1
2
3
4
MOINHO CENTRAL do vazio Ă catacrese de lugar
5
Lucas Emidio Tafuri de Carvalho Orientação Prof. Dr. Evandro Ziggiatti Monteiro Co-Orientação Profa. Dra. Regina Tirello 6
7
8
Este trabalho é dedicado aos meus amigos de infância, que entenderam e construíram minha essência. Aos meus pais e meu irmão, pelas possibilidades e pelo entendimento de sempre. Aos meus colegas de faculdade, pelo tempo vivido, alegrias e aflições de se fazer Arquitetura, às conversas no bar, às amizades do campus, à vivência universitária. À Tassi, que me fez irmão e ao nosso carinho indefectível. À Tiemi, pela companhia, pelas conversas, por todo o apoio, por tudo. Ao Marcus, à Miriam, à Sofia, à Fernanda Mitsue, à todos que acompanharam e ainda acompanham as infinitas conversas e discussões de arte ao longo do meu processo de descoberta acadêmica, além de todo o tempo que passamos juntos, à nossa forte amizade. À minha avó Leopoldina, que me ensinou tanto quanto a academia. Ao professor Evandro, pela orientação deste projeto e à Professora Regina Tirello, que sempre esteve disposta a ajudar na elaboração deste trabalho, pelas idas à São Paulo, pelas conversas e pelo apoio (e por ter me feito entender certas questões do patrimônio). À Fátima Pessoa, do arquivo municipal Washington Luís, que também me ajudou na pesquisa. À professora Cristina Meneguello por ter me introduzido ao mundo das ruínas industriais, e pela forte amizade que surgiu da orientação. Ao vazio, que nos faz buscar o que preencher; Ao futuro, que permanece na incerteza para que possamos imaginar o porvir; Ao sublime, porque tomados do medo, lembramos da nossa condição humana; Ao sim. Permitir-se é um exercício de uma vida inteira.
9
conteúdo 00.Introdução 01.A Sociedade Pós Industrial e a Supermodernidade 02.A demolição como ritual secular 03.O terreno e a história do Bom Retiro 04.O Moinho Central e sua Estratigrafia Temporal 05.A Favela do Moinho 06.As ruínas industriais 07.A emergência da exploração urbana 08.O programa Arquitetônico 09. Referências Projetuais 10.O projeto 11.Processos Paralelos 12.Bibliografia 13. Anexos
10
p.14-17 p.18-22 p.23-31 p.32-37 p.38-46 p.47-75 p.45-73 p.76-89 p.90-101 p.102-115 p.116-1302 p.133-158 p.159-166 p.167-169 p.170-171
“
O artista busca a verdade eterna e ignora o que está à sua volta. Admira a coluna do tempo babilônico e despreza a chaminé da usina. Qual a diferença das linhas? Quando a era da força motriz pela combustão do carvão estiver finda, admirar-se-ão os vestígios das últimas chaminés como hoje se admiram os DESTROÇOS das colunas dos templosI
”
11
“
Somente na fotografia, ao revelar-se o negativo, revelava-se algo que, inalcançado por mim, era alcançado pelo instantâneo: ao revelar-se o negativo também se revelava a minha presença de ectoplasma. Fotografia é o retrato de um côncavo, de uma falta, de uma AUSÊNCIA?II
12
”
13
00 introdução
14
M
eu
envolvimento
ruínas
com
industriais
desenvolvimento
se
de
o
deu uma
tema
das
através
do
pesquisa
de
Iniciação Científica iniciada em 2006 e terminada em 2009. Os objetivos teóricos primários deste estudo visavam a análise das relações entre o ato de fotografar, a arquitetura e as ruínas industriais. No plano prático, a pesquisa buscava a realização de um acervo iconográfico e de um levantamento fotográfico de uma série de vestígios industriais ao longo do estado de São Paulo. Como desdobramento inevitável, porém, surgiram resultados que se aproximavam muito mais de um exercício de sensibilização do olhar do que de um levantamento fotográfico em si, além de uma relação de afetividade com estes lugares vazios e à margem do restante da cidade. Parte essencial da poética visual desenvolvida, estes objetos obsoletos constituíram de importantes meios de expressão no decorrer da minha graduação, e julgo serem de extrema relevância para a constituição da paisagem urbana, da história da cidade, e contestar a maneira como espaços usualmente são gerados. Ao ter-me utilizado da fotografia enquanto suporte de representação, não somente refinei o olhar em busca de novos motivos a serem fotografados, mas também reinventei minha visão de mundo através dos fragmentos que selecionei e exclusões que realizei. A inquietação que decorreu deste processo me direcionou para uma inclinação natural de vislumbrar os espaços
15
Fotografia 00: Experimento fotográfico com filme 120mm, Centro de São Paulo, Do autor.
das ruínas enquanto potenciais materiais arquitetônicos
texturas da cidade e metamorfoseiam-se em objetos que
e artísticos a serem trabalhados, já que vivenciei, em
sofrem com o idealismo dos contrastes entre o romantismo
ampla escala, aquilo que preferi chamar de “experiência
nostálgico e o desprezo da supermodernidade.
Fotografia 01: Escola abandonada da Vila Zélia, São Paulo. Do autor.
espacial pura”: lugares livres que contrastavam com minha atividade de criação, normatização e organização dos
espaços
enquanto
estudante
de
arquitetura,
ruínas em que eu poderia exercer meu único atributo genuinamente humano, que era existir. Longe da necessidade de corresponder às demais expectativas, aqui, na vastidão do “terrain vague” industrial, eu poderia ser eu mesmo. Como catalisadores de experiências oníricas, fui alimentando um gosto especial por estes lugares, e munido da minha câmera, tentei registrar a dimensão do inverbalizável e do indizível. Momentos de encontro com o próprio ser, a experiência da ruína também me foi um importante exercício de autoconhecimento, já que distante da conformidade esperada de mundo, de qualquer aparente “verdade arquitetônica”, e sempre através da experiência solitária, me encontrava construindo ativamente o espaço. A exploração da ruína através do engajamento corporal me foi valiosa para a construção da sensibilidade espacial. Este espaços vazios, lugares da solidão e de extrema liberdade, gerados como subprodutos de Epígrafe I: Benjamin, W. Apud Peixoto, PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac, 2004. Epígrafe II: Lispector, Clarice. A paixão segundo G.H.. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
16
processos cerrados e da superabundância factual da história de nossas cidades, não se encontram apagados, mas
em
segundo
plano.
Vazios
incomensuráveis,
verdadeiras chagas urbanas aptas a se transformar, mesclam-se com o restante do skyline urbano e com as
Sua estigmatizada
constituição e
espectral,
incompatível
com
o
usualmente modelo
de
desenvolvimento do restante da cidade, configura-se como importante contraponto à massa construída de edificações que prevalecem na idéia de urbano. Estes vazios, terrenos vagos e não-lugares, serão objetos deste trabalho, que buscará trabalhar com a questão da impermanência da matéria e do vazio enquanto potencial material arquitetônico.
O
objetivos
objetivo primário deste trabalho é contestar o argumento de que ruínas industriais são objetos DESPREZÍVEIS e desprovidos de valores através das considerações sobre seus usos na contemporaneidade e elaboração de um parque urbano contendo um Centro de
Referência em Exploração Urbana e Albergue (Hostel), aptos a constituir um fluxo permanente de pessoas que dialogue com a impermanência da matéria arquitetônica ruinosa e servindo de suporte para o movimento contemporâneo da exploração urbana.
17
01
a sociedade pĂłs-industrial e a supermodernidade como produtoras da paisagem do vazio
18
D
esconectada do seu antigo valor de evocação de prosperidade e de modernidade de uma sociedade futura, a paisagem industrial e suas
chaminés, silos, canos e conduítes, ritmando o espaço vertical das cidades de antigamente, deu lugar a um outro tipo de evocação de sentido: o que antes fora progresso, hoje é desprezo. Tal mudança não ocorreu de forma abrupta e muito menos inesperada. Para entender a mudança de paradigma e como esta paisagem se modificou em questões simbólicas, há a necessidade de se abordar as questões relativas à transição de uma sociedade industrial para pós-industrial. Antes de considerar a mudança como puramente econômica, é importante lembrar que a paisagem “desindustrial” das nossas cidades contemporâneas é também parte de um processo cultural, à primeira vista, irremediável. A mudança de paradigma é resultado do desenvolvimento de novas técnicas de produção de capital decorrentes desde a primeira revolução industrial. Este processo- correspondente ao surgimento de um sistema fabril de produção em larga escala- desconfigurou a realidade urbana dos núcleos iniciais da revolução, em especial Londres e Paris. A concentração industrial nos centros urbanos no fim do século XVIII e começo do XIX trouxe consigo a necessidade de força de trabalho. Essa nova população de trabalhadores recém migrados trouxe também a necessidade de moradia e condições de vida adequadas, que não foram supridas. Tal condição
19
Fotografia 02: Escola abandonada da Vila Zélia, São Paulo. Do autor.
resultou no surgimento de núcleos populacionais que
econômicas, são rendidos permanentemente à inutilidade
viviam em condições de extrema pobreza e insalubridade,
pela corporação industrial. (EDENSOR, 2005)
cedendo espaço para a promiscuidade e a violência. A vida cotidiana, sob a luz do crescimento desenfreado,
Fotografia 03: Vagão de trem em Botucatu. Do autor.
adquiria a dimensão de um diário espetáculo em que a profusão de acontecimentos, acompanhada pela difusa realidade urbana, norteou uma subseqüente revolução cultural sem precedentes.
sua conseqüente transformação social, cultural, urbana e antropológica, consiste na condição definida por alguns autores como “pós-industrial”. Esta nova condição, essencialmente marcada pelo excesso de informação e
de representativos deste crescimento e também da
da aceleração de acontecimentos, merece ser analisada
ausência de políticas sociais mais amplas de amparo
também como caminho apto a gerar o abandono.
progresso e de direcionamento futuro.
