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IdeIas que brIlham

O dinheiro móvel está a transformar a paisagem financeira de África, alavancado por uma percentagem crescente da população com acesso ao telemóvel, e tornando os serviços financeiros mais acessíveis para milhões de africanos. Apesar de ainda distante dos principais mercados de inovação financeira, também em Moçambique, esta verdadeira revolução está em marcha e são já algumas as empresas que se dedicam a criar soluções tecnológicas inovadoras para o sector financeiro. A E&M visitou a Sandbox, a incubadora de Fintech do Banco de Moçambique, para conhecer quem são e como estão a programar o Futuro

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seis em cada dez adultos africanos não

têm conta bancária e, em Moçambique, o rácio é ainda mais crítico, chegando aos oito em cada dezena. O que provoca ondas de impacto incalculáveis na saúde financeira do país, na sustentabilidade do crescimento e amadurecimento do próprio sistema financeiro, na vida quotidiana de milhões de cidadãos e na produtividade global da economia. Ao mesmo tempo, a ascensão meteórica do número de subscritores de serviços móveis no continente manteve-se acima dos dois dígitos na primeira metade da década e, mesmo com essa tendência de crescimento a registar um abrandamento nos últimos dois anos, ela deverá, ainda assim, manter-se numa cadência de crescimento anual de 4,8% durante os próximos cinco anos. Mesmo assim, representa mais do dobro em relação à taxa estimada a nível global para o mesmo período, e com índices de penetração

200

milhões de dólares Volume de inVestimento feito em fintech africanas, em 2017, mais 53% do que no ano anterior. com a atenção dos grandes inVestidores, espera-se que, até 2023, esse Volume cresça para os 3 mil milhões de dólares

a aumentarem dos 44% no ano passado, para uma estimativa a rondar os 50%, até 2023. A este nível, Moçambique até está acima da média, com cerca de 16 milhões de moçambicanos afiliados numa das três operadoras de rede móvel existentes no mercado. De acordo com o estudo de 2018 da GSMA Intelligence (empresa especializada em análise ao sector das telecomunicações a nível global), todo este crescimento representa “um mar de oportunidades” de crescimento em praticamente todos os segmentos possíveis e imagináveis, ressalvando, no entanto, os clusters emergentes do futuro, que estão relacionados com juventude, meio rural, educação, saúde e o mercado financeiro e de seguros. Toda esta dinâmica não nasceu agora, mas só nos últimos dois anos, ganhou verdadeira tracção junto dos grandes fundos de investimento, que apostam em África pelas características dos

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Sandbox funciona num dos edifícios do complexo do Banco de Moçambique, desde Maio passado

O novo edifício do Banco de Moçambique, o lugar onde a inovação acontece. Alguns meses após a sua abertura, a E&M entrou na caixa de quem faz profissão a pensar fora dela

vários mercados, pouco amadurecidos ao nível do sistema bancário quando em comparação com a Europa ou os Estados Unidos, vendo o continente como laboratório de experimentação a este nível. Em 2017, as startups criadoras de tecnologia financeira em África, as chamadas Fintech, arrecadaram mais de 200 milhões de dólares (um crescimento de 53% face ao ano anterior) em investimento. Cerca de 85% desse valor foi direccionado aos mercados da África do Sul, Quénia e Nigéria, de acordo com o relatório ‘Finnovating for Africa’, de 2017. A África do Sul é, de resto, o mercado onde existem hoje mais Fintech (94 empresas, e 31% do total de toda a África), seguido pela da Nigéria com (74) e Quénia (56 empresas), mas é também destacado o papel mercados emergentes com uma “palpitante actividade a este nível”, onde se incluem Gana e Camarões. Um dos ‘triggers’ de toda esta dinâmica, é a confiança no mercado, conquistada pelos bons desempenhos do mPesa, com um grande impacto no Quénia, do Paga da Nigéria, ou do Zoona da África do Sul. De acordo com uma análise recente do EcoBank, mais de 57% de todas as contas de dinheiro móvel no mundo estão na África subsaariana, antevendo-se que, por via disso, o mercado “cresça dos actuais 200 milhões de dólares anuais de investimento angariado, para os 3 mil milhões, até ao início da década.”

