LIVRO CAMINHANDO COM GAGARIN - PREVIEW

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CAMINHANDO COM GAGARIN Cr么nicas de uma Miss茫o Espacial



Marcos Pontes

CAMINHANDO COM GAGARIN Crônicas de uma Missão Espacial

1a Edição São Paulo 2015


Copyright © 2015 por Marcos Pontes Editora Executiva Christiane G. Corrêa

Revisão Marcos Pontes

Diagramação Luiz A. Silva

Capa Eduardo M. Mariño

Produção Editorial Chris McHilliard Editora Ltda Controle de Qualidade A01L04E01P01 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Dados Internacionais de Catalogação Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, na Brasil) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pontes, Marcos Caminhando com Gagarin : crônicas de uma missão espacial / Marcos Pontes. -- 1. ed. -- São Paulo : Chris McHilliard Editora, 2015. 120 p. ISBN: 978-85-64213-08-1

1. Astronautas - Brasil - Autobiografia 2. Crônicas brasileiras 3. Exploração espacial (Astronáutica) 4. Pontes, Marcos I. Título.

15-01560

CDD-869.98

Índices para catálogo sistemático: 1. Crônicas autobiográficas : Literatura brasileira 869.98

Todos os direitos reservados à Chris McHilliard Editora Ltda. Rua Mandissununga 195 05619-010 - São Paulo - SP (11) 3744.6141 chris@mchilliard.com.br


Agradecimentos Aos meus amigos astronautas, cosmonautas e todos aqueles que lutaram ombro a ombro comigo durante todo o treinamento na Cidade das Estrelas. Dedicatória À Christiane.



Sumário Prólogo...............................................................................................9 O Caminho Branco Para o Espaço.................................................. 11 Sobrevivendo em Grande Altitude.................................................. 15 Zdrástvuitie!.................................................................................... 19 Reflexões Entre a Terra e o Espaço................................................. 23 Perdendo o Equilíbrio..................................................................... 27 Feliz Ano Novo................................................................................. 31 Altos Giros....................................................................................... 35 Necessidades Básicas no Espaço..................................................... 39 Sokol................................................................................................43 Fique Frio........................................................................................ 47 Cardápio Leve.................................................................................. 51 Plano de Voo.................................................................................... 55 Alguma Dúvida?.............................................................................. 59 Pronto para a Missão!..................................................................... 63 Quarentena...................................................................................... 67 Momento Entre Duas Vidas............................................................ 77 Rumo ao Espaço.............................................................................. 81 Encontros Espaciais........................................................................ 85 Vivendo Sem Gravidade.................................................................. 89 Voando em uma Bola de Fogo......................................................... 93


PARA SABER MAIS........................................................................ 97 Sobre a Estação Espacial Internacional.......................................... 99 Sobre os Experimentos Nacionais................................................. 105 Sobre o Autor................................................................................. 115 www.marcospontes.com.br


Apartamento no Profilactorium - Foto Marcos Pontes

Prólogo Muitos anos já se passaram desde aqueles dias de expectativa e dificuldades na Rússia, na Cidade das Estrelas, enquanto eu treinava para a Missão Centenário. Mesmo assim, até hoje, é comum eu acordar de manhã com a estranha sensação de que ainda estou exatamente naquele lugar, no Profilactorium, a alguns meses de uma viagem para o espaço. É como se as dimensões de tempo e espaço deixassem de seguir a trajetória plana e reta a que tanto estamos conformados na vida. É como se tudo estivesse conectado numa grande malha em que tempo e espaço fossem componentes flexíveis ao nosso pensamento. É como se eu ainda estivesse lá naquele quarto, com a neve caindo do lado de fora, a jaqueta e o macacão de voo russo pendurados no armário, aguardando a decolagem, e a garrafa de chá sobre a escrivaninha de estudos ao lado de pilhas de manuais de sistemas. O material que você está prestes a conhecer neste livro está pronto desde aqueles dias, entre outubro de 2005 e abril de 2006. São textos extraídos das minhas anotações pessoais de treinamento na Cidade das Estrelas, da quarentena em Baikonur e do voo espacial. Escrever era uma maneira de “conversar com alguém” em português e aliviar a solidão que eu sentia, aliviar a saudade do país que eu tanto amava e para o qual eu estava oferecendo minha vida, literalmente, para cumprir uma missão espacial.


