7 minute read

O Potencial de África

Durante a COP 27, foi criada a Iniciativa dos Mercados Africanos de Carbono (ACMI) com ambições, digamos, ousadas. Espera-se que atraia somas significativas em investimentos através de empresas, consumidores e governos. Mas o que é que, de facto, se está a fazer e até onde África é capaz de se impor no panorama global?

Cientistas e estrategas em questões relacionadas com as mudanças climáticas e com as compensações de carbono ao redor do mundo vêm colocando África entre os lugares que, por serem os mais afectados pelos efeitos negativos das mudanças climáticas, poderão, igualmente, ser os maiores beneficiários dessas compensações.

Advertisement

Este optimismo ganhou expressão com a criação da Iniciativa dos Mercados de Carbono da África (ACMI), em Novembro de 2022 durante a COP27, com uma ousada meta de longo prazo para o continente, que é a de atingir 300 milhões de créditos anualmente até 2030. Esse nível de ambição libertaria 6 mil milhões de dólares em receita e sustentaria 30 milhões de empregos. Até 2050, a ACMI tem como objectivo atingir mais de 1,5 mil milhões de créditos anualmente em toda a África, alavancando mais de 120 mil milhões de dólares e apoiando a criação de mais de 110 milhões de empregos.

Na COP 27, 200 milhões de dólares foram garantidos em compromissos de empresas dos mercado avançados. Nesta conferência, sete países africanos safricanos - Moçambique, Quénia, Gabão, Maláui, Togo, Nigéria e Burundi - inscreveram-se para desenvolver planos nacionais de activação de carbono. Mas nem todos olham para esta questão com o mesmo optimismo. Por exemplo, alguns analistas do departamento das Nações Unidas para as mudanças climáticas defendem que não está claro se os investimentos em créditos de carbono no continente resultam em algum benefício climático significativo. “O tempo vai dizer”, referem. E argumentam que os projectos existentes de compensação de carbono carecem de credibilidade, ainda que isso não signifique que os créditos de carbono não possam ser mais úteis no futuro. “Ser transparente sobre o que os projectos realmente entregam, em vez do que esperamos que eles entreguem, é fundamental. Dados os recursos limitados disponíveis para mitigar as mudanças climáticas, precisamos de mais do que boas intenções”, defendem, cépticos, os analistas da ONU.

E porque África deve apostar?

Líderes africanos e de outras organizações vêem nas compensações de carbono uma importante oportunidade de geração de rendimentos, com projecções de um crescimento sustentável num horizonte de seis a sete anos.

O secretário-executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para a África, António Pedro, enfatiza que o continente está no centro da oportunidade de desenvolver o mercado voluntário de crédito de carbono de uma forma que acelere a acção climática, promova a criação de valor compartilhado e crie meios de subsistência sustentáveis para as comunidades neste momento de incerteza económica global.

Acrescenta que, para recuperar das diversas crises que mais afectam o continente (pandemia do covid-19, volatilidade do preço das commodities, conflitos políticos, terrorismo, crise alimentar, crise energética, crises humanitárias, etc.), é preciso repensar a mudança do modelo económico de África para investir em cadeias de valor sustentáveis que gerem empregos e resiliência. Por isso vê na Iniciativa dos Mercados de Carbono da África “cami-

A Bacia do Congo é mais resistente às alterações climáticas do que a floresta tropical amazónica. Os países abrangidos requerem financiamento privado para protegerem as suas árvores e mudar para combustíveis mais verdes nhos realistas, transparentes e confiáveis para o investimento”.

Por seu turno, o Presidente do Quénia, William Ruto, considera que os povos africanos têm o potencial de desempenhar um papel único, indispensável e globalmente significativo na prevenção e mitigação de emissões, protecção e restauração de ecossistemas cruciais. A actualização urgente dessas intervenções críticas oferece à humanidade a sua melhor oportunidade de prevalecer na disputa existencial com a catástrofe induzida pelas mudanças climáticas.