admirável mundo novo É desta forma que se vão desenhando linhas de código nas pontas dos dedos de uma nova geração de jovens empreendedores africanos, programadores de soluções digitais para os problemas reais de todo um continente. É essa, aliás, a génese do próprio conceito de Fintech, um termo que surge da combinação das palavras ‘financial’ e ‘technology’, com o fito de criar facilidade e conectividade. A esse nível, vários estudos indicam que o principal foco tendencial da criação de soluções, passa por criar novas formas de pagamento, depois pelas transferências nacionais e internacionais, havendo também Fintech que estão a encontrar novos caminhos de acesso ao crédito e a seguros, no auxílio das finanças pessoais, e utilização de blockchain, e que têm alcançado o sucesso na obtenção de financiamento. Ainda nessa tendência, o mais recente relatório trimestral da KPMG, Pulse of Fintech, constatava que, no quarto trimestre de 2017, os investidores globais continuavam a priorizar investimentos em empresas de Fintech no mercado B2B, incluindo plataformas de pagamentos, de empréstimos para PME e soluções de software para tornar as operações de back office mais eficientes e menos onerosas para o cliente”, pode ler-se.

sandbox, a caixa fora da caixa Assim, inovações financeiras, combinadas com uma elevada taxa de penetração de dispositivos móveis, estão a permitir que milhões de africanos, actualmente sem acesso à banca, tenham acesso a uma plataforma de serviços financeiros pela primeira vez, algo que colocou a África Subsaariana na vanguarda dos serviços bancários móveis. Toda esta mudança não tem passado ao lado de Moçambique onde, embora a uma escala ainda reduzida, começa a desenhar-se o princípio de um ecossistema financeiro inovativo. E logo no coração do sistema, no Banco de Moçambique. Ali, funciona desde Maio passado, e com o apoio da FSD Moç (um programa financiado pelo DFID-Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido), a Sandbox, uma incubadora regulatória para Fintech, onde se juntam os criadores de soluções inovadoras e os reguladores e players nacionais, do governo aos bancos e seguradoras. Esselina Macome, que lidera a FSD Moç, depois de uma década na administração do Banco de Moçambique, explica a importância da aposta nestas novas empresas, exaltando “a sua relevância na dinamização do sistema financeiro, algo que vai ao encontro dos esforços da FSD, que passam por, nos próximos anos, fazer aumentar consideravelmente os níveis de literacia financeira, mas também a ampliação da rede de serviços e de abrangência bancária, para níveis perto dos 50% da população moçambicana. Nesse sentido, estas startup que desenvolvem soluções inovadoras serão decisivas nesse processo.” Alguns meses após a sua abertura, a E&M entrou na ‘caixa’ de quem faz profissão a pensar fora dela. O programa do BM já conta com cinco Fintech, procurando trabalhar com elas, através da cedência do espaço, cooperando nos processos de licenciamento, mas também tentando entender a melhor forma de lidar com

as finteCh no merCado

Para além da Sandbox, que funciona no Banco de Moçambique e onde estão actualmente cinco empresas, há algumas outras startup que começam a surgir, aproveitando um ecossistema inovativo que tem vindo a ser cultivado por iniciativas como a ideiaLab, o Orange corner, ou a incubadora do Standard Bank, e concursos como o Seedstars, um concurso internacional de ideias criativas

É uma startup moçambicana que desenvolve aplicações direccionadas para os mercados financeiros, saúde e educação

criada por tauanda chare, venceu a 3ª edição do SeedStars, com um serviço designado Móvelcare, que facilita acesso a seguros via telemóvel.