Na revisão dos textos para o livro, procurei preservar a pureza das emoções. O rigor literário não é prioridade nesse contexto. As nuances das entrelinhas, as repetições, os pequenos erros, todos fazem parte do conjunto de sentimentos que eu tinha na época e que eu guardei, com tanto carinho, por tantos anos, nas linhas desses escritos, para hoje poder compartilhar contigo. Os textos foram compilados aqui de forma a lhe trazer entretenimento, curiosidades e ideias. Embora sejam “crônicas”, não existe uma sequência “cronológica” com ritmo rígido. Não é uma história, é uma coleção de pensamentos. Ao longo dos artigos, quero que você “navegue” junto comigo pelas emoções daquele momento da história do Brasil visto pela minha perspectiva, visto por quem ajudou a construir a história! Quero que você viva momentos de expectativa comigo através das descrições das atividades de treinamento e do voo espacial, dos dias de alegria e tristeza, das esperanças e decepções, das incertezas e descobertas, no sofrimento e na vitória. Ao ler este livro, de certa forma, você entrará na privacidade da minha mente através dos meus escritos, dos registros das minhas ideias e pensamentos, enquanto eu me preparava e realizava uma missão para o país pelo ideal de poder incentivar e inspirar pessoas, especialmente jovens brasileiros, a acreditarem e lutarem pelos seus objetivos de vida de forma ética e honesta, através da educação e da qualificação pessoal. Certamente eu sabia bem dos riscos da missão. Mas o meu objetivo era maior que a minha vida: eu queria provar a todos que “é possível” realizar seus sonhos de vida, mesmo se você for filho de um servente, como no meu caso. Eu queria que a minha decolagem para o espaço representasse a decolagem da esperança de todos aqueles brasileiros que sofrem dia a dia, com as mãos calejadas do trabalho, e que diante de tanta desonestidade, tanta injustiça, tantos espertos, tanto desrespeito aos cidadãos, já desistiram de acreditar, já se conformaram com a situação e apenas esperam... Eu queria provar que as palavras de incentivo da minha mãe, a dona Zuleika, podem sim mudar a vida de todas essas pessoas: “Tenha sonhos grandes, acredite nos seus sonhos, estude muito, trabalhe duro, persista, persista mais ainda e sempre faça mais do que esperam de você. Esta é a maneira de transformar em realidade o que a maioria pensa ser impossível!” Agora, na página seguinte, observe a vista da minha janela no alojamento na Cidade das Estrelas e venha comigo para a Rússia, no inverno de 2005. Aqui você começará a viver as emoções de se preparar e ir ao espaço! Eng. Marcos Pontes, M.Sc.

Único Astronauta Brasileiro


Vista do apartamento no Profilactorium - Foto Marcos Pontes

O Caminho Branco Para o Espaço O Centro de Treinamento de Cosmonautas Yuri Gagarin Cidade das Estrelas, Rússia, 23 de Novembro de 2005. O percurso é solitário. Faz frio. O silêncio é quebrado apenas pelo canto dos primeiros pássaros matinais e pelo ruído cadenciado dos meus passos sobre o gelo fino e escorregadio que se formou depois da neve. Luzes amareladas e translúcidas iluminam o caminho estreito entre os pinheiros cobertos de branco. A paisagem lembra cartões de Natal. Não dá para ver o final da curta travessia que vai do hotel dos cosmonautas, o Profilactorium, à entrada do núcleo de treinamento. São seis horas da manhã. Ainda está escuro. Caminho rapidamente. Os horários são apertados e, como de costume, a agenda do dia será longa. Meus pensamentos são difusos como o ar quente expirado que se mistura ao frio e se transforma numa pequena nuvem branca. Lembro de pessoas, lugares, momentos e eventos que antecederam minha chegada aqui: na “Cidade das Estrelas”. Localizada a 25 km de Moscou, a “Cidade das Estrelas” é uma base militar que abriga o Centro de Treinamento de Cosmonautas Yuri Gagarin. O próprio Yuri Gagarin foi treinado aqui.