A
superabundância
factual
da
realidade
contemporânea e a necessidade sempre constante
Visionados para funcionar como máquinas,
de conferir sentido ao presente, ao invés do passado,
porém, estas instalações demarcadamente funcionais,
corresponde à uma das principais características do
criadas com o único propósito de servir à um processo
que Augé define como supermodernidade. Resultado
de produção de capital notadamente cerrado, foram
das rápidas transformações decorrentes dos processos
continuadamente esvaziadas e abandonadas desde
de produção e do desenvolvimento tecnológico, a
então. A busca por produtos mais lucrativos, mercados
novidade não constitui, na realidade, do pouco sentido
expandidos e maneiras mais baratas de produção junto
da realidade contemporânea, mas sim da necessidade
com a inexorável busca por produzir novas mercadorias
explícita e diária de conferir-lhe um. Esta necessidade
e serviços, produzem crises periódicas de acumulação
de dar sentido ao presente, e não ao passado através do
onde o excesso de trabalho e capital derrubam os preços
resgate da superabundância factual da realidade vivida,
e os lucros. Em resposta à estas crises está a mudança
corresponde a uma tentativa de suprir a modalidade
súbita de elementos menos lucrativos de área ou de um
essencial desta condição: o excesso. (AUGÉ, 1994).
país para outro, de maneira a desvalorizar o produto
20
industrial através do paradigma da informação digital e
Neste contexto, os edifícios industriais, apesar
aos trabalhadores, se constituíram como símbolo de
1- VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico e as Perspectivas do Tempo Real. _____, _____: ____. p10.
Este processo de transformação da antiga sociedade fabril para uma nova configuração pós-
para que depois ele seja novamente desenvolvido. Estes edifícios, portanto, como sedes deste tipo de operação e sujeitos à flutuação do câmbio e das instabilidades
O excesso, ou a multiplicação de acontecimentos, acarreta numa mudança na percepção da passagem de tempo e suas ocorrências em virtude de sua densidade.
Desta maneira, a modernidade atual, como bem coloca Virilio, se circunscreve numa delimitação temporal simplificada e perpétua. A idéia de tempo linear, portanto, na qual implicava que o depois pudesse ser explicado pelo antes, encalhou em algum ponto do século XX e colocou em xeque o valor da história enquanto disciplina portadora de sentido. “Com os meios de comunicação instantâneos, [...] tudo chega sem que seja preciso sair: a cidade opõe seus moradores ao tempo, e instaura um tempo presente
permanente”1
Presa na suspensão temporal de um eterno presente, a supermodernidade como fenômeno da contemporaneidade produz não-lugares. Augé define da seguinte maneira: se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir como histórico, identitário ou relacional, se definirá como um não-lugar. A tese defendida é a de que estes espaços não são em si lugares antropológicos, e em oposição à modernidade baudelariana, não integram os lugares antigos, que são repertoriados, classificados e então promovidos muito vagamente a “lugares de memória”, ocupando um lugar circunscrito, específico, e poderíamos dizer até alegóricos. A supermodernidade impõe, às consciências individuais, a errônea impressão de que o esquecimento e abandono, apesar de forçados, se configuram como processos naturais. Para entender como este mecanismo funciona, deve-se entender o ato de demolir como ritual
21
de passagem da antiga sociedade industrial para a descrita p贸s-industrial.
22
02 a demolição como ritual secular
23
para reforçar a sensação de inevitabilidade do declínio
A
rede de influências de um edifício industrial
industrial e de tornar o processo de demolição algo de
abandonado é proporcional à distância dos
ocorrência natural.
raios de suas cercanias: maior nas proximidades
e reduz-se até a completa diluição conforme nos afastamos. Assim, pode-se dizer que, para a população circunvizinha, a ruína industrial possui, em relação à paisagem e à história, valores muito distintos daqueles de pessoas que só a viram de relance. É essencial considerar o fato de que, na maioria dos casos, esta população circunvizinha é composta de um significativo contingente de ex-trabalhadores em idade avançada, e que, por mais moroso que tenha sido o seu processo de trabalho, e o seu fechamento tenha provocado neste contingente sensações negativas das mais variadas, esta população
significado de mudança econômica. A desindustrialização é muito mais do que somente um processo envolvendo a perda de emprego, a substituição de mão de obra e o abandono das suas estruturas. Ela envolve, na realidade, o deslocamento da indústria e dos trabalhadores para uma periferia, que, antes de ser espacial, é cultural. A demolição, portanto, funciona como um ritual em que uma transformação simbólica pode ocorrer, ou em outras palavras:
espaços abandonados. Senhores e senhoras que choram
significado de mudança nela mesma. O abandono, a gentrificação,
ao relembrar do fechamento da fábrica e de todas as
e a completa destruição do edifício de uma velha fábrica significa
relações tecidas ali: vidas inteiras construídas e refeitas
não só mudança social, mas um tipo particular de mudança social.
sob a sombra das chaminés.
Quando arranha-céus cromados e envidraçados surgem do pó
demolição constituem de rituais seculares que - como colocam High and Lewis- dramatizam a transição de uma sociedade industrializada para uma pós-industrial. A demolição dos edifícios industriais, de todas as formas
24
Ao analisar os rituais e representação da
demolição industrial, é possível afirmar que prevalece o
ainda mantém uma relação nostálgica-afetiva com estes
O fechamento de indústrias e sua subseqüente
2- HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto: ILR Press, 2007, p. 25. Trad. Livre.
“O simbolismo de uma fábrica fechando diz respeito ao
em uma antiga estrutura industrial, quando fábricas implodidas são deixadas esfarelar em terras urbanas abandonadas, locais onde comunidades inteiras se desenvolveram vigorosamente, a mensagem não é só sobre a inevitabilidade da mudança, mas sobre a obsolescência do passado”2
e tamanhos, mas especialmente daquelas estruturas
Cerimônias
e
rituais
são
freqüentemente
significativas na paisagem, foi amplamente documentada
utilizados para conferir autoridade e legitimidade
pela mídia eletrônica e impressa. Enquanto estas imagens
para pessoas particulares, interesses, visões globais e
foram gravadas e representadas, o evento também serviu
ordens morais. Rituais seculares, como os sagrados, são
instrumentos tradicionais utilizados com a intenção de
Assim como possivelmente para muitos outros
estabelecer a sensação de estabilidade e continuidade
trabalhadores, as chaminés confirmavam a identidade
através da repetição e ordem. No caso das ruínas,
da classe trabalhadora de sua cidade, e sua demolição
como colocam os autores, as imagens repetitivas de
destruiu seus respectivos sensos de lugar. Apropriação
chaminés caindo e moinhos sendo implodidos nos
e elos construídos nos lugares constituem-se de um
leva à previsibilidade e, ironicamente, à promessa de
fenômeno complexo, que envolve questões de afetividade,
continuidade de uma era de transformações.
emoção, sentimentos e memória. Eles são construídos de
Rituais seculares, desta maneira, funcionam como declarações contra a indeterminação e servem para abafar problemas, conflitos e incertezas. Por desencorajar o questionamento, a demolição ritualizada e corriqueira de áreas industriais naturalizam estas mudanças, mesmo se elas são utilizadas para interpretar fatos muito duvidosos. (HIGH & LEWIS, 2007).
da idéia arquetípica de indústria, e proliferaram como elemento dominante da paisagem industrial do século XX. Assim, mantiveram-se vivas na mente das pessoas como símbolo da produção fabril e da significância cultural que moinhos e fábricas possuíam antes da ocasião de seu fechamento.
destas chaminés, portanto, destruiu não somente sua estrutura física, mas a estrutura social que sustentava estes locais. Logo, é possível dizer que: se espaço é resultado das relações sociais tecidas ali, e as relações sociais foram também dissolvidas, a demolição também
Além das chaminés, outras estruturas, como os silos, também são representativos desta paisagem e de sua transitoriedade. Arquitetos europeus, como Le Corbusier, por exemplo, elogiaram suas formas geométricas puras e as elegeram símbolos de modernidade. Sua estrutura massiva e monumental, seu sistema inteligente de condução e armazenamento dos grãos e sua majestosa
Marcel
Boudreau,
por
exemplo,
ex-
trabalhador entrevistado por Highs e Lewis:
e se entretecem em um lócus específico. A demolição
atua como uma espécie de geratriz de não-lugares.