esta Fintech nacional propõe uma solução agregadora de serviços de recebimento e pagamento, e congrega no seu aplicativo as várias contas de bancos ou carteira móvel, facilitanto utilização e minimizando custos e taxas de transacção. A OLOGA nasceu como Fintech em 2010, mas evoluiu para outros campos, e recentemente foi distinguida pela União internacional de telecomunicações (Uit) pela criação de uma aplicação de gestão de informação estatística em tempo real.

foto

esta startup moçambicana desenhou um sistema capaz de agregar pagamentos em todas as carteiras móveis através de um só user account, sem ser necessário ter conta no mPesa, mKesh ou no e-mola. É uma plataforma de transferências instantâneas via código SSiD, do exterior para Moçambique, para a conta bancária ou carteira móvel.

É uma app ao estilo ‘Uber made in Moçambique’, que permite localizar taxis e txopelas associados à aplicação de forma simples, rápida, permitindo o pagamento através da própria app.

Uma das Fintech africanas que mais tem crescido nos últimos anos, e que tem interesse em Moçambique. Originária da Zâmbia, o plano de negócio- é simples: criar um ecossistema de pagamentos digitais, um pouco à imagem do mPesa, mas mais virado para a população rural.

Como a banCa olha as finteCh

Global Fintech Report, um estudo global da consultora PWc mostra como a banca convencional se está a abrir para este novo mundo das startup na área financeira, numa perspectiva de parceria e com cada vez menos desconfiança

82%

dos operadores de banca convencional esperam aumentar parcerias com num peíoso de cinco anos.

77%

esperam adoptar sistemas de blockchain como parte de processos de produção até 2020.

54%

consideram armazenamento de dados, privacidade e protecção como barreira

30%

das grandes instituições financeiras estão a investir em soluções de inteligência Artificial

fonte PwC Global fintech Survey 2017

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Sucesso de Fintech pioneiras como o mPesa, no Quénia, está a suscitar o interesse de grandes investidores de todo o mundo que, buscam em África, a próxima disrupção

áreas ainda não cobertas pela regulação existente. Este é, de resto o primeiro obstáculo a todos os que estão nesta ampla sala. “É uma iniciativa positiva, um primeiro passo para agir sobre a lei dos prestadores de serviços de pagamentos. Actualmente, no nosso sistema, há os bancos e emissores de moeda electrónica, mas pelo meio não há nada. Estas Fintech não pretendem captar depósito ou emitir moeda electrónica, focando-se na criação de serviços de pagamentos a custos baixos, num conceito de agregação de serviço. Creio que todos estamos a aprender como nos relacionarmos da melhor forma e o que podemos tirar de tudo isto”, começa por dizer à E&M, João Gaspar, um dos implementadores da rede SIMO no país, no início da década e actual CEO e fundador da Paytek, empresa que disponibiliza um software de agregação de serviços de pagamento entre bancos e carteiras móveis. O caminho parece, assim, ser longo, até que estas soluções abandonem a fase piloto em que se encontram e fiquem disponíveis no mercado. Para lá da legislação, há questões a melhorar, como a interoperabilidade entre os vários players do mercado, a segu-

OS SEgMEntOS QuE SErãO ‘tOMAdOS’ PElAS FintEch

De um universo de mais de 300 Fintech que actualmente existem em África, a maioria está a criar novas soluções para a área de pagamentos que é, de longe a mais palpitante neste novo segmento. Mas há outras, como as transfências, as finanças pessoais e o crédito

em percentagem da criação de serviços

pagamentos

transferências

finanças pessoais

crédito pessoal

poupança

seguros

saúde 84

68

60

56

49

38

38

fonte PwC Global fintech Survey 2017 rança electrónica e o acesso à rede SIMO. “Esses são os passos a dar para uma explosão da utilização de serviços financeiros. O que só não acontece devido a dois grandes entraves: a falta de interoperabilidade e os custos de transacção. Um ou dois meticais podem ser um factor decisivo para o cliente. E estas Fintech, pela dimensão que têm, tornam-se competitivas a esse nível. É o caso da Paytek, cujo modelo de negócio assenta nesse custo reduzido cobrado ao cliente. O cliente paga Credelec, ou uma recarga de telemóvel, e eu ainda lhe consigo dar um desconto. Mas, refiro que terá de haver uma série de mudanças na legislação que rege o sistema bancário e estou confiante que isso aconteça até ao final do ano.”

