vias da Intervenção: Eixo central, Avenidas e ruas;
As vias complementares. As duas primeiras são objecto deste Plano, por seu lado as vias
complementares
não
se
encontram
definidas,
devendo
ser
desenvolvidas,
posteriormente, nos Planos de Pormenor ou nos Projectos de Loteamentos. As vias fundamentais da cidade são as vias essenciais para o correcto funcionamento desta. O âmbito do Plano está limitado a Leste, Norte e Oeste pelas vias rápidas da cidade, avenida Santos e Castro e o eixo rodoviário Norte-Sul. Para estas vias, o Plano estabelece propostas de traçado que se devem integrar nos respectivos Projectos de obra. É de salientar a via fundamental no interior da Área, Eixo Central, estabelecendo-se para esta condições muito precisas, quer para o traçado, quer para o carácter e dimensionamento. As vias principais da intervenção são as vias definidas pelo Plano, que não se encontram assinaladas como vias fundamentais da cidade. Compõem-se de elementos viários hierarquizados, de acordo com a função atribuída, avenidas, ruas e outras vias condicionadas por elementos pré-existentes. O Plano de Urbanização estabelece os traçados das vias principais, optando-se por uma Malha ortogonal regular, vertebrada pelo Eixo Central. Estabelecidas as directrizes geométricas do Eixo e da Malha, não são admissíveis correcções ou ajustes que a descaracterizem. A malha foi previamente estudada e foram avaliadas as diferentes alternativas de implantação, de modo a adequá-la globalmente à topografia do local. Adoptou-se uma
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Fig. Nº 22 - Perspectiva da Avenida do eixo central.
Fig. Nº 23 - Axonometria parcial da Proposta do Alto do Lumiar.
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solução que minimiza, globalmente, os necessários movimentos de terra. Os perfis longitudinais das vias configuraram-se de modo a dotar, a expansão do Alto do Lumiar, de uma estrutura urbana regular através da imagem das suas avenidas e vias principais conformes a uma cidade moderna. Os acessos rodoviários do Norte e do Sul, são projectados por intermédio de intersecções com vias rápidas fundamentais do sistema viário da cidade que contornam o empreendimento. Estes acessos configuram-se mediante grandes rotundas que constituem autênticas portas urbana, devendo as mesmas ser formalizadas como dois nós urbanos de referência no prolongamento do Eixo Histórico. Os restantes acessos rodoviários produzem-se através das intersecções menores do Eixo Fundamental Norte-Sul com avenidas, que partem das zonas residenciais localizadas a Oeste, na Alameda das Linhas de Torres, e os núcleos do Lumiar e Ameixoeira. Mantém-se o acesso existente na 1ª fase, em execução, na intersecção da avenida Rainha Dona Amélia com Linhas de Torres. Previu-se um acesso do Leste, no limite com o aeroporto, a Avenida Santos e Castro concebida como via rápida que contorna o lado Leste do empreendimento, liga com uma rotunda menor, onde se desenvolve a porta de entrada e saída para o trânsito rodoviário rápido
com
origem/destino
Norte-Sul,
sem
necessidade
de
atravessar
o
empreendimento. O modelo regular geométrico ajusta-se ao suporte físico real, isto é, ao terreno, mediante a interpretação geográfica e topográfica da zona onde se intervém.
Três zonas principais As três zonas principais que constituem o empreendimento, zona Sul, zona central e zona Norte, articulam-se ao longo do Eixo central diversificado em cada uma delas, alterando o traçado de ângulo a partir de rotundas interiores distribuidoras de tráfego e desenhadas à volta de um jardim ou fonte monumental. A zona Sul, desde a 2ªCircular até à rotunda de Musgueira, articula-se sob o primeiro lanço do Eixo Central, que se desenvolve pelo centro do grande parque de entrada, o qual deverá ser cuidadosamente desenhado a fim de potencializar a imagem de porta do empreendimento. Esta zona, que alberga elementos urbanos ao nível da cidade, a rotunda da Porta Sul, o parque e um grande centro integrado de comércio/serviços e lazer, concebeu-se com a função de articulação urbana com a cidade, atraindo actividades de centralidade urbana para o interior da área de intervenção. A zona central ocupa o sector médio da proposta, ordenada mediante uma
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malha regular que define as áreas edificáveis destinadas maioritariamente a utilizações residenciais. Esta malha, que obedece a um padrão ortogonal com uma modulação de 80 metros, é estruturada pelo lanço médio do Eixo Central, contemplando uma ampla avenida de 70 metros de largura entre as duas rotundas interiores da Musgueira e da Charneca. A retícula obtém do eixo a sua directriz Nordeste-Sudoeste neste troço, convertendo-se numa malha direccional hierarquizada com avenidas e ruas. As avenidas, traçadas em diagonal, articulam a malha e servem de ligação da mesma com as zonas do limite Oeste, onde se encontram os pontos de acesso. As duas avenidas centrais, de traçado divergente para o exterior, que têm a forma de um grande compasso urbano, não cumprem unicamente a função de ligação com as zonas do Lumiar e Ameixoeira, assumem também a função de grandes vias articuladoras e de referência do território, visto que, ao se desenvolverem através de antigas linhas de fluxo, servem como elemento de modulação no ajustamento da malha à forma do terreno. Na zona central e ao longo do Eixo definido entre as duas rotundas interiores, encontram-se as funções urbanas que exigem continuidade adquirindo estas maior intensidade e, devido a este facto, verificam-se nestas as maiores densidades previstas no Plano. O comércio e o sector terciário de escala média localizaram-se essencialmente ao longo do eixo, concentrando-se preferencialmente nas duas rotundas. Na zona Norte situam-se as principais peças já existentes, a aldeia da Charneca, o Montinho de São Gonçalo e o Forte da Ameixoeira rematando o seu lanço final na Porta Norte. A malha adapta-se à topografia e à morfologia do Montinho de São Gonçalo, deformando-se numa malha radial, em redor da sua encosta. A parte superior desta elevação reserva-se como ponto característico e de referência para situar um grande equipamento a nível de cidade. Considerando a manutenção de habitações na encosta, a população residente na Charneca e o carácter de remodelação previsto para este núcleo, esta é a zona perfeita para acolher a maior parte dos realojamentos. O Montinho e a situação privilegiada de que desfruta, com vistas dominantes sobre o Parque do Vale Grande e o resto da cidade, configura-se como um centro residencial privilegiado. Na generalidade, a zona Norte, que ocupa os terrenos mais elevados, é constituída à base de elementos diversos que, necessariamente, exigem uma maior adaptação à topografia e às peças existentes e, por conseguinte, dotadas de uma densidade inferior às da zona central.
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Fig. Nº 24 - Planta geral de Equipamentos Públicos.
Fig. Nº 25 – Planta geral do Sistema de Espaços Verdes.
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O flanco Oeste contém uma divisória constituída por grandes parques, alguns deles já existentes, como é o das Conchas. O Vale grande que contorna a zona central, ocupando a várzea desse mesmo nome, destina-se ao grande parque do empreendimento, com cerca de 20 hectares. Este parque continua em direcção ao Norte, ascendendo até ao Forte da Ameixoeira, permanecendo integrado como um ponto urbano característico pré-existente. O flanco Este encontra-se condicionado pela presença do Aeroporto de Lisboa, principal foco de poluição e ruído da zona. A implantação, nessa zona, de um parque de distribuição de Mercadorias pretende estabelecer uma barreira que reduza o impacto ambiental negativo, sobre outras utilizações mais sensíveis. Nesta área dispor-se-á, também, uma faixa verde com equipamentos, na extensão do limite Este da malha residencial, constituindo um filtro linear entre esta e o Parque de Mercadorias. Desta forma contempla-se uma maior separação entre as zonas residenciais e os limites do aeroporto. Uma completa rede de percursos pedonais desenvolve-se através de vastos passeios arborizados, desenhados em linha paralela com a rede viária de rodagem principal relacionando, assim, todas os elementos entre si. Destaca-se igualmente o eixo pedonal, que se inicia na rotunda/Porta Sul e acompanha o eixo central, no seu primeiro lanço, até à rotunda da Musgueira, para avançar, de forma independente, com a mesma orientação, atravessando as diferentes peças da zona central até a cota superior do Montinho de São Gonçalo. As principais linhas de transporte público dispor-se-ão ao longo do Eixo Central. A secção do Eixo dimensionou-se com amplitude suficiente para poder conter uma plataforma reservada aos transportes públicos de superfície, autocarro ou carro eléctrico ou, mesmo, um metro ligeiro. Na grande rotunda/Porta Sul localiza-se um interface
de
transporte
público
autocarro/metro,
dispondo
de
um
grande
estacionamento dissuasório.
Sistema de espaços livres O sistema de espaços livres organizado hierarquicamente estabelece-se através de três grandes parques: o da Porta Sul em Calvanas, o Parque das Conchas e o do Oeste ou Vale Grande. O Parque do Oeste ou do Vale Grande é o maior dos grandes parques previstos, apresentando uma superfície aproximadamente de 19 hectares. Este abrange as zonas de solos mais aptos para este fim, isto é, as zonas de aluvião do Vale Grande, Quinta da Várzea e de São Gonçalo.
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Outro agregado de parques ou jardins de menor tamanho inserem-se no tecido urbano. As ruas com árvores constituem a base do espaço livre colectivo, no seio da edificação, e marcam os itinerários de peões. Os espaços interiores dos quarteirões definidos pela edificação ficam assim claramente diferenciados dos espaços públicos.
2.1.5 - Propostas desenvolvidas na prática de estágio curricular
Incluídas no Plano do Alto do Lumiar de 1993, surgem duas propostas de intervenção que penso ser pertinente expor, a Porta Sul e o Parque de Mercadorias, devido ao facto de o seu desenvolvimento ter constituído parte integrante do meu plano de estágio curricular no gabinete do Arquitecto Eduardo Leira.
Porta Sul A Proposta actual contempla sucessivos antecedentes desde 1993, os quais se apoiaram na possibilidade de continuidade física da cidade, quer por uma passagem superior, como por uma inferior à 2ª Circular, superando então a condição, que até agora esta possuía, a de barreira/limite do contínuo edificado da cidade central. A Câmara de Lisboa decidiu que a 2ª Circular deveria se manter intacta, não se podendo modificar. Esta condição significou a permanência da barreira, com a via por cima da rotunda, não se convertendo em viaduto permeável, só se rompendo através das duas laterais para construir a Rotunda, aprovada com tipologia de nó viário, sem interromper o trânsito na 2ª Circular. Apesar de se ter aceite o género de nó giratório desnivelado, procurava-se que o maior número possível de conexões se fizesse à mesma cota, mantendo separados, a Norte da 2ª Circular, os ramais de acesso à rotunda do Eixo urbano e da via rápida Avenida Santos e Castro. Uma vez aceite a barreira, propõe-se um novo desafio, converter o reconhecido problema numa oportunidade. Não sendo possível a tranquila continuidade física, à cota da cidade, procura-se uma nova modalidade de articulação urbana. Esta proposta pretende ser a resposta a esse desafio, assumindo porém um duplo sentido. Por um lado, propõe-se uma rotunda, de forma invulgar, que ampliando o seu perímetro permite aumentar as distancias entre os pontos de intersecção e conter cinco pontos de acesso, ou seja, um a mais dos quatro que, como máximo, resultam recomendáveis numa rotunda. Por outro lado, como proposta mais inovadora, converte-se o espaço interior da rotunda, construído na sua totalidade, num edifício de referência/foco de actividade, que possa constituir, com o seu atractivo e singularidade a par da sua funcionalidade, essa nova forma de articulação urbana que
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se procura. Este processo, dever-se-á diferenciar da tendência presente na extensão da continuidade do Alto do Lumiar no contínuo urbano edificado central. Propõe-se
a
integração/articulação
de
diversas
áreas
centrais,
que
representam esse papel através dos usos que albergam. A articulação entre estas produz-se mediante um macro-edifício complexo, multiuso, apoiado num interface de transporte, possibilitando assim, alterar a distribuição modal, com intenção dissuasora positiva no uso do carro, mediante a oferta integrada de meios públicos de transporte alternativos e serviços complementares no interface que facilitem e apoiem a dissuasão. A singularidade e a significativa projecção do macro-edifício reforça-se quando, a partir da base do interface/dissuasão, se possam também incorporar outros usos que maximizem a sua utilização, aproximando-a ao uso 24 horas, complementando o que, de outro modo, poderia ser limitado aos dias e horas laborais. Resultado do Programa aberto, e necessariamente complexo, do edifício multiuso cuja viabilidade dependerá em todo caso das componentes comerciais e de ócio, sendo estes os dinamizadores dos centros urbanos. A construção do nó viário, embora constitua a fase inicial, poderia à priori prever, e inclusivamente facilitar, a edificação do espaço interior da rotunda, em simultâneo. Ressalve-se, quando ao convocar o previsto concurso de projecto e obra do nó viário, poderia inclusivamente licitar-se a construção, promoção e aproveitamento do macro-edifício que, concessionado no espaço interior, ao tratar-se de solo público, poderia compensar a construção daquele. A variedade de usos no macro-edifício, incluindo no seu caso um Casino, poderia converter-se, para todos os efeitos, no máximo atractivo da Proposta, que em sinergia e junto ao interface de transporte, propiciaria a implantação de outros usos e actividades, preconizando-se como elemento catalizador de oportunidades. O nó desnivelado de tipo giratório encerra grandes vantagens. A circulação produz-se sempre no sentido de marcha, saídas incluídas, pelo que permitem uma melhor orientação do condutor. Paralelamente a esse facto, permitem ordenar uma fachada ao seu redor, seguindo a tradição das praças. Por último permitem, e em melhores condições pela sua potencial dimensão, a utilização do espaço interior do nó, na medida em que constitui um espaço contínuo e não fraccionado, como ocorre nos retalhos de solo habituais dos nós convencionais, tais como trevos e diamantes, entre outros. Em princípio, o nó do género rotunda, desnivelado, com dimensões adequadas maiores que as habituais, permite também, desde a perspectiva do tráfico, não ter que
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Fig. Nº 26 - 3D da proposta Porta Sul.
Fig. Nº 27 - 3D da proposta Porta Sul.
Fig. Nº 28 - Planta esquemática da proposta de implantação da rotunda Porta Sul.
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recorrer necessariamente à utilização de semáforos. Destaque-se porém que com distâncias adequadas de intersecção, a rotunda pode funcionar eficazmente sem o recurso a semáforos. Deve-se ainda contemplar a possibilidade de introdução de semáforos nos lanços da Rotunda de maior longitude, evitando assim que neles se possam alcançar velocidades excessivas. As Portas concebidas deste modo específico, como grandes rotundas, resolvem funcionalmente a sua condição de poderosos nós de trânsito e, paralelamente, reforçam a imagem representativa do novo crescimento.
Parque de Mercadorias O Parque de Mercadorias apresenta-se aqui como Projecto Conceptual, ou o que se denominaria como uma ideia de projecto. Na ausência de um programa especifico desenvolve-se uma aproximação projectual, não definindo carácter e conteúdos, mas cuja concretização passa a constituir parte essencial da proposta. Na área comercial de mercadorias, verificou-se nos últimos anos um considerável desenvolvimento, resultante da introdução do conceito de logística. Devese, então, destacar a configuração logística como um dos aspectos mais relevantes atribuídos ao Parque de Mercadorias, quer na actividade diferenciada, como nos espaços específicos para desenvolvê-la. Toda a série de actividades vinculadas ao consumo, não tanto à produção mas desta dependentes, tendem a implantar-se sobretudo na envolvente das grandes metrópoles, em lugares de grande acessibilidade, permitindo prestar um melhor serviço a distintas zonas urbanas. A localização deste Parque conjuga ambos factores, conta com lotes qualificados de industrial/terciário junto ao aeroporto e paralelamente próximos do centro da cidade, significa isto, contar com uma oportunidade única. Um dos problemas associados às malhas destinadas a este género de actividades debatidas neste plano, consiste na sua escassa dimensão. O factor rentabilidade imobiliária, veio introduzir a variável, dimensão disponível, a actividades distintas da habitação ou sector terciário. Perceba-se então que esta rentabilidade reduziu o papel desempenhado pelas actividades logísticas, concedendo um espaço limitado ao desenvolvimento e implantação das mesmas. Outra questão a considerar é a proximidade ao aeroporto, os consequentes limites de altura estabelecidos pelos serviços aeronáuticos. Soluciona-se a questão transformando-a numa vantagem, na medida, em que a tipologia adoptada por este programa é usualmente de grandes edifícios em naves, desenvolvidos muito mais em extensão do que em altura.
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A proposta baseia-se em duas alternativas de implantação caracterizadas por uma diversidade de produtos em sinergia e proporção adequada, conseguindo deste modo maior eficácia/rendimento do Parque apesar da grande altura e pé direito de algumas naves. Esta solução consiste em naves de armazenamento de cargas para Paquetería Express, termo este definido pela rápida e máxima rotação de mercadorias medidos em toneladas/m2 por unidade de tempo. O armazenamento pretende-se temporal, minimizando-se dentro do possível a distância de tempo despendida entre a recepção de mercadoria e a sua distribuição, ou seja, a saída de armazém de carga. A ordenação nesta proposta dirige-se prioritariamente a assegurar a maior superfície desse tipo de nave, com 40/50 metros de profundidade e com longitude de 100 metros, para um só operador, podendo transpor esta medida associando diversas naves. Esta proposta contempla também uma diversidade de usos, agrupando a função de armazém com a existência de escritórios de suporte administrativo, num piso superior, permitindo deste modo uma correcta comunicação visual entre os dois elementos.
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2.2.1 - Identificação da problemática
O terreno encontra-se actualmente ocupado pela fábrica da cordoaria, uma construção antiga que ocupa praticamente a totalidade da parcela, 28.537m2, sendo a área total do terreno de 30.293m2. A área em estudo tem uma localização privilegiada, situa-se no centro da cidade da Póvoa de Varzim, apresentando quatro frentes das quais a principal frente do terreno, a Rua Gomes de Amorim, E.N. 13, apresenta-se como uma via de grande importância, quer a nível rodoviário, quer a nível pedonal. A actividade fabril origina disfunções na sua envolvente. A sua localização num espaço considerado central na cidade não aproveita as potencialidades urbanas do lugar. Além disso, o uso industrial também não é o mais apropriado, nem para o local, nem para um desenvolvimento eficaz das actividades industriais. A cércea das edificações envolventes é variável, dependendo das ruas em que estas se situam. Na E.N.13 os edifícios têm cerca de quatro a seis pisos, enquanto nos restantes arruamentos limítrofes do quarteirão os edifícios têm no máximo três pisos. As Normas Provisórias do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim constituem um importante elemento de referência relativamente aos objectivos pretendidos pela Câmara Municipal para revitalizar e requalificar esta zona. Estas normas definem Unidades Operativas de Planeamento e Gestão que limitam as zonas consideradas prioritárias e estratégicas para o desenvolvimento da cidade, de acordo com o modelo de planeamento definido. O quarteirão em estudo consiste, segundo o Plano de Urbanização, numa Unidade Operativa de Planeamento e Gestão, denominada Quintas e Quintas. Aceitando esta predefinição imposta pela câmara, de uma Unidade de Actuação definida por uma forma irregular, formada exclusivamente por parcelas pertencentes ao proprietário, evitar-se-ia a necessidade de recorrer a um plano de pormenor, o qual se demonstraria moroso e contrário à vontade manifestada pelos promotores. O P.U. considera que este quarteirão ocupa uma superfície considerável da área central da cidade, ou seja, encontra-se integrado no tecido urbano consolidado que corresponde ao Bairro Norte. É considerada, como benéfica a possibilidade de transferência das instalações industriais para outra localização do concelho da Póvoa de Varzim que seja mais apropriado às actuais necessidades da empresa, o que permitiria libertar o espaço ocupado actualmente pela fábrica para actividades urbanas, que se demonstrem mais apropriadas a este local. Surge deste modo a proposta de requalificação e remodelação urbanística de
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Fig. Nº 29 - Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização.
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Fig. Nº 30 - Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização.
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Fig. Nº 31 - Documento das Normas Provisórias do Plano de Urbanização.
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um quarteirão central, como elemento estratégico para a transformação da cidade.
Os objectivos estabelecidos pelo P.U. para a remodelação deste quarteirão consistem em:
Transformar a área em espaço residencial de qualidade;
Integrar o quarteirão na vida da cidade, evitando qualquer ideia de segregação ou de condomínio fechado;
Destinar espaços suficientemente amplos para actividades recreativas e de lazer, atribuindo importância à criação de espaços verdes.
Os parâmetros urbanísticos do P.U. que orientam a intervenção são os seguintes:
Reconverter o tecido urbano assumindo as características morfológicas do sector em que se insere;
Definir acessos pedonais e rodoviários ao interior do quarteirão, sem utilizar a solução de vias em cul de sac;
Criar uma grande Praça Central, predominantemente verde, e uma Alameda que, a partir da E.N.13, marque o eixo da Basílica do Sagrado Coração em direcção a Oeste;
Alinhar o edificado relativamente às vias existentes ou às que serão criadas;
Seguir as alturas máximas definidas para os edifícios que se encontram nas vias limítrofes do quarteirão;
O índice de construção máximo: 1.2m2/m2, estabelecido pelo Plano de Urbanização para as Zonas Residenciais.