Chaminés são as mais comuns representações
Para
uma teia particular de relações sociais que se encontram
“Sturgeon (sua cidade), vai sempre ser Sturgeon. [...]
disposição na paisagem, em geral são alvos do binário: paisagem desprezível versus representação de uma era heróica da arquitetura industrial. (HIGH & LEWIS, 2007)
Havia sempre esta situação de quando entrava-se na cidade- não
O ato de demolir não somente dissolve a matéria
importa de onde se vinha- sempre se via aquelas chaminés. Quando
construída, como já dito anteriormente, nem somente as
as chaminés funcionavam, sabíamos que eles estavam fazendo
relações tecidas ali dentro, mas dissolve as atribuições
dinheiro.”3
espaciais que esfarelam como os tijolos. Objetos da
3- HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto: ILR Press, 2007, p. 32. Trad. Livre
25
Fotografia 04: Campinas, SP. Do Autor.
dimensão cotidiana surgem em meio aos destroços como pequenos espólios. Bonecas, cadeiras, papéis e roupas misturam-se com a poeira, e o mar branco, como resultado da destruição, unifica o todo, fragmentado, e os
Fotografia 05, 06, 07, 08, 09 e 10: Demolição da Vila Riza, antiga vila ferroviária para a construção da nova rodoviária. As construções mantidas no local, desprovidas de contexto, padecem à interpretação de um simulacro e de um passado genérico. Campinas, SP. Do Autor.
priva de associações hierárquicas de maior importância. Na destruição generalizada, esvaecem os significados antigos, que parecem escapar do edifício como escapa a fumaça de uma chaminé, e a matéria, desprovida de suas relações de significado anteriores, adentra um estado de calmaria e neutralidade que a torna apta à ressignificação. Assim,
a
demolição,
como
ato
conceitual
de mumificar o tempo presente no momento de sua Fotografia 11: Pequenos e sem valor econômico, alguns objetos “escapam” da demolição e em posição privilegiada, podem adquirir nova importância. Demolição da Vila Riza, Campinas, SP. Do Autor.
ocorrência, trabalha com a pulsão da inevitabilidade da morte, transformando estas estruturas arquitetônicas em monumentos do passado, ao invés de monumentos do futuro. Tais processos, desenrolados em quase todos os complexos fabris do mundo, também ocorreram na área escolhida de intervenção.
Fotografia 12: Após a demolição, os edifícios se revelam por inteiro. Demolição da Vila Riza, Campinas, SP. Do Autor.
26
27
28
29
30
31
03 o terreno e a hist贸ria do Bom Retiro
32
longo de todo o século XX.
L
ocalizado na intersecção do triângulo formado entre Bom Retiro, Santa Cecília e Luz, o terreno do Moinho Central em São Paulo possui como
característica principal uma conformação territorial que perpassa, pelo menos, os 215 anos de história. Alocado entre os trilhos de trem da Sorocabana e da Paulista Railway, o desenvolvimento do terreno acompanhou a
sobreposição
de
diferentes
estratos
temporais
“A via férrea corre praticamente nos limites entre o bairro em apreço e os de Santa Efigênia e Santa Cecília e deu azo a que, naquele, se instalassem armazéns e depósitos de mercadorias as quais eram desembarcadas da estação da Luz ou de desvios particulares. Ocorreu, por este motivo, a proliferação de indústrias de transformação de tais mercadorias e elas tornaram o Bom Retiro essencialmente operário.”4
responsáveis pela conformação da paisagem tal qual
Em 1900, aproximadamente, com a reconstrução
está hoje. Apesar das poucas referências encontradas – o
da estação da Luz, o viaduto unindo a Rua José Paulino
que também acaba apoiando a teoria de que este espaço
e Couto de Magalhães e a passagem inferior da alameda
indiferenciado, e até certo ponto, genérico, está apto a
Nothmann sob as linhas férreas, o bairro passou a
transformação- julga-se conveniente explicar alguns dos
e se expandir comercialmente. Estas configurações
pontos importantes da história da região.
possibilitaram o assentamento de comunidades recém
A origem do Bom Retiro remonta à época em que o bairro não era maior que um amontoado de chácaras que serviam de refúgio para a população rica da cidade de São Paulo. Havia ali, juntamente com tantas outras, uma que se chamava Bom Retiro. Apesar da distância do centro ser de apenas 1600m, no século XIX, a paisagem dominante do bairro era a de pequenas casas, bosques, e alguns descampados: o reduto perfeito para se fugir da cidade.
imigradas, em especial portugueses, italianos, judeus, e posteriormente, coreanos e hispano-descendentes, que não só buscavam novas oportunidades de trabalho, mas que também encontraram ali seu “bom retiro”. De acordo com Hilário Dertônio, estes imigrantes eram essencialmente portugueses no período de 1870-1890, italianos no período de 1900-1940, e judeus de 19501970. Hoje, entretanto, no período entre 1970-2010, é possível constatar uma maioria populacional composta por coreanos e hispano descendentes oriundos dos países
Entretanto, a abertura da estrada de ferro da São Paulo Railway, ou popularmente “A Inglesa”, em 1867, transformou radicalmente a paisagem do bairro, que assumiu vocação industrial e assim permaneceu ao
fronteiriços. Historicamente, o bairro sempre foi bem servido de serviços públicos e melhorias urbanas, uma vez que sua proximidade com a sede do governo em
4- DERTÔNIO, Hilário. O bairro do Bom Retiro. São Paulo: Secretaria de Educação e Cultura, 1971. p.13
33
IN.1 Infográfico 01: A localização do terreno e seu entorno próximo. Sem escala. Infográfico 02: Aproximação e ruas de maior importância. Sem escala.
barra funda
bom retiro
santa cecília
N
34
luz
IN.2 josĂŠ paulino
orlando murgel
eduardo prado
N
av. rio branco
35
Campos Elísios significava que todo benefício feito ali
significância, área periférica. O perfil desta população
serviria automaticamente ao bairro do Bom Retiro.
também tem mudado significativamente: pesquisas no
Ainda de acordo com Dertônio, o bairro possuía uma
arquivo municipal mostraram as características das
rede de coleta de esgoto e água dita “pura”, proveniente
ruas do bairro de antigamente, e revelaram um número
das nascentes protegidas da Serra da Cantareira. O
surpreendente de construções neoclássicas e pequenos
distrito ainda contava com um desinfectório com uma
palacetes de uma população em possível movimento de
seção de epidemia/profilaxia, que era responsável por
ascensão social. Os registros encontrados referentes à
desinfectar as casas ao se descobrir um caso de doença
antiga rua dos Andradas, à rua dos Italianos, e à Anhaia,
crônica na vizinhança. Não obstante, o Bom Retiro foi um
por exemplo, referem-se, em sua maioria, à pequenas
dos primeiros bairros a receber iluminação pública no
modificações para adição de garagens, de oficinas,
começo do século, e o segundo a receber bondes elétricos.
jardins e outros andares, e denotam, através dos escritos,
As linhas foram postas em circulação em 3 de maio de
pedidos à municipalidade e desenhos, que havia ali uma
1900, seis dias depois da primeira, na Barra Funda, sob
pequena população burguesa em ascensão, que poderia
a responsabilidade da São Paulo Tramway, Light and
ser composta de operários ou ex-operários dedicados
Power Co. A linha saía do Largo São Bento, no centro, ia
ao comércio ou mesmo de uma população anterior à
até a rua dos Italianos, onde os trilhos terminavam em
ocupação dos imigrantes. De qualquer maneira, o que
ponta (contrariando a existência de pequenos pátios
se verifica é que a população do Bom Retiro, ao longo
de manobras, como na maioria das outras linhas de
de toda sua história, é extremamente plural: em partes,
época). Devido ao pequeno numero de linhas, elas eram
explicada pela existência e co-existência de populações
identificadas por cores: a do Bom Retiro-São Bento era
estrangeiras que se mesclam entre si e com o restante da
azul, possuía 7375 m, e seu trajeto podia ser feito em 44
cidade, produzindo uma paisagem cultural única em sua
minutos.
transitoriedade. O estudo da evolução populacional indica
36
Transitoriedade
esta
que
não
se
reflete
que nos últimos anos (desde os anos 80), o Bom Retiro
somente no ir e vir desta população, mas também na
tem sofrido uma grande diminuição em sua população,
dimensão do que concerne à matéria construída. Assim,
em partes, explicada pela dinâmica de centralidades
considerando o terreno escolhido para intervenção
da cidade de São Paulo, que constantemente empurra
como paradigmático e representativo destas mudanças,
os centros em direção Sudoeste. Assim, o que antes
julga-se de importância explicar como estes processos se
era expansão deste centro, torna-se, em termos de
desenrolaram na área.
IN.3 Infográfico 03: Gráfico da evolução populacional do Bom Retiro. Fontes: Hilário Dertônio e prefeitura de SP.
37
04 o moinho e sua estratigrafia temporal
38
café, Lidgerwood (uma das mais notáveis indústrias do
A
motivada,
estado com sede na referida cidade), teve suas atividades
primeiramente, pela relação de afetividade e
deslocadas para São Paulo, na Alameda dos Andradas
pelo desenvolvimento teórico tecido ao longo da
(atual Dino Bueno), para a atual área de intervenção. As
graduação já descritos anteriormente. Entretanto, estas
inscrições existentes nos mapas indicam: “Officinas: Fin
relações não se sustentam por si próprias, uma vez que
da Alameda dos Andrades”, e “Armazéns da Lidgerwood”
elas existem também por outros espaços abandonados.
(Pg. 40, Detalhe 1), e existem menções de sua existência
Assim, o que realmente direcionou a escolha para este
na área em alguns trabalhos acadêmicos:
escolha
pelo
terreno
foi
sítio, em especial?