Caminhando com Gagarin

A cada passo dentro desse lugar nos deparamos com alguma parte da história do programa espacial e do desenvolvimento das missões tripuladas nas últimas quatro décadas. A arquitetura dos prédios retrata a filosofia soviética da época da sua construção. Edifícios residenciais com desenho repetitivo, um largo eixo monumental, instalações geograficamente setorizadas, algumas pequenas lojas, obras de arte, a estátua de Gagarin em local de destaque, próxima à entrada do setor operacional. O setor operacional é de acesso restrito. Muros altos e sentinelas no portão principal garantem a segurança dia e noite. Dentro desse setor, onde a maioria das atividades de treinamento é desenvolvida, existem três prédios principais situados ao redor de um jardim central. Eles são numerados a partir da esquerda de quem entra e segue pelo centro da praça. Assim, o prédio 1 fica ao lado esquerdo do visitante, o prédio 2 diretamente à sua frente e o prédio 3 ao lado direito da praça. No prédio 1 encontram-se os simuladores da espaçonave Soyuz e da Estação Espacial, enquanto no prédio 2 são ministradas as aulas teóricas sobre seus sistemas. Pesquisas médicas, consultas e exames são conduzidos no prédio de número 3. Lá podem ser vistas as famosas centrífugas para testes de alta carga “g” e as câmaras de grande altitude, mostradas inclusive nas últimas reportagens da TV Globo. Além dessas construções, o setor operacional também comporta duas cantinas, dois ginásios, centro de visitantes, núcleo de fisioterapia e outras instalações de suporte. Tudo é organizado de forma sistemática com o objetivo primário de viabilizar a atividade espacial tripulada. A eficiência dessa organização é demonstrada pelo sucesso das missões e projetos aqui desenvolvidos e pelo número bastante reduzido de fatalidades durante todo o tempo de operação desse programa. A Chegada ao Centro Há pouco mais de um mês, no dia 12 de outubro, decolei de Houston, Texas/EUA, com destino à Rússia. O voo, com escala em Paris, partiu com uma hora de atraso. Tempo suficiente para que eu perdesse a conexão para Moscou, permanecendo por várias horas a circular pelo saguão do aeroporto Charles De Gaulle enquanto esperava pelo próximo embarque. Como início de treinamento, ali já aprendi duas lições: primeiro, nunca tenha uma conexão com menos de três horas em Paris; segundo, no saguão do terminal B existem lojas mas não existem assentos de espera. Eles ficam no portão de embarque, depois da inspeção de segurança. 14


O Caminho Branco Para o Espaço

Lá, pode-se sentar calmamente, desde que não seja necessário usar os banheiros, que ficam apenas no lado de fora do embarque, no saguão B. Ou seja, a lógica da situação operacional exige certo planejamento. Esteja preparado caso passe por lá. Atrasos e logísticas fisiológicas à parte, cheguei a Moscou no dia 13 de outubro no começo da noite. A diferença de horário nesta época do ano é de nove horas. Isto é, aqui estamos nove horas à frente de Houston e cinco horas à frente do horário de Brasília. Isso garante a insônia das três primeiras noites e a justificativa pelos olhos vermelhos durante as primeiras aulas. Passado o processo de imigração e de alfândega, feliz pelas duas malas terem chegado no mesmo voo, segui para o desembarque. Lá encontrei um oficial do Centro de Treinamento que me aguardava com uma folha de papel com meu nome impresso. Pedi desculpas pelo atraso em inglês. Deveria ter sido em francês! Ele não se importou. Disse que não havia problemas, sorriu e começamos a caminhar pacientemente em direção ao carro, enquanto me alertava sobre o inverno russo que chegaria em breve. Ele parecia descansado, apesar do tempo de espera. Não pude evitar olhar para os assentos de espera do saguão do aeroporto. Havia vários. No carro, a caminho da “Cidade das Estrelas” conheci o trânsito de Moscou. Entendi porque as placas de propaganda aqui podem ser lidas completamente, apesar do tamanho das palavras. Até eu, que pouco ou nada sabia do alfabeto cirílico, conseguia ler todas as placas, embora não entendesse quase nenhuma delas. Depois de duas horas e meia, chegamos ao Centro, passamos pela estátua de Gagarin e seguimos para o Profilactorium. Coloquei a bagagem no quarto 32, agradeci e pedi desculpas, novamente em inglês, pelo atraso. O jovem oficial entregou-me a programação do dia seguinte e partiu. Fechei a porta, sentei no sofá da saleta de entrada do apartamento para pensar por uns instantes. Tudo parecia um tanto “misterioso” e “mágico” naquele moEstátua de Yuri Gagarin - Foto NASA mento. 15


