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Reflectindo Sobre
Moçambique Independente: Pessoas, Instituições, Recursos Naturais e Utopias
na implementação adequada de políticas públicas de promoção do desenvolvimento socioeconómico equilibrado e sustentável.
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Por outro lado, e devido ao efeito da “Guerra Fria”, o País viu-se num contexto regional hostil, com os regimes do Apartheid e de Ian Smith a gerarem instabilidade e a travarem o seu desenvolvimento, a par do efeito nefasto das calamidades naturais e da guerra que o paralisou.
O Prof. Muhammad Yunus (2007)1, autor do livro “O Banqueiro dos Pobres” e laureado com o Prémio Nobel da Paz 2006, advoga que só podemos construir aquilo que imaginamos e idealizamos. Só podemos construir um mundo projecto de tamanha envergadura, num contexto regional e global turbulento, onde o espaço de manobra para os países pobres como o nosso é mais limitado? sem pobreza se idealizarmos esse tipo de mundo, se acreditarmos que isso é possível e trabalharmos afincadamente para materializar essa utopia, pois temos dados que provam que a pobreza global resulta mais da má distribuição da riqueza e não do facto de a humanidade não gerar riqueza suficiente para que todas as pessoas do mundo possam viver com dignidade.
Os factores produtivos clássicos como terra, capital e trabalho, incluindo na equação a tecnologia, como é que podem ser devidamente combinados para gerar riqueza e prosperidade partilhada na terra de Eduardo Mondlane e Samora Machel?
Como explorar o potencial dormente, fazendo com que pessoas, instituições e recursos naturais possam engendrar um novo tipo de crescimento, que seja rápido e robusto, mas que seja igualmente inclusivo e com face humana?
Gostaria de chamar para a discussão as perspectivas de Amartya Sen (1999)2, Paul Collier (2010)3, Daren Acemoglu & James Robinson (2013)4 e Carlos Lopes (2020)5, que podem fornecer a moldura analítica para fazer a leitura do percurso económico e desenvolvimentista moçambicano.
Será que, para o nosso caso, nós temos uma concepção consistente e compreensiva sobre o que é viver livre da pobreza, acreditamos que isso é possível de atingir e tudo fazemos para o alcance desse objectivo estratégico? Será que temos a capacidade de implementar um
Na visão de Sen (1999), é fundamental alargar as liberdades substantivas que as pessoas usufruem, removendo os vários tipos de restrições que deixam às pessoas poucas escolhas e limitadas oportunidades para exercerem uma acção racional, ampliando o seu acesso à educação, saúde, tecnologia, renda, emprego, ao financiamento e aos mercados.
Na óptica de Sen, o crescimento económico deve ser entendido como um meio de atingir outros objectivos e não como um objectivo em si, ou seja, para o autor, o problema da pobreza não é a falta de produto agrícola, mas a falta de renda, poder aquisitivo, condições para entrar no mercado e capacidades em termos de educação e saúde, dando ênfase especial às habilitações, aptidões e competências susceptíveis de serem adquiridas pelos pobres economicamente activos, que em Moçambique desenvolvem actividades económicas ligadas à agricultura, pescas e pequenos negó- cios, numa base fundamentalmente informal e orientados principalmente para a subsistência.
Esta abordagem foi, de certa forma, desenvolvida por José Negrão (2005)6 ao analisar o comportamento económico das famílias rurais africanas no delta do Zambeze, onde constatou que as funções de produção, bem-estar social e distribuição estão integradas, sendo importante perceber a lógica e racionalidade das decisões económicas tomadas pelas famílias rurais.
Tendo em conta alguns dos principais constrangimentos que Moçambique vem atravessando nos últimos anos, como as calamidades naturais, instabilidade e conflitos, congelamento do apoio dos parceiros de cooperação ao País, crises económico-financeiras e epidemiológicas, volatilidade do preço das matérias-primas no mercado internacional e quebra nas cadeias globais de produção e distribuição (Valá, 2021)7, como conceber e implementar políticas públicas que integrem os pobres na economia de mercado e que as pessoas e famílias pobres tenham acesso à educação, aos serviços essenciais de saúde e água, às tecnologias, ao financiamento e aos mercados?