A primeira e a última destas determinações presentes nas Normas Provisórias do Plano de Urbanização, requerem o seguinte comentário. Relativamente às características morfológicas da envolvente, adverte-se, que o tecido urbano em redor da fábrica mantém ainda, favorecido e condicionado pela própria existência desta, características de parcelamento e de construção que correspondem aos tecidos urbanos mais antigos. Contudo, a tendência dominante na maioria dos quarteirões da área central, inclusivamente dos que se encontram junto aos terrenos da fábrica, é transformarem-se em quarteirões fechados ou semifechados com aumento do número de pisos. Esta transformação é coerente com as
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características de centralidade adquiridas pelo referido espaço urbano. Parece portanto evidente que é este tipo de morfologia que se encontra referenciado no P.U.. Quanto ao índice de construção fixado para esta Unidade Operativa de Planeamento e Gestão, cabe aqui mencionar, que o próprio P.U. estabelece, ao considerar os parâmetros urbanísticos relacionados com os espaços residenciais, que em casos de reconhecido interesse municipal e de forma a cumprir os objectivos do P.U., pode admitir-se um aumento até 50% ao valor do índice de construção estabelecido. A reconversão de áreas ocupadas actualmente com unidades industriais, incompatíveis com a função residencial, é um dos casos em que se pode aplicar esta medida, desde que a indústria seja transferida para espaços adequados ao exercício desta actividade dentro do concelho. Atendendo ao exposto, o índice de construção poderia alcançar até 1.8m2/m2. A fim de justificar a aplicação deste índice na remodelação urbana proposta, a firma Quintas & Quintas transferirá a actividade industrial que desenvolvia na fábrica actual para novas instalações localizadas noutro espaço do concelho da Póvoa de Varzim. No entanto a transferência para a rua Comendador Francisco Alves Quintas das diversas actividades, tradicionalmente desenvolvidas na fábrica actual situada na rua Gomes de Amorim, será efectuada de uma forma gradual e num período estimado de dois anos, desde que a Câmara Municipal, aprove os projectos de loteamento e edificação do quarteirão ocupado actualmente pela mesma. Após a obtenção da licença de construção, Quintas & Quintas, compromete-se a proceder à transferência da fábrica.
Fig. Nº 32 - Fotomontagem da Proposta do Projecto de Loteamento, Póvoa de Varzim.
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2.2.2 - Objectivos e estratégias do projecto
Área central/Área residencial singular A proposta que se apresenta está orientada de forma a produzir uma remodelação urbana completa na área ocupada actualmente pela fábrica Quintas & Quintas, tal como é indicado no P.U.. A par disto, a proposta indica a estrutura e tipos de uso a adoptar, atendendo a uma questão fulcral, o reconhecimento da potencialidade urbana do referido terreno, devido à sua localização no centro da cidade e que se traduz numa oportunidade de desenvolver uma área residencial singular. Citando o Arquitecto Eduardo Leira poder-se-á verificar que o projecto por si desenvolvido na Póvoa contém “(…) uma certa entidade, concebendo uma proposta de transformação de uma área central, que , infelizmente, pelas limitações que impõe a própria câmara não está concebida como área de centralidade. É uma concepção numa área de desenvolvimento da área central, sendo uma zona residencial na qual quase se exclui toda a ideia de centralidade, salvo nas lojas que se localizam no résdo-chão ou no pequeno edifício de escritórios, que possui uma singularidade resultante do uso lhe atribuído. Uma das exigências da câmara é que se assemelhe o mais possível ao que o envolve, referindo-se à questão das alturas. Traduz-se assim uma ideia de homogeneidade, contrária a uma área de centralidade como algo singular numa envolvente mais regular. Como isto se exclui, o que realmente se projecta na Póvoa é uma área residencial, com edifícios bem concebidos reservando um papel de destaque à Praça Central”.1 Deste modo pretende-se uma edificação de gama alta, usufruindo-se de apartamentos adequados a diferentes necessidades integradas na envolvente urbana em que estão inseridas, revalorizando e requalificando o quarteirão sob o ponto de vista ambiental e funcional. Existem, à priori, duas questões consideradas fundamentais para a elaboração da proposta:
Configurar um conjunto edificado aberto à cidade. A concepção de um espaço fechado e interiorizado, não sendo pretendida pelo P.U., implicaria a manutenção dentro da cidade do espaço inerte que actualmente representam as instalações fabris em causa.
Propõe-se a divisão do quarteirão, cuja dimensão é pouco frequente na área central de Póvoa de Varzim, no sentido de formar novos quarteirões, de menor
1 Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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dimensão e em consonância com a restante malha urbana do centro da cidade. Estes novos quarteirões permitirão, devido à subdivisão proposta, a implantação de usos residenciais complementados com pequeno comércio ou equipamento, todos com acesso directo à rua;
A outra questão consiste no facto da proposta ser concebida de forma a assegurar um desenvolvimento autónomo, evitando que a sua concepção esteja condicionada por decisões relativas aos edifícios pré-existentes nos limites do quarteirão e que não pertencem à parcela da fábrica. Isto não implica que se impeça a configuração urbana de conjunto, mas pelo contrário, procurase que o resto dos proprietários possam participar, a seu tempo, no processo de transformação urbana salvaguardando os seus interesses e necessidades.
Fig. Nº 33 – Planta de loteamentos.
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A estrutura espacial que se propõe contempla e sugere a forma de organizar a edificação do conjunto. Esta pode realizar-se de forma unitária, casa a casa, ou de forma conjunta, evitando que a concretização da proposta específica para os terrenos da fábrica Quintas & Quintas esteja sujeita a decisões de terceiros.
2.2.3 - Caracterização da proposta
Organização do conjunto O novo ordenamento que se propõe, tem como premissa não ultrapassar, a rasante do terreno, o índice de construção atribuído pelo P.U., na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão Quintas & Quintas, tentando por sua vez respeitar convenientemente as determinações urbanísticas definidas por ele para este âmbito, aplicando-as de forma dominante nos limites de contacto entre os novos quarteirões, resultantes do ordenamento, e a envolvente urbana existente. Quer dizer, tentando responder satisfatoriamente ao objectivo de integração volumétrica com o espaço urbano circundante. O ordenamento do conjunto concentra todas as directivas urbanas propostas no P.U., a abertura de uma alameda, o prolongamento do Eixo da Basílica, o traçado de novos elementos viários evitando vias em cul de sac, a integração deste novo espaço na cidade, a criação de um grande espaço livre e verde, embora para o conseguir, vê-se forçado a incrementar a altura dos edifícios do interior da actuação, sem que isso impeça a correcta integração espacial da intervenção na cidade. Parece oportuno realçar que resulta praticamente impossível cumprir com as directivas urbanas do P.U. no que concerne à construção de uma grande Praça Central, predominantemente verde, e simultaneamente a estrita aplicação dos parâmetros urbanísticos por ele fixados, especialmente a altura da edificação, em todo o conjunto. A proposta de ordenamento baseia-se na abertura de dois eixos viários principais um Norte-Sul, de ligação entre as ruas Serpa Pinto e Elias Garcia, e outro Este-Oeste, a alameda requerida pelo P.U. que, concedendo perspectiva à Basílica, relaciona a rua Gomes de Amorim com a anterior. A esta estrutura viária principal acrescenta-se outra via, situada mais a Norte e sensivelmente paralela à alameda, de carácter pedonal, que permite delimitar um novo quarteirão. A rede viária define assim quatro quarteirões, dois deles condicionados, quase integralmente, ao novo ordenamento e dois às novas construções, configurando novas fachadas urbanas e integrando-se com a edificação residencial anexa à fábrica. O quarteirão mais setentrional inclui um lote que não é de propriedade de Quintas & Quintas, correspondente à vivenda situada na esquina de Gomes de
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Amorim e Serpa Pinto, que, com a ordenação proposta, poderá renovar-se urbanisticamente de forma independente no momento que se considerar oportuno, ficando garantida a integração ao resto do conjunto edificado. Propõe-se manter a separação entre edifícios na frente de Gomes de Amorim como forma de possibilitar a qualidade arquitectónica e funcional de ambas construções. O quarteirão central resulta como o mais singular do conjunto. Integra a bomba de gasolina pré-existente e um lote edificado com uma residência de dois pisos, não pertencente à propriedade, em frente à rua Gomes de Amorim. Em direcção ao interior propõe-se a construção de um bloco residencial demarcando a grande praça verde exigida no P.U., o qual se delimita no extremo oposto mediante um edifício singular destinado a escritórios, susceptível de albergar a sede dos Quintas & Quintas. Este espaço central, coração da nova actuação, prolonga-se a Oeste numa pequena área comercial, organizada entre a rua Patrão Sérgio e o novo eixo viário Norte/Sul, mediante o qual se resolve o desnível entre ambas ruas. A edificação na rua Gomes de Amorim mantém o alinhamento proveniente do Norte, permitindo prolongar a visão e gerar uma cunha verde entre as novas construções e a posição do sistema viário neste troço. Deste modo isola-se a bomba de gasolina da residência, integrando-a numa envolvente verde. A substituição da edificação do lote anexo à bomba de gasolina também se poderá realizar quando se considerar oportuno, sem inconvenientes e cumprindo as prescrições do P.U., dando lugar, inclusive, a que a área verde se prolongasse até a alameda, se isso se considerar desejável.
Fig. Nº 34 Fotomontagem aérea desta intervenção na Póvoa de Varzim.
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Fig. Nº 35 – Esquema de circulação viária.
Permeabilidade/acessibilidade automóvel A Rua Gomes de Amorim corresponde ao eixo urbano da cidade, sentido Norte/Sul, com maior procura de tráfego, característica esta que advém de ter sido estrada nacional, de ligação entre as cidades do Porto e Viana do Castelo, o que motivou um traçado rectilíneo dinamizador de fortes ocupações urbanas e usos limítrofes, correspondendo actualmente, ao principal eixo de ligação entre os centros das cidades de Póvoa de Varzim e Vila do Conde. Mantêm-se então na sua abrangência importantes geradores de tráfego, que determinam níveis de procura muito intensos praticamente durante todo o dia. A questão não será tanto os volumes de tráfego em causa, mas pelo contrário, a densidade de tráfego que se acumula ao longo da sua extensão, sendo determinada
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pelos inúmeros geradores de tráfego e factores de impedância existentes ao longo da Rua Gomes de Amorim. Não se está, pois, perante um problema de dimensionamento da infra-estrutura, mas antes, como organizar o sistema, no sentido do seu funcionamento, com o menor número de impedâncias, considerando o facto de que o crescimento do tráfego automóvel em meio urbano será sempre determinado pelos níveis de oferta instalados. A resolução dos problemas de tráfego, em meio urbano denso, não reside na crescente oferta de capacidade da infra-estrutura, mas antes na organização e gestão da existente, acrescida das conexões determinadas pela abertura de novas frentes de edificação, como sucede neste caso. No que respeita à atractividade da proposta, considerou-se que a definição de entradas em automóvel pelas ruas perpendiculares à Rua Gomes de Amorim beneficia a acessibilidade ao empreendimento, na medida em que mais cedo será possível sair da Gomes de Amorim para esses arruamentos, quer para tráfego com origem a Norte como a Sul e em cenários de maior saturação no eixo Norte/Sul. Por outro lado, considera-se importante a entrada para a urbanização pela Serpa Pinto, quer a partir de Nascente como de Poente dando continuidade à circulação envolvente aos lotes 1/2, o que determinou a proposta de dois sentidos de circulação no troço da Serpa Pinto imediatamente a Nascente da Rua Patrão Sérgio. Complementarmente, a transparência da solução urbanística a partir da Gomes de Amorim garante a necessária visibilidade da urbanização, em parte pelo impacte visual que terá a Alameda pedonal em frente à Basílica e principalmente pela praça criada ao longo da Gomes de Amorim. Nas cidades portuguesas, apesar de ser grande a percentagem de movimentos pendulares, do género casa/trabalho, com recurso ao modo de transporte a pé. É corrente a adopção por soluções urbanísticas que não favorecem a perspectiva pedonal nem a qualificação do espaço público, por via da excessiva motorização das soluções. Neste caso, investe-se na tendência de futura valorização do espaço público, sobretudo pedonal, através da contenção estratégica da circulação e estacionamento de veículos à superfície, sem prejuízo de uma boa acessibilidade e permeabilidade automóvel a esta intervenção. No que respeita aos movimentos de saída para a principal estrutura urbana que o envolve, procurou-se optimizar as oportunidades, quer através de saídas directas para a Gomes de Amorim, como ainda para as Avenidas dos Banhos e Santos Graça, respectivamente pelas Elias Garcia e António Graça.
Parque subterrâneo/acesso ao estacionamento privado Devido aos objectivos e condicionalismos definidos, considerou-se necessária a adopção de sentido duplo de circulação numa determinada secção do arruamento
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interno, eixo Norte/Sul, e a adopção de sentidos únicos na circulação envolvente ao lote 3, do gaveto. A proposta de criação de um parque público de estacionamento subterrâneo sob a Alameda e sob a rua Este-Oeste, acaba por corresponder a uma desmultiplicação dos arruamentos de superfície, para apoio ao estacionamento que é desvalorizada nos arruamentos externos, ficando estes vocacionados para cargas e descargas. Uma vez que a infra-estrutura de circulação rodoviária é desdobrada pelos canais de circulação interiores, propõe-se como princípio, a possibilidade das entradas para o estacionamento privativo dos lotes, a localizar nas caves dos edifícios, poderem-se estabelecer a partir do parque público de estacionamento, salvaguardada que
esteja
a
segurança
contra
incêndios.
Esta
solução
permite
reduzir
consideravelmente os níveis de tráfego à superfície no interior da urbanização, eliminando o atravessamento automóvel dos passeios para se aceder às garagens privativas, e valorizando quer as fachadas de rés-do-chão dos edifícios, que assim ficam libertas de portas de garagem, assim como a sua planta interna que deixa de necessitar de rampas de descida para as caves. O acréscimo de custos da solução proposta para o parque público subterrâneo será, deste modo, compensado pela qualificação exterior da urbanização e pelo melhor aproveitamento do rés-do-chão dos edifícios.
Circulação e Espaços Pedonais No que concerne ao sistema de circulação pedonal, é de referir a importância da Alameda da Basílica associada à Praça central, como espaços estruturantes da circulação e estadia de peões, prevendo que possam gerar animação própria capaz de atrair pessoas. A Alameda estabelece ligação de continuidade com a passagem construída para a rua Patrão Sérgio antevendo-se alguma concentração comercial, sendo este porventura o eixo de atravessamento preferencial. No sentido Norte-Sul, procurou-se dotar a rua de passeios com largura superior ao legalmente exigido, apesar das limitações do troço junto à Elias Garcia. Na confluência dos dois eixos optou-se por condicionar significativamente a passagem de veículos, através da criação de uma plataforma à cota dos passeios, elevada da faixa de rodagem, sobre a qual circularão automóveis nos dois sentidos, subindo e descendo por rampas relativamente suaves, e em partilha com os peões. Procura-se assim marcar de forma favorável ao peão o cruzamento dos dois percursos de maior potencial. Os passeios envolventes ao lote 3 apresentam larguras compatíveis com uma circulação confortável, incluindo arborização contínua. Outro dos espaços
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essencialmente preparados para os peões resulta do alargamento da Rua Gomes de Amorim em resultado do novo alinhamento da construção.
Loteamentos e usos/caracterização urbanística A concepção e o ordenamento do conjunto respeitam as premissas antecipadamente adoptadas no Pedido de Informação Prévia, de acordo com as seguintes questões fundamentais:
Integração da urbanização na área central da cidade;
Abertura de novos eixos viários garantindo-se o princípio da permeabilidade urbana, evitando-se a criação de condomínios fechados;
Criação de uma Alameda em frente à Basílica do Sagrado Coração de Jesus;
Criação de uma praça pública interior;
Criação de um espaço verde ao longo da frente para a Rua Gomes Amorim;
Previsão de continuidade de edificação nas parcelas vizinhas, garantindo-se assim um tratamento integrado para a globalidade do quarteirão urbano.
O Loteamento proposto pretende pois favorecer a concepção unitária no que respeita à resolução das frentes de edificação que compõem o conjunto. Distinguemse sete Lotes apoiados na nova estrutura viária proposta, os quais permitem definir os grandes espaços livres previstos na área de intervenção, uma praça central, uma cunha verde para a Gomes de Amorim e ao longo da sua frente, de ambos os lados da bomba de gasolina e da nova edificação. Todos os lotes apresentam mais do que uma frente para o espaço público, seja viário ou área livre. O uso dominante dos Lotes deste projecto é habitacional, excluindo os lotes 5 e 6, os quais se destinam a actividades do sector terciário. Os lotes de uso habitacional dominante, conformam as fachadas que delimitam a praça central, constituindo os elementos edificados de relação com a envolvente construída em que se insere o loteamento. Admitem como usos complementares comércio e serviços em geral, evitando-se a ocupação do rés-do-chão com habitação. O Lote 5 destina-se a um equipamento público cuja utilização deverá ser definida oportunamente pela Câmara Municipal. Em princípio a sua utilização deveria contribuir significativamente para a dinamização da praça, diversificando as actividades desse espaço de estadia e presença. Poderá ser um restaurante, lojas de cultura, sala de exposições com venda especializada, posto de turismo, entre outros.
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No Lote 6 prevê-se a construção de um edifício de escritórios, no qual se instalará a sede do grupo Quintas & Quintas, limitando o espaço público da praça central por Poente. As características adoptadas para cada um dos lotes no referente aos seus alinhamentos e área de implantação apoiam-se na intenção de assegurar a melhor integração da edificação na envolvente, potenciando simultaneamente, os valores urbanos do ordenamento, com a qualificação dos espaços livres de uso público. No lote 1 prevê-se o remate do edifício da nova rua Norte/Sul, com intenção de induzir à futura criação de um espaço livre que sirva de remate à Alameda, permitindo por sua vez o acesso pedonal ao pátio interior comercial. Neste espaço resolve-se a diferença de cotas entre a nova rua Norte/Sul e a rua Patrão Sérgio, possibilitando então a permeabilidade do conjunto aos peões. No lote 2, a quebra de alinhamento no topo Norte, em simetria com o lote 3, pretende marcar a entrada da rua Norte/Sul, coincidindo com a mudança de altura dos edifícios. No lote 3, e tendo como objectivo possibilitar a futura renovação de uma moradia pré-existente, prevê-se a descontinuidade da frente edificada para a rua Gomes de Amorim. O alinhamento adoptado para esta viabiliza a criação de uma cunha verde que envolve a bomba de gasolina. A consideração de um avançado na fachada posterior da edificação ao longo da Gomes de Amorim e rua Este/Oeste, possibilita o recuo do rés-do-chão com a criação de galeria, a definir no projecto de construção, e à face do comércio orientado para a praça central e para a Gomes de Amorim. O lote 4, destinado à futura edificação a cargo da bomba de gasolina, mantém o alinhamento necessário à viabilização da cunha verde, prevendo um espaço livre privado de passagem pública até à praça, criando uma relação singular entre o edifício e o espaço público. O lote 5, mediante a sua reduzida dimensão, destina-se a uma pequena construção, cuja utilização deverá reforçar a vitalidade funcional do espaço público à cota da praça pedonal. Este lote é delimitado pela implantação do edifício. O lote 6, é destinado a usos terciários, apresenta a singularidade de estar rodeado pelo espaço público da praça. A área deste lote corresponde ao limite da implantação do edifício, prevendo um espaço livre privado de passagem pública como elemento de transição entre o edificado e o espaço público. No lote 7, marca-se o alinhamento da Alameda mantendo por seu lado a edificação contígua com a frente para a rua Gomes de Amorim. Para potenciar a importância da Alameda como elemento estrutural da urbanização e de forte carácter
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simbólico, na relação com a envolvente em que se insere a intervenção, prevê-se a permeabilidade do piso térreo do edifício gerando um espaço ajardinado de acesso público no espaço livre do lote. Assegura-se então uma melhor relação pedonal entre os espaços livres da praça, a cunha verde e os espaços comerciais e de escritórios do edifício, articulados pelo elemento urbano, Alameda.
Fig. Nº 36 – 3D, vista da Alameda.
Fig. Nº 37 - 3D, vista do edifício de escritórios.
Fig. Nº 38 – 3D, vista da Praça Central.
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Fig. Nº 39 – Planta do Sistema de Espaços Verdes.
Sistema de Espaços Verdes Delimitam-se neste projecto de loteamento três espaços verdes e de utilização colectiva conforme condição municipal, designadamente Praça central, Cunha verde e Alameda. O primeiro localiza-se no coração da intervenção, espaço gerador de urbanização da área central, delimitada esta pelos novos arruamentos e determinante para a organização dos percursos pedonais de atravessamento e relação com a envolvente. Nesse espaço prevê-se a localização de áreas, conjuntos arborizados e espaços de estadia, com 2.871,29 m², representando 9,5% da área total. O segundo constitui um espaço livre em frente à rua Gomes de Amorim vocacionado para a conexão com a Alameda, permitindo afastar a nova edificação da
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bomba de gasolina. Tem uma superfície de 1.017,00 m², representando 3,4% da área total. A Alameda assume a característica de um passeio arborizado, a partir do qual se estendem os outros espaços verdes e de utilização colectiva, relacionando-se ainda com os espaços livres privados de passagem pública. A sua superfície é de 2.776,30 m², representando 9,1% da área total. A proposta urbanística contém áreas livres que deverão ser concebidas como espaço ajardinado, prevendo cumulativamente a arborização de algumas ruas e espaços. Interessa também realçar alguns aspectos que o projecto da especialidade de arborização e ajardinamento deve considerar. Em primeiro lugar e em termos genéricos, teremos a questão da localização geográfica. A proximidade ao mar e, em consequência, os efeitos do vento e nevoeiro marítimo, que assumem particular importância nas áreas plantadas sujeitas à sua influência. Contudo e sendo verdade que todo o perímetro urbano está sujeito a estas influencias, também não é menos verdade que esta se faz sentir de forma mais evidente nas áreas e ruas directamente afectadas pela orla marítima. É um facto que a cidade, com os seus prédios e grandes superfícies pavimentadas, é origem de alterações das características climáticas consideradas para um território, contribuindo para o aparecimento de particularidades micro climáticas. Na Póvoa de Varzim a influência marítima faz-se sentir essencialmente ao longo da marginal, pela sua ligação directa à linha de costa, e nas ruas com orientações compreendidas entre Noroeste e Norte, por ser daqui que sopram os ventos mais fortes. Neste caso, o traçado regular da cidade facilita a previsão. Sendo as principais ligações do interior ao mar feitas por ruas e avenidas paralelas entre si e com uma orientação aproximada Oeste/Sudoeste, direcção de onde habitualmente sopram ventos de pequena intensidade, não é por elas que se fará uma penetração violenta dos ares marítimos; contudo, a sua largura, quando conjugada com fraca arborização, não impedirá que estes se insiram na cidade. A influência do vento sobre a vegetação, não pode ser dissociada de outros factores limitativos, como é exemplo a salinidade do solo, ou tão só a sua qualidade, a disponibilidade hídrica, a compactação do solo ou volume disponível para a expansão radicular. Colaborei nesta proposta procedendo a rectificações e ajustes urbanísticos de forma a tornar esta, conforme com a lei vigente, reconhecendo procedimentos necessários à sua aplicação na prática. Neste projecto pude constatar não ter sido necessário recorrer a qualquer tipo de Princípio de Perequação/Sistema de Compensação, devido a estarmos perante uma Projecto de Loteamento que se
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localizava numa unidade de actuação pré-estabelecida pelas Normas Provisórias do Plano de Urbanização da Póvoa de Varzim, a qual era constituída por um conjunto de parcelas pertencentes a um único proprietário. Segundo o Arquitecto Eduardo Leira a Lei Espanhola “(…) seguramente teria limitado um âmbito maior o que obrigaria a recorrer à compensação. Ou seja, teria ido mais longe ameaçando, se necessário, com a expropriação. Em Portugal se tal tivesse sucedido teria sido a paralisação de todo o processo. “1
Fig. Nº 40 - Corte pela Praça Central, perpendicular à rua Gomes Amorim.