Caminhando com Gagarin

Finalmente, depois de tantos anos de luta, a realização da missão espacial estava a apenas cinco meses. Por certo seria um tempo de trabalho intenso. Muita coisa nova, novos sistemas, novos procedimentos, nova língua! Respirei fundo, olhei à minha volta, sorri satisfeito e confiante, levantei e comecei a desfazer as malas. Ali seria “meu lar” pelos próximos meses, com muita atividade, estudos, testes, e.... “Crachá por favor”, diz o sentinela, em russo, enquanto minha mente retorna rapidamente das lembranças e pensamentos que acompanharam meus passos nesta manhã fria. Mostro a identificação de Cosmonauta. Ele agradece e presta continência. Entro no Setor Operacional. Olho para frente. Continuo a caminhar, firme e disposto, para mais um dia de treinamento. Caminho nos mesmos passos de Gagarin. Na verdade, sinto-me caminhando com Gagarin. A neve cobre a estrada de branco, o caminho branco para o espaço! ***

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Caminho para o Centro de Treinamento - Foto Marcos Pontes


Entrada da Câmara Hipobárica - Arquivo Marcos Pontes

Sobrevivendo em Grande Altitude Treinamento em câmara hipobárica Cidade das Estrelas, Rússia, 02 de Dezembro de 2005. – Senhores passageiros, bom dia! Aqui quem fala é o comandante. Bem-vindos a bordo. Neste momento, estamos cruzando aproximadamente sete mil metros durante a subida para a nossa altitude final de cruzeiro. As condições do tempo no destino são boas e o nosso voo terá duração total de duas horas e vinte minutos. Tenhamos todos um bom voo. Muito obrigado! Tranquilamente, você reclina sua poltrona, abre o jornal e começa a ler as notícias do dia, entre um e outro gole do refrigerante servido pelos comissários de voo. Enquanto isso, os componentes do sistema de pressurização do avião trabalham para manter as condições internas da aeronave dentro dos limites confortáveis, pré-estabelecidos e próximos do que normalmente temos no solo. Basicamente, um compressor garante um fluxo de ar sob pressão adequada para dentro do ambiente, enquanto sensores de pressão e válvulas de alívio controlam os limites.


Caminhando com Gagarin

Lá fora, a pressão e a temperatura diminuem rápida e consideravelmente conforme ganhamos altitude. Um ruído súbito, grave, intenso e seco, como uma forte pancada contra a superfície externa do avião. Seguem-se alguns milissegundos de silêncio. Parecem horas na sua mente confusa e surpresa: Algo ruim aconteceu!” O coração acelera. Os poucos milissegundos passam. Um assovio alto misturado a outros sons estranhos modulados por gritos de várias direções. A umidade do ar em volta condensa de forma explosiva. Tudo fica branco como se, de repente, estivéssemos dentro de uma nuvem, sem o avião. Surge um fluxo forte de ar frio sobre seus cabelos. Movimentos e vibrações na estrutura do avião. “O que fazer? O que é isso? O que está acontecendo?” Os sistemas de emergência respondem rápido. Máscaras de oxigênio caem do teto. “É real!”, você tenta se convencer. Lembra-se vagamente da explicação dos comissários, durante a qual você olhava a paisagem do estacionamento pela janela. Aperta mais o cinto. Justo em tempo. Um frio na barriga e a sensação de “descolar” do assento dizem que o avião começou a descer rapidamente. Você Coloca a máscara. “Não é tão difícil assim”, pensa aliviado. O comandante fala novamente. A voz não parece tão calma quanto da última vez, mas tem o tom profissional de saber exatamente o que fazer naquele momento. – Senhores, tivemos um problema com uma das portas. Isso causou a despressurização súbita da aeronave. Estamos descendo para uma altitude segura. Por favor, mantenham-se nas poltronas, com os cintos apertados. Os comissários tomarão as providências de segurança necessárias. Pousaremos em breve... E fiquem calmos! O que ocorre com o avião e com o seu corpo nesse momento? O que causou os fenômenos observados na atmosfera interna e os ruídos? Em termos de fatores externos, a perda da porta fez com que a pressão interna da aeronave fosse repentinamente reduzida, ficando igual à baixa pressão externa. Dentro do seu corpo, além da equalização de pressão nos canais do sistema auditivo e cavidades (nunca voe gripado!), o organismo tenta desesperadamente ajustar-se à nova situação e sobreviver. Para a altitude em questão, sete mil metros, o maior problema é a baixa pressão parcial do oxigênio disponível. O corpo tenta compensar alterando alguns dos seus parâmetros, como o aumento da frequência cardíaca. Contudo, o tempo de sobrevivência nessas circunstâncias depende da altitude. Isto é, quanto maior a altitude, menor o tempo de vida. Por isso, é importante vestir de pronto as máscaras de oxigênio. A situação de baixa concentração de oxigênio no corpo é chamada hipóxia. 18