mudar o sistema A existência de um princípio de ecossistema de inovação tecnológica na área financeira, e a recente visita a Durban promovida pelo Instituto Nacional das Comunicações, para o concurso global da ITC serviu de mote para juntar os principais agentes deste mercado e começar fazer face a estas questões. Nesta altura, estão a ser dados os primeiros passos no sentido de criar uma associação que

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Mais de 57% de todas as contas de dinheiro móvel no mundo estão na África subsaariana

Parece assim abrir-se um novo caminho no qual, ancorados na expansão massiva das telecomunicações, dinheiro real e digital irão inevitavelmente ter de percorrer lado a lado

lhes permita ganhar ‘músculo negocial’ no mundo financeiro, existindo já um esboco da futura Associação das Fintech de Moçambique, ou a ‘Fintech MZ’. João Gaspar, explica: “Existe a necessidade de as empresas terem uma voz mais activa junto das entidades reguladoras do sector financeiro e de seguros. A ideia é que, eventualmente, os emissores de moeda electrónica, (mPesa, mKesh e e-Mola) possam associar-se à Fintech.mz, até por essa questão de facilitar a interoperabilidade. Depois, a questão da segurança é também fundamental, e seria ideal a criação de um grupo CERT (Computer Emergence Response Team) onde os operadores de moeda electrónica têm necessidades concretas e devem estar coligados na resposta a estas ameaças que se colocam hoje em dia, um pouco à imagem do que já acontece com a banca.” Quando se entra na Sandbox, a impressão que se tem é a de um espaço moderno, bem cuidado (onde a internet precisaria de ser mais rápida, ainda assim), um open space onde, por enquanto, só estão cinco tecnologia, lançando um sistema de pagamentos digitais e monetários, desenhado, numa primeira fase, para o comércio. “A ideia é que o comerciante tenha uma conta Pagalu na qual pode receber pagamentos de qualquer carteira móvel, sem necessidade de ter uma conta em todas elas, e agregando também a sua própria conta bancária, podendo movimentar fundos entre elas. Ou seja, juntar numa só conta todos os métodos de pagamento existentes e tendo de desembolsar uma pequena comissão de 0,5% sobre cada transacção. Estamos na fase de licenciamento para aceder à rede SIMO e numa ronda de apresentações aos operadores de carteira móvel pois tem de haver interoperabilidade para que tudo isto aconteça”, conta. Entretanto, lá fora, a bola de neve vai crescendo e, muitas destas tecnologias, começam a ser adoptadas em operações de trade finance e no mercado de capitais, o que tem permitido à própria banca oferecer melhores serviços, com redução de tempo de transacção e a custos mais reduzidos para os seus clientes. Parece assim abrir-se um caminho em que, ancorados na expansão das telecomunicações, dinheiro real e digital irão ter de percorrer lado a lado. E isso já começou a acontecer, e de formas pouco expectáceis até. Em 2017, a Orange, maior operadora móvel de França, lançou o Orange Bank, após ter adquirido 65% do capital do Groupama Bank (banca e seguros) lançando um banco com uma estratégia ancorada em dois vectores: mobilidade total e transacções sem custo. Cá dentro, para já, a banca e a telefonia móvel começaram por ser ‘desconhecidos’ em ramos de actividade diferentes, mas hoje, começam a surgir parcerias. Através da criação de produtos integrados para favorecer mais clientes (o BCI com o mPesa ou o Barclays com o mKesh, entre outros exemplos) ou adoptando nos seus portefolios, algumas soluções inovadoras que as Fintech vão lançando. Rogério Lam, director de marketing do BCI, falava recentemente sobre “as oportunidades da utilização destas tecnologias ao serviço da banca, para melhor servir os utilizadores”, e não esquecia ser esta “uma grande oportunidade para técnicos, profissionais e empresas de IT apresentarem soluções à banca.” Se o futuro é agora, ele está a bater à porta.