“Em 1889, ano que se inicia com a cidade de Campinas sendo
Para que a resposta seja clara, é necessário
assolada por grave surto de febre amarela, essa empresa instalou
remontar às peculiaridades do sitio em questão e suas
depósitos e oficinas na cidade de São Paulo. Estes localizavam-se
modificações históricas, para entender seus sucessíveis
respectivamente nos bairros de Campos Elíseos e Bom Retiro, entre
abandonos e seu posterior processo de ocupação.
as linhas férreas da Cia. Sorocabana e da Cia. Paulista. O depósito
Resultado da abertura das linhas da Sorocabana
ficava à Rua do Commércio, n. 14.”5
(1875) e da Paulista Railway (1867), o terreno com
A tese de doutorado de Claudia Leal também
forma oblonga permaneceu assim desde seus primeiros
coloca algumas informações interessantes sobre a
registros cartográficos. Sabe-se, entretanto, que esta
passagem da Lidgerwood pelo terreno, no que concerne
forma não foi originada de maneira gratuita: os trilhos,
as características de seus trabalhadores. Consta que
que começam juntos, abrem-se, criam um bolsão, e
a
novamente fecham-se ao término do terreno. A linha
trabalhadores anarquistas:
férrea, que poderia começar e terminar junta, se abriu possivelmente devido a existência de uma empresa ou indústria, ou grande estrutura ali existente, que na ocasião da abertura das linhas, requisitou a mudança do trajeto. Mas que indústria ou estruturas eram essas?
indústria
possuía
um
número
considerável
de
“Em seguida, deu-se uma nova denúncia contra alguns dos presos: o patrão de dois daqueles anarquistas, Alberte Luttenschlager, proprietário da oficina Lidgerwood, dirigiu-se ao Posto Policial de Santa Efigênia em 16 de novembro para denunciar ameaças que havia sofrido na tarde daquele dia por um italiano ‘bem falante,
A pesquisa revelou que, circa 1889, devido ao
usando barba a nazareno’ e que lhe procurara para intervir
surto de febre amarela ocorrido na cidade de Campinas,
em favor de George Curto e Egisto Vezzaro. Perguntado se estes
a fundição e fábrica de máquinas para beneficiamento de
poderiam voltar a trabalhar na oficina quando fosse soltos,
5- CAMILLO. Ema E. R. Modernização Agrícola e Máquinas de Beneficiamento: um estudo da Lidgerwood MFG. Co. Ltd., década de 1850 a de 1890. Dissertação de Mestrado pelo IFCHUNICAMP, 2003, p.24. Há um pequeno erro nesta passagem. Os escritórios da Lidgerwood é que ficavam na R. do Commercio, n14, no centro de São Paulo.
39
IN.4 Infográfico 04: Comparação histórica dos maps da região. (18811952) Fonte: Site do SEMPLA, Prefeitura de S.P., mar/2010
Comparação com mapas históricos: O primeiro e segundo mapa, de 1881 e 1891, respectivamente, não registram a existência do bolsão atual. Como as áreas além dele não estão delimitadas, acredita-se que a sua nãorepresentação seja resultado da escolha do cartógrafo. É possível notar, entretanto, uma leve abertura no mapa de 1881. Os dois outros mapas, de 1895 e 1905 já mostram estruturas alocadas dentro do bolsão, e constituem dos primeiros registros cartográficos da sua existência. É possível ler, no mapa completo, a inscrição: “Lidgerwood M.F.G.C. Limited- Officinas, Fin da Alameda dos Andrades”. Não há outras inscrições no mapa de 1905, mas é possível notar um número maior de edifícios no terreno, o que sugere uma provável expansão da Lidgerwood em São Paulo.
40
1881
1891
1895
1905
1913
1916
Comparação com mapas históricos: O primeiro mapa , de 1913, também possui uma inscrição “Offs. Lidgerwood”, o que leva a crer que a indústria ainda se encontrava ativa neste período em São Paulo, apesar de ter fechado suas portas dez anos depois em Campinas. O segundo mapa, de 1916, não apresenta inscrição nenhuma, mas aponta os principais pontos de interesse do entorno. Os outros dois mapas, ambos de 1924, mostram o plano de Ulhôa Cintra de retificação do rio Tietê (incluido o projeto de parque para esta região noroeste do mapa), e uma visão geral da cidade na época. Note a constante presença do bolsão ao longo dos diversos levantamentos do Bom Retiro, e como a forma permanece inalterada ao longo do tempo.
1924
1924
41
Detalhe 01: Referência à existência da Lidgerwood no terreno escolhido para intervenção.
O detalhe extraído acima, do mapa de 1895, mostra a inscrição referente à indústria Lidgerwood, situada no terreno escolhido de projeto. É de suma importância notar que sua presença num mapa municipal denota significativa importância econômica para a cidade. Comparação com mapas históricos: Os dois mapas, de 1943 e 1952, apesar de oferecer poucas informações sobre o terreno em si, já apontam ruas principais e avenidas e a inserção do terreno dentro de um contexto urbano que tende ao contemporêaneo.
42
1943
1952
Luttenschlager respondeu que não, o que teria motivado a ira
do italiano, que ‘disse ao declarante, em tom de ameaça’, que os
constatar também, pela inscrição “Offs. Lidgerwood”, em
anarquistas seriam soltos no dia seguinte, às onze horas, ‘e que o
um mapa de 1913, que a indústria foi ativa pelo menos até
declarante havia de pagar a resposta que tinha dado’. Além de se
este período.
tratar de uma medida preventiva contra eventuais atentados contra sua oficina ou integridade física, é possível que Luttenschlager percebe-se nessa situação uma oportunidade para livrar-se daqueles dois empregados, cujo procedimento lhe desagradava, por faltarem muito devido às reuniões que freqüentavam, perdendo as noites. Ainda que tenha declarado que o fato de eles serem ‘operários anarquistas’ não constituía um problema em si, ao proprietário da oficina Lidgerwood provavelmente preocupava
Através dos estudos dos mapas, é possível
Ademais, consta no livro de Moysés Junior e Paulo Mendes8 a informação de que a Paulista concedeu, ao longo de sua história, uma série de concessões e mudanças de trajeto para adequar-se às indústrias e à realidade local, e menciona que, a partir de 1886, a companhia férrea repensou o traçado devido aos pedidos da Lidgerwood.
contar com empregados subversivos, os quais deviam fazer várias
A hipótese aqui defendida, porém, é a de que
exigências, insuflar os colegas para reivindicar mais direitos e
o traçado da forma oblonga e seu desvio é anterior
ainda tornavam públicos os problemas por eles enfrentados, como
à implementação da Lidgerwood, o que sugeriria
na nota divulgada por Il Risveglio, em que foi denunciada a recusa
que alguma outra indústria ou estrutura estivesse
de aumento de salário e a dispensa dos serviços daqueles que o
ali e justificasse este desvio. Não existem registros da
haviam demandado”.6
configuração da malha urbana nas cercanias, mas sua
Uma outra nota de rodapé também fornece uma informação desconectada, mas que concede pista para
análise posterior sugere que ela estava conectada de alguma maneira, já que é quase toda reticulada.
um tempo mínimo de atuação da Indústria na cidade de
Inexistem informações sobre o término das
São Paulo: se os trabalhadores foram presos em 1899,
atividades da Lidgerwood em São Paulo, mas sabe-se que
pode-se concluir que a Lidgerwood foi ativa por pelo
ela encerrou suas atividade em Campinas no ano de 1923.
menos 10 anos ali.
A partir de 1930, a área passou a ser ocupada
“Vale lembrar que a companhia ou oficina Lidgerwood era de
pelo Moinho Fluminense S.A., do Rio de Janeiro, que de
propriedade do francês Alberte Luttenschlager, localizada na
acordo com Brissac9, possuía capacidade de Moagem de
Alameda dos Andradas, no Bom Retiro, onde também trabalhavam
450 toneladas de trigo/ dia, e seus 12 silos armazenavam
George Curto e Egisto Vezzaro, presos como anarquistas em
cerca de 5680 toneladas de trigo. Em 1956, o Moinho
novembro de 1899.”7
Central (como também era chamado), inaugurou uma
6- LEAL, Claudia F.B.L; Pensiero e Dinamite. Anarquismo e Repressão em São Paulo nos anos 1890. Tese de Mestrado pelo IFCH-UNICAMP, 2006. p.266-267 7- LEAL, Claudia F.B.L; Pensiero e Dinamite. Anarquismo e Repressão em São Paulo nos anos 1890. Tese de Mestrado pelo IFCHUNICAMP, 2006. p.267 8- JUNIOR, Moysés Lavander & MENDES, Paulo Augusto. SPR, Memórias de Uma Inglesa: A história da concessão e construção da primeira ferrovia em solo paulista e suas conexões. São Paulo: _______, 2005. 9- PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: SENAC, 2004.
43
IN.5 Infográfico 05: Montagem feita com fotos de época. Do autor. Imagens provenientes do livro Arte Cidade, BRISSAC, Nelson.
fábrica de massas alimentícias que, de acordo com Brissac, possuía equipamentos modernos e importados de produção. Apesar do autor colocar como data de inauguração o ano de 1949, a pesquisa no Arquivo Municipal Washington Luís da cidade de São Paulo mostrou, através da pesquisa na base cartográfica, a existência de um mapa de 1930 com a planta do Moinho e seus silos. Em 1980, aproximadamente, a indústria foi desativada. Em pesquisa feita na JUCESP (Junta Comercial do Estado de São Paulo), descobriu-se que em 1993, a Fluminense S.A. muda seu nome para Santista S.A. Consta, neste documento de mudança, a seguinte descrição de suas atividades: “Beneficiamento de produtos alimentares de origem vegetal (café, arroz, mate, chá-da-índia, amendoim, milho, amêndoas, castanhas, etc.). Comércio varejista de produtos veterinários, produtos químicos e uso na agropecuária, forragens, rações e produtos alimentícios para animais (vacinas, soros, adubos, fértil, corret/solo, fungic., pestic., etc.). Importação e exportação de produtos, serviços de intermediação na compra e venda de bens móveis.” 10
A fábrica permaneceu abandonada até a ocasião do Arte Cidade, em 1994, que realizou uma série de intervenções artísticas no local, convidando artistas de renome para expor e o público comum para apreciar as instalações. Findo o Arte Cidade, o espaço foi abandonado, 10- Informação coletada junto ao órgão de patrimônio. Documento encontra-se anexado ao final do trabalho.
44
e sucessivamente ocupado a partir de 1996, dando origem à comunidade hoje instalada, auto denominada Favela do Moinho.