Fig. Nº 41 - Fotografia da maqueta, vista aérea.
Fig. Nº 42 - Fotografia da maqueta, eixo da Alameda.
Fig. Nº 43 - Fotografia da maqueta, vista da rua Gomes Amorim.
Fig. Nº 44 - Fotografia da maqueta, vista sobre a Praça Central.
1 Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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PLANO CONCEPTUAL
HAIKOU, CHINA
2.3.1 - Contextualização teórica Após séculos de distanciamento do ocidente e depois de uma revolução cultural que a isolou política e economicamente no mapa mundial, a china apresenta nos últimos vinte anos, através de uma politica económica implementada por Deng Xiaoping, uma nova faceta, a de se relacionar com a cultura ocidental. Sendo um país com grande densidade populacional e de vastos contrastes sócio-culturais, tem encetado esforços de internacionalização através de acções de politica económica perfeitamente programadas. Esta abertura económica e as realizações daí resultantes, expõem ao ocidente todo o potencial do país e sobretudo revelam a determinação política de transformar a China numa das principais potências mundiais a médio prazo. É representativo destas potencialidades o facto de, actualmente, a China representar 4% da economia mundial e apresentar um crescimento económico de 8% a 9%. É ainda de salientar a diversidade de eventos que a China se propõe integrar e dinamizar tais como a sua adesão à Organização Mundial de Comércio, a realização dos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 e a Expo Universal de Xangai 2010. Desenvolveram-se, na perspectiva deste grande objectivo, várias iniciativas governamentais, das quais se devem destacar a criação de zonas económicas de condições
particulares,
onde
se
concedem
infra-estruturas
viárias
e
de
telecomunicações a par de benefícios fiscais que tornem atractivo o investimento estrangeiro. Foram, então, estas denominadas de Zonas Económicas Especiais (ZEE). Inicialmente estas zonas específicas ocuparam localizações perto de Hong Kong, Macau e Taiwan, adoptando assim uma estratégia de mais facilmente possibilitar a convergência de capital, tecnologia e conhecimento estrangeiro. Este conceito de ZEE não se limitou apenas às localizações supracitadas, bem pelo contrário, alargou-se a outras cidades chinesas de forma a alargar os benefícios dai resultantes, criando-se inclusivamente um género de competição entre as diversas ZEE, visando cada uma oferecer condições de investimento mais rentáveis que as restantes congéneres para atrair a si o maior investimento possível. Mas o assumir de uma modernização não se limitou apenas à criação de ZEE´s, pois um novo fenómeno urbano desponta na china, o da construção de novas infra-estruturas destinadas quer às vias de comunicação, quer ao imobiliário para habitação ou para o sector terciário. Surge então uma ocidentalização na construção de habitações, substituindo-se os tradicionais bairros de casas em madeira pelo recurso à construção em altura, respondendo à falta de espaço e elevado preço do solo de algumas cidades chinesas. Contraria-se desta forma a construção tradicional
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de bairros populosos, com habitações familiares sobrelotadas, de materiais de construção primários, rodeadas de esgotos a céu aberto e onde um espaço público exíguo separa as habitações. Opta-se então por uma política de realojamento em massa, prezando um menor valor do Projecto de Execução em função de sistemas construtivos mais céleres e menos onerosos. Crescem também, por todo o lado obras públicas, como auto-estradas, aeroportos, portos marítimos entre outros, sem que muitas das vezes se oscultem preocupações de organização de espaço público, o qual é continuamente desconsiderado. Estas novas faces criam novas zonas comerciais, agrupando em novas infra-estruturas diversos ramos do comércio disperso pela cidade, mas não antevendo necessidades de acessibilidades adequadas ao correcto funcionamento e dinamização desses novos espaços. Esta política progressista recorre por vezes, quer por necessidade, quer por estratégia governamental, a nomes de relevo internacional de arquitectura, tais como Norman Foster ou Herzog, para a construção de edifícios singulares, concedendo assim um factor de destaque à cidade onde se encontra. Surge assim um tipo de organização que possibilita a importação da tecnologia e conhecimento estrangeiros, suportada na regulamentação local a qual prevê que os estudos prévios e projectos de base possam ser desenvolvidos individualmente por gabinetes estrangeiros, mas no que concerne a Projectos de Execução estes devem ser desenvolvidos em parceria com agentes locais. É nesta relação entre o que a China pretende e o estrangeiro oferece que se desenrola este esforço de internacionalização, contendo contudo erros e lacunas cometidas anteriormente entre outros países, na sua própria fase de desenvolvimento, mas pretendendo mesmo assim conceder à China um novo rosto de modernidade.
Fig. Nº 45 - Mapa de localização de Haikou.
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2.3.2 – Identificação da problemática
Principal problemática Haikou, capital da ilha de Hainan, é um território urbano com 2 milhões de habitantes, embora no centro da cidade habitem apenas 600 mil habitantes, incluindo o recentemente incorporado núcleo urbano de Quiongshan. Haikou é a cidade mais industrializada da ilha, contendo também serviços para visitantes e turistas, que transitam através de Haikou, após desembarcarem de barco ou avião. Na prática, os visitantes de Hainan chegam à ilha por Haikou, mas os únicos que realmente entram e permanecem na cidade são aqueles que viajam por outras razões que não sejam lazer ou férias. As áreas de costa da ilha, perto de Sanya, e à semelhança de outras áreas próximas da cidade de Haikou, têm desenvolvido zonas turísticas nos últimos anos, sendo estes os destinos preferenciais dos turistas. Considerando o facto de ser a capital de província e de ser a porta de entrada a norte da ilha, zona mais próxima ao território continental chinês, não há duvida que Haikou com os seus portos e uma nova reestruturação do aeroporto internacional é o principal ponto de acesso à plataforma. Neste sentido, o objectivo é tornar Haikou num destino específico para turismo. É uma mudança ambiciosa, poder-se-á então considerar que o presente concurso de planeamento urbano é um primeiro passo para a concretização de tal objectivo. A um nível geral, será necessário formular propostas e projectos à volta da cidade para a potenciar, dotando-a de serviços e actividades que a tornem atractiva para os visitantes. A natureza do desenvolvimento urbano proposto baseia-se em transformação, desde que seja concebido em áreas de oportunidade, no âmbito do concurso, e que reforce a ideia de um novo centro de cidade aberto para o mar. Desde que as áreas abrangidas, em geral, tenham sido destinadas a outros usos e se apresentem em condições precárias, é possível propor uma remodelação total e promover uma transformação em grande escala. Este conjunto de projectos originais e inovadores, de natureza variada, mas complementares entre si e em sinergia, será importante para alcançar uma singular e atractiva vista da cidade no centro da cidade de Haikou. O âmbito da proposta consiste numa extensão de aproximadamente 8 quilómetros, desenvolvendo-se como um eixo longitudinal ao longo da frente marítima a Oeste e a frente fluvial a Este. Inicialmente o âmbito era de aproximadamente 1000 hectares, o que se demonstrava como excessivo para uma simples proposta urbana. A
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posterior inclusão de duas ilhas, a de Haidian e Xinbu, ampliou o âmbito para aproximadamente 3000 hectares incorporando toda a costa marítima a Norte da ilha.
Outras problemáticas O concurso encontrava-se em conformidade com o objectivo de abertura da cidade ao mar, considerando que até à altura esta se encontrava de costas voltadas à linha marítima, desenvolvendo-se em direcção ao interior da cidade. A excepção à regra surge através do recente desenvolvimento em Haikou Wan, perto do parque Wan Lu o qual, embora ainda não se encontre totalmente consolidado, aparenta ser um bom precedente na promoção da área marítima da cidade. O âmbito, inicial e ampliado, apresenta duas versões do corredor marítimo. Ambas têm elementos comuns, frentes marítimas e o eixo longitudinal Binhai-Changdi, que abrange as diferentes áreas. O âmbito inicial corresponde à extensão histórica, incluindo simultaneamente a orla marítima e a zona de embarque do porto. O âmbito alargado acrescenta duas ilhas, abrangendo assim a totalidade da frente marítima ou Outerbeach da cidade de Haikou, apesar de apenas uma pequena parcela dos 10 quilómetros de frente marítima poder realmente ser denominada de praia. Em ambos constata-se um ponto de articulação comum, a Península, configurando-se como uma localização estratégica devido à construção da ponte New Century, representando esta uma conexão física que contribui para o conceito de frente marítima contínua. A par da presença da água, o outro elemento de continuidade, já anteriormente mencionado, ao longo da extensão litoral é a avenida Binhai-Changdi, a qual tem sido sujeita a intervenções urbanísticas complementares a acções paisagísticas, que se estendem a partir do extremo Oeste do porto até ao quadrante histórico da Península. Não existem dúvidas de que esta avenida é um elemento essencial da estrutura da cidade, com uma secção a Oeste consolidada, com palmeiras, alternando com outra que se prolonga em direcção à ponte, que atravessa para a ilha Xinbu. Se considerarmos o eixo Binhai-Changdi como um elemento estrutural que liga diferentes áreas
do
âmbito
em
questão,
serão
então
necessários
novos
elementos
complementares para integrar as diferentes áreas. Em vez de similaridades entre as frentes marítimas, existem nestas diferenças internas significantes. De Oeste para Este encontramos os seguintes elementos:
Porto de Xiuying;
Haikou Wan;
Parque Wan-Lu;
Península;
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Extremo Este da ilha Haidian;
Frente histórica Norte, ao longo do litoral;
Ilha Haidian, como um todo, com a inclusão da sua frente marítima Norte;
Ilha Xinbu, a qual completa o extremo norte da Outerbeach.
Porto de Xiuying Actualmente este porto mistura usos de passageiros com usos de cargas, contendo infra-estruturas que servem ambas as funções, concedendo um carácter no qual a infra-estrutura e imagem que serve os transportes de carga prevalece. Neste porto os ferryboats são barcos de longa distância, apesar de o terminal se ter tornado obsoleto e de existir uma mistura ineficiente de tráfego de cargas e passageiros. De qualquer modo a situação decorrente é irrelevante, pois as autoridades da cidade decidiram reestruturar o porto para usos exclusivo de ferryboats de passageiros, embora o comércio de mercadorias se mantenha por mais um tempo. Com esta especialização em mente, os aspectos mais relevantes em relação ao futuro plano urbanístico são os seguintes:
A eliminação do porto de cargas, condição necessária para libertar a plataforma e evitar o impacto ambiental negativo do porto, removendo armazéns e em particular, espaços de mercadorias ao ar livre;
O incremento do tráfego náutico, através da inclusão de ferryboats de curta distância, com uma ligação directa e frequente para o território continental;
A possibilidade de dar acesso a grandes barcos de passageiros, tais como barcos de cruzeiro. Esta transformação demorará tempo e subsequentemente este porto mudará
consideravelmente. Dever-se-á então antever a transformação da zona urbana terrestre, adjacente ao porto, a qual, se adequadamente concebida, poderá ser um catalizador de transformação do próprio porto. Existe uma faixa de terreno entre as instalações do porto e Haikou Wan, que apresenta uma natureza distinta. Esta área actualmente é fortemente influenciada pelo porto e praticamente constituída por casas de baixa qualidade, relacionadas às actividades do porto. A nível conceptual esta parcela de transição constitui um género de filtro, permeável a influências mútuas e possíveis conflitos de desenvolvimento, que tem lugar em ambos os extremos. Com o desenvolvimento da nova zona de Haikou Wan, serão exercidas pressões sobre o porto para que este se adapte às novas direcções urbanísticas. Paralelamente esta parcela produzirá uma modernização no porto com efeitos positivos que se repercutirão na área de Haikou Wan.
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Fig. Nº 46 - Fotografia actual, passeio marítimo de Haikou Wan.
Haikou Wan Esta é uma área excepcional da cidade, resultante de uma decisão anterior de modernizar o centro da cidade e onde a intenção de recuperar a frente marítima urbana é claramente manifestada ao longo da costa. O desenvolvimento nesta área consiste na concepção de uma malha urbana ortogonal, de ruas paralelas à avenida Binhai e com ruas perpendiculares dirigindo-se para a frente marítima. A malha urbana existente não foi ainda completamente construída, existindo áreas não totalmente consolidadas. O percurso recentemente construído ao longo da marginal aspira por se tornar num passeio pedonal ao longo da costa, mas não se demonstra como um elemento muito atractivo, aparentando ser incompleto e sombrio, como o resto das áreas envolventes. A falta de caracterização afectou construções adjacentes, nas quais as suas regras não são explícitas, tal como o passeio marítimo ao longo da costa. Este ambiente tem sido questionado pelo governo, o qual se encontra a considerar a falta de espaço verde, distâncias entre fachadas e passeios, construções costeiras para além do excesso de edifícios altos em conflito, não contemplando um crescimento gradual de cérceas a partir da linha de água. Mas a medida, correcta, anunciada pelo governo pode não se demonstrar suficiente, devido à dificuldade e excessivo custo implícito na implementação de algumas destas medidas. Torna-se então necessário um projecto abrangendo a área integral de Haikou Wan, através da inclusão de novos e atractivos elementos que possam superar erros passados, que de outro modo seria impossível de os resolver, como se tem verificado até à data. Em qualquer caso, até agora o objectivo de consolidar uma nova centralidade ou o centro da cidade em Haikou Wan não têm sido bem sucedidos. Apesar da sua privilegiada localização na frente marítima, está provado não ser uma alternativa ou um complemento característico a outras áreas interiores no centro da cidade.
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Fig. Nº 47 - Fotografia actual, Avenida Changdi.
Parque Wan-Lu. Wan-Lu é um magnífico parque da orla marítima, no qual, juntamente com a sua esplêndida natureza, parece existir uma falta de vivência e actividade capaz de intensificar os usos e divertimentos dos habitantes da cidade. Deveria seguir o exemplo dos parques urbanos, nos quais mesmo que muitos habitantes das cidades não disponham de tempo para desfrutar o parque, poderão usufruir minimamente dos espaços verdes ao por eles atravessar no desenrolar da sua rotina diária. Sem dúvida que este parque deveria ser considerado um ponto de partida para qualquer concepção, nova ou renovada, de um espaço verde urbano. Do mesmo modo que as restantes áreas consolidadas podem ser claramente distinguidas dentro do âmbito global, ainda mais neste caso, desde que recentemente se tornou num parque com um desenho coerente, o principal aspecto a considerar serão os seus limites. Para além disso, a possibilidade de completar e melhorar a frente
marítima
deve
ser
considerada
num
contexto
de
modernização
e
desenvolvimento da linha de costa urbana. Facto que se encontra contemplado na estrutura dos objectivos do presente concurso.
Fig. Nº 48 - Fotografia actual, vista para a Península, mais precisamente para o local de implantação do China Exhibition Center. Reflexões sobre o Urbanismo actual: o testemunho de um Urbanista Espanhol | 103
Fig. Nº 49 - Fotografia actual, Ponte New Century.
A Península A península é uma preciosa área urbana com elevado valor estratégico. Esta abrange uma dupla função de articulação na cidade, tendo de um lado a frente marítima urbana a Oeste e no outro lado, a dupla frente dos molhes da orla marítima a Este. Esta função, como articulação, é posteriormente desenvolvida por se encontrar localizada no centro do âmbito do concurso. Neste sentido, a península apresenta uma diversidade interna mais rica que as restantes áreas, encontrando-se actualmente a ser alvo de uma extensa transformação urbana. Esta área que oferece grandes oportunidades urbanísticas contém um terminal de ferryboat de curta distância que liga ao continente, apesar deste ser transferido futuramente para o porto de Xinying, no extremo Este do âmbito do concurso. Estas oportunidades têm sido relativamente desenvolvidas pela construção da nova ponte, que atravessa esta área. O nó viário, entre o eixo Binhai- Changdi e o acesso à nova ponte, transformouse numa referência, devido ao seu grande tamanho e localização central na cidade. É importante considerar uma série de projectos que se encontram sob a rampa de acesso à nova ponte. Existem quatro intervenções ao longo do extremo Sudoeste da península de Binhai, formando em conjunto a configuração de um diamante que é atravessada pela rampa de acesso à ponte. Embora estes projectos não se encontrem concluídos, a sua escala e carácter indicam que deverão ser completamente respeitados, não descurando que os promotores desta iniciativa possam desejar reconsiderar o seu projecto em relação à proposta explicitada, pois a estrutura das intervenções que a eles pertencente difere substancialmente com o aumento do âmbito deste projecto. O novo parque por debaixo da rampa de acesso à ponte é outro elemento de destaque a ser considerado na península. Parece razoável relacionar este parque com
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outro parque existente, alcançando deste modo uma continuidade entre os dois, embora o parque Wan Lu se encontre isolado do nó viário e de uma lagoa. A totalidade da frente marítima desta área da cidade poderá ser susceptível à remodelação e permitir oportunidades mais ambiciosas ao longo da extensão. No limite Este da península, entre o porto existente e o quadrante histórico, encontramos uma área urbana bastante degradada, que requer ser completamente reconstruída,
excepto
um
conjunto
de
grandes
edifícios
que
poderão
ser
justificadamente preservados. Igualmente, existe uma área urbana concentrada, dentro da península, que poderá também ser preservada, pois é compatível com as novas propostas para esta área, as quais irão afecta-la, devido à sua condição/posição estratégica.
Fig. Nº 50 - Fotografia actual, vista sobre o extremo Este da Ilha Haidian.
Extremo Este da ilha Haidian A próxima área a considerar é o dique Este da ilha Haidian, parte importante da extensão Oeste/Este no âmbito do concurso. Este dique tem aproximadamente 5 quilómetros de distância e varia na sua largura. Três subzonas principais podem ser identificadas:
O dique Sudoeste da ilha, desde a ponta Oeste até à ponte, com um número de edifícios de baixa densidade num estado precário;
O dique Sul desde a ponte ao início do canal, com as instalações industriais do porto e as áreas adjacentes degradadas;
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O dique Sul, ao longo do canal, caracteriza-se pela sua natureza urbana, com uma estrada consolidada, que é um potencial emblema da cidade. Dentro da estrutura da proposta e como resposta às oportunidades/requisitos
envolvidos, a prioridade deve-se posicionar na terceira subzona. Neste sentido, o tecido urbano completamente degradado, na zona anterior ao molhe, entre o canal e a First Avenue da ilha Haidian, irá requerer atenção imediata e deverá ser completamente remodelado. No passado, diversas propostas foram apresentadas para reestruturar esta área de oportunidade. Esta proposta inclui a completa remodelação desta área, de forma a se harmonizar com o restante grupo de propostas para as outras áreas abrangidas no concurso.
Fig. Nº 51 - Fotografia actual, fachada do centro histórico.
Fig. Nº 52 - Fotografia actual, fachada do centro histórico.
Extremo Norte da cidade, a fachada histórica do canal No final da avenida Binhai-Changdi, surge a avenida Changdi que se estende para Este ao longo do canal acompanhando a fachada Norte de uma série de edifícios singulares, que, embora sejam poucos numerosos, definem claramente e caracterizam esta área urbana. De facto, a grande densidade e construção urbana singular, que é típica deste género de quarteirão, encontra-se por de trás da fachada do tecido urbano consolidado ao longo da avenida Changdi. As ruas perpendiculares à avenida Changdi, que ligam esta margem urbana com o interior do centro da cidade são limitadas para cumprimento desta função. Por essa razão, será necessário remodelar este denso tecido urbano, tendo em conta que existem edifícios de grande valor histórico, os quais pertencem à herança da cidade. Tal facto implicará a definição de parâmetros e critérios, tais como a limitação das cerceas de edifícios que sejam
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incompatíveis com o tecido urbano pré-existente. Na medida em que esta área se encontra incluída no âmbito do concurso, poder-se-ão numa fase posterior propor recomendações. Qualquer proposta para planeamento urbano que envolva a reabilitação de edifícios deverá ser sujeita a estudos detalhados, edifício a edifício, e considerar ainda usos e população residente. Tal facto não se insere no âmbito do concurso. Uma proposta compreensível para esta área terá que ser vista de fora para dentro, em ordem a fomentar a transformação vital desta sensível área urbana, tendo em consideração a melhoria das condições de vida dos residentes da área. A intenção é preservar estas expressões populares dentro de um contexto de desenvolvimento, oferecendo uma melhoria das condições de higiene, mercados específicos de comida e serviços mais eficientes, como potencial atracção turística. Isto envolverá inevitavelmente mais estudos e planeamento detalhado, conjuntamente com as dinâmicas das propostas implementadas e demonstradas no presente concurso.