Collier (2010) refere que há motivos para satisfação, pois a pobreza está a reduzir-se em 80% no mundo. Todavia, concentra-se em cerca de 50 Estados que considera “falhados”, em que vivem mil milhões de habitantes, cujos problemas desafiam as abordagens tradicionais para combater a pobreza, colocam em confronto os corruptos e os reformadores, e os corruptos estão a ganhar mais espaço. Nesses 50 países há quatro armadilhas que entravam o desenvolvimento, como conflitos armados e instabilidade, dependência excessiva da extracção e exportação de recursos naturais (maldição dos recursos), localização geográfica (interioridade e maus vizinhos) e má governação (incluindo políticas erráticas e fragilidade institucional).
Algumas dessas armadilhas não estão presentes no nosso País ou apenas têm que ver com outros países? A ajuda externa tem tido impacto positivo no desenvolvimento sustentável de Moçambique? A globalização económica está a trazer benefícios tangíveis para a nossa Nação? As pessoas e instituições estão devidamente preparadas para assumir e vencer os desafios complexos de desenvolvimento do País?
Tal como noutros países e sociedades, o comportamento dos diferentes agentes económicos e sociais é influenciado pelas instituições, entendendo-se estas como um conjunto de regras, normas e costumes, formais e informais, que governam as relações entre os indivíduos e os grupos sociais e definem os direitos e fazem cumprir os deveres no relacionamento entre as pessoas.
Quanto maior é a legitimidade e a maleabilidade das instituições, maior é a equidade na distribuição dos rendimentos e menores são os custos de transacção. A família e o casamento são as instituições mais antigas e constituem o exemplo daquelas cuja lógica e dinâmica difere de país para país ou mesmo dentro de um mesmo país, consoante as regras consuetudinárias. O Estado é uma das instituições exógenas à sociedade de maior destaque, actuando “de fora para dentro” ao transportar e impor custos de transacção elevados.
Isso acontece porque o Estado não regula as formas de negociação, participa no processo em condições de monopólio, alimenta a burocracia, é permissível à corrupção e é apático quanto às dinâmicas de mercado.
As sociedades saudáveis contam com uma série de instituições que tornem menos prováveis os grandes conflitos sociais e as falhas colossais de coordenação. O império da lei, um judiciário de qualidade, instituições políticas representativas, eleições livres, sindicatos independentes, parcerias sociais, media independente, representação institucionalizada de grupos minoritários, um Parlamento que represente a pluralidade política e social e a previdência social são alguns exemplos de tais instituições. O que faz com que esses arranjos funcionem como instituições de administração de conflitos é o facto de impor uma dupla “tecnologia de compromisso”, dando garantias aos vencedores e aos perdedores que ambos têm espaço para contribuir construtivamente para o desenvolvimento da Nação.
Quando os cidadãos têm acesso às instituições económicas do País, que lhes permitem escolher livremente a sua profissão, adquirir instrução e competências, o ambiente económico incentiva os empregadores a investir na melhor tecnologia e isso leva a que sejam pagos melhores salários.
As instituições económicas e políticas inclusivas geram prosperidade, porque fazem respeitar os direitos de propriedade, criam condições equitativas para todos e incentivam o investimento e a inovação, enquanto as instituições económicas e políticas extractivas criam círculos viciosos de pobreza.
Em linha com a perspectiva de Douglas North (1990)8, posicionam-se Acemoglu & Robinson (2013), ao criticar as instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI por não reconhecerem o papel vital das instituições para o desenvolvimento económico e a estabilidade dos países.