AS MELHORES FARINHAS! A modernidade acaba de chegar à sua mesa!
O Moinho Central, recém-aberto no Bairro do Bom Retiro, em São Paulo, traz o melhor da Capital Fluminense para a grande metrópole. Agora seus filhos poderão desfrutar das melhores massas e das melhores farinhas produzidas em solo nacional. A boa mãe sabe o que é melhor para seus filhos. Êles vão adorar! MOINHO CENTRAL E FÁBRICA DE MASSAS: Fim da Alameda dos Andradas , s/n, Bôm Retiro, São Paulo.
45
IN.6 Infográfico 06: Comparações históricas através de fotografias aéreas. Fonte: Google Earth, Acessado em abr/2010 e Geoportal, acessado mar/2010.
Comparação através das fotografias aéreas: Em 1958, com a presença do Moinho Fluminense, em 2000 com o abandono pós Arte-cidade e, sua consequente ocupação. É importante notar que o boom do assentamento se deu entre 2000 e 2002. No período de 20042010, é possível notar somente um maior adensamento. Também é notável neste período a perda de telhados dos galpões do lado esquerdo do terreno.
46
1958
2004
2000
2005
2002
2010
05
a favela do moinho ou o moinho hoje
47
“
-Corre cotia, na casa da tia, corre cipó, na casa da vó, lencinho na mão, caiu no chão. -Moça bonita, do meu coração. -Posso jogar? -Pode! -Ninguém vai olhar? -Não!
48
”
49
Fotografia 13: Página Anterior: Moinho Central hoje e seu entorno. Panorâmica do topo de um prédio das cercanias. Do autor.
achando que era o suficiente pra gente viver, mas não deu não.
N
as manhãs de sábado, algumas crianças da Favela
Eu e minha família viemos da Paraíba, mas eles, que são espertos,
do Moinho se juntam com um grupo de missionários
voltaram pra lá. Meu filho, que nasceu aqui, não quer sair, e então
que atuam na região dentro de uma capela improvisada
eu fico com ele morando aqui. Daí a prefeitura foi lá, fez cadastro,
feita de madeira e estuque de papel para realizar
deu esse dinheiro e a gente saímos (sic). Comprei um barraco em
brincadeiras, ouvir pregações religiosas e interagirem.
outra favela, mas fui roubada e fiquei só com 4.000 reais. Daí foi
Um pouco longe da realidade da comunidade, as crianças
o que sobrou, eu tive medo de lá e comprei um barraco aqui (no
encontram ali um reduto relativamente tranqüilo.
moinho). Eu peguei o pior barraco, embaixo dos
Estabelecida há 14 anos, a comunidade da Favela do Moinho possui cerca de 700 famílias e continua a crescer. O estudo de fotografias aéreas mostra, entretanto, que o boom da ocupação ocorreu mesmo
desse tamanho (faz com a mão), qualquer dia cai em cima do meu barraco. Não dá não, aqui é muito perigoso... Tem os traficantes, tem dia que a gente dorme e não sabe se acorda viva.”12
expulsão dos moradores da região da Cracolândia ou
a favela foi dividida em 4 áreas, baseadas na influência
Boca do Lixo, nas proximidades das estações da Luz e
que os traficantes exercem sobre a população. A escala,
Júlio Prestes, que ocorre desde 2005. Estes moradores,
variante de A-D, indica, respectivamente, as áreas mais e
expulsos por serem incompatíveis com a proposta de
menos perigosas da comunidade.
movimentando rumo à Noroeste e encontram, no terreno
50
negócios
no meu barraco, já caiu uma placas
Sob a vigilância e força coercitiva dos traficantes,
que tem sido chamado “Distrito dos Museus”11, acabam se
12- Entrevista concedida pela moradora Tereza, dia 20/03 de março de 2010. Transcrição da conversa.
caindo
entre 2000-2002, e tem ganhado corpo com a Crescente
reestruturação do centro de São Paulo com a inclusão do
11- Terminologia utilizada pelos alunos da Architectural Association School of Architecture, que realizaram uma intervenção no local. Trabalhos disponíveis para consulta em: http://dip2.aaschool.ac.uk/
(silos), que ficam
do Moinho, o seu “Bom Retiro”. Moradores expulsos das favelas da região noroeste da cidade, nas proximidades da marginal Tietê, também tem se movimentado rumo à região do Moinho, que acaba por congregar, de certa maneira, esta população “indesejada” das cercanias. Dona Terezinha (53), por exemplo, foi expulsa de seu barraco na favela da Ponte Júlio de Mesquita: “Eles deram pra gente um dinheiro pra sair de lá,
A área “A”, a mais perigosa do terreno, abriga a comunidade de traficantes, travestis e prostitutas, que ocupam o maior edifício remanescente do antigo moinho central através de um sistema de distribuição vertical bastante hierárquico e organizado. O primeiro andar é o mais precário e recebe os novos moradores de rua, expresidiários e usuários de crack oriundos das cercanias da estação Julio Prestes, que se amontoam em meio à placas de papelão, madeira, e tecidos que funcionam como divisórias de cômodos. Conforme estas pessoas se reestruturam, ou ganham novas posições dentro da hierarquia do tráfico, movem-se para o segundo
andar, ocupado por um sistema de cabanas e barracas.
foi possível constatar a existência de pequenos bares,
Sucessivamente, o edifício é ocupado por chefes do
botecos e vendinhas- que suprem uma necessidade mais rápida por alimento e bebidas, de uma creche -que atende 120 crianças, e de um campo de futebolque atende as necessidades de lazer. Não obstante, os
D
C
B
moradores realizam atividades complementares dentro
A
do complexo, majoritariamente a reciclagem e separação
IN.7 Infográfico 07: Áreas de influência dos traficantes sobre a favela. Foto: Google Maps, mar/2010.
de lixo. A atividade ocorre nas imediações da área “D”, ou seja, na área mais conectada com o restante do entorno. A quantidade de lixo existente ali nas ruas incomoda muito os moradores vizinhos, o que gera situações
tráfico, travestis e prostitutas até o penúltimo andar. O
conflitantes entre moradores do entorno e os habitantes
último pavimento, desprovido de cobertura, funciona
da Favela. Esta não é a única atividade a incomodar
como um solário.
o bairro, porém. A presença de pessoas nos trilhos de
Um pouco longe do ideal romântico de ruína, os edifícios remanescentes (os silos e o beneficiamento de trigo), mesclam-se com o mar de barracos sobrepostos e construídos precariamente, junto à plantas que crescem em sua superfície e argamassas que desplacam revelando sua matéria por completo. Sua estrutura, para muitos ausente de qualquer apelo estético, remonta à um cenário apocalíptico de pós-guerra ou cataclísmico de algum tipo, já que contrasta bruscamente com o restante do entorno. No terreno, em meio à terra sulcada cujo esgoto percorre a aberto, é possível ver crianças e animais que desta água bebem circularem livremente. Além dos barracos, unicamente habitacionais,
trem (os antigos trens da Paulista e da Sorocabana) força os motoristas da CPTM a acionarem as buzinas para alertar de sua presença, o que gera muito barulho até as 23 horas, horário de funcionamento das linhas A e B. Não é incomum a quantidade de acidentes nos trilhos. Na ocasião da visita, um senhor havia sido atropelado no dia anterior devido à sua dificuldade de locomoção. A quantidade de lixo no leito também é um problema: a CPTM contrata muitos funcionários somente para limpalo, o que aumenta o número de ciclos de manutenção e encarece suas operações. Além dos referidos problemas, alguns furtos, roubos e outros crimes também ocorrem nas proximidades do terreno, como foi possível constatar nas conversas com os moradores do entorno.
51
Fotografia 14: O bairro, o trilho, e o Moinho. Fotografia mostrando relação de proximidade entre o trilho e a ocupação.
Fábio, líder missionário que atua na favela, concedeu informações importantes a respeito do Moinho e das relações existentes com a prefeitura. De acordo com o missionário, a municipalidade está disposta a remover os habitantes da região e implantar um parque na área. “Lucas: Como a prefeitura vê a relação de vocês neste lugar? Fábio: Olha, Lucas, a prefeitura tá disposta a remover a gente mesmo daqui. Isso é fato. Dizem que querem fazer um parque aqui, junto ao trilho. Lucas: O que os moradores aqui do moinho acham da área? Fábio: As pessoas não gostam daqui. Nem os moradores, nem os vizinhos. As pessoas só estão aqui porque é perto do centro. Andando um pouco só você chega na Luz, no Minhocão, na república, na Sé. Tem metrô e ônibus perto, é perto de tudo. Lucas: Ali na frente há um terreno vazio, com algumas paredes ainda de pé, ali não funciona nada? Fábio: Na área do lado do trilho, não, são só umas paredes antigas mesmo. Do lado tem uns depósitos e galpões de umas indústrias, de um negócio de segurança, eu acho, mas é tudo meio vazio. Lucas: Como vocês encarariam a mudança para
13- Entrevista feita com Fábio, líder religioso da favela dia 13 de março de 2010. Transcrição da conversa.
52
aquela área, por exemplo? Você, que conhece bastante gente, e que provavelmente sabe o que as pessoas achariam
de ir pra lá... Fábio: Se tivesse um conjunto de casas ali, seria
3) A leitura das ações municipais: Entender as alterações propostas pela prefeitura.
