A recuperação do lince tem servido de exemplo em todo o mundo

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19 I maio I 2016 www.jornaldoalgarve.pt

JORNAL do ALGARVE

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EGIONAL

BALANÇO POSITIVO PARA SETE ANOS DE CENTRO DE REPRODUÇÃO EM SILVES

"A recuperação do lince tem servido de exemplo em todo o mundo" O primeiro centro nacional de reprodução em cativeiro do lince-ibérico foi inaugurado a 22 de maio de 2009 na Herdade das Santinhas, em Silves. Sete anos e 85 nascimentos depois, o diretor do centro descreve ao JA "uma das maiores histórias de sucesso na conservação de uma espécie criticamente ameaçada" no mundo inteiro. Para Rodrigo Serra, esta obra - que nasceu para compensar os impactes ambientais de uma barragem - já é "um projeto reconhecido internacionalmente e tem servido de exemplo em todo o mundo" > NUNO COUTO O centro nacional de reprodução de linces-ibéricos de Silves (CNRLI) completa no próximo domingo, dia 22 de maio, sete anos de existência. Nos 18 hectares vedados da Herdade das Santinhas, bem no interior do concelho de Silves, já nasceram 85 animais (dos quais 62 sobreviveram), sendo que atualmente vivem neste centro 32 felinos. Ao todo, 44 animais que nasceram neste centro também já foram libertados no meio natural, a maioria em Espanha, mas também no Vale do Guadiana. O projeto “está a ser um sucesso”, conta ao JA o diretor do CNRLI, Rodrigo Serra, lembrando que se trata de uma espécie que estava criticamente ameaçada de extinção. A obra nasceu para compensar os impactes ambientais da barragem de Odelouca, uma imposição da União Europeia para finalizar uma obra que esteve suspensa durante três anos e considerada fundamental para garantir o abastecimento de água no barlavento algarvio.

"Um feito de enorme relevância" Sete anos depois, o diretor do centro de Silves realça que este processo de recuperação de um animal criticamente em perigo é “um feito de enorme

relevância” e “pode servir de exemplo para outros projetos de conservação” dentro e fora do país. “A recuperação do lince-ibérico é um projeto reconhecido internacionalmente e tem servido de exemplo em todo o mundo, tendo sido reconhecido como uma das maiores histórias de sucesso na conservação de uma espécie criticamente ameaçada pela União Internacional para a Conservação da Natureza”, refere Rodrigo Serra, frisando que o centro de Silves também já recebeu “vários prémios europeus”.

A última oportunidade para o lince O diretor do CNRLI lembra ao JA que, quando o centro foi inaugurado, em 2009, foi considerado como a última oportunidade para o lince. “Os nossos objetivos eram principalmente dois: manter e reproduzir lincesibéricos em cativeiro saudáveis do ponto de vista genético, sanitário e comportamental, e preparar ninhadas de lince-ibérico aptas para repovoar a Península Ibérica”, frisa o médicoveterinário de 41 anos, evidenciando que ambos os objetivos já foram atingidos “em 2012 e 2013”. Apesar disso, Rodrigo Serra salienta que o trabalho não está ainda todo feito, longe disso. “Novos desafios nos esperam,

não só no trabalho de manter a diversidade genética existente e reproduzir para reintroduzir, como também na interface entre as populações livres e a população cativa em Portugal”, adianta. Entre os momentos mais marcantes que viveu no CNRLI ao longo dos últimos sete anos, o diretor do centro destaca a chegada do primeiro animal (Azahar), pelo significado que teve. “Foi o regresso do lince-ibérico a Portugal após décadas de ausência”, sublinha. Por outro lado, mais recentemente, Rodrigo Serra evidencia a solta do primeiro lince em Portugal, um animal nascido no CNRLI, a Jacarandá, que entretanto já reproduziu no campo (ver caixa).

Algarve poderá ter centro de divulgação O diretor do centro de Silves conta ainda ao JA que, por enquanto, não está prevista nenhuma libertação de linces em solo algarvio, mas apenas nos cercados alentejanos do parque natural do Vale do Guadiana. “Não só porque é difícil que exista uma área no Algarve com tamanho suficiente e uma densidade de coelho mínima para o fazer, mas também porque outras características que são pedidas a todas as zonas de reintrodução pelo Projeto Iberlince não são cumpridas no Algarve

Herdade das Santinhas (Silves) acolheu os primeiros animais a 22 de maio de 2009

por enquanto”, explica o responsável. Apesar disso, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) já anunciou a intenção de criar um centro de divulgação onde poderão ser vistos alguns animais no Algarve, como já acontece atualmente no Jardim Zoológico de Lisboa. “Esperemos que os projetos previstos para a colocação de animais que estão impedidos de reproduzir ou ser reintroduzidos por problemas de saúde avancem, para que estes linces continuem a ter um papel ativo na conservação da espécie, tornando-se embaixadores da mesma”, afirma Rodrigo Serra, acrescentando que, desta forma, “a mensagem da conservação do lince-ibérico, do coelhobravo e do seu habitat poderá chegar ainda a mais gente, o que é essencial”.