Sobrevivendo em Grande Altitude

Dependendo da altitude e do tempo de reação, ela pode ser fatal, levando à perda de consciência e morte em alguns poucos minutos, se tanto. O problema principal, porém, é que um dos primeiros “sistemas” atingidos é o nosso cérebro, e com ele se vai o nosso raciocínio. Isto é, sob condições de hipóxia, perdemos rapidamente a capacidade de avaliar a situação e agir. Os sintomas da falta de oxigênio são individuais, mas de forma geral ocorrem rapidamente, exigindo reconhecimento imediato. Por essa razão, é importante que cada tripulante esteja completamente ciente dos seus próprios sinais e treine a execução das ações imediatas para restabelecer o fluxo de oxigênio “sem pensar”. Para isso servem as “Câmaras Hipobáricas”. Aqui no Centro de Treinamento de Cosmonautas, temos câmaras hipobáricas que são utilizadas com frequência por nós, cosmonautas, para reconhecimento dos sintomas de hipóxia, verificação da resposta natural do nosso organismo e treinamento de procedimentos de emergência e técnicas de aumento de resistência do corpo a esta condição.

Câmara Hipobárica - Foto NASA

Todas as atividades são coordenadas e acompanhadas por médicos com especialização em medicina aeroespacial. Esse exercício é necessário no nosso caso, como cosmonautas a bordo da Soyuz, não só para responder às possíveis emergências, mas também porque, durante uma descida normal, a pressão da cápsula é equalizada ao ambiente externo automaticamente a 5.5 km de altitude através da abertura, por carga pirotécnica, da válvula de despressurização do módulo de descida. 19


Caminhando com Gagarin

Portanto, temos que estar preparados técnica e fisiologicamente para esse evento “normal” no plano de descida do voo espacial. Por outro lado, durante as nossas viagens aqui na Terra, embora a despressurização total e repentina da cabine de um voo comercial seja um evento “anormal” e bastante improvável, aí vai uma dica: esteja sempre preparado, deixe para apreciar a paisagem do aeroporto depois das instruções dos comissários! ***

Treinamento com máscara de oxigênio - Arquivo Marcos Pontes

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Sala de aula na Cidade das Estrelas - Arquivo Marcos Pontes

Zdrástvuitie! Treinamento em língua russa Cidade das Estrelas, Rússia, 09 de Dezembro de 2005. Russo é uma língua difícil. Isso é fato! O primeiro contato assusta qualquer um: alfabeto enigmático, palavras longas recheadas de combinações explosivas de sons em “r”, sílabas tônicas bem destacadas e uma música marcada na pronúncia forte das frases. Realmente impressiona logo de cara. Passado o impacto inicial da ortografia e da fonética, chega a gramática com pares de verbos perfeitos e imperfeitos, seis casos de declinações de substantivos e de seus modificadores e ainda, como se não bastasse tudo isso, muitas exceções! Em resumo: ultimamente tenho lembrado com frequência de todos os professores de português que já tive na vida! Quando cheguei aqui, na “Cidade das Estrelas”, na constelação de procedimentos e coisas novas que deveria aprender, encontrei a língua russa. Apesar das dificuldades e do tempo curto para aprender suas bases, o contato com um novo idioma sempre é algo extremamente gratificante. Significa, de certa forma, tocar a história e a cultura de um povo registrados com distinta elegância no desenvolvimento dinâmico de sua linguagem falada e escrita.


