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CONCEPÇÃO E IDEALIZAÇÃO
Marcelle Lago CURADORIA
Flavia Meireles e Marcelle Lago
FOTOGRAFIA
Thiago Sabino
2018 @ FESTIVAL MARCOZERO
Qualquer parte dessa obra pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
PROJETO GRÁFICO
Michelle Braga (Mica Design & Cultura) REDAÇÃO E REVISÃO
Carol Sales da Mota
APRESENTAÇÃO
Aprimeira
edição da revista eletrônica
Marco Zero chega como mais um lugar de disseminação e reflexão das ações do Festival Internacional de Dança em Paisagem Urbana.
A revista contém um breve histórico do Festival, material fotográfico e informações suscintas de todas as intervenções e artistas da última edição, além do texto curatorial do ano de 2017. Pretende-se, com esta publicação, inaugurar um espaço simultâneo de ação e de reflexão, deixando unidos polos que, em geral, são apartados: teoria e prática, produção e reflexão.
O breve histórico do Festival situa no
tempo e no espaço o surgimento do Festival e seus múltiplos modos de realização, ano a ano, com o intuito de dar ao leitor um pouco do que tem sido o Festival. Na sequência, há o material da mais recente edição, realizada em 2017, com o recorte curatorial e os registros fotográficos dos artistas e das intervenções realizadas no Plano Piloto, em Taguatinga e na Ceilândia.
Em 2017, além da noção de dançar em paisagens urbanas, trouxemos uma curadoria focada em questões sensíveis à cidade, relacionadas em quatro eixos. Uma preocupação desta edição foi a de fazer ressoar questões latentes da cidade a partir
das intervenções, tocando questões como as LGBTQi, os grafites, pixações e o direito ao livre brincar das crianças.
Realizar um festival de dança que ocupa o espaço urbano é, muitas vezes, se confrontar com a burocracia das instituições que regulam esses espaços.
Além disso, percebemos que a dificuldade em acessar os espaços públicos pode ser efeito de uma diminuição do direito do cidadão(ã) em ocupar o espaço público, da privatização desses espaços e também fruto de uma reconfiguração do que se entende como público no regime neoliberal em que vivemos.
Nesse contexto, questionar o que é o espaço público e como podemos reinventá-lo constitui a função primordial desse Festival.
É com este movimento, com estas provocações que a revista eletrônica Marco
Zero chega até você.
Sales da Mota Editora - DRT: 0011133/DF
Carol
BREVE HISTÓRICO
OFestival Internacional de Dança em Paisagem Urbana Marco Zero foi realizado pela primeira vez em agosto de 2006 em Brasília.Fomos pioneiros ao realizar um festival de dança com uma programação voltada para os espaços urbanos da capital do País. O Marco Zero é essa relação pulsante entre espaço, movimento, arquitetura; é muito mais do que dançar a rua. Temos o propósito de ser arquitetura efêmera e contundente.
Na primeira edição, em 2006, habitamos a Torre de TV, durante as tardes de agosto e setembro, e lá criamos a programação do Festival, pois, à época, poucos
bailarinos trabalhavam com esse conceito de coreografar a partir do espaço urbano e não convencional. Assim, criamos coreografias para aquele monumento especifico – com intervenções no elevador panorâmico, no mirante, nas fontes luminosas, nas barraquinhas dos feirantes e no gramado.
O Workshop Redescobrindo o Espaço, elaborado pelo bailarino uruguaio
Marthin Inthamoussu, ofereceu ferramentas de composição teatral, coreografia em espaço público e não convencional. Permitiu ainda pesquisar possibilidades espaciais e o resultado desta residência foram diversas intervenções na Feira da Torre no dia 2 de
setembro de 2006.
Além das intervenções criadas dentro do workshop do artista Marthin, aderiram à programação a bailarina Fabiana Severo com a coreografia Il faut Trouver Chaussure
à Son Piè; Marthin Ithamoussu com SAI (Sistema Interactivo Abierto); e intervenções coreográficas dos bailarinos e bailarinas brasilienses Alessandro Brandão, Alisson Araújo, Carolina Carret, Edi Oliveira, Eduardo Amorim, Fabiana Garcez, Lina Frazão, Lívia Frazão, Luciana Lara e Shirley Faria.
A segunda edição do Festival Marco Zero aconteceu de 17 a 25 de janeiro 2009. Foram dois workshops: um elaborado pela bailarina
e coreógrafa Luciana Lara, cujas intervenções aconteceram no Setor de Autarquias Norte, em diversos pontos do Plano Piloto e na Praça do Relógio (em Taguatinga). O outro trabalho foi desenvolvido por Marthin Inthamoussu no Museu da República.