Região assume papel determinante na história do lince Assim, depois da iminente extinção do lince-ibérico, o diretor do CNRLI acredita que a região algarvia vai ficar para sempre ligada à história deste animal. “Penso que é inequívoco que o Algarve tem tido um papel determinante na história do lince-ibérico em Portugal, e creio e desejo que continue a têlo”, sublinha.

Apesar de tudo, ainda persistem muitas ameaças à sobrevivência destes felinos, como “a diminuição das populações de coelho-bravo” e “a entrada de novas doenças e novas estirpes dessas doenças”. “A perda de habitat e a fragmentação crescente devido à existência de estradas e outras infraestruturas aumenta também o risco de atropelamentos e outros acidentes, além de afastar as populações de linces umas das outras”, refere Rodrigo Serra, avisando que, “apesar de já não estar criticamente em perigo de extinção, a espécie continua a estar em perigo de extinção”. “Não é nada difícil reverter todo o trabalho da última década e voltar a colocar este animal no topo das espécies criticamente ameaçadas se não persistirmos na correção destas ameaças”, conclui o diretor do CNRLI de Silves.

"Um caso de sucesso e orgulho nacional" Já a porta-voz da Águas do Algarve, Teresa Fernandes, destaca ao JA que o centro de reprodução do lince em Silves tem contribuído para o programa ibérico com “uma percentagem relevante de crias” e para a consequente reintrodução de exemplares desta espécie ameaçada no seu habitat natural.

“Presentemente, e resultado das campanhas de libertação em habitat natural, há já diversos exemplares em Portugal, a viver em estado selvagem, tendo-se inclusivamente registado os primeiros nascimentos de lince-ibérico na natureza”, acentua a responsável da empresa que desenvolveu o projeto do CNRLI em Silves, como parte do programa de medidas de minimização e de compensação ambiental pela construção da barragem de Odelouca. Sete anos depois da inauguração do centro, Teresa Fernandes frisa mesmo que “este projeto reúne todas as condições para ser um caso de sucesso e orgulho nacional”, face aos resultados obtidos até ao momento e “ao empenho de diversas entidades envolvidas nesta missão de viabilizar a conservação da espécie em território nacional, invertendo o processo de declínio continuado das populações que se vinha a verificar”. Apesar dos “sinais positivos e animadores” que o plano de ação para a conservação do lince-ibérico em Portugal tem vindo a obter, a porta-voz da Águas do Algarve acentua que este é “um processo moroso e continuado”, pelo que o trabalho a desenvolver pelo CNRLI deverá prolongar-se ainda por vários anos.

Ao fim de décadas, nascem os primeiros linces em liberdade Nas últimas semanas nasceram pelo menos mais duas crias de lince-ibérico no Parque Natural do Vale do Guadiana, admitindo-se a existência de uma terceira. É a segunda ninhada confirmada este mês, depois de os técnicos do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) já terem informado sobre o nascimento da primeira cria desta espécie desde que começou o processo de reintrodução em 2014. A cria agora nascida é filha de Lagunilla, uma fêmea de lince-ibérico com dois anos que

foi libertada na zona entre Castro Verde e Mértola há precisamente um ano, depois de ter nascido em cativeiro, no Centro de Reprodução de Zarza da Granadilla, em Espanha. O parto terá ocorrido entre 2 e 8 de março deste ano e a 12 de maio os técnicos do ICNF conseguiram observar e fotografar duas crias que terão cerca de dois meses, admitindo-se a existência de uma terceira. Já no início deste mês, o ICNF anunciou que Jacarandá, uma fêmea que nasceu em cativeiro no Centro Nacional de Reprodução de Lince Ibé-

rico em Silves, em 2012, também deu à luz. “Estas duas ocorrências constituem um dos mais relevantes marcos na já longa história da conservação do lince-ibérico em Portugal, iniciada há mais 30 anos com a campanha da LPN 'Salvemos o lince e a Serra da Malcata'”, refere o ICNF, sublinhando que “a existência de fêmeas reprodutoras é o mais significativo indicador da saúde de uma população e um facto que sustenta o potencial sucesso do processo de reintrodução iniciado”. N.C.

ICNB

Pela primeira vez em cerca de 40 anos está confirmado o nascimento das primeiras crias de lince-ibérico na natureza, em Portugal


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