ótimo, porque fica mais perto do centro, mais perto da
Para entender a dinâmica local, o trajeto partiu
Barra Funda. Muita gente vai até a Barra Funda por causa
da Luz, passou pelo Bom Retiro, pelo terreno de projeto,
do terminal, pra gente ia ser ótimo.
e terminou no metrô Marechal, em Santa Cecília. A
Lucas: E esse parque, o que você acha dele, dessa idéia da prefeitura?
paisagem, sempre em mudança, é acompanhada por “tipos” sociais bastante caracterizados que mudam de acordo com o bairro. O exercício, além de possibilitar um
Fábio: Eu acho que as pessoas daqui precisam.
melhor entendimento de que tipo de usuários ocupam
Todo mundo aqui do Moinho ia gostar de usar um parque
estes bairros, ajudou na compreensão de sua disposição,
pra jogar e fazer atividades. (pausa). Isso se eles mudassem
bem como suas inter relações e equipamentos.
a gente pra frente, o que eu acho difícil de acontecer.” 13
A Estação da Luz em si, por constituir de
Até onde se sabe, porém, existem muitos
intersecção entre várias linhas de trem e de metrô,
problemas relacionados aos aspectos legais do terreno,
além de portão de entrada principal de chegada dos
que passou para o domínio de dois executivos que
habitantes do ABC e da região metropolitana, congrega
provavelmente especulam o terreno. Para entender a
os mais variados tipos de pessoas e se define como espaço
pertinência de um projeto de grande impacto na região,
verdadeiramente democrático.
como a implementação de um parque, por exemplo, e iniciar a discussão sobre a possível intervenção, foi necessário percorrer todos os bairros vizinhos em um trajeto para confrontar três importantes pontos:
Saindo da Estação da Luz, porém, é possível ver um número bastante considerável de pessoas com elevado poder aquisitivo, nas imediações da Pinacoteca do Estado, Museu da Língua Portuguesa, do Jardim da
1 )A leitura do território: Entender como os
Luz e Estação Pinacoteca, até a estação Julio Prestes (Sala
bairros se articulam e qual a vocação destes bairros
São Paulo). Neste caminho, é possível encontrar também
dentro da dinâmica urbana;
entusiastas de arte, acadêmicos e professores (devido à
2) A leitura do terreno: Entender que elementos existentes no terreno possuem potencial de modificação e quais possuem potencial de aproveitamento;
localização do CONDEPHAAT e da Secretaria de Cultura). Nas proximidades da Estação Julio Prestes, o contraste é mais evidente: usuários de crack e moradores de rua convivem com os usuários da Sala São Paulo,
53
Fotografia 15: Crianças jogando numa quadra improvisada dentro da Favela do Moinho. Do autor.
Fotografia 16: Aspecto dos barracos. Do autor.
Fotografia 17: Moradores construindo seus próprios barracos, no que parece ser um mutirão. Algumas tábuas de madeira são levantadas e fios içados. Do autor.
Fotografia 18: Aspecto dos barracos. Do autor.
54
Fotografia 19: Lixo ou pertences pessoais armazenados no prédio de beneficiamento Do autor
Fotografia 20: Moradores subindo escadas de uma das torres do edifício de beneficiamento. Do autor.
Fotografia 21: Último andar do edifício de beneficiamento, mostrando curiosa estrutura industrial/de manutenção em desuso. Do autor.
Fotografia 22: Interação Construção x natureza, árvore crescendo das paredes do edifício de beneficiamento. Do autor.
55
IN.8 Infográfico 08: Trajeto realizado/ leitura do território de inserção do Moinho Central.
O trajeto feito a partir da estação da Luz (1). Seguindo pela rua Mauá, é possível chegar à Cracolândia (2) e a estigmatizada presença dos usuários de drogas, e até ao fim do Bairro de Santa Cecília (3), bairro que tem se modificado consideravelmente pela introdução de conjuntos habitacionais de alto gabarito. Do outro lado da Favela do Moinho, o bairro adquire duas características diferentes. No Bom Retiro ‘Leste’ (4), os usos são prioritariamente comerciais, e no Bom Retiro “Oeste (5), o bairro adquire características mais provincianas e de cidades pequenas.
56
4
5
3
2
1 N
Panorâmica A: A estação da Luz na esquerda e a Pinacoteca do estado à direita. Aqui, o uso prioritário é de pessoas com alto poder aquisitivo, entusiastas de arte e usuários da estação.
Panorâmica B: Conforme adentra-se mais pela AV. Mauá, nota-se um uso mais mesclado, e os usuários descritos anteriormente utilizam do espaço urbano com pessoas de mais baixo poder aquisitivo.
57
Panorâmica C: A estação Julio Prestes/Sala São Paulo congrega uma população de alto poder aquisitivo que convive com usuários de crack da praça adjacente.
Panorâmica E: Um casarão em processo de ruína na cracolândia.
58
Panorâmica D: O entorno imediato da Favela do Moinho. O prÊdio de beneficiamento encontra-se à direita da imagem.
59
Panorâmica E: A rua José Paulino no Bom Retiro e suas lojas de roupas.
Panorâmica F: Vista da Alameda Eduardo Prado e o único acesso à favela do Moinho. Notar a presença de lixo próximo à mureta no centro da foto. Os catadores de lixo separam os materiais neste local.
60
Panorâmica J: Santa Cecília tem trocado os antigos cortiços e pensionatos por grandes prédios de alto padrão. A paisagem do bairro tem mudado consideravelmente até as proximidades com a Favela do Moinho.
Panorâmica H: Aspecto de uma rua do Bom Retiro “Leste” e seus casarões históricos. Notar a predominância de gabarito baixo nesta área da vizinhança.
Panorâmica J: Aspecto do Bom Retiro “Oeste”. Notar como o bairro se assemelha à uma vizinhança de cidade pequena.
61
62
Panorâmica G (Outra página): Vista frontal do Moinho por quem cruza o viaduto Orlando Murgel. Notar como surgem imponentes os edifícios do Moinho na paisagem do bairro.
63
52
barra funda
18 51
19
I 17
51- Memorial da América Latina 52- Terminal Barra Funda
G
J K
F 13
L 12
16
11 10 9
64
higienópolis
8
7- Hospital Santa Cecília 8- Estação Marechal
7
14
santa cecília
9- Teatro São Pedro 10- Pronto Socorro 11- Eepsg C. Antônio Pra 12- Pronto Socorro 13- Ponto de Cultura Afr 14- Teatro Escola Brasil 15- Praça Princesa Isabe 16- Faculdades Oswaldo
17- Igreja 18- Centro Cultural do Candomblé 19- Uniban 20- Instituto Criar de Tv e Cinema 21- Colégio Coreano Polilogos 22- Secretaria Estadual de Saúde 23- Igrejas (Hispano e Abertura Local) 24- Igreja Presniteriana da Paz Coreana 25- Oficina Cultural Oswald de Andrade 26- Instituto Cultural Israelita Brasileiro 27- Colégio Santa Inês 28- Teatro Taib 29- Igreja Nossa Senhora Auxiliadora 30- Arquivo Municipal 31- ETESP 32- PMSP- Supervisão 33- FATEC 34- Estação Tiradentes 35- Posto de Psiquiatria 36- Fundação de Assistência à Infância
bom retiro 22 21 H
20
23 24 49
50
E
26
D
37- EMEI João Teodoro 38- EEPG Prudente de Morais 39- Parque da Luz 40- Pinacoteca do Estado 41- Estação da Luz/ Museu L. Portuguesa 42- Júlio Prestes/ Sala São Paulo 43- EE João Hopke 44- Liceu Coração de Jesus 45- SESC (Em construção) 46- Museu Eletropaulo 47- Creche 48- CEI 49- Abrigo 50- Igreja
32
27 28
48
25
E 47
30
29
46
31 34
45 35 44
36
43
mooca
37
1- Polícia Militar do Estado de São Paulo 2- Regimento a Polícia Montada 3- Museu de Arte Sacra 4- Igreja de São Cristóvão
39
ro Iluobá
42 C 15
nova luz
N
40
B A
1
2
38
ado
el o Cruz
3 33
4
41
65
IN.10
numa mistura improvável não muito pacífica: o estigma
Infográfico 10: Página Anterior. Mapa do Entorno com pontos de interesse.
instaurado.
IN.11 Infográfico 11: Únicas possibilidades de acesso ao moinho hoje.
impede maiores intercâmbios entre os dois usuários e a área, e há sempre um clima de tensão permanentemente
Ao prosseguir pelo interior da “cracolândia”, entretanto,
nota-se
que
a
população
assume-se
majoritariamente de baixa renda, através de um misto de residências populares e habitações coletivas e de moradores de rua e usuários de crack. Apesar da existência de algumas companhias na área, como a Porto
A área tem passado por um processo de verticalização
Seguro, a região é prioritariamente residencial e mista,
recente através da substituição sucessiva dos seus
até chegar ao terreno, onde encontra ali seu maior núcleo
cortiços, que tem mudado o aspecto geral e o gabarito das
de pobreza.
construções.