Ilha Haidian A totalidade da ilha foi incluída na extensão do âmbito do concurso. O mais recente e qualificado desenvolvimento ocorreu na área central desta ilha, hotéis, habitação de qualidade com tipologias variadas, escritórios, edifícios institucionais e um campo universitário, a par de um número de elementos estruturais que claramente indicam que a ilha, como um todo, não será alvo de remodelações maioritárias. Pelo contrário, a área de costa à volta da ilha, próxima ao centro Sul da cidade e ao extremo marítimo a Norte são definitivamente áreas de oportunidade para propostas. Poder-se-á então verificar no lado Oeste da ilha, lugar único para uma proposta singular, que sendo ocupado maioritariamente por aquaculturas, não se demonstra como suficiente o simples encher das lagoas artificiais e urbanizar, como actualmente parece acontecer, sem contemplar a possibilidade da natureza inerente deste terreno. O terreno ao longo do extremo Oeste da ilha encontra-se sob concessão como pagamento parcial pela construção da ponte New Century. Espera-se que este acordo não implique necessariamente que esta terra seja edificada e urbanizada. Em vez disso, estas duas considerações podem convergir se produtos altamente lucrativos surjam de um exclusivo e único projecto urbano desta área. O simples enchimento das lagoas costeiras deve responder a critérios gerais, tanto aqui como na Ilha de Xinbu. Simultaneamente, a praia que existe no extremo Norte da ilha devia ser preservada e reforçada de modo a se tornar numa parte integrante das propostas accionadas nesta área.
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Ilha Xinbu Esta ilha apresenta-se naturalmente mais conservada que Haidian, sendo o seu desenvolvimento urbano objecto de várias propostas distintas até à data. Não tendo sido totalmente consolidada, esta contém condições particulares, especialmente no extremo Norte que deverá ser avaliado de modo a determinar a oportunidade de implementação de elementos únicos em Haikou, em vez de optar por uma transformação urbana genérica com uma rede de ruas e edifícios. Deve existir um cuidado de não preencher elementos costeiros, preservando as praias naturais, pântanos e vegetações de mangue, sendo estes precisamente os que conferem à zona Norte da ilha um carácter único e possibilitam ansiar por uma oportunidade de efectuar algo diametralmente oposto ao desenvolvimento urbano genérico.
Uma possível nova área, caso as áreas supracitadas sejam consideradas como um todo: a confluência de água no extremo Este do âmbito. É importante considerar uma zona localizada entre as duas ilhas e a cidade continental, na confluência do rio Nandu e o canal que se estende a Oeste. Esta é uma área conceptual, que na prática, é um cruzamento fluvial. Existe um número considerável de restaurantes/barco ao longo do extremo Sudoeste da ilha Xinbu sendo este um potencial foco para actividades de lazer. A importância destes cruzamentos não deve ser subestimada, não se deve definir como fim do canal, mas pelo contrário, como uma confluência de oportunidade que deverá ser seriamente considerada na perspectiva de um espaço onde o principal protagonista é a água.
2.3.3 - Objectivos e estratégias do plano No seguimento da caracterização anteriormente desenvolvida e constatando as necessidades prementes a cada área, verifica-se não ser suficiente optar por bons projectos. O desenvolvimento positivo da cidade não será completamente alcançado a não ser que haja algo que consiga actuar como um motor de transformação ou catalizador do novo desenvolvimento, de um centro urbano atractivo. Até agora, o investimento necessário para melhorar uma cidade não é necessariamente tarefa do governo central, apesar disso muitas cidades declaram que o deveria ser. Na prática, é preferível avaliar que essa alguma coisa estabeleça a diferença e justifique especial atenção do Governo Central, gerando um lugar singular, uma Haikou que seja única e comparativamente exclusiva, devido a um mecanismo que inicia o processo de uma conversão específica, como uma cidade, de capital de
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Fig. Nº 53 – Planta Geral do Plano Conceptual de Haikou, China.
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província a um destino turístico internacional e de liderança entre a população da República da China. A maioria destas iniciativas serão desenvolvidas recorrendo a investimento privado, embora sempre em resposta aos incentivos gerados pelo motor de transformação de promoção pública, tal como possível pelo apoio público devido ao significante e alto valor urbano que estes projectos representam como a postura de Haikou. Se o investimento privado é capaz de oferecer algo novo e diferente à cidade, poderá ser possível obter apoio do governo de Haikou. De qualquer modo, todos estes projectos devem ser sólidos e negócios de relações comerciais lucrativas. Se não se verificam estas premissas, o investimento será escasso. Não obstante, a natureza excepcional destes projectos devem justificar fórmulas de investimento associado em fases para assegurar o apoio público. Segundo o Arquitecto Eduardo Leira “(…) O China Exhibition Center é projectado com a intenção da administração local possuir algo que funcione como base politica para oferecer a Pequim. Interessava projectar algo que, como o China Exhibition Center, transmitisse e justifica-se a razão pela qual os chineses já começam a viajar e a ter melhor capacidade económica. Aproveitando deste modo, que quem aqui vier de férias possa também usufruir de todas as outras potencialidades que a restante cidade oferece. Assim se expôs a problemática, não pensando imediatamente na integração da cidade na rota internacional de turismo.”1 A necessidade de um motor de transformação parece então óbvia. A proposta abordada propõe que poderia assumir a forma de uma exposição sobre a China de Hoje, a uma larga escala e a sua mutação rápida e fascinante transformação para o futuro. A exposição especial, de um tamanho e qualidade que nunca foi oferecida numa outra cidade chinesa, possibilitará demonstrar o que o crescimento económico significa e o que está implícito na presente transformação do país. A província de Hainan é um destino estratégico para o incipiente e rápido turista no crescimento industrial na China. É uma exposição ambiciosa, um somatório do que foi, o que está a acontecer e o que o futuro reserva e necessita a China. Deve ser localizada num lugar onde os cidadãos de Hainan possam aceder nos seus tempos livres, para além de que com o passar dos anos, possam surgir turistas de outros pontos da china como uma directa consequência da melhoria dos salários e das condições do trabalho. A própria exposição torna-se uma atracção, mas a sua fama e projecção no mundo necessita de ser promovida como um elemento urbano, uma arquitectura
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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concebida como referência, feita de complexos programa a uma grande escala, para variadas actividades de lazer que são típicas neste tipo de estrutura em outras cidades, algo que Haikou ainda não contempla. Adjacente à exposição da china e como um complemento à grande referência, existirá uma série de edifícios que são característicos deste tipo de espaço público. Estes elementos reforçam-se uns aos outros, física e funcionalmente, e melhoram um grupo edifícios de grande escala que, em conjunto, podem ansiar tornarem-se o símbolo e emblema de uma cidade. Embora as propostas propriamente sejam o mais importante, é conveniente explicar a sua concepção para entender o seu papel, como catalisador de um processo de transformação. O objecto, e de acordo com o desafio do concurso, deverá gerar transformação urbana na área central da cidade de Haikou, ao longo da orla marítima, desenhando áreas que sejam diferentes entre elas e entre o centro da cidade. Naturalmente, todas as áreas não podem ser desenhadas da mesma maneira como se todo o âmbito fosse homogéneo. Um âmbito tão alargado como este, não pode ser limitado pela homogeneidade ou tratamento indiferenciado. Isto pode ser perigoso, e a tendência, no planeamento urbanístico tradicional está baseada no método de zoning, que indiscriminadamente estabelece os usos dos terrenos ao longo do território abrangido. Em qualquer caso, o sistema zoning pode ser o resultado ou o passo final de um processo normativo, depois de ter estabelecido a intenção e de como a desenvolver. Efectuando-se correctamente, torna-se óbvio que nem todo o território é o mesmo e deste modo não se deverá sujeitar ao mesmo tipo de tratamento. O plano conceptual proposto inclui uma prática referida desde o início desta análise, a formulação das propostas com um objectivo, as quais neste caso correspondem à confirmação de Haikou como uma grande cidade, que incorpora um espaço urbano/turístico, ele próprio uma atracção. Neste sentido, nem todas as áreas incluídas no âmbito oferecem condições similares. A capacidade e abrangência das propostas suportam-se nas oportunidades que podem ser identificadas, tal como o foi descrito anteriormente. A ideia é identificar exactamente onde é possível alcançar os melhores e mais positivos efeitos de transformação. E será nesses lugares onde é necessário intervir com a percepção realística da transformação urbana que pode ter lugar e que será maioritariamente dependente no quê? como? e onde as coisas são feitas? de tal maneira que os efeitos sejam como o desejado.
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De um ponto de vista estratégico, a urgência é outro critério a ter em conta. Em alguns casos, será necessário por em causa outros projectos que foram previamente aprovados, desde que estejam em conflito com as novas propostas tolerantes e possam expor a sequência de transformações urbanas que sejam pretendidas com novas iniciativas. Da mesma maneira, pode ser necessário atrasar projectos que tenham sido questionados antes deste concurso, de modo a adapta-los aos novos objectivos estratégicos implementados e ajusta-los para o processo global. Como indicado antes, a abordagem pressupõe um processo, ou seja, o método requer que procedamos a uma estimativa de onde e quando as intervenções deverão ser efectuadas para maximizar os desenvolvimentos em todos os aspectos, incluindo projectos e iniciativas anteriores, de tal modo que o tecido urbano é efectivamente transformado, dentro e fora do âmbito do concurso. Combinando objectivos e considerando todas as situações possíveis, muitas cidades têm experimentado uma transformação urbana, para o melhor ou pior alcance e com maior ou menor sucesso. Um primeiro exemplo é a cidade de Barcelona em Espanha, devido ao âmbito de ambiciosa transformação e à velocidade a que se alcançou, um período de oito anos prioritários em função dos Jogos Olímpicos de 1992. Parece que Pequim está a experimentar um processo similar de transformação urbana em antecipação dos jogos Olímpicos de 2008. Tem havido um grande debate relativamente ao processo de transformação urbano, rápido ou lento, mas sempre baseado nos motivos e objectivos para um prazo fixo ou flexível. Conceptualmente e praticamente falando, o importante é estar atento aos mecanismos que melhor podem catalizar todo o processo. Algumas vezes este processo é comparado a outras ciências, por exemplo à acupunctura, a qual na aplicação de agulhas em áreas específicas do corpo humano produzem benefícios noutras áreas. A essência é saber como e quando catalizar o processo. Inicialmente, a estratégia é direccionada para a capacidade de projectar o elemento/motivo que pode atrair investimento público especial, que possa ser a ancora para posteriores interessados e para investimentos do sector privado. Com o estabelecimento deste elemento como a Exposição Chinesa, em termos de metodologias urbanísticas, o próximo passo é aceitar onde e como esta ancora será localizada, com o benefício adjacente que esta se torne no símbolo ou emblema de Haikou. Partindo deste ideia, a tarefa é conceber e intervir em todas as áreas/oportunidades que foram detectadas e criar a melhor e mais original forma de desenvolvimento, como elementos dinâmicos com efeitos positivos capazes de catalizar o processo, denominando-se então de motor de transformação.
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Fig. Nº 54 – Esquema da localização das Operações Estratégicas.
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Operações Estratégicas Em termos conceptuais, intervenções integradas num espaço específico, qualquer que seja a escala, devem ter efeitos positivos na sua área envolvente. O termo integradas significa que incluem usos, edifícios, infra-estruturas e espaços
urbanos,
sem
previamente
designar
uma
estratégia
sectorial
e
unidimensional, que infelizmente é o caso frequente no planeamento do sector funcional. As operações estratégicas deveriam fazer parte do projecto complexo ou de algumas intervenções cingidas ao interior de uma sistemática repetição, com variações integradas e sub-projectos que juntos podem reunir uma unidade urbana com atributos que são realmente identificados. A presente proposta oferece um vasto leque de oportunidades/áreas que tornam possível conceber Operações estratégicas. O conceito de uma acção estruturante ou mais genericamente de uma acção estrutural, é a ideia de identificar, dentro das propostas que estão sistematicamente formuladas em cada área, as acções ou elementos com carácter estrutural, devendo ter, na interpretação global de cidade, uma grande relevância ou incidência estrutural no todo, conjuntamente com as operações estratégicas e principalmente no processo de transformação urbana proposto. As operações estratégicas, para transformação integral, estão sempre baseadas em acções estruturantes. Muitas vezes dependem intrinsecamente destas acções e tornam-se uma parte consubstancial das mesmas. Noutros casos, as acções respondem ao facto, de uma ou mais operações, terem sido estabelecidas na ausência de acções estruturantes, podendo assim os resultados destas operações falharem. As operações estratégicas estão identificadas, como um complemento aos desenhos e outros documentos gráficos, e depois estas são explicitadas ao responder às seguintes questões: porquê estão elas formuladas, com que propósito e como podem ser elas preenchidas? Cada acção estratégica é a resposta à oportunidade existente na área que abarca, algumas são evidentes e outras são menos óbvias, sendo mesmo dissimuladas. As oportunidades que surgem em cada caso são diferentes devido às operações estratégicas serem tão variadas. Algumas podem ter elementos comuns, na maioria dos casos devido à omnipresença da água, mas ressalvando sempre que não há duas operações iguais.
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Fig. Nº 55 - China Exhibition Center.
China Exhibition Center Embora a natureza da estratégia do China Exhibition Center já tenha sido mencionado, é necessário determinar a sua localização ideal de modo à posteriori delinear e especificar, os elementos arquitectónicos que constituem este complexo urbano. A localização proposta é derivada da dupla condição, de centralidade e característica de articulação urbana, que é intrínseca à península. Por um lado, a vantagem da localização concede protagonismo à referência da frente marítima urbana, que pode ser compreendida por uma diversidade de pontos de vista. Por outro lado e numa perspectiva mais prática, consiste numa área de terra que é ganha ao mar, deste modo espera-se que a implementação deste ambicioso projecto apresente poucos ou mesmo nenhum conflito com os direitos dos proprietários de terrenos e concepção. Neste sentido, a proposta do complexo é situada sobre a água no extremo Noroeste da península de Binhai. É concebida como um promontório, um conjunto de volumes e edifícios que constituem um enorme complexo, abrigando uma enorme exposição na qual o tema central é a China de hoje e no futuro. O espírito em que se baseia esta iniciativa suporta-se na ideia de que este elemento assuma a função de
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Fig. Nº 56 - Esquiços da Proposta do China Exhibition Center.
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Fig. Nº 57 - 3D, vista aérea da proposta do China Exhibition Center.
Fig. Nº 58 - 3D, vista da entrada do China Exhibition Center.
Fig. Nº 59 - 3D, vista da marginal da Península.
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uma
âncora,
podendo
estimular
esforços,
capturar
atenção,
aparecer
significativamente e assegurar recursos do governo nacional. Acede-se ao China Exhibition Center através de uma praça de grandes proporções no final da avenida New, sendo esta uma extensão de uma rua préexistente, que dá acesso a um novo parque. A exposição é o ponto fulcral e o membro proeminente de um grupo de edifícios auxiliares que respondem à dupla condição:
Serviços urbanos de alta qualidade, característica típica de uma cidade internacional, orientada para residentes e visitantes de Haikou;
A ocupação de uma plataforma singular e volumosa, de modo a torná-la visível entre uma série de componentes, que, juntos, formam uma entidade de escala monumental.
Estes componentes podem ser os seguintes serviços:
Opera;
Auditório, de vários tamanhos para música, concertos, teatro, congressos, convenções, entre outros;
Um macro restaurante;
Um aquário oceanográfico que se localiza literalmente no mar;
Uma escola de artes: dança, ballet e drama. Evidentemente, o programa precisará de ser discutido com detalhes. No
primeiro ponto, o importante é transmitir a conveniência deste projecto em Haikou, como uma facilidade e como um monumento emblemático na cidade, um símbolo da identidade, para deixar os visitantes deslumbrados e aumentar a confiança dos residentes, resumindo, um elemento que pode adoptar a função do que se tem vindo a definir como um motor de transformação. As coberturas dos grandes volumes ancorados ao mar constituem magníficos espaços abertos ao público, podendo ser transformados em bancadas para eventos nocturnos de grande escala como um palco ou foco central a incidir sobre a zona da exposição. O conjunto de volumes está definido como pétalas suaves de uma flor gigante, que se abrem criando grandes espaços públicos exclusivos, ambos para contemplar a envolvente ou somente atravessar.
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Fig. Nº 60- Haikou Wan e a proposta da torre Farol.
A torre farol de Haikou no jardim do oceano qualificando Haikou Wan Esta iniciativa implica a ambiciosa hipótese de criação de uma nova imagem da área de Haikou Wan. Como anteriormente mencionado, o objectivo de um novo centro da cidade para esta área ainda não foi conseguido, não significando isto que tal não seja possível. É então necessário a existência de algo poderoso para reforçar a essência e o valor desta parcela. A proposta baseia-se em usufruir das vantagens oferecidas pelos bares da praia, que se encontram na costa, começando esta a envolver a baía criando uma lagoa exclusiva, com um desenho único. Inspirado na beleza e no equilíbrio do contraste entre os bares da praia e da linha de costa convexa, o arco que se estende do lado de fora da costa é uma estrada e acesso pedonal aos edifícios num original e irregular espaço público. Este arco assemelha-se aos diques frequentemente vistos ao longo das costas britânicas e americanas, mas radicalmente diferente no sentido em que é um circuito contínuo e não um simples ir e voltar da costa. A baía controlada é acessível a iates e barcos de passageiros por uma ou mais pontes móveis ao longo do
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arco. Isto terá um efeito excelente na linha de costa interior que actualmente apresenta um carácter carenciado, em vez da sua prioritária localização na cidade. Novos edifícios são propostos a par de novas utilidades a estes atribuídas em conjunto
com
outros
edifícios
já
em
desenvolvimento.
Estas
intervenções
arquitectónicas devem ser diversificadas e singulares, mas não muito altas de modo a assegurar boas vistas para o mar. Esta área deverá desenvolver habitação com alta qualidade, centros comerciais, um hotel exclusivo, ou seja, efectuar o melhor aproveitamento da oportunidade através da diversidade de estilos de edifícios entre uma marginal ampliada pelo arco que estende mar dentro. A
proeminente
torre
transparente,
praticamente
verde
e
singular,
é
acompanhada por duas outras torres, mais pequenas, nos extremos do arco. Constituem três referências para a área na qual a característica dominante é a originalidade. Será esta a torre mais alta de Haikou? Porque não. O importante é que seja um farol que transmita a mensagem explícita que Haikou se tornou numa cidade única e capital de lazer dos habitantes da República chinesa. Obter uma posição no mundo globalizado de hoje não é uma tarefa fácil, é definitivamente uma possibilidade que tem que ser seriamente considerada. Claro que o gasto envolvido, especialmente na torre Farol e outros possíveis elementos da proposta, são extraordinariamente altos, mais altos que qualquer intervenção concebida em Haikou. Portanto, a estratégia envolve a criação conscienciosa da oferta de alta qualidade, que é capaz de
Fig. Nº 61 – 3D da proposta do edifício-torre Farol.
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competir com não somente outras áreas da ilha, mas também com cidades como Hong Kong, Shanghai, Singapore, entre outras. É este um projecto muito ambicioso? Talvez, mas tais projectos devem ser concebidos com um alto grau de ambição. Há exemplos no mundo que têm provado com sucesso esta abordagem. A experiência tem mostrado que tal escala de projectos não assusta os investidores, pelo contrário, há um pequeno grupo, da classe mundial de super investidores, que só se interessam por propostas que sejam ousadas e ambiciosas. O Arquitecto Eduardo Leira reforça então que esse é o fascínio de trabalhar na China, “(…) Que tem a China de fascinante? É que em principio nos grandes projectos não pestanejam, não se surpreendem, não dizem que não antes de se começar a falar. A torre Farol que propomos em Haikou, praticamente seria irreal e quase impossível de projectar em qualquer destas costas, quando é algo que podia ser fantástico. Porém da China não temos um exemplo tipo para saber se algo se vai fazer, mas pelo menos é um país que a nível de ideia e proposta permite projectar algo que muito dificilmente se aceitaria na Velha Europa, tão regulada e contida nas propostas. Compensa arriscar na China, embora a dificuldade e quase impossibilidade de comunicação, o complicado que são, o mal que pagam, o quanto tentam enganar para que faças trabalho grátis.”1 Portanto, esta segunda operação estratégica é directamente fundamentada para o sector do investimento privado. Pode-se accionar uma função em complemento sinérgico e reforçar mutuamente o diferente exemplo da primeira operação, na qual o China Exhibition Center depende do financiamento público para se tornar realidade. Ilhas paradisíacas de Haidian A intenção principal nesta operação estratégica consiste em usufruir das oportunidades existentes na área da costa Oeste de Haidian, em particular, dos pequenos corpos de água que são utilizados para aquacultura. A proposta baseia-se na oferta de um produto misto, constituído por usos residenciais
e
docas
de
barcos,
ou
seja,
uma
combinação
atractiva
de
desenvolvimento residencial com totais utilidades de portos. O tema principal é a água, sendo esta uma condição reforçada pela paisagem existente, e por uma série de ilhas e penínsulas com acesso ao território, apresentando estas, um jardim de passeio perimetral com docas de barcos. Será necessário então a construção de uma boca artificial, aberta para o canal marítimo existente na margem Sul da ilha, dragando lagoas, que actualmente se utilizam como piscinas de aquacultura, de forma a ganharem profundidade. O solo,
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004
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que é dragado, poderá ser utilizado para conceber as novas ilhas artificiais e penínsulas que servirão de suporte à nova zona residencial e respectivas ruas. O novo tipo de edifícios a implementar deverá variar em função de uma adaptação dos requerimentos de mercado, apesar da maioria das casas préexistentes constituírem habitação uni-familiar de qualidade relativamente superior. Paralelamente à habitação, serão requeridos serviços, tais como um aparthotel, em harmonia com o ambiente, e um aluguer de barcos, possibilitando que esta e outras áreas da ilha possam desfrutar do elemento água. Como anteriormente mencionado, o terreno associado a estas operações estratégicas encontra-se sob concessão, como parte do pagamento do custo de construção da ponte New Century. Deste modo, esta intervenção dependerá de fundos privados para criar um novo género de turismo residencial que desenvolva a cidade da água. Associando-se a esta operação da costa Oeste da ilha Haidian e juntamente com outras considerações promotoras, são idealizadas mais propostas para o extremo Norte da ilha. O outro grande projecto consiste num campo de golfe, na marginal marítima, que poderá ganhar um status exclusivo devido à sua localização ao longo da costa. O campo de golfe contém também desenvolvimento urbanístico na construção de casas e bangalós, geridos como um hotel. Esta área Norte da ilha será ainda reforçada pela reestruturação da sua praia natural com acessos melhorados, estacionamento automóvel e zona de serviços, para tornarem esta área como um dos pontos principais de lazer em Haidian e Haikou.