Ambos tinham o propósito de dançar com a arquitetura, propor novos mobiliários urbanos, humanizar o concreto e ocupar grandes espaços vazios - características arquitetônicas marcantes de Brasília.
A coreógrafa Luciana Lara desenvolveu coreografias em percurso, onde os bailarinos começavam a dançar no Setor de Autarquias Norte e seguiam para o Museu da Republica,
Marcelle Lago
Flávia Meirelles
passando pela Rodoviária de Brasília, pelo Metrô até chegar à Praça do Relógio, em Taguatinga, com balões vermelhos que mapeavam o espaço.
Já o bailarino Inthamoussu seguiu
com o mesmo objetivo que o anterior: habitar e dançar o Museu da Republica. Os bailarinos de Brasília que fizeram parte dessa edição foram: o noivo Alessandro Brandão dançou
todo o Eixão norte, segurando um vestido de noiva e buscando um corpo para habitar aquela roupa; Teresa Castro e o Berllin Loppe Brasil dançaram o Museu e os vagões do Metrô; especialmente nesta edição grande chuva de verão surpreendeu a todos e nela
dançaram Selma Trindade, Júlio Campos, Alexandre Nas, Cleani e Laura Virginia.
Era julho de 2010 quando ocorreu a terceira edição do Festival Marco Zero. Assim como nas edições anteriores, ocorreram dois
workshops “Dançar a Rua”, elaborados pela
Cia Membros do RJ, e uma oficina de dança contemporânea com a bailarina espanhola Victoria Miranda.
Para o “Dançar a Rua” foi realizada uma parceria com o espaço Jovem de Expressão, com a CUFA (Central Única de Favelas) e com o projeto Azulin da Caixa Econômica Federal. Todos os bailarinos que participaram dessa vivência eram oriundos desses programas
sociais e as aulas aconteceram na Praça do cidadão, na Ceilândia Norte. O resultado dessa oficina abriu a terceira edição do Festival Marco Zero, cujo recorte espacial foi Ceilândia, algumas quadras da Asa Sul (108, 308, 508, 708) e o Museu da Republica.
Após um intervalo de sete anos, retomamos o projeto e a quarta edição tomou as ruas de Brasília em abril de 2017.
Repaginamos, reelaboramos alguns conceitos do Festival Marco Zero e, mais do que realizar coreografias em lugares específicos e manter esse recorte conceitual, o objetivo da curadoria era focar questões sensíveis a cidade, ao
social. Assim, as intervenções propunham o dançar nos pilotis com crianças, nos vagões do metrô, na Praça dos Três Poderes, nos viadutos; o cantar e o dançar no Congresso Nacional em dia de votação polêmica; dançar as pichações, reescrever preâmbulos; performar no museu mais antigo de Brasília; e lançar questões como o que é dançar? Essa ações tiveram como pano de fundo a arquitetura, mas a essência era dialogar com Brasília, a capital tombada pela UNESCO e com meio século de vida.
AÇÃO
AÇÃOAÇÃO COREOGRAFADA, GUERRILHA E RELÂMPAGO
Ação coreografada. Duas artistas chegam ao muro pichado perto do Conic, embaixo do viaduto, por volta das 17h. Era 26 de abril de 2017, uma quintafeira ensolarada. O contexto é a quarta edição do Festival Marco Zero – Dança em paisagens urbanas, que se lê somente por um pequeno banner afixado no muro. Iniciam a movimentação em frente ao muro pichado e, lentamente, começamos a perceber que elas desenham com o corpo (coreografam) as pichações inscritas, como numa leitura com o corpo. Uma delas para, bebe água e convida alguns transeuntes a experimentarem com seu próprio corpo a sua ação. Alguns aceitam, outros não e outros riem, como os passageiros de um ônibus que passa. De repente, pela porta que liga o muro com um salão de beleza saem algumas mulheres. Elas souberam do convite e vieram experimentar. Fecham o salão por um momento e participam do experimento das artistas.
Ação guerrilha. Desde janeiro de 2017 gestava-se uma intervenção nos corredores do Congresso Nacional. A ação era: duas drags cantam no salão onde fica a imprensa e que liga o Senado Federal à Câmara dos Deputados. Conversas com gabinetes de senadores e deputados são feitas. Articulações de bastidores. O pedido é de autorização de entrada das drags e o receio é da vigilância policial numa Casa que deveria ser de acesso público. A ação estava marcada para quinta-feira quando recebemos a ligação de um partido que
topou apoiar a ação, mas diz que é preciso fazer na quarta-feira, ocasião em que haveria uma das votações da reforma trabalhista na Câmara. Refazemos às pressas o material de divulgação. Na quinta, o deputado apoiador abre espaço para a entrada das drags, elas ligam os instrumentos e cantam: “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte. Não temos tempo de temer... não temos tempo de temer ...”.