Seguindo em direção à Santa Cecília, nota-se
Do outro lado do trilho, passando pelo terreno, à
outra dinâmica bastante evidente: a remodelação do
norte, é possível dividir o Bom Retiro em duas áreas, que
bairro e a sua ocupação por tipos sociais entusiastas por
para referência, serão denominadas de: Bom Retiro Leste
arte, diretores de cinema, artistas gráficos, designers,
e Bom Retiro Oeste. À leste, o bairro se diferencia pelas
etc., que tem incorporado a área desde as imediações do
construções de baixo gabarito, de aspecto provinciano,
elevado Costa e Silva e ao longo da avenida Higienópolis/
pessoas que sentam nas ruas, e predominância de uso
Al. Eduardo Prado, até o referido terreno de intervenção.
residencial. À oeste, o bairro se transforma e adquire uso prioritariamente comercial, focando suas atividades na compra e venda de tecidos e de roupas manufaturadas, nas proximidades da rua José Paulino. A leitura do território, portanto, indica que o terreno funciona como paradigmático ponto de inflexão e de transição entre as diferentes configurações urbanas de seu
entorno, congregando ali uma profusão de
sobreposições histórico-sociais que resultam na sua
66
complexa formação geográfica. Além dos problemas sociais e da complexa rede estratigráfica já apresentada, entretanto, a análise do entorno mostrou que o terreno, devido à estas mesmas variáveis, possui como principal problema a insularidade. Trespassável somente em dois pontos e acessível somente por um, o terreno sofre de sérias inacessibilidades físicas e conceituais devido ao estigma associado à ele. Desta maneira, apesar da vontade de propor uma solução arquitetônica que prezasse por resolver especificamente os problemas desta população, forçar sua permanência seria reforçar o estigma, e assim, impedir maiores trocas com o resto do entorno e a cidade. Forçar a permanência no terreno é forçar o seu caráter de ilha. Para resolver este problema, acredita-se que a melhor solução seja a instauração de um fluxo de caráter permanente de pessoas, que pudesse ressignificar o terrain vague/ vazio urbano ali existente, e relacionarse com a questão da impermanência de pessoas no Bom Retiro, bairro notadamente composto por imigrantes, e com a impermanência da matéria, tópico de relevância na discussão das ruínas industriais.
67
2200m 2000 1800
1600 estações de metrô 1400 saúde igrejas 1200 institucionais 1000 instituições
N
200
68
áreas verdes
400
600
800
de ensino equipamentos culturais
2200m 2000 1800 1600 1400 1200 1000
N
200
400
600
800
IN.12 Infográfico 12: Diagrama radial indicando usos das cercanias do moinho. O terreno escolhido para intervenção é o ponto amarelo no centro das circunferências. O diagrama de rede indica que o local é extremamente bem suprido de infra-estrutura.
69
IN.13 Infográfico 13: Possibilidades de entendimento do território através das redes. A Rede de Áreas verdes (1) indica ausência de áreas verdes e de lazer público. A rede institucional (2) indica uma predominância deste tipo de uso nas áreas além- Luz. A rede de equipamentos culturais (3) indica que a área encontra-se dentro de uma rede de equipamentos existentes, o que poderia justificar programas deste tipo. A rede de equipamentos de educação (4) indica que a área é bem servida de escolas.
70
1
2
3
4
IN.14 Infográfico 14: Configuração territorial das cercanias. Infográfico com construções, sistema viário, linha do trem e remanescentes industriais.
N
IN.15 Infográfico 15: Terreno e variações de altura pela gradação de cor.
ponto mais alto N
71
IN.16 área de intervenção
Infográfico 16: Terreno escolhido para intervenção.
N
IN.17 Infográfico 17: Edifícios industriais remanescentes no terreno.
silos
beneficiamento de trigo N
72
viaduto orlando murgel
IN.18
r. dos italianos
Infográfico 18: Sistema viário da região e ruas mais importantes.
r. sólon
al. eduardo prado
av. cleveland
N
IN.19 Infográfico 19: Fluxo de carros das ruas próximas. Intenso Moderado
N
73
IN.20 Infográfico 20: Concentração de pessoas nas ruas e lotes vagos/ circulação.
N
IN.21 Infográfico 21: Concentração de renda no entorno imediato.
Mais rico Mais pobre
N
74
IN.22 Infográfico 22: Zoneamento/ Uso e Ocupação do solo.
Residencial Comercial Misto
N
Serviços Industrial Institucional
75
06
as ruĂnas industriais 76
O
objetivo inicial do trabalho, como já colocado, é o de trabalhar o vazio enquanto elemento arquitetônico e de contestar a idéia de que
ruínas são espaços desperdiçados, que não contem nada ou nada de valor, e que estão saturadas com negatividade e são espaços perigosos, de delinqüência, feiúra e desordem. Este tipo de posicionamento, como bem coloca Edensor, é resultado de convenções sociais amplas pautadas na maneira como espaços são produzidos, através de significados e funções, algo que rende certos locais à inutilidade, e que, não obstante, impede os questionamentos sobre os processos econômicos, sociais e políticos que os originaram. (EDENSOR, 2005). Em uma leitura convencional dos espaços e da paisagem urbana, a deterioração e a ruína são sinais de desperdício e abandono e para empresários e políticos, tendem a representar uma evidência forte da ausência de “uso” nestes espaços, que simultaneamente significam o desaparecimento da prosperidade de um passado e, por contraste, a incerteza do futuro. Através deste tipo de concepção, lugares outrora produtivos se tornam lixo, não possuem mais uso, ou já foram suficientemente usados. A dinâmica da colonização dos lugares pelo capital infere que todo espaço possui potencial de se tornar lucrativo, agora ou no futuro: todo espaço pode se transformar de inútil em próspero e novamente reduzido
77
Fotografia 23 (Página anterior). Calfat, SaltoSp. Do autor. Fotografia 24 (Próxima Página). Escola na Vila Zélia, São Palo, SP. Do autor.
à inutilidade através do investimento e desinvestimento.
sobre usos respeitáveis da cidade: elas também estão
Ruínas funcionam, desta maneira, como crítica à
fortemente carregadas com um discurso estético sobre a
idéia de que todo espaço é abstrato, pode ser dividido,
feiúra destes espaços e como eles são responsáveis por
quantificado, disposto como propriedade e explorado
degradar o ambiente. (EDENSOR, 2005).
por lucro. Assim, para aqueles que acreditam que o espaço deve ter uma função produtiva clara, ou como propriedade, a ruína é entendida como um lugar em que nada acontece e em que não há nada. Assim, se espaços são perturbadamente concebidos como não-funcionais, eles devem ser substituídos e preenchidos, (tornados espaços abstratos) para reduzir este vazio produtivo e
explícita
determinação
para
minimizar os efeitos destas atividades anti-sociais nestas áreas “infestadas”, confirmando que terrenos abandonados são associados à crime e à comportamentos problemáticos, e interpretadas como lugares feios e ainda, indicativos de uma ampla “praga cultural” urbana. Porém, como este processo de negativização se
a dos especuladores. Freqüentemente, são vendidas e
deu? Em que momento o que era progresso passou a se
limpas para estimular a especulação imobiliária, uma vez
associar à idéia de indesejável? Como dito anteriormente,
que o abandono aparece como uma cicatriz na paisagem
o processo de fechamento destes edifícios devido à sua
composta de matéria empilhada e fora de lugar, que deve
incompatibilização com o sistema de produção e de
ser- seguindo este pensamento linear-, apagada e então
geração de capital associado à ritualização do ato de
preenchida com algo mais “útil”. (EDENSOR, 2005).
demolição, são, em grande parte responsáveis por esta
freqüentemente
são
definidos
como
“ausentes
de
vitalidade”: estas impressões negativas são constituídas
78
uma
não funcional: este tipo de visão casa perfeitamente com
Lugares abandonados de antigas indústrias
12- EDENSOR, Tim. Industrial Ruins. Spaces, Aesthetics and Materiality. New York: Berg, 2005..
Existe
mudança de paradigma. Este processo, porém, não pode ter ocorrido sem algum tipo de catalisador relacionado à produção de novos espaços.
por impressões sobre os usos nos espaços abandonados.
Para Edensor12, este processo se deu também
São lugares “nulos”, “horríveis”, em que atos diferentes
como desdobramento do ordenamento espacial advindo
e
atividades
da modernidade. O autor coloca que a modernidade se
normalmente realizadas por pessoas “indesejáveis” e que
dividiu em duas forças opostas: a busca por uma ordem
promovem medos de desordem e crime. Estas conclusões
perfeita e um simultâneo desejo de transcender uma vida
sobre os usos do espaço em ruína, porém, não estão
regulada, entrar num mundo de surpresas, contingência
somente preocupadas em identificar práticas tidas como
e desordem. Este desejo de ordem pode ser entendido
“anti-sociais” e conseqüentemente consolidar idéias
como uma resposta às memórias do caos da modernidade
socialmente
inaceitáveis
ocorrem,
79
Fotografia 25 (Próxima página): Engenho, Piracicaba, SP. Do autor.
anterior (a modernidade baudelariana, resultado das
socialmente segmentado, pessoas aqui, trânsito lá,
evoluções que culminaram com a revolução industrial) e
trabalho aqui, casas ali, ricos aqui, pobres lá. Edensor
sua natureza dinâmica e perturbadora, onde “tudo o que
coloca ainda que estes espaços “purificados”:
é sólido se transforma em ar”. 13
“contrastam com ‘espaços pobremente classificados’ que
O modernismo e o urbanismo modernista
possuem fronteiras esmaecidas e estão associadas com ‘liberação
instituíram formas de organização espacial através da
e diversidade’, em que as atividades, objetos e pessoas se mesclam,
produção de ordem pela distribuição de objetos, funções
possibilitando um numero enorme de encontros e maior auto-
e pessoas, através da forçada e corrente repetição de
gestão e expressividade.”14
hábitos performativos em lugares particulares, e através de códigos estéticos que produzem convenções visuais normativas pelo espaço. Os projetos e esquemas dos planejadores modernistas de racionalizar a paisagem estão
profundamente
associadas
na
estrutura
e
organização de técnicas domésticas e industriais de controle de espaço que constituem parte de uma crença de que um projeto “completo” pode ordenar o significado através do posicionamento lógico de pessoas e coisas
a
produção
do
espaço
urbano contemporâneo coexiste com a regulação, a vigilância, e o monitoramento estético, e a predominância de regimes que determinam como e onde coisas, pessoas 13- EDENSOR, Tim. Industrial Ruins. Spaces, Aesthetics and Materiality. New York: Berg, 2005. 14- EDENSOR, Tim. Industrial Ruins. Spaces, Aesthetics and Materiality. New York: Berg, 2005. p. 54 Trad. Livre.