Os autores defendem que nos países pobres há muitas falhas de mercado e falhas de governo que é possível corrigir com bons conselhos, políticas públicas compreensivas, boa capacidade de implementação e monitoria. Tal como precisamos de entender melhorar as liga- ções entre um bom desempenho económico e o papel das instituições em Moçambique, é vital explorar na plenitude a visão que postula que desenvolvimento está intrinsecamente ligado à liberdade e que o capital humano é fundamental para assegurar que desenvolvimento económico e desenvolvimento social caminhem juntos e se reforçam quando estão em interacção.
Há muita gente bem-intencionada que concorda que recursos naturais valiosos – como ouro, diamantes, petróleo, gás natural, rubis, grafite, carvão mineral, areias pesadas, entre outros – levam uma nação, de forma rápida, para a prosperidade e geração de riqueza partilhada.
A evidência empírica tem mostrado que são raros os países que vivem da renda de recursos naturais e são simultaneamente ricos. Alguns países com recursos naturais valiosos, porque têm instituições políticas e económicas frágeis, optam por viver dependendo da renda dos recursos naturais, secundarizando as actividades económicas tradicionais.
Temos muitos exemplos de países cujos recursos naturais valiosos geraram instabilidade e conflitos, golpes de Estado, corrupção, intriga política e ganância, levando ao fenómeno conhecido como a “maldição dos recursos naturais” e, como as receitas dos recursos naturais são voláteis, provocam uma taxa de câmbio sobreavaliada, que afecta o desenvolvimento de um sector industrial internacionalmente competitivo, levando à ocorrência frequente de crises, naquilo que é conhecido como a “doen- ça holandesa”. Nenhum país pobre e com reservas de recursos naturais está livre dos problemas de desenvolvimento relacionados com má governação, políticas erráticas, corrupção, instabilidade e falta de previsibilidade.
Na véspera de completar 48 anos de independência política, Moçambique tem ainda um longo e sinuoso caminho a percorrer para o alcance da emancipação económica. Carlos Lopes (2020), reputado economista de Guiné Bissau, não tem dúvidas ao afirmar que a maioria dos países africanos precisam de modernizar a agricultura, diversificar a sua malha económica, transformando as suas estruturas económicas e apostando inequivocamente na industrialização, para assim favorecer o crescimento económico de qualidade, gerar mais empregos e focar-se em quatro acessos decisivos: a educação relevante e de qualidade, a digitalização, o financiamento e os mercados. O nosso sonho e futuro colectivo vai estar muito dependente desses quatro acessos, dando importância estratégica às pessoas, reforçando as instituições e aproveitando os ventos da globalização para ter ganhos económicos concretos e tangíveis.
Hoje estamos mais bem preparados para avançar de forma rápida e segura no caminho do progresso e prosperidade, mas teremos de entender e ter consciência que há novos problemas e armadilhas na nossa trajectória. Como vamos transformar a nossa Nação nos próximos 30 anos? Temos de pensar, a sério, nisso hoje…
Maputo, 23 de Abril de 2023
1 Muhammad Yunus (2007). O Banqueiro dos Pobres Oeiras: Difel.
2 Amartya Sen (1999). Development as Freedom. Oxford: Oxford University Press.
3 Paul Collier (2010). Os Milhões da Pobreza. Alfragide: Casa das Letras.
4 Daron Acemoglu & James Robinson (2013). Porque Falham as Nações: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Lisboa: Tema e Debates.
5 Carlos Lopes (2020). África em Transformação: Desenvolvimento económico na era da dúvida. Lisboa: Tinta da China Edições.
6 José Negrão (2005). Cem Anos de Economia da Família Rural Africana: O delta do Zambeze em análise retrospectiva. Maputo: Texto Editores.
7 Salim Valá (2021). Economia Globalizada & Paradoxos de Desenvolvimento: Reflexões inconclusivas Maputo: Escolar Editora.
8 Douglass North (1990). Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press.