Ação relâmpago. Pole dance no vagão do Metrô. Autorização pedida e negada. Segundo plano: entrar sem ser notado (duas artistas e duas pessoas da produção do Festival) e agir assim que o trem entrasse em movimento. Um assalto às barras do Metrô em forma de dança.
Uma tática emprestada dos vendedores ambulantes.
As descrições acima explicitam algumas táticas e modos de produção de três das 34 intervenções urbanas realizadas
na cidade de Brasília durante a quarta edição do “Festival Marco Zero – Dança em paisagens urbanas” ocorrido entre 26 e 30 de abril de 2017. Concomitante ao Festival, dois acontecimentos de proporções nacionais tomavam conta da capital: o acampamento indígena na altura do Museu Nacional dentro do mês nacional de mobilização indígena (abril) e a já histórica greve geral proposta pelos movimentos sociais e sindicatos que aconteceu no dia 28 de abril.
No dia anterior à abertura do Festival, indígenas marcharam até a Esplanada dos Ministérios com dezenas de caixões pretos nas costas e os fizeram flutuar nos espelhos d’água da Esplanada. Conflitos e abusos policiais. No dia da greve geral, toda a programação do Festival foi transferida para o dia seguinte, no intuito de aderir à greve.
As ações do Festival compreenderam intervenções urbanas, performances, viagens turísticas, caminhadas sonoras e mostras de videodança. Neste texto, em especial, queremos enfatizar as táticas para desviar de duas barreiras muito evidentes no ambiente urbano: a privatização do espaço público e comum; e a frequente, e por vezes violenta, ação de vigilância e de polícia por parte dos agentes públicos do Estado. Ação coreografada, ação guerrilha e ação relâmpago foram três modos que o Festival - que contou com dinheiro público por meio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) - criou para realizar algumas intervenções de grande complexidade (como entrar no Congresso Nacional com duas drags). Para que isso fosse possível no contexto institucional do Festival, foi preciso que houvesse uma coordenação totalmente sintonizada e uma reinvenção do papel da equipe do Festival: desde a curadoria, passando pela produção executiva e registro, até a prestação de con-
tas para os órgãos públicos.
A curadoria do festival, nesta edição, buscou abordar a relação entre arte e política e, portanto, nada mais orgânico do que estar sensível ao momento histórico e político da capital federal.
E, mais ainda, foi intuito nosso compreender política de modo amplo, abordando as políticas da arte, da vida em sociedade e da vida urbana, não somente como temática, mas também como modo de operação, como modo de relação entre as pessoas. Contudo, para que essas ações pudessem se concretizar, foram necessários artistas e uma equipe sensíveis e disponíveis às coreografias, às guerrilhas e aos relâmpagos. E, assim, realizamos.
Foram tantas as contribuições dos artistas, da equipe e dos participantes que não daríamos conta de colocar tudo neste texto. Todavia, procuramos elencar três táticas que nos apareceram primeiro como meio de
comunicar as ações (no programa e folhetos do Festival e nas redes sociais) e que, agora, as nomeamos como modo de proceder: ações coreografadas, ações de guerrilha e ações relâmpago. As ações coreografadas se referem aos trabalhos e aos artistas que propunham danças coreografadas ou improvisadas ou ainda em programas a serem executados em espaço urbano. Os desafios dessas ações eram, em sua grande parte, previstos durante a préprodução e os imprevistos fizeram parte das ações, muito embora sem maiores conflitos. Vejam dois exemplos de ação coreografada. 1ª: no começo do ano de 2017 crianças foram proibidas de brincar nos pilotis do prédio por uma síndica de uma quadra da Asa Sul. Os pilotis, entretanto, são áreas públicas, pois foram projetadas como vãos, áreas livres a serem atravessadas pelos transeuntes, lugares para serem vistos de uma ponta a outra. Há alguns prédios com salões de festas que funcionam como verdadeiras cercas ao impedir a passagem do transeunte
pelos pilotis. Convidamos um espetáculo infantil para ser apresentado no pilotis de um prédio na Asa Sul, construindo contexto para que as crianças reocupem esse espaço.
2ª: Convidamos o trabalho de um artista que propõe reescritura do preâmbulo da Constituição Brasileira em conjunto com os participantes/espectadores dentro do Museu de Brasília, onde constam do mármore registros históricos sobre a previsão da construção de Brasília.