Ainda para o chefe de Estado queniano, a boa notícia é que o mundo tem uma oportunidade de ouro para alcançar rapidamente esses objectivos, desenvolvendo um mecanismo robusto, transparente e sustentável por meio do qual um mercado de créditos de carbono pode gerar renda atractiva e oportunidades de desenvolvimento para as comunidades que estão na linha de frente na luta contra as mudanças climáticas. Damilola Ogunbiyi, co-presidente da UN-Energy, também considera que a Iniciativa Africana do Mercado de Carbono será uma oportunidade de transformação para África, com o potencial de desbloquear milhares de milhões de dólares em mudanças climáticas para apoiar as economias enquanto expande o acesso à energia, criando empregos, protegendo a biodiversidade e impulsionando a acção climática em direcção aos objectivos conjuntos do Acordo de Paris. Joseph Nganga, vice-presidente para o continente africano da Aliança Global de Energia para as Pessoas e o Planeta, observou que os níveis actuais de financiamento climático ficam aquém das necessidades do continente, que requer 3 biliões de dólares para implementar o Acordo de Paris.

Segundo o responsável, os mercados voluntários de carbono podem desempenhar um papel crucial no preenchimento dessa lacuna financei-

Um Olhar Aos Projectos De Frica

Além de Moçambique, o Banco Mundial já vem apoiando projectos em África, cujo impacto já se faz sentir há quase uma década e com ganhos significativos. Conheça alguns exemplos

EGIPTO

O projecto de sucata e reciclagem de veículos levou à substituição de mais de 40 mil táxis antigos na cidade capital, Cairo, e ajudou a evitar o equivalente a 130 mil toneladas de dióxido de carbono entre 2013 e 2014.

Eti Pia

O Projecto de Regeneração Natural ajudou a restaurar 2700 hectares de terra no país e se tornou-se num modelo para outros esforços de regeneração administrados por agricultores no Níger, Chade e Burkina Faso.

Qu Nia

Projecto de Expansão Geotérmica da Unidade 3 de Olkaria II, o primeiro mecanismo de desenvolvimento limpo, ajudou a adicionar 35 megawatts de electricidade à rede nacional e emitiu mais de 230 mil créditos de carbono.

Madag Scar

O Projecto de Conservação da Biodiversidade (REDD+) do Corredor Ankeniheny-Zahamena gerou quatro milhões de créditos de carbono e proporcionou benefícios substanciais à comunidade, como a piscicultura, produção de arroz e de feijão.

Marrocos

O Programa Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos não apenas mitigou as emissões de gases, mas também gerou benefícios ambientais e sociais locais, como a melhoria da qualidade do ar, reduzindo a poluição.

NIGÉRIA

O Projecto de Compostagem de Resíduos Sólidos Earthcare, a primeira actividade de compostagem no país a ser registada no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, emitiu cerca de 30 mil créditos de carbono até ao final de 2015.

ÁFRICA DO SUL

O projecto de conversão de gás em electricidade do aterro sanitário de Durban está a adicionar três megawatts de electricidade àquele município e emitiu cerca de várias centenas de milhares de créditos de carbono.

Projectos de reciclagem de resíduos, de implementação de fontes renováveis de energia, etc., têm vindo a ganhar destaque nas prioridades de investimento em África, o que faz prever aumentos significativos de créditos de carbono ra, mas o seu potencial está longe de ser concretizado. Ainda assim, sublinha que “a Iniciativa dos Mercados de Carbono de África pode ajudar-nos a alcançar uma transição energética mais rápida e equitativa, uma transição que apoie vidas e meios de subsistência com energia limpa e confiável, ao mesmo tempo em que combate a ameaça existencial do nosso tempo, a mudança climática.”

