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Os (De)Méritos da Nova Pauta Aduaneira
No âmbito do Pacote das Medidas de Aceleração Económica (PAE), anunciado pelo Governo em Agosto de 2022, muitas alterações foram realizadas na Pauta Aduaneira que o mercado não está a receber com agrado. O que foi feito? O que devia ter sido feito? E o que esperar daqui em diante?
Em Dezembro do ano passado, a Assembleia da República aprovou, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2023, as alterações do texto da Pauta Aduaneira e as respectivas instruções preliminares, através da Lei n.º17/2022.
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A ideia do Executivo é de garantir a padronização internacional das designações e codificação das mercadorias, bem como a facilitação da aplicação de convenções internacionais no âmbito do Protocolo sobre as Trocas Comerciais da SADC e Acordos de Parceria Económica com a União Europeia (APE).
Neste contexto, introduziu-se, ainda, Instruções Preliminares da Pauta Aduaneira, de um quadro indicativo das posições pautais, cujas mercadorias estão sujeitas à sobretaxa, e os quadros relativos ao desarmamento tarifário no âmbito dos acordos comerciais internacionais em consonância com as regras internacionais ou na sequência de convenções envolvendo países ou regiões de que Moçambique é parte.
Com a nova Pauta Aduaneira, algumas taxas na importação de equipamentos e materiais destinados a projectos e obras públicas reduziram ou foram isentas para garantir que as reformas económicas que o Executivo tem estado a implementar desde Agosto do ano passado sejam efectivadas.
Entre as inovações da Lei da Pauta Aduaneira, há que destacar três, sendo a primeira a revisão da fórmula de conta- gem das imposições aduaneiras, passando o Imposto sobre Consumo Específicos (ICE) a ser calculado mediante a aplicação da taxa prevista no respectivo Código, incidindo apenas sobre o valor aduaneiro, de modo que reduza a sobrecarga fiscal que se verificava no passado. Ou seja, faz-se incidir o ICE sobre o valor aduaneiro adicionado ao dos direitos aduaneiros para concretizar o “princípio da justiça tributária”, de acordo com o Governo.
A segunda foi a actualização da franquia dos viajantes, reduzindo os produtos do tabaco para 20 cigarros ou dez charutos ou 250 gramas de tabaco, para fumar, acolhendo as recomendações da Convenção-Quadro das Nações Unidas para o controlo do tabaco. Na Pauta Aduaneira anterior, nos produtos de tabaco, o cidadão podia importar sem pagar até 200 cigarros, 100 cigarrilhas, 50 charutos ou 250 gramas de tabaco para fumar.
E a terceira e última alteração foi o aumento da quantidade de perfumes de 50 para 100 mililitros, elevando o valor de outros artigos de 12 500 meticais para 20 000 meticais, considerando que o valor anterior (e que vigorava desde Janeiro de 2017) era considerado incomportável para a realidade actual.
A fundamentação para a adopção destas medidas prende-se, segundo o ministro da Economia e Finanças, com a necessidade de “ao nível interno, conceder incentivos a alguns sectores, no sentido de impulsionar o desenvolvimento económico e social, destacando-se a introdução da tributação do excesso de franquia pela diferença do valor em relação ao direito em causa, à taxa única de direitos aduaneiros de 10% e a inclusão, na lista de mercadorias que podem beneficiar de isenção ou redução de impostos, dos equipamentos e materiais destinados a projectos e obras públicas, cujas imposições aduaneiras estejam a cargo do Governo”.
Que impacto esperar destas alterações?
Kekobad Patel, empresário e antigo presidente do pelouro de Política Fiscal e Comércio Internacional da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), entende que a revisão pontual da Pauta Aduaneira tem pouca utilidade no impulso ao crescimento.
Por exemplo, não vai trazer nenhum resultado no que diz respeito à redução do preço de produtos, na medida em que a inflação que se faz sentir em Moçambique é importada. Kekobad, que também é economista, explicou que a alta no preço dos produtos resulta da guerra na Ucrânia à qual Moçambique tem poucas possibilidades de resistir, na medida em que depende do mercado internacional para se abastecer em produtos essenciais.
Por sua vez, o economista Edgar Chuze, vice-presidente do Pelouro de Comércio e Serviços na CTA, entende que se o consumo dos produtos primários por parte dos moçambicanos for feito com recurso à produção interna, a revisão da Pauta Aduaneira terá um impacto positivo, mas se se continuar a importar bens de primeira necessidade, como é o caso da zona sul que tem a África do Sul como principal fornecedor, não se pode augurar um impacto significativo da implementação desta pauta feita no âmbito do PAE.
Já o economista Egas Daniel, especialista em fiscalidade, considera que a solução é industrializar o País. “Nós importamos tudo. O trigo que faz o pão é importado. O arroz é também quase to- do importado, num País com 37 milhões de hectares aráveis. Ora, não vamos resolver nada com uma revisão pontual da Pauta Aduaneira”, criticou o académico. Edgar Chuze concorda com esta abordagem e acrescenta que uma revisão geral da Pauta Aduaneira iria responder de forma cabal às preocupações do sector privado e da população,
“Temos de deixar de legislar com interesses imediatos, temos de reparar para o País de forma holística e fazer as adequadas alterações à nossa legislação da qual a Pauta Aduaneira é parte integrante, para responder aos desafios gerais da actualidade e do futuro. A nossa pauta aduaneira carece de actualização, pois há situações não previstas na mesma ou que a mesma trata de forma genérica e que não favorece nem o sector privado, nem os moçambicanos”, observou.