As ações guerrilhas, como o nome procura enfatizar, só foram realizadas após um grande planejamento e com alguns planos alternativos. Esses planos alternativos seriam postos em marcha caso o primeiro plano não acontecesse - já que as ações eram muito suscetíveis à vigilância e interdição policial, pois tocavam em questões de privatização do espaço público ou em questões malquistas para uma sociedade moralista e conservadora. Essas ações eram muito vulneráveis a uma temporalidade que
fugiam do âmbito artístico confrontando diretamente o tempo – algo condizente, em parte, com o padrão da produção de um Festival de arte viva.
Com isso queremos dizer que as urgências e contingências se impunham e era preciso traçar inúmeros planos ao mesmo tempo. O desafio mais perturbador, entretanto, era a vigilância policial, ainda mais num momento em que se era a vigilância policial, ainda mais num momento em que se recorre à polícia como solução de questões que não são, em absoluto, de cunho policial. O intuito de tantos planejamentos era o de driblar essa ação repressora da forma mais eficaz. Um plano B já traçado para a ação acima descrita como ação guerrilha era o de, caso não conseguíssemos entrar no Congresso, as drags fariam um showmício ambulante em carro se som em volta do Congresso Nacional.
As ações relâmpago, por sua
vez, tiveram sua força ao interferir no espaço urbano de forma passageira e itinerante, ressignificando o espaço e depois sumindo. Compondo circuitos de passagem, essas ações apareciam e desapareciam como relâmpagos.
No caso da descrição trazida para este texto, a ação esbarra no espaço público/privado do Metrô, cada vez mais privatizado. Foi necessário um plano de ação na invisibilidade para realizar a ação. Invisibilidade que necessita articulação, já que está inserida num contexto de Festival artístico,onde uma das premissas é justamente a da visibilidade.
As ações relâmpago ainda exigiram regimes de visibilidade específicos para que não perdessem sua força de ataque. Outra ação
relâmpago foi pendurar – em um domingo, quando não há circulação de carros - um tecido de acrobacia em um viaduto. Para este caso em específico, não foi solicitada nenhuma autorização, afinal sabíamos que seria negada.
Mais abaixo colocamos o texto curatorial do Festival, escrito pelas curadoras Flavia Cartaz do Festival
Meireles e Marcelle Lago, a fim de dar um panorama das intervenções realizadas. Vamos a 2018!
CURADORIA
Aquarta edição do Festival Marco
Zero apresentou 34 intervenções e três mostras de videodança que ocuparam a cidade de Brasília de 26 a 30 de abril de 2017. Foram trabalhos especialmente concebidos para espaços urbanos e cujo ponto de partida era a relação entre dança, performance e arquitetura da cidade. Provocando de maneira sutil ou evidente o cotidiano da cidade, deslocando ou modificando aspectos do espaço urbano, os trabalhos tinham como desafio criar interlocuções e dar visibilidade a aspectos latentes da vivência na cidade.
Cada edição do Festival se debruça sobre um conjunto de questões sensíveis à cidade. Para a quarta edição, a curadoria concebeu quatro eixos em torno dos quais os trabalhos
gravitavam:corpo político, corpo próprio, corpo do futuro e corpo sagrado. Corpo político lidava com temas políticos e a reinvenção de modos de fazer; corpo próprio tratou de questões de gênero, LGBTI, do corpo individual e social; corpo do futuro foi dedicado ao público infantil; e, por fim, corpo sagrado lidou diretamente com rituais e estados meditativos. Em muitos casos, os trabalhos articularam
mais de um eixo curatorial fazendo assim uma costura que deu a consistência ao Festival.
O Festival começou em 26 de abril com uma mesa de debates no IFB. Na ocasião foram explicitados e debatidos os recortes do festival, com a presença da curadora, da idealizadora e da coordenadora do projeto e de alguns artistas que participaram da quarta edição. Foi lá que aconteceu a primeira intervenção intitulada “Tour em Berlim – Brasília”, dos artistas Fernanda Vizeu (RJ-Berlim) e Peter Boos. Este trabalho usa o dispositivo de guia turístico para
friccionar os monumentos de Brasília com os de Berlim. Um tour imaginário que nos transportava aos marcos históricos e simbólicos de Brasília.
