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a Saudade

vam. O mundo mudou e, com ele, o aeroporto: o bar e a sua varanda foram há muito encerrados, e existem hoje novas camadas de segurança e controlo, impensáveis no teu tempo.

Até as fardas das comissárias de bordo mudaram, avó. Lembras o quão bonitas eram? Só as conheço dos filmes e das fotografias, claro, mas imagino-as coloridas, vistosas, exuberantes. Hoje perderam a sua beleza e unicidade e, como tantas outras coisas, tornaram-se sóbrias, funcionais. O aeroporto sempre me fascinou, talvez por ter crescido a tão curta distância deste; talvez por, quando criança, ter tantas vezes observado os aviões a rasgarem o céu nocturno, frente à janela do meu quarto, enquanto esperava o sono. É um lugar único e peculiar, o aeroporto. Já viste como num só lugar se cruzam tantas línguas, tantas estórias, tantos passados, futuros, e pessoas de tão diferentes lugares? Não te fascina também a ti, avó? Como pode este lugar ser palco da maior alegria e da maior tristeza? Da maior esperança e do maior desalento? Daqui partimos, em busca de uma vida melhor, e aqui tantos chegam, com esse mesmo intuito. Tariq Ramadan, autor e filósofo, disse-o melhor: “The airport is a place of beginnings and endings, where we say goodbye to what we know and hello to what we hope for”. Olha, chegaram as nossas malas. Se não houver trânsito, em 15 minutos estaremos em casa.

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E este frio, avó? Já não sabíamos este Fevereiro europeu, estes céus cinzentos, estes dias de chuva. Estavam 40ºC no Camboja! Como assim 11ºC durante o dia, 5ºC durante a noite?! Como assim esta calçada molhada? Este orvalho matinal? Olha como a roupa nos estendais demora a secar; como esse teu instinto maternal, apesar das dores nas tuas mãos e costas, arrasta as plantas pa- ra a varanda, para beberem os magros raios de sol que espreitam por entre as nuvens. Pode ser um cafezinho, sim. Obrigado. Mas sem açúcar, avó.

Obrigado. E após tantos meses em busca do desconforto, do estranho, do estrangeiro, mergulhamos de novo no conforto das coisas que abandonámos. É bom estar aqui contigo, avó. É bom regressar, mesmo que por pouco tempo.

É bom reconhecer cada palavra daqueles que connosco se cruzam na rua, e perder a privacidade que a nossa língua nos permite quando longe. É bom saber esta cidade como a palma das mãos, saber o fim das ruas e o início das avenidas.

É bom regressar e beijar a minha mãe, abraçar o meu pai; é bom regressar aos pastéis de nata da Manteigaria, ao bitoque com ovo a cavalo do Cabeça de Touro, à sopa de hortaliças do Arco de Paris; é bom regressar aos convívios entre amigos, no relvado da Alameda, nos bancos do Jardim Fernando Peça. Vamos passear, avó, voltar a percorrer a João XXI, a Avenida de Roma, a Almirante Reis. Aos domingos, volto ao futebol: ao Atlético, ao Sport Lisboa e Olivais, ao Sport Lisboa e Benfica. Volto a ver-te daqui a quatro dias, está bem?

É bom voltar, mesmo que por pouco tempo.

A nossa rua tem aroma a castanhas. O fumo branco que sai do assador a carvão cobre o rosto do homem que o manobra. Um euro e meio, meia-dúzia; três euros, uma dúzia. E mãos calejadas envolvem as doze castanhas em papel de jornal. Descasco-as: uma para a Sara, uma para ti, uma para mim. 15 escudos compravam uma dúzia de castanhas? Pois, acredito.

Eu recordo-me de comprar uma dúzia de castanhas por 2 euros, frente ao portão da escola. Parece que tudo aumentou desde a nossa partida: o preço das castanhas, dos ovos, do pão, das rendas: um T2 em

Benfica por 1200 €/mês?! Um quarto nos Olivais por 500 €?! Mas está tudo louco?! E aumentam o número de tendas nos dois lados dos passeios da Almirante Reis e sob as pontes da Infante Santo.

É verdade, avó, as coisas estão mesmo difíceis. Sim, avó, tentamos arranjar trabalho lá fora. Sim, um bom trabalho, que nos compre uma casa, um carro, que nos permita vir à terra uma vez por ano.

Eu sei, avó, este país não é para jovens… Mas algum dia o foi? Tu, com a minha idade, e com dois filhos, quantas horas trabalhavas? Não as consegues contar, eu sei. Quantas horas estudavas? Aquelas que sobravam pós-trabalho, não era? Agarrada aos livros entre as paragens do eléctrico; depois, enquanto esperavas o autocarro; depois, entre as paragens do autocarro. E os teus irmãos? Não foi assim a vida deles, também? E a vida dos teus vizinhos? E a dos teus amigos? Sei bem que esta dificuldade te seguiu toda a vida, avó. Que contigo se mudou de casa, de lugar. Esta dificuldade que contigo partilhou a planície alentejana, as encostas da Pontinha, a torre de 12 andares dos Olivais.

Esta dificuldade que se colou à tua pele, avó, e que contigo despertou, almoçou, passeou; esta dificuldade que te entrou casa adentro, sem convite ou permissão, com pés sujos de lama e guarda-chuva a pingar sobre o soalho. E tu, avó, tão hospitaleira que és, ofereceste-lhe a nossa melhor cadeira, no topo da mesa azul da cozinha. Tu que lhe aqueceste chá onde mergulhar as deliciosas popias da Vidigueira. E tu, avó, tão educada, tão gentil, transmitiste esses pilares à tua filha, minha mãe.

E a minha mãe transmitiu-os a mim, seu filho. Como um ouroboros ou, como aqui dizemos: como uma pescadinha de rabo na boca. E noutros prédios, noutros bairros, noutras casas, igual. Esta dificulda- de que chegou a este país em tempos imemoriais para nunca mais partir. por vezes o paladar pode surpreender ganhando independência e autonomia atípicas. Damos por nós e já estamos a fechar os olhos imaginando o sabor de um lanche.

E as nossas vidas e as nossas casas tornaram-se da dificuldade: esta apoderou-se do hall de entrada, do sofá florido da sala, dos armários da cozinha, da nossa cama de lençóis lavados. Já não restam lugares para nos sentarmos, sítios onde pousarmos as nossas coisas, espaço na mesa para jantarmos... E tu aqui ficaste, avó. Aprendeste a partilhar o teu espaço com a dificuldade, a dedicar-lhe tempo de reza e de pensamento. Outros partiram: primeiro os primos, depois os amigos e, finalmente, nós. Nós que não aguentámos mais e que lhe deixámos a nossa pequena e velha casa e dissemos: olha, alimenta-te do resto do pão; não deixes o queijo estragar; fica com o vinho, não é muito, eu sei, as minhas desculpas. Fica com tudo, mas não me sigas.

Caminhamos até ao aeroporto, como o meu pai fazia outrora - assim prolongamos os minutos da nossa despedida. Seremos para sempre daqui, deste lugar à beira-mar, como a dificuldade que nos obriga a partir, como a saudade que nos obriga a voltar.

Um takeaway, no coração de Maputo. Não é gourmet?

Não. Mas é bom, barato, e tem qualidade.

Lanche dos bons: uma batata bem crocante, um frango panado com temperos picantes, alguma coisa com molhos ou nem por isso, e sentimos que precisamos de comer isso já (antes que se arrependa de trair a dieta). Há um lugar que ajuda a satisfazer os desejos do seu paladar num instante: o Txapita Take Away.

Localizado no mercado Museu, o cantinho do casal Jossias Uamusse e Patrícia Dias (Paty e Mo Faya) é um fast food que junta a organização dos restaurantes chiques com a fluidez e dinâmica dos take-aways “do bairro” e acomoda-lhes

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