Praça de água No extremo Este do âmbito do concurso, existe outra operação que apresenta um carácter distinto. A água permanece como grande tema paralelamente a uma concepção espacial, inovadora, na qual a malha urbana é constituída por uma série de formas com diversas direcções. Esta proposta é localizada na confluência de dois canais do rio Nandu, incluindo um espaço comum, conformado pelo extremo Sudoeste da ilha, uma secção da ilha Xinbu e a frente marítima norte do continente. Este espaço tende a ser circular devido à sua configuração singular circundando o elemento água, sendo denominado de Praça de Água. A configuração desta praça, especial e única, é concebida na superfície da água e conformada pelos edifícios e instalações existentes na costa circundante. A operação está ainda dependente de uma nova estrutura concebida para receber o novo elemento do sistema viário, o metro ligeiro. É evidente que a presença deste transporte irá conferir um grau elevado de modernidade a esta praça, tal como às
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restantes áreas que este abarca. É na Praça de água que o metro ligeiro desempenha um papel de maior relevo, visto este ser um elemento de configuração da estrutura da
Fig. Nº 62- 3D da Praça de Água.
praça, rodeado e servido no espaço interior de passagens superiores com usos múltiplos, tais como tráfego pedestre e bicicletas. Esta operação conclui-se com um projecto residencial no extremo Oeste da ilha Haidian a par de uma zona terciária constituída por um edifício de escritórios sobre um centro comercial. A questão essencial deste projecto é assimilar o conceito do vazio como centralidade.
Cidade da água de Haidian, no extremo Sul da ilha Esta proposta encontra-se localizada numa vasta extensão ao longo do extremo Sul da ilha, pretendendo configurar a rede viária desta zona. A actual condição precária desta área justifica uma renovação completa, a qual, embora tenha sido alvo de várias propostas anteriores nunca efectuadas.
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A proposta consiste numa ideia de ampliação da frente marítima de modo a ocupar terrenos baldios. Nestes, criam-se plataformas de variadas dimensões estabelecendo a possibilidade de implementar diversas funções, as quais possam ser determinadas numa fase posterior do desenvolvimento do projecto. Esta operação inclui também uma rede de canais principais, que estão conectados com o curso de
Fig. Nº 63 - 3D da Cidade de Água.
água e do qual será possível obter acesso ao rio, a par de uma série de canais secundários criadores de uma variedade morfológica urbana. Vários pontos de referência são implementados, agrupando deste modo usos e tipologias singulares de edifícios. Paralelamente, as tipologias dos edifícios adjacentes ao canal principal ajudam a criar uma avenida fluvial reforçando a sua posição
Fig. Nº 64 – Cidade de Água.
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hierárquica na malha. O extremo Norte desta operação requererá uma linha de edifícios de grande altura, sendo possível preservar alguns dos edifícios pré-existentes, especialmente os que apresentam maior cercea.
Novas actividades no centro da cidade A península Binhai, como espaço urbano de articulação, oferece ainda a oportunidade e possibilidade de remodelar na totalidade uma vizinhança urbana que se encontra num estado precário. Esta operação inclui usos e actividades com carácter de centralidade, um centro comercial de grande escala e um edifício de escritórios, assim como outro elemento de referência vertical na construção de uma série de edifícios de grande envergadura da proposta. A operação responde a um critério generalista baseado no facto de que tudo que não oferece possibilidades futuras deve ser completamente remodelado. Neste seguimento, dentro desta área, a estrutura urbana actual será demolida, com a excepção de alguns edifícios que justificadamente se mantêm e se adaptarão ao novo contexto. Esta intervenção configura-se também como um elemento urbano que prolonga esta remodelação, de frente marítima terrestre, de forma a influenciar a malha urbana perto de Changdilu.
Uma nova fachada para o quadrante histórico Esta operação estratégica encontra-se relacionada com a herança de edifícios que têm um certo protagonismo histórico. A concepção e implementação de uma nova fachada iniciar-se-á com o complexo processo de desenvolvimento da malha urbana histórica de Haikou, como consequência as ruas estreitas, os restaurantes populares e os edifícios clássicos devem ser melhorados servindo deste modo de atracção turística. A proposta inicial pretendia efectuar duas intervenções específicas na frente marítima histórica, adicionando ainda uma intervenção específica para reforçar a possibilidade futura de um acesso pedestre a esta área, como contraponto à nova ligação pedestre com a cidade da água de Haidian. As duas intervenções prioritárias fundamentam-se na reorganização da malha urbana, cortando a linha de edifícios e possibilitando a criação de espaços públicos como um modo de enriquecer a funcionalidade urbana desta fachada histórica. A primeira acção inclui um espaço público dotado de serviços, enquanto a segunda intervenção fundamenta-se na criação de uma nova frente urbana, desenvolvendo
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uma frente histórica, duma forma unitária, como potencial atracção funcional em Haikou.
Fig. Nº 65 - Novo Porto de Haikou.
O novo porto de Haikou A transformação deste porto foi previamente planeada. De qualquer modo, é necessário rever esta expansão e definir a sua transformação, dentro do contexto do âmbito do concurso. O novo porto será concebido como um terminal de passageiros para ferryboats, de curta e longa distancia, e barcos, de longos cruzeiros, sendo possível atracar por grandes períodos de tempo como autênticos hotéis flutuantes. Esta estadia será mais ou menos prolongada, dependendo das atracções oferecidas pela cidade de Haikou. Será necessário ampliar o porto criando um novo dique e uma nova área interior de embarque para ferryboats e barcos de cruzeiro, paralelamente a instalações complementares e outros serviços requeridos. Considerando que será ampliada a sua escala e importância, propõe-se uma nova e monumental entrada para a zona do porto, a qual pode funcionar como uma verdadeira plataforma de embarque da cidade.
A nova recriação urbana do porto Esta intervenção é considerada como um complemento ou mesmo uma parte integrante da primeira operação estratégica, o China Exhibition Center. Encontra-se
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localizada a Oeste da ponte New Century e assume-se como possível substituta da instalação precário do porto ao longo da frente marítima da península Binhai. Esta frente marítima consiste num recurso urbano prioritário, que pode apenas ser recuperado através da demolição e transladação da estrutura obsoleta existente, construindo novas instalações com outra função e novos critérios. O complexo envolve três áreas de porto sequenciais, uma grande área para paragens ocasionais e grandes barcos, um porto de barcos de tamanho médio e outro de pequenos, os quais em conjunto preenchem a possibilidade de todos os tipos de barcos, locais ou de visita à cidade. Em complemento ao anteriormente mencionado, desenvolver-se-á uma zona residencial de alta qualidade proporcionada por uma magnífica paisagem de frente marítima.
Fig. Nº 66 - Pontes pedonais.
Fig. Nº 67 - Linha do Metro ligeiro.
Sistema de transportes
O sistema de transportes da área do projecto deve ser integrado no esquema geral de transportes de Haikou, não descorando o facto do sistema viário e do sistema de transportes públicos estejam obrigatoriamente incluídos. Estes dois elementos fundamentais encontram-se inter-relacionados, devido à divisão modal que os torna complementares, mas também porque a infra-estrutura do sistema de transportes públicos é preferencialmente o sistema viário e quando tal não se verifica existem cruzamentos entre os sistemas. A solução ideal para todo o sistema de transportes consiste não somente no somatório de soluções individuais de cada subsistema mas sim numa solução que contemple as diferentes relações existentes entre os diferentes subsistemas. O sistema de transportes, na área de abrangência do projecto, foi concebido simultaneamente a partir do sistema viário e de uma perspectiva estrutural de tráfego a par da vertente de transporte público. Modelam-se assim as diferentes alternativas num processo interactivo cujo objectivo é providenciar um bom nível de acessibilidade
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à área em questão, protegendo porém a característica particular, de eixo verde litoral, dos impactos negativos provenientes do sistema de tráfego.
Sistema de Espaço Público
A estrutura dos espaços públicos é um somatório de todos os vazios onde não é permitido construir, conjuntamente com as artérias de tráfego mais importantes e o espaço público dedicado a actividades não produtivas. Na generalidade, estes espaços públicos encontram-se associados com a estrutura ecológica da cidade. Esta estrutura ou mais especificamente a estrutura ambiental onde estes se suportam, é elemento fundamental numa cidade desde que a qualidade e complexidade destes espaços produza um efeito directo na qualidade do espaço urbano e subsequentemente na dos cidadãos. Embora o sistema de espaços públicos se encontre fora do domínio público, o sistema de espaços verdes da cidade é um conceito simultaneamente público e privado, numa óptica conceptual. Em qualquer caso, e inserido no contexto da proposta, limitar-se-ão considerações sobre áreas públicas e áreas para uso público no sentido de que ambas as estruturas sejam uma só. A primeira estrutura é constituída por elementos alargados e bem definidos com uma autonomia funcional, incluídos no sistema global de espaços urbanos, parques urbanos, parques temáticos, instalações desportivas, entre outros. A segunda estrutura é a que liga unidades de grande escala e introduz o elemento natureza no dia a dia dos cidadãos à escala urbana. Apresenta pequenos elementos por vezes contínuos, na vizinhança ou a nível local, tais como percursos verdes, parques lineares, entre outros. No presente âmbito, a estrutura verde incipiente pode ser compreendida com elementos consolidados, tais como o parque Wan Lu, o parque Binhai, o eixo Changdilu ao longo dos molhes e das principais avenidas na ilha de Haidian, em simultâneo com as recentes intervenções sob a ponte New Century. Esta proposta de espaço público incorpora novas peças, paralelamente ao ajuste de peças pré-existentes permitindo reorientar funções e objectivos. Em alguns casos pretendese aumentar a densidade, a par do recurso a sistemas ambientais e espaços públicos como significado da melhoria da qualidade urbana e por último, preparar a cidade para um novo investimento, o turismo.
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Fig. Nº 68 Fotomontagem, vista do parque ecológico asiático.
Fig. Nº 69 Fotomontagem, vista do parque ecológico Asiático.
Fig. Nº 70 Fotomontagem do golfe de Haidian.
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Fig. Nº 71 – Esquema das Acções Estruturantes.
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Acções estruturantes
As operações estratégicas baseiam-se em elementos estruturais que afectam directamente a estrutura da cidade. Identifica-se e descreve-se a selecção de elementos especialmente relevantes dentro do sistema, representando estes as denominadas acções estruturantes, encontrando-se directamente relacionadas com as operações estratégicas, no sentido em que o desenvolvimento destas últimas se encontram dependentes da implementação de tais acções. A preocupação com as acções estruturantes provém da interpretação da proposta para toda a estrutura funcional da cidade. Poder-se-ão apontar diversas acções estruturantes, sendo a primeira referente à estrutura viária na qual se podem destacar quatro eixos onde intervir, a avenida Changdilu, a nova avenida norte, a ponte da Praça de Água e respectiva transversal e finalmente a ponte da península. A linha de metro ligeiro configura-se como outra das acções estruturantes que rapidamente se tornará num emblemático símbolo da cidade. É um elemento essencial na reorganização da estrutura urbana, sendo necessário inter-relaciona-lo com as operações estratégicas. Não se deve, para tal ambicioso efeito, descurar a construção de diversas passagens superiores que assegurem a continuidade deste eixo ao longo de toda a proposta. Outra acção a considerar é a que concerne aos espaços públicos. Estas acções relacionam-se com a estratégia que assume a condição de não se limitar a unicamente alargar os espaços verdes, podendo ainda especializá-los e diferenciá-los, tal como acontece no parque New Science, no parque Xinbu, entre outros.
Nesta proposta a homogeneidade é conscientemente negligenciada e a malha resultante deve ser considerada como tal, porque a diversidade interna torna a compreensão genérica e unificada impossível. Dado a sua diversidade, qualquer tipo de síntese, mesmo de mero entendimento pode revelar-se bastante difícil. É importante perceber que é um somatório de vários elementos, contribuindo todos para um resultado final. A originalidade surge como um atributo e um requisito do sucesso. Se a originalidade é interpretada em vários elementos, ou seja, absorvendo referências que são intencionalmente transpostas e adaptadas a Haikou e às suas condições únicas, o resultado será ele próprio uma oferta muito exclusiva. Esse é o desafio e o valor da originalidade, que abstractamente poderá tornar-se num atributo arriscando uma nova implementação em Haikou.
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A diversidade juntamente com a singularidade que se procura em cada operação estratégica, responde à intenção de construir uma cidade para grande turismo, a qual Haikou aspira ser e possui grande capacidade para o atingir. A cidade não só oferece diversidade aberta a diferentes procuras, mas também se torna num espectáculo. Algo que constitui por si própria uma atracção turística, uma cidade concebida na sua nova forma e relação com o mar. Paralelamente à diversidade e diversos recursos, todas as novas acções em Haikou respondem ao critério comum de integração ou elemento, o espaço verde. Haikou é uma cidade tropical que tem a possibilidade de se poder rodear, nas suas áreas urbanas, e preencher os seus espaços públicos, com uma vegetação vistosa. Esta é uma característica consubstancial a toda a proposta. No seguimento do meu estágio tive oportunidade de colaborar nesta proposta, desde a sua fase inicial, tomando consciência de como pensar uma cidade, quais as questões e necessidades a considerar e como posteriormente as traduzir em estratégias e objectivos. Tendo tido o privilégio de me deslocar à China, numa equipa que apresentou uma segunda fase da proposta ao Governo Distrital de Haikou, pude observar a área de intervenção, sentir as dificuldades de informação, as diferenças culturais, assim como a barreira linguística. Na
proposta
aqui
apresentada
foi-me
possível
transpor
conceitos,
conhecimentos e competências adquiridas no ano transacto visto ter participado numa análise fotográfica, funcional e histórica do âmbito em questão, podendo ainda colaborar no processo de concepção de estratégias a desenvolver na cidade de Haikou. Nesta fase do meu estágio foi-me possível compreender, numa realidade prática, a acção multidisciplinar das diversas especialidades, que aqui sempre se tentaram complementar em prol de uma visão global, a síntese de muitas ideias, tal como defende o Arquitecto Eduardo Leira “(…) a primeira ideia de um projecto costuma ser muito melhor do que as sucessivas, supostas, melhoras, pois são muitas vezes o somatório de ver coisas desde ângulos restritos e não ver o conjunto. Em geral a leitura do projecto e a aproximação que nós fazemos costuma ser muito integrada. Tentamos precisamente considerar muitas coisas juntas, sendo esse o projecto sintético e atractivo. O projecto que integra, que é síntese de muitas coisas. Não o projecto que só considera obliquamente visões sectoriais ou unidimensionais (…)”.1
1
Excerto da conversa com o Arquitecto Eduardo Leira, gravada a 13 de Julho de 2004.
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CAPÍTULO 3 CONCLUSÃO
3.1– Considerações Finais
A reflexão que aqui se expôs constituiu a minha aprendizagem e interpretação do que considero ter sido uma aula de urbanismo, neste caso leccionada pelo Arquitecto Eduardo Leira durante o estágio curricular. Procedendo a uma leitura crítica do conteúdo desta prova final, que aborda sobretudo questões do urbanismo actual, poder-se-ão apontar diversas conclusões. Actualmente os Planos, na generalidade, apresentam uma rigidez formal que resulta num processo de planeamento moroso e desfasado das realidades existentes. Ao se manterem inalteráveis por longos prazos, as opções que fundamentaram a sua concepção expõem-se à possibilidade de não se adaptarem às necessidades de cada caso específico, pois a cidade como uma entidade dinâmica e em evolução, gera novas conjunturas para as quais deve existir uma resposta adequada. Concordando com o anteriormente mencionado, podemos concluir a necessidade de alterar o estado actual de inoperância do sistema de planeamento, adaptando os organismos que o gerem ao ritmo da transformação do território. Deve então o Plano ser dotado de uma certa flexibilidade, que lhe permita estabelecer diferentes graus de determinação e indeterminação, possibilitando variabilidade de pormenorização e detalhe, na qual o conteúdo presente no plano se aprofunda consoante as especificidades de cada caso, facultando deste modo o desenvolvimento de projectos a curto e longo prazo. Tal facto já se verifica nos Projectos Urbanos. Entendidos como instrumentos potenciadores
de
transformação
urbana,
estabelecem
acções
estruturantes
interpretando a flexibilidade programática. Os projectos arquitectónicos que destes advêm são determinados por oportunidades estratégicas. Devem-se eleger quais as operações estratégicas que vão realmente funcionar como projectos motores de transformação, nunca descurando que ao conceito de estratégia está-lhe implícito o conceito de seleccionar e eleger. Um projecto urbano bem concebido deve conter uma capacidade de transformação da cidade e exercer um efeito multiplicador de projectos. Conclui-se então que para tal, é necessário arriscar a sua determinação geográfica de modo a obter projectos capazes de estruturar a cidade. Há que contrariar a ideia de facilitismo, instaurada por vezes nos organismos institucionais, aproveitando todas as potencialidades e oportunidades existentes em cada lugar para deste modo criar motores catalizadores do desenvolvimento urbano. Por vezes a falta de flexibilidade destes organismos e a sua compartimentação administrativa levam a obter uma visão unidimensional dos sectores fazendo com que não se consiga uma noção de globalidade implícita ao conceito de cidade. Deve-se integrar usos e funções de modo
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a obter uma conurbação entre diversos núcleos urbanos, estabelecendo relações sinérgicas que garantam a vivência e identidade de cada lugar. Uma conclusão importante e cada vez mais imprescindível na actualidade consiste na necessidade de estabelecer um prazo fixo para a conclusão de obras de modo a garantir a execução integral dos projectos. Tal facto, chega muitas vezes a se sobrepor a outras exigências, visto esta imposição gerar grandes movimentações de interesses, entre diversos organismos, facultando um elevado valor monetário que permite acelerar todo um processo em contrapartida do cumprimento da realização de projectos na data pré-estabelecida. Toda esta transformação urbana provém de eventos internacionais que servem de pretextos justificativos para que o Estado financie os desenvolvimentos das cidades. O ideal seria que os Planos, na sua actuação efectiva, adoptassem uma visão mais projectual, assumindo-se como mais estratégicos e operativos e deste modo gerarem projectos urbanos, constituindo estes a parte essencial dos planos. Por outro lado os projectos urbanos deveriam ser entendidos como grandes projectos que condicionam e marcam a estrutura de uma cidade adquirindo a função de um Plano, embora, não formalizado. Obtendo deste modo uma relação recíproca e não hierárquica entre Planos e Projectos Urbanos. Outra das grandes conclusões que se pode afirmar resultado da entrada em vigor da Lei de Bases da Politica de Ordenamento do Território e de Urbanismo e do consequente Decreto-Lei nº 380/99 é que nos encontramos numa fase de gestão urbanística, mais concretamente no que se refere a uma nova etapa da execução de planos municipais de ordenamento do território. Pese embora esta regulamentação, será ainda necessário desenvolver eficazmente o sistema de execução dos planos ao nível de uma reforma da política dos solos, da política financeira e fiscal do imobiliário em Portugal. Paralelamente, para que esta lei contenha a aptidão de alterar a realidade urbanística do país e assim não perder as capacidades que lhe estão implícitas, dever-se-á proceder à elaboração de regulamentação que a converta numa legislação totalmente funcional e operacional. Nomeadamente, seria benéfico adoptar algumas características da legislação espanhola, mais precisamente no referente à expropriação, na qual este sistema não contempla somente actuações fundamentadas no interesse público mas prevê também a expropriação por motivos urbanísticos. A questão da execução dos planos ainda se encontra pouco desenvolvida entre nós não existindo uma grande experiência na sua aplicação. Será então vantajoso que, tal como se observa no princípio de perequação, as suas normas sejam normas abertas, consentindo uma certa elasticidade às várias actuações,
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permitindo uma diversificação e adaptação das mesmas à especificidade de cada caso. Tal facto já se verifica na perequação, onde a legislação se limita somente a estabelecer princípios, tais como os objectivos da perequação, o direito e o dever entre outros, concedendo a decisão de qual aplicar ao critério do município, que seleccionará de acordo com a realidade que se lhe depara. O desajuste do planeamento urbanístico face à realidade e a não distribuição equitativa de benefícios entre os diversos proprietários, rapidamente transforma a malha urbana em algo desordenado, com amplos e significativos encargos sócioeconómicos, que poderá eventualmente resultar no recurso excessivo a loteamentos. Na vertente prática deste trabalho expõe-se uma das problemáticas importantes da actualidade, que se debruça sobre o procedimento a adoptar no tratamento das periferias da cidade. A abordagem efectuada no Alto do Lumiar surgenos como um procedimento possível, o qual penso ser conceptualmente interessante visto assimilar a periferia como um prolongamento da cidade. Este tipo de focagem foi conseguida através do conceito de extensão da cidade, prolongando o eixo histórico de Lisboa e estruturando a cidade consolidada e a periferia num elemento único. Podemos concluir que, numa perspectiva evolutiva do urbanismo, deve-se então governar a cidade privilegiando cada vez mais os projectos que contemplem efeitos estruturais na cidade, tanto ao nível do sistema de espaços verdes, da continuidade de vias como da integração de novos usos. No que respeita o projecto de loteamento da Póvoa de Varzim tem como objectivo ser, à sua escala, uma contribuição para a transformação da cidade através da requalificação de uma área. Neste caso de estudo retira-se a ilação de que para garantir que se alcance a fase de execução de projectos aceitam-se, por vezes, imposições ou inflexibilidades processuais, que consistiam na existência de parâmetros pré-estabelecidos pelas normas provisórias do Plano de Urbanização, nomeadamente orientações urbanísticas assim como limites geográficos de uma unidade de actuação inserida na área de implantação da proposta, as quais provocaram uma alteração do conceito estratégico inicialmente concebido. No Plano Conceptual de Haikou, ao usufruir da oportunidade de participar activamente no desenvolvimento da proposta, na sua apresentação e reconhecimento da área de intervenção, pude compreender a necessidade de projectar um elemento catalizador de transformação urbana, o qual deverá ter a capacidade de despoletar um investimento em toda a sua envolvente, sendo possível que este efeito se estenda a toda a cidade. Entender o significado prático de operações estratégicas, percebendo a necessidade de eleger o que é realmente prioritário desenvolver. Entender, também, o
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significado de acções estruturantes como motores de desenvolvimento das operações supracitadas. Paralelamente lidar com condicionantes, tais como informação escassa e a barreira linguística, transformando as incertezas em potenciais propostas de elevada flexibilidade. No trabalho de equipa desenvolvido nesta proposta tomei consciência que o urbanismo não é uma área autónoma. Percebi então a necessidade de um trabalho multidisciplinar na definição, transformação e dinamização da cidade. Tenho a plena consciência que muito ficou por dizer, que muitas dúvidas e certezas ficarem por esclarecer na abordagem do plano conceptual de Haikou, China. A análise de uma cidade nunca se esgota na consideração de alguns temas. Contudo, penso ter alcançado o meu principal objectivo ao efectuar esta análise, ou seja, mostrar a todos aqueles que lerem o caso de estudo de Haikou, que projectar uma cidade de origem não é uma coisa do passado, impensável nos dias de hoje. Neste caso, urbanismo no seu conceito mais vasto consiste em pensar, projectar, discutir, e assim conceber um projecto para uma nova cidade. Por fim considero que um longo caminho ainda se depara ao planeamento urbanístico, mas considero também que se começam a reunir as condições necessárias para aplicar os procedimentos correctos na construção de um sistema de urbanidade que, não sendo perfeito, pretende dar uma melhor resposta às contrariedades com que se depara a cidade actual.