No mesmo dia, na parte da tarde, a cidade era tomada por trabalhos que articulavam nos eixos corpo político e corpo próprio intervindo em política como modo de operação na cidade e investigando os limiares entre corpo próprio e coletivo. Marcia Aquino (MA) e Gê Vianna (MA) trazem “Corpografias do Pixo” que propunha um lugar de encontro com a cidade e suas inscrições urbanas. As artistas mapearam com os corpos as pichações inscritas em
Marcelle Lago
Flávia Meirelles
muros das paredes. Paulo Avezedo, da Cia Gente (RJ), apresentou a “Metáfora de um confronto” e os corpos de dois bailarinos que dançavamm um duo em meio às pessoas que transitavam na cidade, criando tensão em um percurso que chega à Rodoviária de Brasília.
Em 27 de abril, o Festival continuou com uma programação que cruzava o corpo político com corpo próprio. Abrindo uma sessão da Comissão dos Direitos Humanos do Senado Federal, as drags Sara e Nina (RJ/BSB) iniciaram a performance “TransBrasília” com a leitura de uma carta dos movimentos LGBTI; na sequência,
seguiram para os corredores do Senado cantando canções autorais acerca da violência contra os transgêneros. Em outro canto, entre a Rodoviária do Plano Piloto
e o Museu Nacional, “Cidade ao redor”, da artista Claudia Holanda (PE/RJ) iniciava uma caminhada sonora com participantes vendados, com o fito de experimentar modos de escuta e modos de compreender o som da cidade em nossas vidas no naquele trajeto. O espaço acústico como social e estético, ao mesmo tempo em que trazia a escuta como um ato político e de agenciamento com o território.
A artista Maria Baderna (RJ-BSB),
com a intervenção “Cuidado, frágil”, tratou da mobilidade urbana nas cidades onde a artista - embalada em 9 metros de plástico escrito “Cuidado, frágil” - andou pelos transportes coletivos de Brasília e interagiu com o público a partir desses encontros, brincando com os limites do seu corpo e dos demais. Olivia Othof e Laryssa Telles (DF) trazem o “Pole Dance” como uma provocação nos vagões do Metrô. Negro Val (DF) ocupou o Foyer do Metrô com “Danço porque não sei voar”, colocando o corpo em movimento como matéria principal do trabalho.
Seguindo as atrações do dia 27, à
noite, às 19h, na Ceilândia, acontecia uma mostra de videodança em parceria com o Festival Dança em Foco - com curadoria de Paulo Caldas (RJ/CE). A presença de “Pra Cima” (BSB) fez tremer a Feira dos Importados ao trazer a tradição dos bailes black e o lazer de rua dos anos 80 como parte da história da cultura periférica do DF. Com suas performances, os artistas tocaram em questões de pertencimento, identidade e comunidade e, portanto, entrelaçaram as noções de corpo político e do corpo próprio.
Na Praça dos Três Poderes, a artista Claudia Holanda (PE/RJ) guiou parti -
cipantes enquanto ouviam uma peça radiofônica produzida por ela e que tocava em momentos da criação da capital brasileira numa viagem chamada “Cinema para os ouvidos”. Negro Val (RJ) reapresentou sua intervenção, desta vez, nas escadas do Centro Cultural Lúcio Costa. Na Praça dos Três Poderes, o artista Ricky Seabra (DF/ Crato) apresentou “Preâmbulo”, cuja proposta era a reescrita coletiva do Preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988.
No dia 29 de abril, em comemoração ao Dia Internacional da Dança, a programação foi especial. Na 305 Sul, Ary Coelho e Luisa Günther (BSB) trouxeram
“Conectando com o mover do outro” e experimentam, por meio de performance de dança, como o entorno pode ser inquietante a partir do corpo que se move.
Na mesma manhã ocorreu a programação dedicada ás crianças (corpo do futuro) com Andréa Jabor (RJ/BSB) em “Experiências extraordinárias para a primeira infância – a Rainha e o Lugar”. Na Feira do Guará, Mariana Pimentel (RJ/BSB) provocava os passantes em “Take a photo with a brazilian woman for 0,71 cents” usando artifícios de artistas de rua para atrair o público e, ao mesmo tempo, evidenciar a imagem da mulher brasileira como
atração turística. No Conjunto Nacional, entre a passarela e o Conic,a Companhia Por um Fio (RJ) e o Duo de Violão Chello (BSB) apresentaram “Os transtornos passam, a dança fica” com a interação de dança e música ao vivo. Kleber Damaso (GO) interveio com “O homem cara de tijolo”, onde construía e destruía um abrigo de tijolos, uma proteção ensimesmada de um homem cabeça-dura, cara de tijolo e concreto armado, trazendo o diálogo do corpo com a arquitetura. Marthin
Inthamoussu (UY) trouxe “Así sucedía con todo”, um solo que perpassava entre a ordem e o caos e um homem que transitava entre a vulnerabilidade e a proteção de uma
couraça. Para finalizar o dia, aconteceu uma roda de improvisação e de capoeira, celebrando as diversas formas de dançar, de encontrar e de lutar.