Caminhando com Gagarin

Nesse contexto, entre a motivação da oportunidade cultural e a pressão das obrigações profissionais, tive minha primeira lição de russo há pouco mais de um mês. Era uma quinta-feira, 27 de outubro, onze horas da manhã. Consultei rapidamente o número da sala de aula em minha programação diária, impressa em russo, enquanto caminhava sobre a neve que cobria a praça central do setor operacional em direção ao prédio 2. O edifício, com “arquitetura reta”, ficava diretamente à frente da praça. Entrei pela sua porta principal, retirando as luvas, o gorro coberto de neve e o pesado casaco de frio. O amplo saguão de entrada era decorado, entre esculturas e outras coisas, por um posto de segurança do lado direito da porta. – Zdrástvuitie! – disse o soldado em tom de boas-vindas. Respondi inicialmente com um sorriso amigável. Conhecia essa palavra das minhas poucas e indecisas leituras sobre o idioma durante o período em que aguardava a definição oficial, ou não, da missão. Tentei me lembrar qual deveria ser minha resposta: “Paja... alguma coisa, ou seria espa... alguma coisa, ou apenas repito a mesma palavra?” Os segundos que eu teria, no ritmo normal de conversação, para responder ao cumprimento, esgotaram-se rapidamente. Assim, apenas agradeci com um aceno discreto. Segui à direita, pelo corredor central do prédio, prestando atenção aos números escritos nas portas. “Sala 213, deve ser aqui”, pensei. Pelo menos o número era igual ao escrito na programação. Bati na porta e entrei. Sentado, meu professor calmamente aguardava minha chegada. Era um senhor simpático, cerca de sessenta anos de idade, magro, cabelos grisalhos. Sua atitude educada e paciente revelou prontamente a experiência adquirida ao longo de décadas de trabalho ensinando o seu idioma a inúmeros estrangeiros. Após as apresentações formais, conversamos, em inglês, a respeito do currículo do curso, objetivos e outros assuntos. Expliquei sobre minha função operacional e a necessidade de executar procedimentos de bordo utilizando painéis, contatos de rádio e manuais em russo. Falei das restrições do tempo para o aprendizado mais completo da linguagem para “uso geral”. Isto é, o fato de, infeliz e provavelmente, não ser possível tornar-se fluente no idioma em apenas quatro meses. Contudo, enfatizei a importância de, no mínimo, entender as comunicações e atuar com eficiência durante a missão. Ele ouviu atentamente as minhas considerações e, do alto de sua experiência como educador, disse, sorrindo e olhando diretamente para mim: – Acredito que você irá muito além das suas modestas intenções. 22


Zdrástvuitie!

O tempo passou rapidamente desde aquele dia. Um mês se foi entre tantos sistemas, aulas e outras atividades. Conheci pessoas, lugares, pensamentos, histórias e emoções. Agora, o alfabeto já não é enigmático. A leitura e a pronúncia continuam difíceis. Meu vocabulário ainda é restrito. Muitas vezes faltam palavras. Mas já é possível entender bem o significado de boas-vindas expresso na sinceridade de um simples “olá” (“Zdrástvuitie”) e perceber algumas das razões pelas quais a palavra “Mir”, um dia utilizada para nomear a estação espacial russa, significa, ao mesmo tempo, “Mundo” e “Paz”. ***

Simulador da Soyuz - Foto NASA 23


Caminhando com Gagarin

Reflexþes entre a Terra e o Espaço - Arquivo Marcos Pontes

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Galáxia Andrômeda - Foto NASA