No ano passado, logo após a sua aprovação, organizações da sociedade civil também haviam manifestado re- servas quanto à eficácia das alterações realizadas na Pauta Aduaneira, ao considerarem que seria muito optimista que produzissem os resultados esperados, visto que incidiam em apenas um ou dois sectores específicos, que mesmo sendo do interesse do sector privado e pudessem apresentar algumas, não representam parte significativa da actividade empresarial.
Mais protecção ao sector privado Na perspectiva apresentada pelo economista Kekobad Patel, é necessária uma revisão geral, não só da Pauta Aduaneira, mas também de um pacote de legislação fiscal, de modo que a mesma seja adequada à realidade dos dias de hoje.
“Este não é o assunto, mas o Governo é o maior responsável pelos problemas que muitas empresas enfrentam no País. Isto porque o Estado é o maior contratante de bens e serviços, mas não paga aos empresários, que chegam até a declarar falência. Pode dizer-me porque é que o Estado não reembolsa o Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) às empresas quando estas têm a receber? O que acontece é caricato, porque as empresas têm de pagar o Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) e elas têm por receber o reembolso do IVA, mas ocorre que a Autoridade Tributária se recusa a fazer o encontro de contas entre as partes. Isto não pode ser. O Estado não pode agir como caloteiro, não cumprir com as suas obrigações e querer que as empresas cumpram com as suas”, criticou, mais uma vez.
Quanto à protecção do sector privado nacional, o economista entende que não, mas há medidas incorporadas que, de certa forma, minimizam a concorrência dos produtos internos, como é o caso do óleo alimentar e do açúcar, com os importados. Mas há também, no seu entender, que questionar até que ponto a produção local resolve o problema da demanda destes produtos, para não se correr o risco de criar condições para o empolamento dos preços por escassez ou défice na oferta.
O economista Elcídio Bachita também havia dito, numa intervenção a reagir a estas medidas, no ano passado, que é preciso que se pense numa Pauta Aduaneira mais acessível favorecendo a importação de bens de baixo custo para todos os moçambicanos, pois o nível salarial é baixo contra um custo de vida alto derivado de taxas e sobretaxas na importação de bens e serviços essenciais.
Entretanto, reconheceu que isso pode, por outro lado, desencorajar a produção e transformação ao nível interno, daí a necessidade de encontrar um ponto óptimo de equilíbrio antes de qualquer decisão a este respeito.
Nem todas as taxas diminuíram no novo regime
Muitos produtos e serviços deverão ficar ainda mais caros em resultado desta revisão. É que, como forma de desencorajar o uso de alguns produtos de beleza “nocivos” ou com ingredientes prejudiciais a médio e longo prazo para a saúde, a nova Pauta agravou a taxa de incidência dos mesmos na importação.
É o caso de produtos compostos destinados ao consumo humano, contendo alguns micronutrientes, vitaminas, biotina, proteínas, selénio para o crescimento de cabelo cuja taxa de incidência para efeitos aduaneiros passou de 2,5% para 20%.
Passou também para 20% a taxa de incidência para produtos compostos contendo alfa-globulina, beta-globulina, maltodextrina, albumina, creatina, vitaminas, entre outros, destinados para o ganho de massa muscular.
Para os produtos de beleza ou de maquilhagem preparados e para a conservação ou cuidados de pele (excepto medicamentos), incluindo as preparações anti-solares e os bronzeadores e preparações para manicures e pedicures, houve igualmente um acréscimo de 2,5% para 12,5% a 20%, em termos de incidência.
Na higiene e saúde oral, a Pauta também interveio. Trata-se de produtos para preparações para higiene bucal ou dentária, incluindo os pós e cremes para facilitar a aderência de dentaduras; fios utilizados para limpar os espaços interdentais (fios dental), em embalagens individuais para venda a retalho que passaram a contar com uma taxa de 20% na importação.
Os salões de beleza não ficaram de fora. Os produtos de barbear, desodorizantes corporais, preparações para banhos, depilatórios e outros produtos de perfumaria ou de toucador preparados e cosméticas não especificados passam a ter uma incidência que parte dos 12,5% a 20% contra os anteriores 2,5%.
Entre vários outros produtos constam alguns electrodomésticos que tiveram a sua taxa agravada para 20%. É o caso de aquecedores eléctricos de água, incluindo os de imersão; aparelhos eléctricos para aquecimento de ambientes, do solo ou para usos semelhantes; aparelhos electrotérmicos para arranjos do cabelo (por exemplo, secadores de cabelo, frisadores, aquecedores de ferros de frisar) ou para secar as mãos; e ferros eléctricos de passar. São, portanto, muitas alterações vistas com certo desagrado (por fora), mas que podem trazer consigo resultados positivos. Esperemos para ver!