No último dia, 30 de abril, no viaduto Asa Norte, Laryssa Telles performou em seu tecido com “O que pode um corpo”. Na Feira da Torre, a manhã de domingo começou com o eixo do corpo sagrado com “Witness” da Cia Artesãos do Corpo (SP) trazendo um estado meditativo do corpo em movimento. O
Coletivo Coisa Azul (BSB) apresentou “Linha Azul”, ocupando e permanecendo na Torre de TV com pufes azuis e, a partir
daí, criando espaço de relação. Mariana Pimentel (RJ/BSB) voltou a provocar com “Take a photo with a brazilian woman for 0,71 cents” e Poema apresentava “CaPoema”, da Cia do Bambú, onde um tripé de bambu e uma peregrina são companheiros em uma pesquisa de movimento que atravessou 16 anos ininterruptos. Percepção e relação do corpo com o objeto tem centralidade neste trabalho delicado.
Ary Coelho e Luisa Günther ao trazer “Tenho a possibilidade de dança, o mover com uma pipoca” provocaram com seus próprios corpos imóveis na busca de
um movimento sensível e concatenado.
Finalizando o Festival Marco Zero, a proposta de uma prática performativa intitulada “CorpOásis”, do CEDA-SI –
Coletivo de Estudos em Dança, Educação
Somática e Improvisação (BSB), buscava
perguntar quais danças surgem a partir de estados meditativos.
Foi com esta programação que o
Festival Marco Zero buscou discutir cidade a partir das questões que dela emergem por meio de formulações artísticas.
Sustentando a perspectiva de que o espaço arquitetônico favorece certas relações e inibe outras, o modo como os artistas
interferiram, modificaram e criaram o espaço urbano pôde suscitar vivências imprevisíveis ou dar visibilidade a aspectos latentes, porém sensíveis, da vida urbana.
A cidade de Brasília, em sua particularidade urbanística e arquitetônica - como sítio urbano moderno tombado pelo Governo Federal e incluído na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade (UNESCO) – é palco privilegiado de uma série de disputas em diferentes escalas e estabelece espaços de relação instigantes e específicos. Os espaços explorados nessa aventura metropolitana visavam dar
consistência a um espaço arquitetônico a um só tempo em sintonia e contraste com seu plano urbanístico. Entendendo cidade como um espaço complexo e em mutação, o Festival buscou uma interação que excitasse e criasse tensão com aquele que vivencia a cidade.
INTERVENÇÕES
ABERTURA DO FESTIVAL
Palestra de abertura da edição 2017 no IFB. Na foto, a diretora e co-curadora do Festival Marco Zero, Marcelle Lago (centro); a co-curadora Flavia Meireles (esq.); e a professora do IFB Larissa Ferreira. A palestra teve cunho pedagógico de conversar sobre curadoria em dança e apresentar o recorte curatorial desta edição. Também contou com o depoimento e presença dos artistas Luisa Günther e Ary Coelho (DF), falando sobre sua trajetória artística.
MARTÍN ITHANMOUSSÚ (UY)
Martín Inthamoussú (UY) em sua criação
“Así Sucedía con Todo”, no Museu e Biblioteca Nacional, propondo uma dicotomia entre ordem e impulsos. Ordens que nascem de si e impulsos que vêm de fora. É, enquanto metáfora do personagem, um sensível e vulnerável ser que se transforma em alguém que é atacado, ignorado e com medo. No final, ele ri de seu próprio destino. É um ignorante, mas continua a sua passagem pela vida.
MARIANA PIMENTEL (RJ)
Questionar clichês, expor a precariedade do trabalho e problematizar a imagem da mulher brasileira. Estas foram algumas das provocações de Mariana Pimentel (RJ/ DF) em “Take a picture with a Brazilian woman for 0,71 cents”. A performance explicitava a condição do artista de rua que usa artifícios diversos para atrair o público e ganhar algum dinheiro e expõe, ironicamente, a imagem da mulher brasileira como atração turística.
CORPOGRAFIA DO PIXO (MA)
Márcia Aquino e Gê Viana (MA) em “Corpografia do Pixo” exploraram as pixações dos muros de Brasília dando movimento aos desenhos inscritos nas paredes. Bailarina e artista visual, respetivamente, as artistas deram visibilidade às marcas das pessoas e da vivência na cidade, no caso as pixações, abordando as relações entre arte e transgressão, convidando também o espectador a interagir a seu modo com elas.