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ANEXOS CONVERSA COM O ARQUITECTO EDUARDO LEIRA
Conversa com o Arquitecto Eduardo Leira *, gravada a 13 de Julho de 2004
* Biografia
Eduardo Leira. 1944. Arquitecto. ETSA Barcelona. 1968. Master in City and Regional Planning. Universidade de Berkeley, Califórnia 1973. Prémios Nacionais de Urbanismo (Espanha) 1979, 1980 (2), 1983. Menção Honrosa/Premio Sir Patrick Abercombrie Unión Internacional de Arquitectos 1987. Director do Plan General de Madrid e da Oficina del Plan da Câmara Municipal de Madrid (1981 – 1984). Antes e depois deste período de trabalho público dirige consultoras privadas: até 1980 CETA, desde 1985 Leira y Asociados (a partir de 1989 alteração do nome para FOUR-4) e desde 1990 até agora, I3 Consultores.
Principais projectos na actualidade: PU Alto do Lumiar/Alta de Lisboa e os seus sucessivos projectos urbano/arquitectónicos no seio do que actualmente se conhece por Alta de Lisboa. Projecto
Estratégico
da
Ria
no
PTP
Bilbao
Metropolitano PTPAC. Arco da Inovação (Plan Territorial Parcial de Álava Central) Área de Centralidade: El Prat de Llobregat. (Área Metropolitana de Barcelona) Plan General (PDM) de Avilés, Astúrias. Centro Comercial Boulevard. Vitoria-Gasteiz, País Basco. Projecto Almeria: Jardim do Mar. Plano Conceptual de Haikou, Hainan, China.
Marta Campos - No Plano Director de Madrid de 1985, entre diversas estratégias, propôs cinco grandes operações estruturais: Parque linear de Manzanares; a ocupação do novo terreno na zona este da cidade; a remodelação de Atocha; a malha que estrutura o Norte-Oeste e a conclusão da M-30; o novo acesso a sul. Vendo agora com algum afastamento e com um certo amadurecimento do assunto, o que acha que correu bem e o que lhe parece que não funcionou?
Eduardo Leira - Há uma alteração na própria evolução do plano durante os 4 anos de duração da sua concepção, desde 1981 a 1984, resultando em diversas versões do plano. O plano de 1985, começa por ser, na sua versão de pré-avance e avance, muito mais um plano de correcções de problemas isolados. Posteriormente surge a primeira aprovação inicial, na qual se obtém um grande aparato de publicidade, seguida de alterações importantes consequentes da discussão entre políticos e a opinião pública. Estas modificações materializam-se numa segunda aprovação inicial, seguida da provisional e por último a definitiva, que acaba por acontecer em Maio de 1985. Apesar de se ter parado de trabalhar em 1984. Neste período de 1981 a 1984, há uma enorme evolução interna do próprio conceito de plano e na versão final atribui-se mais importância a quatro ou cinco operações estratégicas, na medida em que o plano começa a ser, o que à posteriori foram outro planos que fizemos, um plano muito mais de estrutura, um plano de grandes projectos que condicionam e marcam a estrutura de uma cidade. Dentro dessa consideração de um plano mais estrutural, não diria masterplan embora o fosse, mas sim um masterplan entendido como plano de estrutura que passa a reclamar uma importância muito grande dentro da concepção do plano destas cinco operações. Devemos reflectir um pouco no que se tornaram estas cinco operações. Atocha é uma realidade. Neste exemplo o grande papel do plano foi conseguir que se executasse um projecto que não fosse realmente uma obra unidimensional concebida como uma obra de infra-estruturas, uma estação, mas sim que fosse realmente um interface. Então Atocha torna-se uma realidade. Consegue-se que haja um plano concebido pela Oficina del Plan, o qual possibilita um concurso restringido entre grandes arquitectos, ganho por Rafael Moneo. Mas o grande êxito é nosso e por isso muitas vezes falamos como se fosse o nosso projecto, porque se não existisse o plano, dificilmente teria sido entregue a um arquitecto de primeira linha. O Parque Linear de Manzanares é um grande projecto mas que não se realiza, não só porque não se define suficientemente bem mas também porque a Câmara não
o considera como uma aposta politica importante, ou pelo menos com a importância que o plano lhe tinha atribuído. Só agora, vinte anos depois, volta a ser um elemento que se converte num grande projecto devido à candidatura olímpica para 2012. A zona Este do Ensanche foi executada na sua totalidade, servindo inclusive o Ensanche de referência, embora não se mencione muito, ao novo plano geral de Madrid do ano de 1994, no qual se projectam Ensanches como este, em todo o município, ocupando uma grande parte do que nós planeávamos como um anel verde. A conclusão da M-30 e a reestruturação da malha no Noroeste, é de certo modo um grande progresso ao atribuir carácter urbano aos projectos de infraestruturas, embora não tenha tido continuidade. Essa foi uma das permanentes do meu trabalho posterior, trabalhar com elementos de infra-estruturas, como parte muito importante dos projectos urbanos, a Porta Sul, a Porta Norte, o Interface de Gaia, a Avenida Longitudinal de Bogotá, o próprio Eixo de Bilbao, são alguns dos exemplos. Há que considerar a importância de elementos infraestruturais potentes, não querendo assim dizer apenas de grandes vias, mas sim com carácter urbano, ou seja, de grandes elementos infraestruturais como componentes do projecto urbano e não só o conjunto maior ou menor de edifícios. Estas grandes operações estruturais pertencentes à fase final do Plano de Madrid vão marcar intensamente a trajectória posterior de reconhecer importância a esses
projectos
urbanos.
Apontam
coisas
que
seguidamente
foram
mais
desenvolvidas em trabalhos posteriores mas que no Plano de Madrid já ficaram esboçadas. E depois com a evolução que houve no planeamento em Espanha, uma evolução muito burocrática, entre os advogados e os especuladores, de muita regulação e onde todas as regiões autónomas queriam fazer a sua lei, vai-se perdendo a ideia de projecto principalmente por uma forma de regulação, e sobretudo uma derivação verdadeiramente massiva e negativa. Começa-se a considerar cada uma das infra-estruturas como aspectos sectoriais, as vias são das estradas, as pontes são das estradas, as águas são dos hidráulicos, entre outros, e a superiorização da ordenação urbana, que deveria estar acima de todos os sectores, e ser ainda a que integra sectores, permanece, na realidade, super-ditada às decisões sectoriais. Há que fazer um exercício de como funciona a administração, há um velho dito que diz que quem paga manda, e os organismos sectoriais, tanto as estradas, os ferroviários, os portos, os aeroportos, como sectores importantes, são organismos com grande capacidade de investimento, frente a outros organismos, dos quais é exemplo o urbanístico, que têm muito pouco dinheiro, e que teoricamente deveriam ter o peso dos que são importantes e assumirem grande protagonismo ao serem os que integram os sectores. No fundo considera-se o urbanismo e a ordenação do território como um
sector em maior competência com os outros. Então as leis sucessivas, cada vez mais complicadas do urbanismo, o que estão é cada vez mais a super-ditar as decisões urbanísticas globais e integradas nas decisões dos sectores. Para que aproves um plano é necessário primeiro enviar o plano aos organismos das estradas ou aos dos ferrocarris, entre outros, e com a resposta que deles receberes continuarás concebendo o plano. Deste modo a capacidade de proposta e a capacidade de projecto, que a meu juízo são fundamentais para conseguir um projecto urbano, paralelamente a uma incidência urbana adequada, estão à responsabilidade de interesses sectoriais que têm uma visão unidimensional, só vendo assim uma das facetas e um dos aspectos do que têm à sua competência. Há muitos aspectos que não são considerados por estes organismos mais que colateralmente. Algo que deveria ser essencial no projecto urbano passa a ser o somatório de projectos sectoriais. Há um exemplo único em Espanha, no qual a Câmara de Barcelona quando negociou os investimentos do estado e da comunidade autónoma para as olimpíadas que organizou, primeiro pediu, o que ninguém faz, e depois conseguiu. Os projectos de vias urbanas dentro do município de Barcelona quem os projectava era a Câmara e a equipa de projectos da Câmara. Então há aqui uma diferença enorme de projecto. As rondas de Barcelona, que parece-me ser o projecto olímpico mais importante da cidade, e o que trouxe mais transformações a esta, concebido como um projecto urbano muito cuidadoso, muito especial, consiste num conjunto de vias que atravessam zonas que já se encontravam muito edificadas e dificilmente poderiam ter sido executadas por engenheiros do estado ou engenheiros de qualquer outro organismo. Toda esta configuração, muito urbana, parece-me ser o único caso em que uma câmara conseguiu que os seus próprios projectos de vias urbanas fossem proveitosos. Esta foi a meu ver uma batalha muito importante, servindo de exemplo em muitos projectos posteriores, nos quais tentamos dar carácter urbano a projectos de engenharia. Resumindo e regressando ao caso de Madrid que tu me perguntavas, pareceme que funcionaram na medida em que se tornarem, no seu conjunto, em grandes motores de transformação da cidade. Atocha funcionou, o Ensanche funcionou, a via ou remate da M-30 pelo Nordeste com a malha tornou-se quase num exemplo único. As outras não se desenvolveram porque não se lhes concedeu essa ênfase e identidade que o Plano Geral lhes atribuía.
M.C- Qual a sensação que o dominou quando confrontado com o convite para Director Técnico, foi a de sentir uma grande vontade de melhorar urbanisticamente a cidade de
Madrid ou por outro lado a responsabilidade que implica esta tarefa visto o ter desempenhado relativamente jovem?
E.L.- O convite para ser director técnico é consequência de um processo anterior bastante longo, no qual viemos a efectuar trabalhos e propostas para Madrid. O plano geral é uma combinação de estudos feitos para instituições públicas ou inclusive para partidos políticos, anterior ao momento em que se ganha as eleições de 1979. No ano 1979, quando se ganham as eleições nem o partido socialista nem o comunista que são os dois que coadunam com o presidente para dirigir a câmara, têm inicialmente previsto no programa eleitoral fazer a revisão do plano. Mas passado um ano vê-se como imprescindível, pois não se pode ir alterando aqui e ali. A base anterior, que era um plano metropolitano de 1965, não serve como instrumento e como suporte para o desenvolvimento de uma política urbana. Nesses meses medita-se sobre a ideia de que faz falta rever o plano. O conselheiro do urbanismo de então era Eduardo Mangana, com o qual temos uma relação muito forte e eu já trabalhava, antes de ser nomeado director da Oficina, praticamente como chefe de gabinete de consultadoria. Implicitamente tudo se desenvolve muito normalmente. Como um membro de um grupo de muita confiança, revimos e informamo-lo sobre projectos e propostas que estavam sobre a mesa. Constituímos um grupo de apoio técnico político, que consequentemente o convenceu da necessidade de fazer o Plano Geral. O facto de ser director técnico surge na continuidade do trabalho anterior. Evidentemente que como jovens que éramos a responsabilidade parecia-nos secundária, só queríamos era mudar o mundo, estávamos muito mais emocionados que assustados. Agora seguramente que seria ao contrário.
M.C.- Se fosse, nos dias de hoje, novamente convidado para a equipa da oficina municipal do plano e com a experiência que adquiriu ao longo dos anos, qual lhe parecia ser a prioridade na cidade de Madrid?
E.L.- Creio que não aceitaria. Tinham que existir condições muito favoráveis. Estou muito mais interessado em fazer projectos urbanos e poder executá-los, com essa responsabilidade estrutural que lhes está inerente. Neste momento, tentar ver projectos construídos é o objectivo mais importante. Se tivesse que escolher qual era a prioridade na cidade de Madrid, parece-me ser essa transmissão e debate público dos grandes projectos a executar. Teoricamente a candidatura de Madrid 2012, inclusivamente alguns projectos muito potentes deste actual presidente, como a M-30 que se pensa cobrir, são projectos que me parecem em si mesmos como projectos
muito importantes e que são necessários ou vitais para Madrid. O que acontece é estão a ser planeados sem nenhum debate e sem discussão. Inclusivamente quando têm alguma figura internacional integrada mais parece que esta surge para cobrir a insuficiência de debate, tentando então que todo o mundo se cale, em vez de implementar a discussão. A realidade é que eu agora estou muito fora de Madrid, embora como cidadão leio o que se publica e já houve várias cartas de colegas, inclusive do Colégio dos Arquitectos, reclamando informação, debates e explicação sobre os projectos de 2012 e sobre as novas propostas deste presidente. Está-se a conceber a M-30, em princípio, como se fossem túneis de metro. Ele já convocou concursos, preparou obras, contratou tuneladoras. Na minha opinião tornar a M-30 num subterrâneo, fazendo um túnel para carros é uma preocupação secundária, o importante é o que se vai fazer por cima. Este é o debate que deve existir. Fazer o túnel não é a obra importante, não urbanamente. Tem que se pensar se é para cobrir tudo ou não, se se edifica em cima, se é verde, que verde é, esse é o Projecto importante e sobre isto é que praticamente não se fala. A única preocupação é iniciar as obras de construção do túnel. Que falta a Madrid? Projectos urbanos, inclusivamente coisas soltas. Encomendaram aos MVRDV umas vivendas sociais e entretanto surge no jornal um edifício discutível, polémico, com um buraco no meio, reacendendo a discussão se a arquitectura deve ser mediática ou efémera. Encomendam-se edifícios a Arquitectos de renome criando efeitos de marketing, mas são projectos que estão muito pouco pensados para terem efeitos na cidade. A ampliação do museu Rainha Sofia do Arquitecto Jean Nouvel, é um projecto interessante mas que o que na realidade faz é reforçar o papel do conjunto de museus e tentar melhorar o funcionamento do próprio museu. Em termos urbanos não tem muito incidência. A própria ampliação do Prado do Arquitecto Rafael Moneo tão pouco tem tanto interesse urbano, porque no fundo é o requalificar de um museu que já existe e que é um foco, que só por si já atraía. Essa é a ideia, a falta de projecto pensados para transformar uma cidade. No caso que citas do Plano de Pormenor das Antas no Porto, observa-se um tratamento de grande projecto, principalmente porque são necessários recursos para pagar as infra-estruturas. Mas isso engloba-se dentro de um planeamento de um estádio de futebol, considerando como um elemento urbano, circundado por uma urbanização, que já não é solo residual, que se relaciona com a paragem de metro, com o intercambiador e com o estacionamento dissuasor. É como um grande obra de urbanização, de todo o conjunto. Faz falta algo cada vez mais necessário e difícil conseguir, integrar diferentes usos e funções. Não é que o centro comercial esteja aqui e o campo de futebol do outro lado, que cada um esteja na sua parcela e no seu
lote, com as suas aptidões e separados. A batalha que estamos a travar em Gaia consiste em que o centro comercial tenha edifícios nos extremos, que o interface tenha funções de transportes mas ao mesmo tempo comerciais e lazer. Para essa ideia de integração de funções surge a ideia básica da cidade tradicional na qual Oriol insiste que se volte a romper com o conceito de zoning, a romper com os usos que são pormenorizados e separados. Deste modo toda a inércia está para separar, o difícil é integrar.
M.C- Se pudesse na actualidade escolher uma cidade para assumir estas mesmas funções, qual seria? Porquê? Pensando no caso dos jogos olímpicos de Barcelona como um sucesso na remodelação da cidade, vivendo o Euro 2004 como outro caso, este actualíssimo em Portugal, que despoletou entre diversas coisas o Plano Pormenor das Antas, concebido pelo arquitecto Manuel Salgado, assim como o belíssimo projecto urbano do estádio municipal de Braga de autoria do arquitecto Souto Moura, obras estas que estão de certa forma a contribuir para o desenvolvimento de Portugal, acredita que a candidatura de Madrid 2012 se fundamenta numa estratégia bem estruturada a ponto de superar as outras candidaturas e poder dar nova “energia urbana” a Madrid? Cada vez mais há planos estratégicos que fazem com que haja competitividade entre as cidades. A Expo, os jogos olímpicos, o Euro e capitais da cultura são tudo exemplos disso. Apesar de termos tantos exemplos positivos como negativos, não lhe parece que muitas vezes esta competitividade leva ao esquecimento das prioridades urbanísticas da cidade em detrimento de uma maior visibilidade dos promotores?
E.L.- Penso que Barcelona se apresenta como um exemplo muito importante no sentido em que existia, antes das olimpíadas, um projecto para a cidade, um projecto urbano. Utilizam-se estas como pretexto para conseguir uma série de coisas, que contribuam para uma visão global da cidade, ou seja, para uma transformação que no fundo já estava pensada. E penso que este é o único caso em que existiu esse projecto prévio. Neste caso, não se fazem coisas para as Olimpíadas, mas sim, usamse estas como pretexto para conseguir as coisas que se queriam fazer ao nível da transformação da cidade, da frente marítima, das Rondas, de organizar a cidade. Noutros casos, mesmo existindo o pretexto ou o elemento, não existe o projecto prévio. E o que é muito importante é que tenha data fixa. É uma das coisas que cada vez é mais importante, é que exista prazo fixo conhecido. O euro2004 era para inaugurar no dia 12 de Junho, isso queria dizer que nessa data tinha que estar tudo concluído e, entre outros exemplos, o metro tinha que inaugurar pelo menos um dia
antes. Isso gera vontades entre organismos, dinheiros, permitindo fazer horas extras, dinheiros extras, coisas que a própria necessidade muitas vezes não consegue. É mais importante uma data fixa que uma necessidade de economia, porque a data fixa move montanhas. Estes pretextos têm essa grande força, logo vão-se banalizando, pois fazem-se muitas coisas só para o evento, esquecendo que este tem um fim em si mesmo que não faz sentido. O caso de Sevilha a par da diferença com Barcelona foi assunto de debate. Barcelona estava continuamente pensando no dia em que terminavam as olimpíadas e Sevilha não tinha nem ideia do que se ia passar após, e todo o investimento que se fez em Sevilha demorou muito tempo a ser recuperado. A tentativa do parque temático da ilha mágica como substituição do recinto da Expo não teve o êxito que se esperava. E mesmo Lisboa, com a ideia de que se transladavam seis ou sete ministérios e departamentos do governo, parece-me também não ter resultado. A área residencial ainda deve ter sido o que teve mais sucesso. Apesar de tudo a Expo de Lisboa fez-se muito a pensar em evitar os erros de Sevilha, mas tão pouco se conseguiu.
M.C.- A sua intervenção em Bilbao, o plano territorial parcial de Bilbao, baseava-se numa transformação metropolitana profunda que consistia em construir uma metrópole, uma vez formada a aglomeração. Era uma proposta conceptual, concretizada no eixo da ria, através de uma nova armadura reforçada por pontes e a reconstrução de uma centralidade. Li escrito por si num texto: “O eixo constitui a assinatura pendente no processo de uma transformação metropolitana e que não supera a condição de ser um somatório de coisas, muitas e boas, mas isoladas, picoteadas aqui e ali, sem reconhecer nem propiciar a condição potencialmente central das localizações tradicionalmente periféricas.” E que “ Aqui em Bilbao, como em tantos outros lugares, se há-de questionar ou, melhor, contrastar o Star System, ou seja, recorrer às estrelas ou ao que, com razão, Nuno Portas chama o circo da formula 1(..).” 1 Sentiu-se injustiçado ao ver o seu plano suspenso em detrimento do projecto do Arquitecto Frank Gehry?
E.L.- Em Bilbao existia essa ideia de proposta conceptual que, para além disso, consistia numa proposta de novas hipóteses para a economia. Embora fosse uma proposta física de ordenação estava muito vinculada à transformação económica.
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Arquitecto Eduardo Leira, Bilbao: Balance provisional de una importante transformación urbana.