empresas. Mas, há espaço para mais. Um dos segmentos mais fortemente ali representado é o das remessas externas (muito utilizadas pelos mineiros moçambicanos na África do Sul, por exemplo) em que a Mukuru e a Zoona (duas Fintech internacionais que viram na Sandbox uma oportunidade de alargar os seus serviços para Moçambique) apresentam um sistema de transferências que, de forma fácil, barata e segura, permitem aos moçambicanos residentes no estrangeiro transferir dinheiro para a família não bancarizada no país.

O futuro agora? Depois, a Ekutiva que, devido às inúmeras restrições de movimentação de capitais, decidiu desenvolver um sistema similar ao PayPal, mas usando o metical. E a Robobo, uma startup criada por Fei Manheche, engenheiro electrotécnico que, depois de estudar Internet of Things (IOT) em Londres, regressou a Moçambique para “fazer algo pelo país”. Decidiu criar a própria empresa de

Na voz de...

“Fintech têm um longo caminho a percorrer, mas serão essenciais”

mulweli rebelo Director-Geral da Ologa Systems

no mercado desde 2010,

a Ologa (significa falar, em Chuabo, dialecto do centro de Moçambique) nasceu como Fintech, para fazer a gestão dos sistemas de informação dos balcões do Banco Terra. Com o tempo, evoluiu enquanto tecnológica, e entrou em novos segmentos. Com participação accionista da Gapi-Si, criou, ao longo dos anos, soluções digitais que foram sendo premiadas. Casos da SureTrack, que tem como parceiros o Ministério do Género, Criança e Acção Social, a USAID, ou a World Vision, e que lhe valeu o reconhecimento enquanto empresa mais inovadora de Moçambique, no concurso “100 Melhores PME de Moçambique”, tendo sido finalista da African Entrepreneurship Award, através desta solução para o sector da saúde, que faz o rastreamento de pacientes na pediatria do Hospital Central de Maputo. Mas, terá sido em Setembro passado, que terá atingido um dos pontos mais altos da sua história, quando a União Internacional das Telecomunicações (ITU na sigla em inglês), a agência da OnU responsável pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) a considerou “uma das três PME com maior potencial de expansão ao nível mundial”, juntamente com Talamus Health dos EUA (vencedora da categoria) e Dropque, da nigéria. Este reconhecimento foi alcançado durante a realização da 4ª edição do ITU – Telecom World Awards, que decorreu em Durban, e para o qual concorreram mais de 200 empresas de todo o mundo (e 12 outras startup e Fintech moçambicanas). À E&M, Mulweli rebelo, fundador e director-geral da empresa, lança um olhar sobre o que é hoje o panorama da inovação em Moçambique, e recorda o passado em que, depois de ter regressado ao país em 2010 (estudou e formou-se na África do Sul), se focou “na criação de um elo entre o desenvolvimento e a tradição, como forma de chegar a um novo progresso.”

O que é, hoje, a Ologa?

é uma empresa do ramo das TIC, que inicialmente surge no mercado, em 2010, com o objectivo de dar suporte à GAPI na expansão de serviços financeiros para as zonas rurais, em particular os projectos de micro bancos rurais que a GAPI detém. Desenhámos a infraestrutura informática (comunicações e software de gestão financeira de microcrédito). Montámos o primeiro projecto em Sena, na província de Sofala, o segundo em Inhambane, mais dois em niassa e outro ainda em Maputo. Um dos maiores problemas que tínhamos na altura era com as comunicações, porque é possível fazer um suporte remoto, mas tem que haver uma ligação de internet mínima. Então, encontrámos soluções via satélite relativamente a baixos custos e começamos a disponibilizá-la, e esse tornou-se num dos nossos maiores negócios. Hoje, continuamos com os micro-bancos, e a dar suporte de internet via satélite.