ARTESÃOS DO CORPO (SP)
Ederson Lopes e Mirtes Calheiros estiveram no Parque Olhos D´Agua. A intervenção “Witness” criou aproximações entre o concreto e o sensível, entre o estático e o movimento, entre o corpo e a escultura. O elemento cultural japonês MA (espaço entre / zona intervalar) permeia essa criação que busca tornar visível os vestígios, os rastros e os intervalos desenhados no espaço pelos gestos dos intérpretes.
OLÍVIA ORTHOF E LARYSSA TELES (DF)
Olivia Orthof e Laryssa Telles tomaram de assalto os vagões do Metrô, na ação relâmpago “(Pole) mica”, utilizando a barra central do vagão como estrutura de pole dance. Ao som de um pequeno amplificador carregado por elas, Olivia e Laryssa interromperam o cotidiano dos passageiros, deslocando também as recepções da sensual dança do pole dance para um local onde, não raro, ocorre assédio às mulheres.
MARIA BADERNA (RJ/DF)
Maria Baderna/Cecília Magalhães (RJ/ DF) viajou pelos transportes coletivos na Rodoviária do Plano Piloto embalada em um plástico-bolha de nove metros e uma plaquinha escrito “Cuidado, Frágil”, que dá nome a sua atuação. Trata-se de uma ação performativa desenvolvida a partir das inquietações da artista relativas à mobilidade urbana nas grandes cidades e da sua necessidade em pensar e atuar saídas possíveis.
CIA. GENTE (RJ)
Cia Gente (RJ) em “Metáfora do Confronto” na calçada do Conjunto Nacional. Na foto, os bailarinos João Carlos Silva e Rafael da Mata. O trabalho colocava em jogo dois bailarinos que transitavam entre encontro e confronto por meio da mistura de danças urbanas e contemporâneas. Os artistas convidaram transeuntes e espectadores a uma interação e dança a partir do contato físico.
ANDREA JABOR (RJ/DF)
Aperformance “Experiências extraordinárias para a primeira infância – A Rainha e o Lugar” de Andrea Jabor criou,
com a figura de uma rainha fictícia, um espaço de imaginação com as crianças. Um longo tapete verde foi espaço de jogo com as crianças que eram convidadas a habitá-lo no final da peça. Situado no pátio da 104 sul, o trabalho devolveu às crianças o vão livre entre os prédios, afirmando um lugar de passagem e brincadeira.
CEDA-SI (DF)
OCEDA-SI (DF) - Coletivo de Estudos em Dança, Educação Somática e Improvisação - abriu um espaço de dança em estado meditativo em plena Praça dos Três Poderes. No espaço retangular, os participantes responderam corporalmente à pergunta “quais danças podem surgir a partir dos estados meditativos?”, lidando com as dimensões física, mental, espiritual e energética.
SARA E NINA (RJ)
Em uma ação guerrilha, as drags Sarah e Nina e seus músicos entraram no Congresso Nacional, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, acompanhadas por um parlamentar que apoiou a ação da performance. O repertório dessa intervenção aborda a temática LGBT. Elas cantaram “A história de Mafalda”, uma música autoral que conta a história da travesti Mafalda, assassinada a mando de seu amante que não conseguiu lidar com o amor que sentia por um ser marginal. História tão comum, tão infeliz, tão equivocada.
CLAUDIA HOLANDA (PE/RJ)
Guiados pela voz da artista Claudia Holanda (PE/RJ), participantes caminharam em dupla, sendo um deles de olhos vendados, pelo trajeto Biblioteca/Museu Nacional. Ao chegar embaixo da rampa do museu, o grupo deparava-se com uma peça sonora instalada questionando o ambiente com sonoridades estranhas ao lugar e o interrogava aos participantes o lugar da escuta. Uma experiência de escuta diversa de um lugar.
COISA AZUL (DF)
Guiados pela voz da artista Claudia Holanda (PE/RJ), participantes caminharam em dupla, sendo um deles de olhos vendados, pelo trajeto Biblioteca/ Museu Nacional. Ao chegar embaixo da rampa do museu, o grupo deparava-se com uma peça sonora instalada questionando o ambiente com sonoridades estranhas ao lugar e o interrogava aos participantes o lugar da escuta. Uma experiência de escuta diversa de um lugar.