Reflexões Entre a Terra e o Espaço Qual é o seu espaço? Cidade das Estrelas, Rússia, 13 de Dezembro de 2005. O barulho da cidade ficou para trás. No momento, só a calma da fazenda, o vento suave, o cheiro de mato e o ritmo dos grilos. Noite estrelada. Lua cheia. Deitado sobre o teto do carro, observo a imensidão cintilante do céu. Logo ali, quase ao alcance das mãos! Penso no que tudo isso significa. Quem somos nós? O que fazemos por aqui? O que realmente representamos como parte deste grande universo? Afinal, o que é todo esse “espaço” que nos envolve? A mente viaja. Velocidade, movimento. Nada está absolutamente parado. Lembro do nascer e do pôr do Sol. Imagino a dinâmica do nosso planeta no espaço. Rotação, translação, vertigem. Como somos pequenos nessa escala! Estranho perceber que o “nosso mundo” na superfície do planeta, onde normalmente vivemos toda a nossa vida, representa praticamente nada nessa grande “esfera” terrestre. Somos mais ou menos como bactérias na “casca de um ovo”. Você já parou um minuto para pensar sobre isso? Embarcados nessa espaçonave chamada Terra, viajando juntos pelo espaço a mais de 100.000 km/h, todos nós somos, de certa forma, astronautas.


Caminhando com Gagarin

Terráqueos...Descuidados astronautas. Poucas vezes nos damos conta do nosso incrível movimento. Muito menos da nossa incrível fragilidade perante às dimensões do nosso pequeno planeta e dos gigantes corpos celestiais entre os quais navegamos no espaço. Tripulantes sem experiência nesta nave tão antiga, cuidamos mal dos nossos sistemas. Diariamente ampliamos desordenadamente o sistema de processamento de dados e comunicações internas. O sistema de geração de energia passa por várias análises e estudos de projeto. Porém, enquanto as novas versões, mais inteligentes e limpas, não são implementadas comercialmente, os setores da nossa espaçonave que mais consomem energia acumulam enormes vazamentos, poluindo nosso ambiente vital e desperdiçando quantidades enormes dos poucos recursos que temos a bordo. ...

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Coral Supernovos - Fundação Astropontes - Arquivo Marcos Pontes

Sobre o Autor O menino pobre que levou a bandeira do Brasil mais alto Marcos Pontes é paulista, nascido em 11 de março de 1963. Começou a trabalhar aos 14 anos como eletricista aprendiz na Rede Ferroviária Federal para ajudar em casa e pagar pelos seus estudos. Entrou na Força Aérea em 1981. Como militar, além de funções administrativas, foi instrutor, líder de esquadrilha de caça e piloto de testes. Tem mais de 2 mil horas de voo em 25 tipos de aeronave, incluindo F-15 Eagle, F-16 Falcon, F-18 Hornet e MIG-29 Fulcrum. Possui mais de 20 anos de experiência em prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos. É engenheiro aeronáutico formado pelo ITA e mestre em Engenharia de Sistemas pela USNAVY. Suas funções militares foram encerradas em 1998, quando foi selecionado por concurso público, realizado pela NASA/AEB, para representar o Brasil na NASA na função de astronauta, que é carreira civil. Na NASA, Pontes trabalhou no gerenciamento de projetos de softwares e procedimentos operacionais da ISS, dos painéis e displays dos ônibus espaciais, das interfaces de controle do Módulo da Acomodação da Centrífuga da ISS, do Módulo Laboratório Japonês (KIBO), em Tsukuba, Japão, e na investigação do acidente da espaçonave Columbia.


Caminhando com Gagarin

Em março de 2006, Pontes realizou a primeira missão espacial tripulada da história do Brasil, a Missão Centenário: permaneceu no espaço por dez dias e tornou-se o primeiro astronauta brasileiro. Ele também é o primeiro astronauta profissional de nacionalidade única de um país do hemisfério sul. Como astronauta especialista de missão, suas funções a bordo da Estação Espacial Internacional incluíam a montagem, manutenção e configuração de sistemas, além da execução de experimentos científicos do Brasil e de outros países participantes do programa. Entre mais de 7 bilhões de habitantes da Terra, menos de 600 chegaram ao espaço. Após a realização da Missão Centenário, a exemplo do que foi feito com seus companheiros internacionais de missão, Pontes foi dispensado com honras do serviço ativo militar para dar continuidade às funções civis da carreira de astronauta em cargos de maior influência político-administrativa. Na reserva militar, caso fosse de interesse do Brasil, Marcos Pontes poderia ser designado pelo Governo para assumir funções ou cargos em instituições militares ou técnicas, como a AEB, a ANAC, o MCTI, o MEC, o MD ou Universidades Públicas. Contudo, até hoje nunca foi convidado pelas autoridades eleitas para assumir qualquer projeto técnico ou cargo administrativo. Em 2014, tomou a iniciativa de contribuir e colocou-se mais uma vez à disposição do Brasil, agora como candidato a Deputado Federal por São Paulo, com o ideal de usar seu conhecimento no Congresso para desenvolver de forma mais ampla as áreas de Educação, Ciência e Tecnologia no Brasil. Apesar de ter tido mais de 43 mil votos, não foi eleito, ficando, portanto, livre para dedicar-se aos projetos de C&T de ponta desenvolvidos no exterior.