Transformação esta que se produziu na sua maior parte, mas sem o suporte físico adequado. Não é que o projecto de Gehry tenha feito frente ao plano suspenso. Gehry foi o primeiro que em relação à localização da Ria nos deu a razão absoluta e que confirmou a potencialidade do lugar. Este foi a ponta da lança, ou seja para que Gehry localizasse o museu onde ele está, criou-se uma grande polémica interna. No fundo nós não intervimos nessa decisão, mas intervimos implicitamente porque conseguimos que o Governo Basco desenvolve-se um programa de ruínas industriais, e assim passa-se a reabilitar edifícios ao longo da Ria e portanto a explorar terrenos ocupados por antigas fábricas, às quais ninguém atribuía o potencial que tinham. Isto porque se considerava que esses terrenos se localizavam nas traseiras da cidade. E então Gehry chega e propõe com a sua força, ele e sobretudo a fundação Guggenheim propõem às instituições que façam o museu ao longo da Ria. No princípio existe um total desconcerto. Agora todo o mundo fala como se fosse evidente que a Ria fosse o grande eixo de Bilbao, o que não acontecia dez anos antes. Neste sentido, Gehry e a localização do museu, são absolutamente coerentes com a nossa posição, embora nós não o tivéssemos considerado no plano, visto o museu transpor o âmbito previsto. Neste caso recorrer ao star system teve um efeito importante, o Guggenheim teve uma ascendência enorme e sobretudo concedeu ao plano auto-confiança e portanto este ganha outra importância que até então não lhe tinham atribuído. Inclusivamente muitas vezes disseram-nos, como desculpa, que bonito seria se fosse possível e eu já disse no Plano de Avilés, que no Plano Territorial de Bilbao já me tinham dito que bonito seria se fosse possível, e agora aprendi que sendo mais bonito poderá ser mais possível. Existe um artigo muito curioso que explica um pouco como as coisas aconteceram, diz que se deveria ter começado pelas coisas mais fáceis, porque senão não se poderia construir. Mas claro que o mais fácil não costuma coincidir com o mais importante, nem com o mais objectivo. Assim poder-se-ia fazer algo e ir seguindo até obter novos recursos para continuar. Isto do poder-se-á, apresenta-se como uma táctica aceitável, pragmática para começar um desenvolvimento. O problema reside em que esta se converta na base conceptual do processo, facilitando a gestão. Falamos sempre do projecto preparado para a gestão, mas se condicionamos tudo ao facilitar a gestão, fazemos um mau projecto. Em muitos dos processos, o que se deixou de considerar é a relação com a cidade, sendo esta a parte mais estrutural dos projectos, isto é o que critico no caso de Bilbao. Muitos dos projectos ao longo da ria resolvem o lugar, melhor ou pior, tendo inclusivamente uma incidência no conjunto, mais de âncoras ou de marketing para posicionar Bilbao no mundo, mas não de
regulação e planeamento da estrutura da cidade. Os termos estruturais complicam as coisas porque obrigam a considerar mais intervenientes no processo. É muito mais fácil restringir-se a um lote ou a um só edifício, mas muitas vezes, não é tanto a questão do star system, ou de que o arquitecto tenda a fazer o seu projecto singular em Bilbao, isolado do mundo, e com isso pensar que modifica a cidade, sendo que tal facto coincide, com a facilidade de gestão, já que deste modo só há que projectar num lote em concreto, não obrigando esta a considerar toda uma relação e responsabilidade estrutural de um projecto destas características. Penso que isto é a chave, é como algo muito pouco preciso, pouco concreto e que nem se entende claramente entre os políticos. Isto são complicações que se vão simplificando, pelos dois lados, pela tendência do arquitecto em afirmar o seu projecto e considerá-lo o umbigo do mundo não pensando no resto da cidade e, por outro lado, a facilidade dos gestores, políticos, técnicos, entre outros, que facilitam muitíssimo a questão ao isolar a actuação.
M.C.- Acha que houve precipitação na decisão? Parece-lhe que com o mesmo apoio, com a mesma força e alcance de marketing se teria obtido com outros projectos projecção mundial comparável?
E.L.- Não houve precipitação, o que houve foi uma grande clarividência e muita visão de futuro de duas pessoas que não têm nada a ver com urbanismo. O Conselheiro de Cultura do Governo Basco, e do Chefe do Departamento de Economia da Deputação, que é quem tem os dinheiros no País Basco, ao qual pertence a província de Bilbao. No País Basco o sistema é muito complicado, o dinheiro encontra-se nas três províncias e não no Governo Basco. Contra a opinião de todos e contra a opinião dos próprios organismos inclusivamente da Câmara, esta foi a realidade. A partir desta decisão impôs-se à cidade e a cidade nunca pensou que o museu pudesse ser localizado na Ria.
M.C.- A lei fica mais rígida com as comunidades?
E.L.- Eu não penso que seja um problema das comunidades. Ao passar para a responsabilidade das comunidades, o que aconteceu foi a possibilidade de criarem mais leis, novas leis, permitindo regular sobre regulações, transformando-se num círculo cada vez mais kafkaniano, de regular mais, quando o que se devia ter feito eram, por exemplo, mecanismos de gestão e não tanta regulação. Mas de qualquer modo é bastante rígida, todos os planos são teoricamente muito rígidos e por outro
lado em tão poucos anos têm uma imensidade de modificações. Praticamente tudo o que é novo é feito com modificações do plano. Isso seria um dos problemas de rigidez do planeamento a par da falta de previsão ou de possibilitar alguma margem de manobra para assim conceder uma capacidade aos planos de fazer coisas novas. Porque por exemplo, o que surge de novo quase nunca se insere no plano. Não está previsto.
M.C.- É da opinião que o museu Guggenheim de Bilbao podia estar localizado ali como em qualquer outro lado, sendo este do tipo de projectos que contêm uma ideia tão forte que vivem só por si descurando muitas vezes as relações com a envolvente?
E.L.- Não se podia encontrar localizado noutro sítio. O que é realmente importante é fazer o museu, porque é uma decisão de gente lúcida, que sabe tomar essa decisão de onde o localizar. É aqui que a responsabilidade estrutural da cidade cumpre o seu papel. Se o museu estivesse localizado noutro lugar, os efeitos de marketing em geral, no mundo e da fundação Guggenheim possivelmente teriam sido semelhantes. Embora, eu penso que para a cidade tinha sido muito menos prestigioso. Isto foi o que concedeu protagonismo à Ria, como eixo de futuro de Bilbao e não como porto contínuo, que era o que tinha sido até então.
M.C.- Aceitando que o Guggenheim foi um motor de transformação importante no desenvolvimento urbano de Bilbao, podemos dizer que procura com o China Exhibition Center obter o mesmo efeito em Haikou?
E.L.- Sim, mas relaciona-se claramente com algo que tenta adaptar-se aos mecanismos chineses, dentro da dificuldade de os conhecer. É um país muito autoritário, que ainda permanece num regime de autoritarismo, muito centralizado, com decisões que se tomam desde o centro, desde Pequim. O China Exhibition Center é projectado com a intenção da administração local possuir algo que funcione como base politica para oferecer a Pequim. Interessava projectar algo que, como o China Exhibition Center, transmitisse e justifica-se a razão pela qual os chineses já começam a viajar e a ter melhor capacidade económica. Aproveitando deste modo, que quem aqui vier de férias possa também usufruir de todas as outras potencialidades que a restante cidade oferece. Assim se expôs a problemática, não pensando imediatamente na integração da cidade na rota internacional de turismo.
M.C.- É da opinião que o Projecto do Rem Koolhaas no Porto, a Casa da Musica é mais um destes casos?
E.L.- A Casa de Música parece-me que dificilmente vai cumprir esse papel. A vertente de marketing, com os grandes concertos seguramente que cumprirá, mas em contrapartida a sua localização é muito pouco atrevida. Situar a Casa de Música na Avenida da Boavista, uma grande avenida do Porto entre o centro e o mar, tem pouco de transformação. Eu concebia-a em frente ao mar, no meio da ribeira, na água, interagindo mais com o Porto do futuro, com o que se quer fazer do Porto. Não conheço o Porto assim tão bem para me atrever a arriscar uma localização. Penso que para ganhar as posições, seria mais lógico que tivesse sido localizada na zona do edifício transparente do projecto de Sola Moráles, servindo de instrumento que ancoraria a atracção de pessoas. Fazer um edifício no qual não sabe o seu uso! Nem para o que serve! Se a Casa de Música estivesse neste ponto, aberto ao mar, seria seguramente um elemento de focalização com o qual a cidade ganharia ainda mais. Parece-me que onde está, não vai permitir muita transformação na envolvente visto esta estar muito consolidada. Foi localizada no lugar mais seguro, não correndo muitos riscos. Perdendo assim parte dos seus efeitos estruturais.
M.C.- Nesse mesmo texto fez uma analogia muito interessante entre os dados e o xadrez que passo a citar: “As actuações urbanas, inclusive as mais exitosas, tendem a parecer “dados” lançados sobre o tabuleiro da cidade.., ali onde caem. Parece difícil, embora se tenha tentado, traçar uma estratégia única e, em sinergia, conceber actuações que se reforcem entre si. Parecia que essa aproximação, que se poderia assimilar em maior medida aos movimentos do xadrez, não só é mais difícil de conseguir, sendo que se questiona, implicitamente, a sua conveniência.” 1 Comente se acha que no urbanismo das cidades de hoje em dia se joga mais ao dardo (acaso) ou ao xadrez (estratégia)?
E.L.- O tema dos dardos começou por ser o responsável do urbanismo da Comunidade Autónoma de Madrid a especificar que nem todas as actuações se localizem no centro, mas que se façam, como num tabuleiro de xadrez, em toda a rede metropolitana. Ele dizia que não se fizesse tudo no centro, interpretando que os dardos acertam sempre no centro.
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Arquitecto Eduardo Leira, Bilbao: Balance provisional de una importante transformación urbana.
Eu não acho que os dardos acertem sempre no centro, mas sim um aqui e outro acolá. E isto relaciona-se muito com a facilidade. Muitas vezes localiza-se num lote onde é mais fácil executar, no qual existe um terreno público, onde existem possibilidades, do que numa localização onde conceptualmente se quer localizar com uma estratégia mais global. Penso que um dos conceitos mais atractivos e mais difíceis de aplicar é a sinergia. Está tão na moda em outras coisas, mas na cidade estamos a criar elementos em que geralmente se simultânea, fazem-se uns aqui e outros acolá. Na maioria dos casos ao conceber tantas coisas produzir-se-á um efeito mas muito pouco comparado com o obtido ao se projectar algo que apoie outro elemento, e relacionando-os mais proximamente. Eu creio que muito da essência dos Projectos Urbanos bem concebidos é a sua capacidade transformadora e a sua capacidade de projecto multiplicador. Que actues num sítio mas que isso provoque um efeito, ou seja, que actues com todos os instrumentos agrupados, a obra de infra-estrutura com o edifício e o espaço público. Isso é muito difícil de obter, principalmente devido à visão unidimensional dos sectores e à compartimentação administrativa. É muito difícil fazer duas coisas juntas, entre outras coisas é necessário pôr de acordo diversos organismos.
M.C.- Isso não está relacionado com o dualismo plano/projecto urbano, não deveriam os planos ter um papel de maior regulação?
E.L.- Sim, está, mas ultrapassa esse âmbito. Os planos fazem-se porque têm que se fazer, não creio que sirvam para algo. Há que planear, há que regular. Por exemplo, o projecto de Barcelona, é um projecto olímpico em que há um plano de uma cidade. Este é o melhor plano não formalizado, é um plano estrutural muito estratégico, comparado a um tipo de projecto ou plano estratégico. Eu gosto de falar em estratégico e operativo, nos quais pensamos o que fazer e o que seleccionar, para quê, onde e como alterar, sendo portanto muito selectivos no que fazer, e em como organizar, seleccionando como parte essencial da estratégia que projectos vão funcionar como motores de transformação. No Plano Geral, o que se passa é que embora se queira executar, as pessoas esquecem-se da estratégia, ou seja, de seleccionar ou eleger. O que se passa com os Planos Gerais, é que mais que um factor considerado importante, surgem logo outros também importantes, perdendo-se então a noção do que é prioritário, ficando estes Planos reduzidos a uma versão reguladora e muito enciclopédica que tenta enumerar tudo. No caso recente de Avilés, queríamos inicialmente elaborar um plano muito selectivo, só com as alterações
fundamentais, mas com a politica foi-se alterando e perdeu-se a ideia de porque surgem os planos? Estes fazem-se apenas porque estão na lei, perdem o sentido e a capacidade de ser algo que as pessoas entendam porque se fazem. Muito mais do que discutir entre planos e projectos devia-se perceber se é mesmo um plano ou que tipo de plano é? Actualmente um plano sem projectos começa a não interessar. Penso que cada vez mais os planos perdem força se só são um instrumento de regulação. M.C.- “(..) o Plano recupera características do “projecto” (embora muito cirúrgicas) e, no sentido contrário, o chamado projecto urbano está condenado a incorporar, goste ou não aos arquitectos intocáveis, algumas características do plano.” 1 Na sua opinião, nos dias de hoje, quem se vê obrigado a maior cedências? O plano ao projecto ou vice-versa?
E.L.- Desgraçadamente o Projecto Urbano está condenado a incorporar, mas como muitas vezes é mais fácil não incorporar, então não incorpora. Muito mais que pela tendência dos arquitectos, que também ajudam ao facto, é pela facilidade, de tornar o processo mais acessível. Tentam facilitar fazendo-o mais linear. Este é um dos males do processo linear e da visão unidimensional. Creio que nesta visão, o plano a uso é cada vez mais irrelevante, está fora de discussão. Começa a perder interesse do ponto de vista urbano, e se o plano se encontra numa visão projectual, num projecto de cidade, não creio que tenha que existir cedência de alguma das partes. O plano preparado para desenvolver projectos, são os projectos formando parte indissolúvel do plano.
M.C.- Considerando na teoria que a expropriação não garante necessariamente a igualdade entre os proprietários e o principio da perequação (compensação em Espanha) reconhece a todos os proprietários, abrangidos por um dado plano, uma distribuição relativamente equitativa dos benefícios e encargos resultantes dos actos de gestão territorial poder-se-á então afirmar que na prática a perequação confirma-se como um sistema justo e substitutivo da expropriação?
E.L.- Creio que a expropriação é importante. Todos eles são mecanismos para tentar facilitar, gerir uma cidade que está muito fraccionada, na qual o mosaico cadastral torna-a mais complexa. Entenda-se por visão cadastral, cada um no seu terreno, cada um com o seu direito. Há que inventar algo para romper este esquema. Daí a 1
Arquitecto Nuno Portas, El Planeamiento Urbano como Proceso de Regulacion Variable.
importância da expropriação, não tanto na velha linha da expropriação que se mantêm muito mais em Portugal, atendendo a projectos de interesse publico compreendidos como algo isolado que constrói a estrada, o hospital, mas sim como arma para impedir o veto. Cada vez mais eu penso que na prática, quando se normaliza o sistema de expropriação, não como excepção, não como actuação pontual, apenas como sistema de gestão urbana, é para evitar que algum proprietário possa impedir o que se vá executar. A expropriação que se estabeleceu com maior naturalidade em Espanha não é algo excepcional, não é um castigo, que se cria para não usar. É uma espécie de ameaça que se faz sobre os proprietários, para que se perceba que se deve chegar a um acordo. A isso sim, estamos condenados, porque se não chegarmos a um acordo vemo-nos nos tribunais. E uma questão fundamental é que quem expropria ocupa logo o terreno desde que deposite a indemnização. Discutimos então a expropriação, eu pago-te o que penso que vale o terreno, e deposito-o na caixa de depósitos, tu se estás de acordo levantas o dinheiro, caso contrário, não o fazes e vamos para tribunais mas entretanto eu já ocupei o terreno. O que ocorre agora na maioria das expropriações em Espanha, sobretudo quando se fazem para grandes zonas que se declaram para expropriação, negoceia-se com os proprietários ou devolve-se-lhes o solo depois de urbanizado ou ainda se eles tiverem dinheiro para tal, é-lhes permitido urbanizar o solo assegurando porém uma parte proporcional para interesse público. O sistema espanhol é muito mais flexível no que respeita à execução. A expropriação é fundamental, pois de outra forma o proprietário privado, por si só, pode impedir transformações benéficas a toda a comunidade. Normalmente em todos os países há uma lei denominada de expropriação forçosa que é indicada para os casos em que por exemplo se expropria para construí uma rua, não tanto por motivos urbanísticos mas mais por motivos de interesse público pontual, e deste modo permaneceu até que surgiram as leis urbanísticas. Consiste em mais um procedimento, tal como o de cooperação e compensação. Define-se legalmente assim, mas sempre tem uma carga de que nos estão a tirar o que é nosso, que é um facto importante. Existe um termo muito bonito na legislação espanhola, que uma vez que se calcula o preço, acrescenta-se-lhe mais 5% aos quais se chama afectación, ou seja, é o afecto que o proprietário tem ao que lhe pertence. Já se encontra definido juridicamente que não é um acto excepcional e pontual senão que serve para gerir grandes áreas e esse é o progresso que embora formalmente se tenha previsto na lei de 99, não está suficientemente assente nas instituições e não se aplica com tanta facilidade. A diferença entre a compensação e a cooperação, verifica-se se a Câmara actuar ou não em primeiro plano, cobrando posteriormente aos proprietários, na generalidade os três sistemas poderiam ser
relativamente semelhantes. Quando há expropriação os preços começam a subir, e actualmente os tribunais aumentam os preços aproximando-os dos preços de mercado, logo não existe grande diferença. O princípio da perequação é muito difícil, e está-se a ver esta dificuldade ao ser introduzido num país que não tem esse costume. Portugal aceita com bastante tranquilidade, pois os proprietários e promotores já se acostumaram a pagar altíssimas taxas de urbanização. Eu estou a aprender agora com o projecto da Póvoa que se tivermos uma zona de verdes inferior ao estabelecido, pode-se pagar uma compensação em dinheiro. Existe todo um processo no qual seria bastante mais lógico prever alguma monetarização, ou seja, que tudo seja conseguido com dinheiro, como numa sociedade monetarizada. No fundo a compensação e a perequação conceptual consistiria em manter o solo das propriedades urbanas numa economia de troca. Eu cedo-te uma parcela do meu terreno, tu cedes-me uma do teu, cortamos uma parte do terreno conjunto e cedemos uma parcela para construir a rua, tudo é físico. Não percebo porque é que custa tanto a monetarização. Existe na perequação, com a compensação, podendo-se alterar o pagamento do custo de infra-estruturas por maiores volumes de construção, mas não de uma forma aberta, monetarizada. Também com um carácter geral, que tem muito que ver com a legislação, há dois critérios jurídicos contrapostos. Tudo o que não é expressamente permitido está proibido isto é a visão, penso eu, mais conservadora e simultaneamente a visão do direito administrativo Espanhol. Contraria-se esta visão com tudo o que não é proibido está permitido. Na minha óptica, nesta última visão permite-se inventar. Na primeira a invenção está proibida, salvo que consigas que esta se transforme no expressamente permitido, ou seja, que se crie uma nova lei. Esta é uma das chaves do que deveria ser uma legislação urbanística moderna e mais ágil. O que por vezes ocorre é que quando se tenta inovar tem que se fazer uma nova lei, que contenha outros três artigos e depois adicionar mais quatro artigos e deste modo as leis urbanísticas começam a crescer. Em geral não se costuma tirar nada, pelo contrário, costuma-se adicionar. Na lei penal é exactamente ao contrário, as eventualidades não são delito até que se declarem como delito. Teoricamente tu és inocente até que se prove o contrário, há o estado de direito. Aqui passa-se ao contrário, tudo tem que se encontrar pensado, e este é um princípio que creio ser do direito administrativo. Penso que aqui se apresenta uma das chaves de toda a legislação urbanística.
M.C.- Serão os Planos Parciais e os Planos de Pormenor semelhantes técnica e juridicamente?
E.L.- Os Planos Parciais e os Planos de Pormenor são relativamente semelhantes. O que se sucede é que na nossa legislação o plano parcial é um passo anterior que consolida direitos, dá e estabelece o reparto de propriedade privada e propriedade pública. O plano parcial é uma mistura de planos pormenores e de planos de urbanização. No caso português quando se fala de Plano de Pormenor vai-se a um excesso de determinações que o convertem quase num pré-projecto. A prova é que se foge do Plano de Pormenor como se fosse um entrave. Em todo o desenvolvimento do Alto do Lumiar, embora nos tenham imposto uma série de Planos de Pormenor sobretudo por que não se conheciam decisões públicas naquele momento, estes agora revoltam-se contra nós. A diferença entre Projecto de Loteamento e Plano de Pormenor consiste no facto de que tem sentido que se opte pelo primeiro, e torna-se mais fácil, quando há um só proprietário ou há dois proprietários que se encontram de acordo, o que é muito difícil de alcançar com muitos proprietários. Quando há muitos proprietários quase sempre tem que se elaborar um plano de pormenor, com as exigências da lei de 99, com a perequação, ou seja, definindo como se vai repartir. Em Espanha é tudo muito mais separado, temos o plano parcial, depois do plano parcial faz-se o projecto de compensação ou cooperação ou expropriação, consoante o caso, seguido de um de projecto de urbanização. No plano de pormenor há uma intenção de compactar tornando-se uma figura mais complexa. Penso que a legislação portuguesa contém algo de muito interessante que consiste na capacidade do Plano de Urbanização revisar o P.D.M, na área de actuação do P.U.. Isso são modificações do plano geral que em Espanha se fazem pontualmente, não descurando o facto que chamar modificação pontual a uma alteração de 300 hectares é ridículo. O P.U. tem essa capacidade, muito interessante, de modificar numa área suficientemente grande. Este é o caso do P.U. de Gaia que quando ocorrem fenómenos de ocupações, como a chegada do metro, entre outros, tudo se justifica claramente e adquire uma grande importância no conjunto da cidade. Mas não tem obrigatoriamente que implicar a revisão do P.D.M.. Tal facto pode acontecer, mas não me parece imprescindível. O Plano Parcial consiste na parte mais jurídica e de ordenação do Plano de Pormenor. Contrariamente, o Plano de Pormenor é o que contém, agrupados, todos os desenvolvimentos do Plano Parcial.
M.C.- A rigidez normativa constituí uma entrave ao desenvolvimento urbanístico ou por outro lado, representa uma garantia de qualidade? Como vê esta questão?