VEjOGrAnDE POTEnCIAl nOS SErVIçOSSOCIAIS EDESAúDE. nAS FInTECHTAMBéM, MAS é UM MErCADOEM qUEOVOlUME DETrAnSACçõES E nEGóCIOS AInDA é MínIMO

Na voz de...

As 13 startup moçambicanas na 4ª edição do ITU – Telecom World Awards, em Durban, na qual a Ologa foi distinguida

EM 2016 COMEçÁMOSATrABAlHAr COMA FHI360 EDESEnVOlVEMOSUM SOFTWArE qUE rEGISTAEAGrEGA InFOrMAçãOSOBrEASCOMUnIDADESEMTEMPO rEAl

Um desses projectos, o mais recente, o FHI360 foi premiado num evento internacional, em Durban. De que se trata?

Em 2015, começámos a produzir software localmente, em parceria com uma empresa sul-africana, mas acabámos por seguir sozinhos nesse caminho. E nesse âmbito temos dois projectos. O desenvolvimento do registo médico electrónico para o Hospital Central de Maputo com o foco na pediatria, e em 2016, começámos a trabalhar com uma OnG chamada FHI360, financiada pela USAID em que temos o acompanhamento da Unicef, do Ministério do Género, Criança e Acção Social e da jICA (agência de investimento do japão). Assim, esse software regista em tempo real, informação sobre os agregados familiares (localização, telefone, quem é o chefe da família), a informação individual de cada beneficiário e agrega a análise de cada beneficiário no âmbito da saúde, educação, alimentação. Com base nisso, por exemplo, na saúde, ficamos a saber pormenores importantes como se os indivíduos consomem água devidamente tratada, se dispõem de redes mosquiteiras, e outras mais gerais, relacionadas com o seu estado geral de saúde. Usamos sete perguntas pré-definidas pelo Ministério e com base nas prioridades que se identificam, cria-se posteriormente um plano de acção direcionado. O que o software faz é todo esse registo, permitindo algo muito escasso em Moçambique, dados rigorosos e quase em tempo real sobre uma determinada realidade sobre a qual é preciso actuar.

Em que fase de implementação está este projecto?

O FHI360 é um sistema com probabilidades de expansão e com maior potencial de escalabilidade, porque aplicamos uma metodologia desenhada pela USAID e que é usada em muitos dos projectos que apoiam crianças órfãs e vulneráveis a nível mundial. Então, digitalizámos uma ferramenta que era utilizada em papel, com todo o potencial que isto implica. nesta altura está em funcionamento já. na base de dados já temos mais de 200 mil beneficiários só no projecto FHI360 e vamos, em novembro e Dezembro, fazer um ‘piloto’ com a Unicef e o Ministério para enquadrar as necessidades do país, noutras áreas, de acordo com todo o potencial do software. A ideia é que, devido à sua adaptabilidade, ele seja usado como base para comandar a gestão de casos de monitoria e avaliação de políticas de saúde.

O funcionamento está na fase mobile já?

Estamos a fazer essa transição para que os dados possam ser capturados directamente no telefone sem ter que passar pelo papel. E estamos a pensar já na fase seguinte, que é desenvolver um módulo do programa completamente direcionado para OnG’s, em que podem utilizar gratuitamente as funcionalidades básicas do software até aos 300 beneficiários, e só se pretenderem evoluir para uma escala mais abrangente terão de pagar.

E é ai que se vai buscar receita?

Sim. Porque não cobramos pelo uso do software mas sim pela sua customização. é dessa forma que ele tem evoluído e irá fazê-lo ainda mais de acordo com as aplicações que lhe forem sendo adicionadas de acordo com as necessidades de quem o irá utilizar.