Atualmente Marcos Pontes: • é Astronauta da ativa, à disposição do Programa Espacial Brasileiro, em Houston, Texas, Estados Unidos; • é Palestrante e ministra treinamentos e cursos para empresas e instituições no Brasil e no exterior; • é Coach especialista em desenvolvimento pessoal e profissional; • é Empresário, consultor técnico, escritor, professor e pesquisador; • é Embaixador da WorldSkills International; • é Embaixador da FIRST Foundation; • é Embaixador da ONU para Desenvolvimento Industrial; • é Presidente da Fundação Astronauta Marcos Pontes para a educação, ciência e tecnologia. 116


Para Saber Mais

Embaixador da ONU - Arquivo Marcos Pontes

Fundação Astronauta Marcos Pontes - Foto Odjair Baena

Monumento Astronauta Marcos Pontes em Bauru SP - Foto João Rosan 117


Caminhando com Gagarin

Outros Livros de Autoria do Astronauta Marcos Pontes: Nesse livro, o astronauta usa toda a sua experiência de vida e profissional para ajudar você a realizar seus sonhos. Ele o levará desde a concepção da ideia, o planejamento e a execução das ações, até a realização de suas metas. Pontes revelará todos seus segredos de sucesso em lições preciosas de autoconhecimento, preparação pessoal, liderança e atitude profissional. O texto é uma combinação inteligente e completa de técnicas de autoajuda com a metodologia de gerenciamento de projetos. Você terá em suas mãos um livro motivador e prático, uma ferramenta essencial para que você tenha maior qualidade de vida e mais recursos financeiros. Despeça-se de tudo aquilo de que você não gosta em sua vida. Ao iniciar essa jornada, ela nunca mais será a mesma! Sim, agora é a sua vez! Você realizará todos os seus sonhos! Esse livro traz uma história emocionante de sonho, determinação e sucesso. Recheado de fotos, essa obra é o registro escrito de um momento marcante da história do Brasil. A trajetória de um brasileiro que nasceu em uma família humilde, acalentou um ideal “impossível”, acreditou, trabalhou, persistiu, superou desafios, fez muito mais do que esperavam dele e tornou-se o primeiro astronauta profissional do país. Você conhecerá todos os bastidores da primeira missão espacial brasileira: a política e os obstáculos antes do voo; os momentos de perigo, as curiosidades e a emoção de ver a Terra do espaço; a reação do país, as polêmicas, as críticas e os fatos. Prepare-se para embarcar rumo ao espaço e viver, com o astronauta Marcos Pontes, todas as sensações de uma missão espacial! Você está prestes a saber de fatos e eventos impressionantes e nunca divulgados no Brasil! Este livro traz a inspiradora história de vida do Primeiro Astronauta Brasileiro, o professor Marcos Pontes, contada de forma divertida e inteligente em 64 páginas ilustradas pelo próprio astronauta. Além disso, possui dezenas de questões ocultas nas ilustrações (com respostas no final do livro), sugestões de atividades para professores e pais, curiosidades sobre a Missão Centenário, sobre a Estação Espacial Internacional e sobre os experimentos realizados pelo astronauta do Brasil no espaço. Com diversos exemplos reais de vida, os mestres e pais podem utilizar desse livro para discutir temas de enorme relevância para o desenvolvimento pessoal dos pequenos, como: persistência, superação, importância do estudo, ética, etc. É uma ótima ferramenta para a formação de valores das crianças!

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Autor Marcos Pontes - Arquivo Marcos Pontes

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