E.L.- Em Portugal o pedido de informação prévia tem uma vantagem que me parece importante realçar, possibilita que se projectem coisas novas para a câmara e a partir daí tudo se modifica. Isso, à partida, por um lado permanece, mas parece-me que se tende cada vez mais a restringir e a servir de comprovativo para que se cumpram as normativas existentes. Eu penso que se está a perder uma coisa interessante. A normativa rígida costuma impedir disparates e coisas muito terríveis mas também impede coisas muito boas. O que normalmente faz a normativa rígida e genérica é impedir desastres, mas também seguramente impedir que se executem muitas coisas novas. Por exemplo um caso que se utiliza muito em Espanha é a Lei de Costas, que impede, entre outros coisas, que se construa a cem metros da costa. Já impediu que se fizessem imensas barbaridades mas também está a impedir que se façam coisas magníficas, pontuais e excepcionais ao nível da Praia da Concha, do Passeio dos Ingleses em Nice, ou de Copacabana. Estava-se a impedir três passeios marítimos mundialmente conhecidos, de uma beleza igualável, os quais seriam proibidos pela lei de costas. O que era uma pena. As margens de flexibilidade são margens em que os organismos públicos deveriam ter uma certa flexibilidade para poder decidir. Quando passamos a um debate mais académico/arquitectónico discutimos sobre a normativa flexível. Nós os arquitectos queixamo-nos sempre que as normas limitam o projecto. Toda esta polémica de plano e projecto aparece muito mais no âmbito profissional, muito mais enfrentando os arquitectos e os urbanistas que fazem projectos do que a realidade do planeamento. A realidade do planeamento divide-se entre os planos burocráticos, que só regulam e se separam da visão projectual, e os planos que têm essa visão projectual, que são mais estratégicos e directamente introduzem projectos. Também existe a experiência de que, cada vez mais, os projectos singulares, como a Casa da Música, o museu do Gehry, por razões múltiplas, que muitas vezes extravasão o próprio plano, levam a modificar o plano e para tal há que fazer um projecto. Mas para mim os bons planos, são os que deveriam contemplar esses projectos, que surgem isoladamente, sendo estes a parte essencial do plano. Se o Plano Director Municipal do Porto se apoia-se em quatro ou cinco projectos, como por exemplo a intervenção de Morales, a Casa da Música sobre a ribeira, o interface do metro da trindade, com o metro como elemento de articulação e acessibilidade, esse sim, seria o plano. E não sendo tudo elementos isolados. Se o plano não é capaz de
gerar projectos é porque existe um confronto entre planos e projectos. Os planos que eu gosto são os geradores de projectos, faça-os quem os fizer.
M.C.- Em Espanha existem regiões autónomas as quais possuem competências próprias e até divergentes em matéria de legislação urbanística. Esta opção poderia ou não ser válida em outros países, mais concretamente em Portugal?
E.L.- Não, creio que se generalizou a ideia de que em Espanha as regiões estão mais vinculadas a ajudar, mas na realidade têm é mais conhecimento. Em Portugal pareceme que a polémica da regionalização vai para além da questão urbanística. Não sei dizer se seria bom apesar de tudo fazer regiões. Creio que do ponto de vista urbanístico as situações não são tão distintas, existem sempre problemas comuns, como os que estuda Nuno Portas sobre o tema da cidade difusa. Esta existe tanto no norte de Portugal, como na Galiza e enquadra-se muito mal com o processo urbanístico do centro.
M.C.- Ao analisar o processo do projecto da Póvoa de Varzim, consegue conceber uma comparação com o percurso que teria que ultrapassar um projecto idêntico em Espanha?
E.L.- No caso da Póvoa aproveitamos uma unidade de actuação, prevista nas normas provisórias, com uma forma irregular, que mais não é do que uma soma de parcelas antigas. Felizmente a Câmara não obrigou a fazer a regularização e a incluir na área de actuação a resolução destas parcelas limítrofes. Tudo está pensado para conviver, as novas construções com o pré-existente. A tradição espanhola seguramente teria limitado um âmbito maior, obrigando ainda a resolver este problema. Teria ido mais longe porque ameaçaria expropriar. Em Portugal transformar-se-ia num processo longo, podendo ainda implicar a paralisação de todo o processo.
M.C.- Trabalha actualmente em projectos a serem desenvolvidos na Póvoa de Varzim, Lisboa e Haikou na China, representando desta forma diferentes escalas. Como se vêem e trabalham entre estas escalas e principalmente, entre estas três cidades? Sabendo que é esta a primeira vez que projecta na China (Haikou) e percebendo a difícil relação entre a tentativa de internacionalização com a abertura da China ao ocidente e a cultura tradicional e politicamente empenhada, qual foi o método ou critérios presentes no seu processo de trabalho?
E.L.- No problema das escalas, creio que existem dois factos a considerar, a escala das cidades com tamanhos distintos, a par das diferentes escalas dos distintos projectos. Pode ser um projecto grande numa cidade pequena. Na trajectória deste estúdio fazem-se projectos de grande escala, normalmente coincidindo com grandes metrópoles, coincidindo geralmente com a ideia de uma área importante com efeito estrutural no conjunto da cidade. Estas três cidades são casos muito distintos e nos quais se fizeram planos muito diferentes. Na Póvoa com uma certa entidade, concebendo uma proposta de transformação de uma área central, que, infelizmente, pelas limitações que impõe a própria Câmara não está concebida como área de centralidade. É uma concepção numa área de desenvolvimento da área central, sendo uma zona residencial na qual quase se exclui toda a ideia de centralidade, salvo nas lojas que se localizam no résdo-chão ou no pequeno edifício de escritórios, que possui uma singularidade resultante do uso lhe atribuído. Uma das exigências da câmara é que se assemelhe o mais possível ao que o envolve, referindo-se à questão das alturas. Traduz-se assim uma ideia de homogeneidade, contrária a uma área de centralidade como algo singular numa envolvente mais regular. Como isto se exclui, o que realmente se projecta na Póvoa é uma área residencial, com edifícios bem concebidos reservando um papel de destaque à Praça Central. É um tipo de projecto que no fundo é uma anomalia, seguramente seria mais uma ideia de centralidade se tivéssemos seguido a primeira ideia. Em Lisboa o que fizemos foi algo que inicialmente se encontrava somente descrito como um desenvolvimento residencial. Numa primeira concepção, antes de assumirmos o Plano, este consistia em algo relativamente periférico, no qual existia uma estrutura, que se chama orgânica, que mais não é que um reforço de núcleos muito funcionais e pragmáticos. Penso que na proposta do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar existem duas características fundamentais e muito específicas, quer do lugar, quer da situação. Por um lado consideramos o acordo estabelecido entre a Câmara e a promotora, ao qual está implícita uma alta densidade, por outro lado considera-se a compacidade. Nesta área a densidade é grande, mas com pouca compacidade. Existem elementos soltos, não existe continuidade. Este plano localiza-se na periferia e ao lado do aeroporto de Lisboa, logo com limitações de altura, mas verificam-se grandes concentrações de edifícios torre, em sítios onde se pode construir mais alto. Resulta então numa alta densidade com pouca compacidade.
Qual parece ser a vantagem do P.U. compará-lo ou inclui-lo na cidade? Podemos afirmar que não estamos a projectar uma área residencial da periferia, estamos é a conceber a extensão da área central. Costumamos dizer que esta área se encontra simultaneamente tão perto e tão longe do centro da cidade. Daí vem a ideia do prolongamento do eixo histórico, como base de concepção dessa extensão de área central. Por vezes essa extensão de área central permite uma alta densidade, mas somente quando existe realojamento in situ, ou seja, que os próprios donos que habitam as barracas e os bairros sociais continuem a viver na zona, facto que não é nada frequente. Essas duas coisas só se permitem no mercado actual, quando nos referimos a uma área central. Este é o único sítio onde se admite grande densidade, com compacidade, e grande intensidade de usos. É o único sítio onde se aceita socialmente a mistura de pessoas. Tradicionalmente é no centro, ao contrário as periferias estão cada vez mais separadas socialmente, existem periferias pobres e periferias ricas. Normalmente umas estão a Sul e outras estão a Norte. Portanto esta segregação social pretendeu ser um marco de alta densidade, com grande altura. Quando se permitiu realojamento in situ pensamos que do ponto de vista da cidade, mas também do ponto de vista imobiliário ia ser um desastre. Demonstramos que este novo conceito, da extensão da área central, apoiada no prolongamento do eixo histórico, assegurava ser uma maior mistura de usos, embora já anteriormente prevista mas agora reforçada, na qual fazíamos com que a cidade e os promotores ganhassem. No P.U. do Alto do Lumiar este cruzamento de interesses é crucial, sendo uma particularidade do tipo de planeamento deste estúdio. Como conjugar uma coisa com a outra, não fazer um plano para a Câmara contra os proprietários. Dever-se-ia planear um projecto que contribuísse para a cidade, valorizando-a com essa extensão e que simultaneamente fosse um elemento para possibilitar saída ao mercado de promoção privada. Haikou, é um caso não totalmente distinto. O planeamento é distinto na medida em que o que estamos a fazer em Haikou, é apontar um novo tipo de planeamento que não sabemos muito bem como funciona. É propor ideias, propor projectos, no fundo o plano de Haikou é uma soma de projectos, em diferentes localizações. Possivelmente ao ser tão grande perde um pouco de selecção, e à posteriori existiu inclusive a enumeração de diversas operações estratégicas, que tinham uma ordem de prioridades mas que na realidade ao serem tantas nos obrigou a pensar em algo distinto e especial para cada uma das áreas, diluindo assim um pouco o conceito estratégico de selecção que presidia neste plano. Tentando ultrapassar o planeamento, o qual foi na segunda fase muito difícil, devido à escassez e dificuldade de comunicação, não sabemos bem como eles
regulam e ainda estamos para ver se daqui sai algum projecto para realmente construir. O projecto do China Exhibition Center foi uma operação que teve muito êxito, gostaram muito, mas eu não acredito que se realize, que se torne numa prioridade. Que tem a China de fascinante? É que em princípio nos grandes projectos não pestanejam, não se surpreendem, não dizem que não antes de se começar a falar. A torre Farol que propomos em Haikou, praticamente seria irreal e quase impossível de projectar em qualquer destas costas, quando é algo que podia ser fantástico. Porém da China não temos um exemplo tipo para saber se algo se vai fazer, mas pelo menos é um país que a nível de ideia e proposta permite projectar algo que muito dificilmente se aceitaria na Velha Europa, tão regulada e contida nas propostas.
Compensa
arriscar
na
China,
apesar
da
dificuldade
e
quase
impossibilidade de comunicação, o complicado que são, o mal que pagam, o quanto tentam enganar para que faças trabalho grátis. Por isso estamo-nos sempre a interrogar se merece a pena continuar aqui, e ainda não passamos para a fase de ter que desenvolver um projecto a sério.
M.C.- Foi na China que encontrou mais dificuldades, até aos dias de hoje, em projectar?
E.L.- Não houve mais dificuldade no caso da China. Claro que existiram sempre uns problemas de comunicação, e relação, entre outros, mas do ponto de vista urbanístico, como levávamos menos tempo, tivemos menos hipóteses de piorar projectos. Sempre se diz que os projectos melhoram e eu muitas vezes utilizo o termo piorar. A primeira ideia costuma ser muito melhor do que essas sucessivas supostas melhoras, pois são muitas vezes o somatório de ver as coisas a partir de ângulos restringidos e não ver o conjunto. Em geral a leitura do projecto e a aproximação que nós fazemos costuma ser muito integrada. Tentamos precisamente considerar muitas coisas juntas, esse é o projecto sintético e atractivo como projecto. O projecto que integra, que é síntese de muitas coisas. Não é o projecto que só considera obliquamente questões sectoriais ou unidimensionais. M.C.- “ É no futuro que interessa pensar. Há que reconhecer que o estado caótico do país urbanizado se deve fortemente às autarquias e promotores imobiliários, mas também na sua quota-parte a técnicos impreparados. Há que centrar atenções e esforços para que a situação se possa inverter.” 1
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Arquitecto José Lamas, A crise de crescimento urbano e de desenho da cidade
Concorda com o anteriormente citado numa óptica da existência de um défice de formação na prática do Urbanismo?
E.L.-
Sim, existe, nas escolas de arquitectura, uma desvalorização do urbanismo
vinculado à arquitectura. Creio que o caso extremo seja Madrid, na escola de Madrid é de segunda. Creio que Nuno Portas e outros Arquitectos conseguiram na Faculdade de Arquitectura do Porto que o urbanismo não fosse nem algo separado, nem algo de secundário. Na escola de Barcelona sempre houve uma veneração, uma dedicação do urbanismo para arquitectos, mais na forma da cidade, mais na ordenação, não tanto genericamente para contemplar os sociólogos, que são bons mas não tão bons analistas da cidade, que não estão preparados para a projectação urbana, para os projectos. Nós Arquitectos, temos uma profissão onde somos treinados para projectar, que é uma coisa muito pouco frequente. Isto necessita de uma aprendizagem. Não se dão as soluções, apenas se analisa muito.
M.C.- Comparando a minha vivência em Madrid com a do Porto, a par de todas as diferenças sócio-culturais, destaco um ponto fulcral que me despertou interesse e que de certa forma me marcou bastante na maneira de ver Madrid, pois habituada ao trânsito do Porto nunca tinha valorizado como prioridade, no referente à qualidade de vida, a questão de mobilidade. Poderá ser esta então uma daquelas poucas características que só por si dinamizam e/ou transfiguram uma cidade ao longo dos tempos? Parece-lhe que com a introdução do metro na cidade do Porto será este o momento exacto para repensar a organização e o desenvolvimento da cidade?
E.L.- Eu creio que sim, nas nossas cidades, tanto em Portugal como em Espanha, tivemos o carro muito tardiamente, por isso somos como novo ricos, as nossas cidades funcionavam muito melhor se tivessem menos carros. Quando as pessoas têm acesso massivo ao carro querem usá-lo como já o viram usar os que o tinham antes. Estas cidades começam a ser pequenas para os carros, perante isto deve-se pensar em transporte público, mas no transporte público de qualidade, e não somente para os que não têm carro, que é a visão que permanece ou que se manteve até à pouco tempo. Agora devemos pensar ao contrário, temos que ter transporte público para tentar que as pessoas, que usam diariamente o carro, deixem de o usar, salvo para usos de fim de semanas. Para tal tem que ser um transporte de qualidade, muito confortável, relacional e inter-relacional, portanto que permita cobrir uma zona muito densa e que não tenha a conotação social de transporte dos pobres. Esta é uma das preocupações dos autores do metro ligeiro ou metro de superfície. A primeira ideia
consistia em afundar o metro para permitir a livre circulação dos carros, actualmente opta-se por manter o metro à superfície, com uma intenção positiva de impedir alguma circulação, reduzindo o problema do carro. Para além do metro, é importante pensar todo o planeamento de transporte público. Aqui em Madrid, nos primeiros anos de 80, no que respeitava ao nosso Plano Geral, acusaram-nos de que éramos antiquados, que já tinham deixado de ser pobres, que já não necessitavam de metro, e massacraram-nos dizendo que nós o que queríamos era reduzir a percentagem de carros, como se nós pretendêssemos que as pessoas não tivessem carros. Pelo contrário, nós insistíamos que tivessem, mas que não o usassem. Vinte anos depois, surgiu algo que parecia inédito, ou seja, a melhor base eleitoral do governo foi construir o metro. Algo ao qual nos primeiros anos da década de oitenta se opuseram. Nós tínhamos uma proposta de centro e treze quilómetros de metro e foi discutidíssima, afirmando-se que era um disparate, um absurdo. Quinze anos depois construíram-se oitenta quilómetros, e agora a nova presidente da comunidade está a propor mais quarenta quilómetros. Houve uma alteração na mentalidade das pessoas, em aceitar a não utilização do carro, facto que em cidades maiores, muito mais motorizadas como Londres, já se passou esta fase à muito tempo. O que acontece é que não é só o metro, mas sim todo o sistema de transportes que facilita que as pessoas andem de carro opta por dissuadir e proibir o uso do carro, através da penalização.
M.C.- Sabendo que o urbanismo não se faz para o presente, mas sim a longo prazo, o que leva a que por vezes o urbanista nunca chegue a ver obras por si projectadas, na “versão” construída. Onde é que o urbanista vai então encontrar a sua realização?
E.L.- Na versão construída, pois desse modo posso ver o que projectei. E ver se os resultados coincidem com o que tinha idealizado. Tenho vontade de ver projectos construídos, claro. Desde logo, surge também essa transformação de plano a plano com projectos e então há que tentar fazer projectos ou como às vezes digo, só fazer planos quando é imprescindível, quando é um instrumento para fazer um projecto. Aceitamos o Plano Geral Avilés com a ideia de fazer o Projecto da Ria, este foi um mal necessário. Outro exemplo é o P.U. da Gaia no fundo este constitui um instrumento necessário para nos habilitaremos ao projecto do interface e aos parques de oficinas de metro.
M.C.- Quando estagiei consigo na I3 percebi que o Urbanismo pressupõe um grande trabalho entre as diversas especialidades (arquitectura, engenharia, paisagismo,
gráfica, maquetas) e que muitas vezes isso só é conseguido através de uma grande investimento. Será necessário então que haja sempre, por de trás de um gabinete de urbanismo, projectos de arquitectura a curto prazo que “sustentem” investimentos com lucros de visibilidade a longo prazo?
E.L.- Sim, em princípio sim. Ao conjugar o urbanismo com a arquitectura entendemos seguramente que os projectos grandes são muitíssimo mais rentáveis. Em geral um sindroma de uma perversão de todo o sistema de pagamento, é que se valoriza muito pouco o pensar. Toda a nossa estratégia de contrato consiste na seguinte ideia, contratem-nos para pensar e paguem-me algo, mas contratem-me tudo. Deste modo posso arriscar na primeira parte para depois compensar, gastar inclusive mais do que me pagam, para depois recolher. É evidente que esta opção apresenta muitos riscos. Este estúdio é um caso extremo de riscos somados, pois neste sentido defendo um critério de que necessitamos publicitar com uma série de imagens, painéis, ou seja, toda uma componente de publicidade e marketing. Creio que em todo o caso devo arriscar maioritariamente nestes grandes temas ou grandes projectos, que muitas vezes resultam na maior diversão ou prazer que representa o acto de inventar. Inventar, não só as formas mas também o programa, criar algo que muitas vezes nestes projectos urbanos, pelas suas características, não se encontra definido no programa. O programa surge quando existem coisas muito tipificadas, por exemplo, uma cadeia hoteleira sabe muito bem o que um hotel necessita. O atractivo é propor novas soluções, novos usos, novas actividades, que quase nunca são inventadas na totalidade, são apenas reproduzidas de uns sítios para outros. É inventar ao mesmo tempo que se projecta, é algo fascinante, é a maneira de ser deste estúdio.
M.C.- No referente à questão do desenho da cidade, quais são para si as referências actuais? Há alguma cidade que se identifique então com estes conceitos?
E.L.- Eu creio que Barcelona, embora seja um pouco utópica, mas também é verdade que foi a cidade que primeiro conseguiu o projecto para as olimpíadas e depois conseguiu promover este evento do Fórum Barcelona, o qual tem provocado controvérsia .
M.C.- Reconhece actualmente as periferias como extensões necessárias da cidade ou deveriam procurar como alternativa conceber redes de cidades com várias centralidades?
E.L.- Eu penso que as duas realidades começam a vincular-se. As redes de cidades começam a formar-se pela própria extensão da cidade central e as novas centralidades dentro da extensão da cidade começam a ser entendidas como parte integrante da própria cidade. Por exemplo Segóvia, Ávila, Guadalajara, cidades a uma hora de Madrid, começam a ser áreas de centralidade. Algumas áreas da periferia, surgem como uma aglutinação de usos. Outro exemplo pouco aceitável verifica-se nas Astúrias. É o caso de 3 cidades, Gijon, Avilés e Oviedo nas quais o ideal seria que estabelecessem muitas relações. Poderiam, por exemplo, pôr-se de acordo que a ópera se localizasse em Oviedo, o teatro em Gijon, e que a grande piscina olímpica ficasse em Avilés. Deveriam partilhar de modo a que não tivessem todos os mesmos equipamentos, mas sim que com a escala de ambos, portanto com maior qualidade e maior escala, que este tenha o equipamento x e o outro o equipamento y, sendo utilizado mutuamente e gerando relações. O que vai contra isso? A ideia de planeamento da cidade em árvore, que foi a meu ver tão maligno, mas tão defendido que cada bairro é relativamente independente. Eu penso que a cidade é muito mais um conjunto de relações cruzadas, com usos mistos. Os dois conceitos cada vez mais inter-relacionados, tentando ver se cada centralidade se especializa. Para se tornarem uma centralidade passam a ser a que tem algo não num âmbito pequeno, mas pelo contrário contribuindo para o conjunto. Isso seria realmente uma boa definição de cidade.
M.C.- O urbanismo está subjugado aos interesses dos negócios imobiliários sem espaço para a arte de desenhar a cidade ou são compatíveis?
E.L.-
Estão-se
sempre
a
considerar
diversos
interesses,
que
não
estão
necessariamente contrapostos. No caso do Lumiar, eu creio que se tenta encontrar pontos de confluência, pontos de convergência mais do que de confrontação. E aí também há espaço para projectos interessantes que não são pontos de confluência.
M.C.- Em 1973 frequentou na universidade de Berkeley, California, o mestrado em planeamento regional e da cidade. O que lhe chamou à atenção na visão norte americana do urbanismo?
E.L.- A minha visão da passagem pela Universidade de Berkeley é bastante curiosa, porque eu estudei quase tudo menos urbanismo. Ou seja, naquele momento, a visão do departamento urbanístico era absolutamente surpreendente, era muito céptica de
todo o programa, de exigir disciplinas concretas e simultaneamente chegar ao extremo oposto de não obrigar a nenhuma disciplina. Estava o departamento e toda a universidade à tua disposição, podias escolher o que quisesses sempre com uma certa moderação, para ver se isso te valia para algo. Penso que não sou alheio a esse tipo de planeamento que se fazia na universidade, estudei coisas variadíssimas nas áreas económicas, nas sociológicas, muito pouco de ordenação. Nos tempos em que estudei em Barcelona estava muito mais vinculado a essas áreas. No fundo quando regressei, tardei a assimilar e inclusivamente a dizer que tinha um Master em Urbanismo. Especificamente no crescimento urbano dos Estados Unidos, o que mais me chamou à atenção foi essa abertura. Existia uma frase à entrada da universidade que me marcou muito, a qual dizia: aqui é um lugar onde ensinamos a relacionar. Na sinergia, inter-relação, na síntese, o ideal é que as coisas tenham relação. É como o transladar de uns focos a outros, o transladar da publicidade ao urbanismo, como a comunicação das coisas que fazemos não são só isoladas.
M.C.- Ao observar o seu já vasto currículo, como Urbanista, pode-se perceber que já conheceu, planeou e projectou em diferentes países e continentes. Qual é o trabalho ou fase dos trabalhos que lhe da/deu mais prazer conceber?
E.L.- O mais interessante na concepção são as primeiras ideias, as que muitas vezes se convertem na base do plano.