Após o prémio, que reacções lhe chegaram?

logo de seguida, conseguimos um programa ‘piloto’ na África do Sul em que já estamos a trabalhar. na cidade de quelimane vamos conseguir avançar com um outro projecto com o município local, e há outras coisas que aconteceram, e que estamos a estudar. Engraçado que estávamos à procura de financiamentos para conseguir fazer a expansão dos nossos serviços, mas agora, já não estamos muito preocupados com essa componente. Estamos mais preocupados em conseguir os projectos, porque serão esses que vão financiar o reinvestimento na melhoria do software, tornando-o ainda mais seguro e fiável.

Quem é que desenha, cria, ou programa, será mais correcto dizer, os vossos softwares? São jovens moçambicanos?

no início trabalhávamos com software developers sul-africanos. no entant começam a aparecer inúmeros jovens excepcionais que surgem nas universidades, alguns são auto-didactas até, e que percebem imenso desta área.

Terá sido este abrandamento económico dos últimos anos, um dos catalizadores para aquilo a que assistimos, e se fale crescentemente de empreendedorismo, de startup e Fintech em Moçambique?

Sem dúvida. no entanto, é difícil ganhar escala com as startup, particularmente em Moçambique. porque o mercado e o poder de compra são reduzidos. Ou as startupscrescem ganhando algum prémio ou reconhecimento, que lhes traz capital, ou têm dinheiro dos accionistas para poderem crescer. A Ologa é um exemplo disso, teve apoio financeiro (da Gapi-SI como acionista), mas também ganhou prémios que lhe trouxeram credibilidade. Mas ainda estamos muito longe de alcançarmos sucesso em termos financeiros, embora já tenhamos conquistado nome. Em relação às Fintech, o problema é um pouco mais complexo, porque dependem inteiramente do regulador que é o Banco Central, e nem sempre, estas entidades entendem o papel de mudança que as startup financeiras podem ter no mercado. no entanto, o BM está mais proactivo e parece ter entendido o papel que as tecnologias podem ter na expansão dos serviços financeiros por toda a população.

Em que segmento as startup terão mais potencial, ou caminho, para crescerem?

Vejo grande potencial nos serviços sociais e de saúde. nas Fintech também, mas é um mercado em que o volume de transacções e negócios ainda é mínimo. O mPesa ou o Mkesh são Fintech e mesmo estas estão a batalhar para conseguir volume, porque não estamos no quénia onde há literacia informática e toda a gente usa smartphones. Por aqui ainda há muitos desafios. Agora, eu vejo potencial nisto para o desenvolvimento rural, com projectos como os da Gapi, por exemplo, e para a área de seguros, que também farão parte da evolução futura das Fintech.

Daí a necessidade de criar uma Associação Moçambicana de Fintech?

Havendo um movimento nesse sentido, agora é preciso que ele tenha uma voz comum, no sentido de falar com o regulador para criar enquadramentos legais, com as grandes Fintech (mPesa, Mkesh e e-Mola) sobre questões de inter-operabilidade e formas de reduzir custos altos de transacções electrónicas entre diferentes operadores, ou mesmo questões de segurança contra fraudes. Tudo isto fica mais fácil através de uma associação.

A grande questão, não só em Moçambique, continua a ser a sustentabilidade destas empresas, ou a forma de monetizar a inovação, é isso?

Para Moçambique, em particular, é bastante complexo conseguir a sustentabilidade destes projectos. é algo sempre emotivo, porque são encabeçadas por jovens que ainda não têm famílias por sustentar. A UX por exemplo, ganha muitos prémios e mesmo assim tem de expandir para outros mercados onde, aí sim, conseguirá a sustentabilidade. Mesmo nós, financiamos este projecto graças aos doadores, porque o mercado é ainda muito pequeno. Acredito que Moçambique pode tirar grandes vantagens da exportação de serviços de software porque somos relativamente baratos em relação a outros mercados, temos ligações internet de fibra e um enorme potencial de montar data centres movidos a gás que terão custos relativamente baixos.

TExTo Pedro Cativelos & Hermenegildo langa FoTograFIa Jay garrido

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