FERNANDA VIZEU (RJ)
Fernanda Vizeu (RJ) conduziu o espectador em um tour pela cidade, numa peça itinerante que simulava uma visita aos principais pontos turísticos do centro de Berlim. O tour-performance conta a história das duas Guerras e da Guerra Fria na capital alemã e revisa fatos que envolvem os conflitos políticos e econômicos atuais mundiais. Junto com o diretor Peter Boos (RJ) a proposta era relacionar os eventos da guerra com a atual crise política no Brasil.
LETÍCIA
RAMOS E JEFFERSON RAMOS (RJ)
Jefferson Antonio e Letícia Ramos (RJ)
trouxeram para o Museu Nacional uma tarde de improvisação de dança
com a manipulação de uma longa corda que os aproximava e distanciava no espaço. Participando desta ação estavam convidadas as crianças e adutos que observavam e o trio de músicos Kalley Seraine (Violino), Norma Parrot (Violoncelo) e Alberto Sales (Violão) que improvisava junto a eles.
CIA. NÓS NO BAMBU (DF)
Poema Mühlenberg (DF) manipulou sua estrutura de bambu no trabalho “CaPoesia” ao pôr-do-sol na Torre de TV. Poema tem um trabalho de mais de 16 anos de pesquisa com estruturas de bambus que, pela ação e manipulação da bailarina, constroem um espaço onírico e virtuoso. Juntando dança contemporânea e capoeira, Poema criou uma nova técnica/ estética arte-corpo-bambu.
ARY COELHO E LUISA GÜ NTER (DF)
Ary Coelho & Luisa Günther estiveram no Parque Olhos D’água e na Torre de TV. As duas performances trabalharam com diversos desafios, como o corpo imóvel na busca de um movimento sensível e conectado e a busca pela compreensão por meio da performance da dança, em um contexto em que tudo parece inquietante. Compreender como experiência todo o corpo comum, suas fragilidades e estabelecer um conhecimento de pequenos movimentos e improvisações que se evidenciam em “Tenho a possibilidade de dança o mover de uma pipoca” e “Conectando com mover do outro”.
PRA CIMA (DF)
Os dançarinos do “Pra Cima” (DF) envolveram a plateia dançando ao som do charme e de outros estilos. Um momento de coletividade com uma cultura de dança que há décadas promove a interação entre pessoas de varias gerações, já que os estilos abordados estavam diretamente ligados aos bailes black e lazeres de rua. Estes eventos acontecem desde os anos 80 em diversas regiões do DF e fazem parte da história da cultura periférica local.
SEABRA (CE)
Preâmbulos é uma lecture-performance em que o performer, artista visual e designer Ricky Seabra interagia diretamente com o público, persuadindo-o a escrever um novo preâmbulo para a Constituição Brasileira. Um espetáculo que combinou design e ativismo para falar de política, memória e poesia. Ricky buscava provocar um pensamento em torno de valores e responsabilidades compartilhadas sem cinismo e nacionalismo.
RICKY
LARYSSA TELES (DF)
Laryssa Teles (DF) apareceu pendurada com seu pano nos viadutos de Brasília juntando sentimentos diversos como o medo, a agonia, o espanto e, acima de tudo, o deleite e o prazer. Uma ação relâmpago que cortava a paisagem dominical de Brasília, disposta interferir no caminho de quem circulava por baixo dos viadutos e causando 15 minutos de desafio à gravidade.
KLEBER DAMASO (GO)
“ O home cara de tijolo” é uma performance instalação de Kleber Damaso (GO). O homem cabeça dura – cara de tijolo e concreto armado – caminhou para uma paisagem morta, sem ponto de partida ou de morada. Antropocentrado em seu inabalável estado de equilíbrio estático, a admirar seu antiprodutivo desserviço monocultural pelos pastos de seu econegócio insustentável.
NEGRO VAL (PI/DF)
“ Danço porque não sei voar”, do artista Negro Val (PI/DF), conjugava coreografia e improviso na Praça dos Três Poderes e na saída do Metrô de Brasília. Transitando em várias técnicas de dança, buscava uma conexão entre bailarino e espectadores por meio da dança, onde o público testemunhava o corpo do bailarino se ocupando e se relacionando com esses espaços.
MOSTRA VÍDEODANÇA
Uma das três exibições da Mostra de Videodança, realizada em parceria com “O Festival Dança em Foco”, ocupou o monumento do Panteão da Praça, na Praça dos Três Poderes, ao anoitecer. Os vídeos foram projetados na parede do Panteão da Republica. A curadoria foi realizada pelo bailarino Paulo Caldas. As outras exibições ocorreram na Praça da Bíblia, na Ceilândia, e na Estação do Metrô Praça do Relógio, em Taguatinga.
PRODUÇÃO PARCERIA APOIO
APRESENTAÇÃO