O potencial: “pulmões” que valem dólares

Não é por acaso que os entendidos na matéria atribuem ao continente um espaço relevante no contexto global. África abriga a segunda maior floresta tropical do mundo, depois da Amazónia. Situada na Bacia do Congo e conhecida como os “pulmões de África”, cobre 268 milhões de hectares na África Central, que abrange seis países: a República Centro Africana, Camarões, Gabão, Guiné Equatorial, República do Congo e a República Democrática do Congo (RDC), o seu maior território. É uma região com um ecossistema que desempenha um papel fundamental na mitigação do clima através da absorção de gases com efeito de estufa e armazenamento de carbono no solo e nas árvores.

A Bacia do Congo possui ecossistemas ricos em carbono, tornando-a essencial para o planeta e para toda a humanidade, devido ao seu inigualável sumidouro de carbono. Do mesmo modo, dois dos países da Bacia, a RDC e o Congo, estão classificados entre os líderes mundiais da turfa tropical, conhecida como “Cuvette Centrale”, que cobre uma área de 145 mil quilómetros quadrados, e acredita-se que detém o equivalente a três anos de emissões globais. As turfeiras são especialmente importantes na conservação da biodiversidade e no sequestro de carbono.

São, igualmente, o maior depósito natural de carbono terrestre e são vitais para mitigar e prevenir os efeitos tumultuosos das alterações climáticas, minimizando o risco de cheias e secas, a preservação da biodiversidade, a guarda segura da qualidade da água, a prevenção da intrusão da água do mar e a regulação dos fluxos de água. As turfeiras são também conhecidas por fornecer alimentos, fibras e outros produtos locais que sustentam as economias.

A Bacia do Congo é mais resistente às alterações climáticas do que a floresta tropical amazónica, com as suas árvores altas que absorvem cerca de 1,2 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano. Os países abrangidos pela floresta tropical requerem financiamento privado para protegerem as suas árvores e mudar para combustíveis mais verdes e desflorestação lenta.

… E os ganhos financeiros que produzem

Nos Camarões, por exemplo, o Dutch Green Business Group (DGB), uma empresa líder em compensação de carbono e restauração de ecossistemas, anunciou que os seus dois projectos de carbono de grande escala, que se espera venham a originar mais de 6,9 milhões de créditos de carbono ao longo da vida do seu projecto, entraram na fase de desenvolvimento.

Em Maio de 2022, a República Democrática do Congo entrou num esquema de créditos de um bilião de dólares com a dClimate, uma empresa de investimento de carbono que conta, entre os seus financiadores, com empresários como Mark Cuban e Sergey Nazarov. O acordo, liderado pelo Presidente daquele país, Félix Tshisekedi, e pelo Presidente dos EUA, Joe Biden, deverá manter-se em vigor durante dez anos e vale quase mil milhões de dólares, divididos em dez prestações anuais.

Em 2021, Moçambique (apesar de não ser parte dos “pulmões” de África) ganhou créditos de carbono na ordem de 50 milhões de dólares, resultantes do compromisso do Governo com a redução de emissões de gases por desmatamento. A primeira verificação do Programa de Gestão Integrada da Paisagem da Zambézia em Moçambique no âmbito do Fundo de Carbono do “Forest Carbon Partnership” (FCPF) concluiu, nessa altura, a verificação de mais de 2 milhões de reduções de emissões, resultantes de uma melhor gestão do desmatamento.

O Gabão (já de volta aos “pulmões” de África) tem sido um participante activo neste cenário e foi o primeiro país africano a receber financiamento no valor de 17 milhões de dólares, em 2021, para travar a desflorestação da Iniciativa Florestal da África Central (CAFI), um programa lançado em 2019 e apoiado pela ONU que planeia desembolsar um total de 150 milhões de dólares dentro dos próximos dez anos. Além disso, em meados de 2022, o Fundo de Investimento Estratégico Gabonês (FGIS) aderiu à aliança Net-Zero Asset Owner, uma iniciativa lançada pela ONU que se compromete a fazer a transição de várias carteiras de investimento para a neutralidade de carbono.

This article is from: