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“Créditos de Carbono Serão Cruciais para o Desenvolvimento”
Como é que se transformam créditos de carbono em bem-estar para as comunidades e para o País, de um modo geral? António Guiso, director da South Pole para África, entidade que integra a Carbonsink Moçambique, traz as respostas sobre um mercado, até aqui, pouco conhecido mas que está em amplo crescimento
Em Janeiro de 2022, a South Pole juntou-se à Carbonsink – uma empresa líder em consultoria climática no mercado italiano – para acelerar a ambição climática e intensificar a transição para uma sociedade inteligente em relação ao clima. Com recursos combinados, a Carbonsink e a South Pole aconselham empresas sobre acções climáticas, promovem soluções digitais de última geração para sistemas de gestão de carbono e desenvolvem projectos inovadores à medida que a demanda por créditos de carbono de alta qualidade continua a crescer.
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Em conjunto, ambas as empresas têm acesso a um portefólio internacional de créditos de carbono certificados que, até ao momento, possui mais de 1 000 projectos de mitigação de alta qualidade em todo o mundo e mais de um milhar de colaboradores nos seis continentes. Esta união aumenta também a presença da South Pole em África, onde a Carbonsink já desenvolveu mais de 30 projectos de carbono através do seu escritório em Moçambique, onde está a operar desde 2012, tendo estabelecido uma empresa local em 2018.
Juntamente com a South Pole, agora tem escritórios em três países africanos, nomeadamente no Quénia, África do Sul e Moçambique e é a maior implementadora do continente. É na voz desta entidade, mais concretamente do director da South Pole para África, António Guiso, que exploramos a essência do mercado de carbono em Moçambique, África e no mundo.
Como é que, pela vossa experiência, os países africanos, incluindo Moçambique, encaram a necessi- dade de descarbonização hoje, sobretudo olhando para a possibilidade de este fenómeno poder trazer compensações para as comunidades e para a economia?
O continente africano carrega o fardo mais pesado dos efeitos das mudanças climáticas, apesar de contribuir com menos de 4% das emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE). No entanto, limitar o papel de África no diálogo climático apenas a perdas, danos, adaptação e resiliência desacelera o potencial do continente para desempenhar um papel crucial no futuro climático do planeta.
Assim, não parece ser construtivo ignorar o potencial de África em contribuir para combater as alterações climáticas ao nível mundial, no seu papel de líder mundial na limitação das emissões, estimulando a restauração do clima e orientando o continente para os seus pontos fortes que se traduzem em novos segmentos importantes de oportunidades económicas.
As substanciais florestas remanescentes, pastagens, turfeiras e mangais já desempenham um papel crítico na desaceleração das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Mas, apesar do seu valor como pulmões importantes para o mundo, praticamente nenhuma compensação é dada às comunidades que as protegeram. Precisamos urgentemente de fortalecer e aprofundar os mercados de carbono e outros mecanismos para reconhecer a riqueza natural de África e compensar aqueles que já trabalham não apenas para protegê-la, mas para fazê-la crescer.
A vossa intervenção para a descarbonização é feita em dois âmbitos: o empresarial e o governamental. Em que consiste cada um dos dois contextos e que diferença se estabelece entre eles?
Existe um ditado que diz que “não se pode melhorar o que não se pode medir” – portanto, um dos primeiros passos mais importantes na descarbonização é analisar a pegada de gases de efeito estufa da empresa, fábrica ou mesmo país em questão.
Essa análise permite que o usuário identifique todos os processos e actividades que contribuem para os seus impactos de gases de efeito estufa e desenvolva estratégias ambiciosas e baseadas na ciência para reduzir essa pegada como, por exemplo, melhorando a eficiência dos seus escritórios e cadeias de valor, adoptando tecnologias e práticas energeticamente eficientes (embora a introdução de novas medidas para reutilizar e reciclar produtos residuais consuma muita energia e não seja simples de transformar).
É aqui que a compensação por meio da criação de créditos de carbono certificados pode contribuir para equilibrar essas emissões residuais reduzindo, ainda mais, os impactos das mu- danças climáticas. Gases de efeito estufa onde uma cadeia de valores não pode ser mais descarbonizada, a compensação pode ser usada para apoiar os efeitos positivos da acção climática onde for necessário. O mesmo princípio pode ser aplicado ao nível das famílias, fábricas ou mesmo ao nível dos governos nacionais.
Gostava que falasse um pouco mais dos mecanismos de compensação que existem e em que medida podem ser aplicados em benefício das comunidades e das famílias, citando exemplos dos avanços já testemunhados em diferentes partes do mundo e, se for o caso, também aqui em Moçambique.
É importante destacar que, para gerar créditos de carbono certificados, os projectos de mitigação devem passar por um rigoroso processo que garanta a sua integridade. Esse processo envolve diversos parceiros desde o desenhador do projecto, quem o desenvolve, até aos auditores externos que validam a sua metodologia de geração de créditos, aos órgãos independentes que verificam se as reduções de CO2 realmente ocorreram conforme o planeado, os padrões de certificação de créditos de carbono até, por fim, chegarem ao registo público, ou seja, ao mercado.
Esse processo e a verificação e monitoria independentes por várias partes interessadas certificam os créditos de alta qualidade e o impacto positivo que o projecto tem no clima e nas comunidades. De facto, os projectos de mitigação que geram créditos de carbono certificados, para além de combaterem as mudanças climáticas, geram impactos positivos ‘além do carbono’: garantindo benefícios sociais, económicos e ambientais à escala global, alinhados aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Existem vários tipos de projectos de mitigação, todos com grandes benefícios socioeconómicos para as comunidades locais, incluindo, nomeadamente, os projectos de protecção florestal, que reduzem os impactos negativos do desmatamento e, ao canalizar financiamento, tecnologia e conhecimentos para as comunidades rurais dependentes da floresta e pobres em recursos, ajudam a transformar as economias locais para que não dependam mais da extracção de madeira, promovem o acesso aos cuidados de saúde e água potável e criam oportunidades de melhoria na qualidade de vida, como educação e protecção dos ecossistemas naturais e a biodiversidade animal. Os projectos de energia renovável (hidroeléctrica, solar, eólica) garantem a transição de energia verde para os países em desenvolvimento e têm um efeito positivo nas economias e meios de subsistência, criando novas oportunidades de emprego. A agricultura regenerativa garante boas colheitas adaptando-se às mudanças climáticas e, por fim, os projectos baseados na comunidade, como a distribuição de fogões eficientes, têm grandes impactos socioeconómicos e de saúde, melhorando a vida das comunidades onde são implementados.
E como funciona o mercado do carbono?
O Mercado Voluntário de Carbono (VCM), que é essencialmente um mercado descentralizado onde actores privados compram e vendem voluntariamente créditos de carbono que representam reduções certificadas ou reduções de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, é essencial para canalizar fundos para financiar acções climáticas e apoio aos projectos de mitigação.
Graças ao financiamento voluntário de carbono, a Carbonsink foi capaz de activar projectos para a produção e venda de fogões eficientes em Maputo, contribuindo para o alívio à pobreza entre a população através da distribuição de novos fogões eficientes com baixo impacto ambiental.
Até ao momento, mais de 60 mil fogões eficientes foram distribuídos para domicílios em Maputo, graças ao financiamento climático de créditos de carbono. Para além de reduzir as emissões de CO2, a degradação florestal e o desmatamento, o projecto contribui
Graças ao financiamento voluntário de carbono, a Carbonsink desenvolveu a produção e venda de fogões eficientes que reduzem as emissões e causam menor impacto na saúde dos utilizadores para melhorar a saúde das comunidades ao reduzir a exposição a fumos nocivos, melhora as condições socioeconómicas das mulheres dando-lhes tempo para realizar outras tarefas e melhora os meios de subsistência das comunidades, criando oportunidades de trabalho.
Além disso, o Mercado Voluntário de Carbono permite fluxos de financiamento significativos para incorporar iniciativas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação plus (REDD+) e reflorestamento por meio da certificação e comercialização de créditos de carbono gerados por projectos e programas que visam a redução do desmatamento.
De longe parece haver muito mais interesse dos países pobres em aderir aos programas de descarbonização (talvez por causa das compensações) do que os desenvolvidos, que são os que mais emitem CO2. Pode comentar?
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC), que é o tratado interna- cional mais importante que coordena a resposta global às mudanças climáticas, distingue entre nações desenvolvidas ricas e países mais pobres e menos desenvolvidos sobre as responsabilidades pela acção climática em termos de compromissos com a descarbonização e as formas pelas quais eles podem beneficiar-se da acção climática.
O tratado obriga as nações desenvolvidas a comprometerem-se com acções significativas de descarbonização e transformação das suas economias, em reconhecimento à sua maior responsabilidade nas emissões globais e nos impactos climáticos decorrentes. Em contraste, as nações menos desenvolvidas têm mais flexibilidade para adoptar acções voluntárias de descarbonização e têm mais opções para fazer uso de apoio e financiamento internacional para avançar para um futuro de baixa emissão, o que pode incluir a promoção de projectos de compensação de carbono como um mecanismo para atrair apoio financeiro e adoptar práticas sustentáveis em sectores como florestas, agricultura, energia, transporte, etc.
Também gostaria que se referisse aos requisitos importantes no quadro legal que possibilitam uma transformação favorável à descarbonização? E, já agora, o que será preciso mudar, ao nível legal, para Moçambique se posicionar enquanto destino verdadeiramente atractivo para esta indústria emergente?
O artigo 6 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima reconhece que os países podem procurar cooperação voluntária na implementação das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas para permitir uma maior ambição de mitigação e promover o desenvolvimento sustentável. O artigo 6 também fornece uma via exclusiva para o sector privado se envolver directamente no alcance das metas estabelecidas em Paris.
Neste sentido, a South Pole trabalha em estreita colaboração com o Governo de Moçambique, com investidores privados e organizações internacionais para conseguir um ambiente favorável de negócios para o mercado de carbono, que inclui o desenvolvimento de um quadro legal robusto de carbono assim como políticas relevantes.
Qual é o volume de recursos que hoje movimentam os créditos de carbono ao nível global, e como deve evoluir nos próximos anos no mundo e, em particular, em África?
O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (PIMC) confirma a importância dos mercados de carbono - e em particular do Mercado Voluntário de Carbonopara canalizar o financiamento para onde for necessário no sentido de proteger a natureza e apoiar o desenvolvimento sustentável em países menos desenvolvidos nesta década crítica.
Existem múltiplos mercados de carbono, sendo o mais importante para Moçambique o Mercado Voluntário de Carbono. Globalmente, o volume de créditos negociados no ano passado ultrapassou 2 mil milhões de dólares, e espera-se que aumente para algo entre 10 a 40 mil milhões de dólares até 2030.
Prevê-se também que a participação de África neste mercado continue a crescer à medida que os formuladores de políticas despertam para a possibilidade do financiamento do carbono como uma ferramenta para o desenvolvimento socioeconómico, gestão de recursos naturais e uma transição energética justa.