80
impõe às individualidades maneiras socialmente corretas de se atuar em público ou de utilizar espaços de maneira “adequada”, impossibilitando seu uso mais autêntico, como também é igualmente excludente. A delimitação clara das funções pressupõe, por outro lado, a exclusão de pessoas e coisas que não “se adequam” a estes espaços. Conforme a cidade contemporânea se torna cada
dentro de um sistema de grid. Conseqüentemente,
Estes espaços ordenados, por sua vez, não são somente limitantes (no sentido negativo da palavra), pois
e atividades devem existir. Um aparato mecânico de policiar, regular os zoneamentos, os limites de espaços discretos, a regulação dos fluxos de tráfico, pessoas e dinheiro, junto com sistemas de informação flexíveis permitem um contínuo ajuste regulatório para algumas condições, parte do que pode ser definido como uma “sociedade modulada”: um mundo espacialmente e
vez mais sujeita à regimes de regulação e demarcação, espaços tendem a ser divididos e demarcados para atividades especificas: comprar, jogar, viver, trabalhar, etc. As fronteiras destas demarcações são tão policiadas, que alguns comportamentos são tidos como inapropriados: dançar em um shopping ou viver e vender coisas na rua, por exemplo, são fortemente reprimidos. Com toda esta espacialização autoritária, surgem, por outro lado, alguns espaços que são sujeitos à atividade nenhuma, e quando comparados à vivacidade de suas atividades iniciais, é natural que surjam classificações como “cicatrizes na
paisagem”, ou espaços “abandonados”. Porém, apesar do senso comum afirmar erroneamente que reina a inatividade nestas áreas, e de que se constituem como lugares “perigosos” ou “obscuros”, ruínas fornecem, na realidade, espaços onde formas alternativas de vida pública podem ocorrer. Apesar de assinalados como “abandonados”, “vazios” ou “zonas mortas” por planejadores e arquitetos, estes espaços são produzidos de maneira diversa e inesperada por “transgressores” que realizam raves e festas, fazem sexo, praticam jardinagem, ou simplesmente moram nestes espaços, expandindo as possibilidades e significados do termo ruína e de espaço público. (EDENSOR, 2005)
a) saques Após seu fechamento e condenadas como inúteis, muitas ruínas abandonadas tem seus materiais e equipamentos vendidos para reciclagem ou outras indústrias que farão melhor uso. Entretanto, apesar de grande parte de seus bens terem sido deslocados do corpo principal do edifício, muito do que pode ser aproveitado permanece
nele.
Assim,
baixos
empreendedores,
aficionados por materiais antigos, pessoas que vêem nestes objetos grande valor de apego e sentimentalidade, tendem a se apropriar e saquear estes materiais das ruínas industriais: de tijolos à janelas e cadeiras à livros e papéis, tudo numa ruína, por possuir valor de abandono e não de troca, está sujeito à apropriação e modificação. Em pequena escala, a atividade de saque é responsável pela remodelação de pequenas residências e ressignificação
81
Fotografia 26 (Próxima página): Escola na Vila Zélia, São Paulo, SP. Do autor. Fotografia 27 e 28 (Próximas páginas). Fazenda Ipanema, Sorocaba, SP. Do autor.
destes objetos por retira-los de contexto e os colocarem
ausência de vigilância nas ruínas industriais, e o que
em evidência.
pode ser banal para um casal, adquire aqui a dimensão
b) habitação Muitas pessoas encontram nas ruínas lugares de moradia e abrigo temporário. Modificações no espaço físico em geral são realizadas para possibilitar a acomodação dos novos moradores, considerando a vastidão dos galpões e fábricas. Novamente, as coisas em uma ruína não necessariamente precisam estar em ordem, já que a ausência de hierarquia e indiferenciação de muitos dos espaços possibilita ao usuário acender fogueiras e deixar o local sujo, à pouco trabalho, e posteriormente se mudar. Apesar do modo “livre” de se morar, é comum que moradores sem-teto clamem por estes espaços como seus, e demarquem o território na exigência de privacidade e respeito.
em vários tipos de brincadeiras. Apesar dos perigos dos quais seus pais possivelmente fariam alarde, as ruínas industriais possuem longos corredores em que se pode correr, escadas que se podem subir e pular, janelas para escalar, alçapões e cordas para se dependurar e aberturas no chão que, como pequenos cânions, oferecem desafios interessantes. Este mundo aberto, sem prédeterminações, confronta-se com os pequenos, insulados e regulados espaços de recreação produzidos. Como bem coloca Edensor, longe do instinto regulador dos pais e outros adultos, as crianças podem construir ali suas próprias regras e permitir o exercício
Por serem precisamente espaços proibidos e
comportamentais imposta pelos mais velhos.
devaneio onde atos ilícitos e aventuras podem ocorrer. Ruínas fornecem um lugar distante para aqueles que querem escapar da crescente vigilância oficial e dos olhares dos vizinhos, dos pais, ou somente de outras
82
Por outro lado, para crianças, por exemplo, a ruína é repleta de elementos aptos a serem incorporados
c) playground perigosos, ruínas industriais são espaços de fantasia e
15- EDENSOR, Tim. Industrial Ruins. Spaces, Aesthetics and Materiality. New York: Berg, 2005. p. 27 Trad. Livre.
de aventura e de novidade.
pessoas. Sexo, por exemplo, é uma atividade comum realizada nestes espaços, sempre carregado com a idéia de proibição, já que aqui os praticantes podem ser pegos
pleno da imaginação e criatividade, longe das convenções
Ruínas também são espaços aptos a serem destruídos e dilapidados. O prazer de destruir as coisas, como bem coloca Edensor consiste de “um engajamento radical com o mundo material, um desejo de fraturar e fragmentar, e de apreciar a deliciosa destruição de uma variedade de matérias é certamente muito mais do que um mero comportamento anti-social” .15
a qualquer momento. A realização de atos de extrema
Num espaço onde a manutenção da ordem
privacidade em espaços públicos ganha momentum na
e preservação são assuntos irrelevantes, as pessoas
permitem-se maior engajamento corporal no “fazer” o espaço, afinal, a demolição é também uma categoria de exploração e produção espacial. Porcelanas quicam pelo chão ao entrar em contato com paredes, caixas e pias são arremessadas em direção ao concreto para se destruírem, e fragmentos são espalhados por todos os lugares. Virar objetos estáveis, derrubar pelos degraus de escadas, derrubar coisas por dutos de elevadores, derrubar óleos e águas armazenadas para que o líquido invada o edifício, todas são atividades prazerosas que são usualmente proibidas, mas que permitem maior contato com a dimensão da matéria. Quase inexistem janelas inteiras em uma ruína, resultado do indiscutível gosto de quebrar vidros e vê-los estilhaçar, de ouvir o som dos fragmentos se espalharem pelo chão. Existe assim, como bem coloca Edensor, ”um prazer neste tipo de destruição, uma sensível e visceral demolição de espaço e suas ligações que provavelmente acabarão sendo demolidas” de qualquer maneira. Este modo de explorar o território pela destruição constitui de uma indução irresistível de exercer um autêntico intercâmbio entre o corpo e a matéria edificada, o que poderia ser entendido como aproveitamento autêntico ou vivência da experiência espacial pura de uma ruína. Não obstante, muitas skatistas, patinadores e ciclistas usam os espaços abandonados para treinar suas manobras, já que ali existem suficientes obstáculos a serem superados e existe a possibilidade de se trabalhar com um percurso inesperado, o que certamente torna a
83
84
85
86
experiência mais desafiante. Mais isoladas, mas não menos importantes, estão a utilização dos espaços abandonados para manifestações, agricultura urbana e cultivo de jardins, maneiras inovadoras de ação direta por projetar distância dos espaços normatizados, e que constituem de alternativos usos comunais que inserem as ruínas nas suas localidades.
d) arte Manifestações de arte são freqüentes em ruínas industriais. O graffiti, por ser uma forma de arte urbana que constitui de apropriação do espaço tido como público, pode ser realizado mais facilmente num espaço abandonado, considerando que sua associação à um espaço já feio e excessivo e a típica ausência de vigilância permitem a sua prática em ampla escala.
Tony Cragg e David Mach, além de Gordon Matta-Clark e outros. A inclusão do “lixo” e sem valor na arte encoraja os observadores a questionar sobre os processos de transformação e desvalorização da matéria. Alem da inserção nestas trajetórias, algumas exibições e mostras de arte menores ou como experiências mais isoladas também ocorrem nas ruínas industriais. À exemplo de Smethwick, em Birmingham, Inglaterra, que uniu vários artistas na elaboração de uma grande mostra, em que objetos e obras feitas in situ foram colocadas na antiga fábrica de raio-x como um grande museu, em 2003.
e) plantas e animais Além das ações e ocupações antrópicas, espaços abandonados também estão sujeitos à interferência de fauna e flora. Plantas crescem em todos os lugares, transformando a matéria edificada através de processos de decomposição em virtude da força das raízes e umidade
A cobertura das superfícies pelo graffiti é
presente, além de mesclar e borrar ainda mais os limites
responsável pela mudança de cor e transforma as
entre a matéria natural e edificada, contribuindo para
superfícies monocromáticas de concreto e tijolos em um
a destituição da hierarquia no espaço edificado. Ervas
espetáculo de cores e formas. A realização destas pinturas
daninhas e suas poucas exigências em qualidade de terra,
nestes espaços também consiste de experimentações
luz e água, proliferam pelos terrenos secos e dominam a
particulares da trajetória de cada artista, e neste ponto,
paisagem rasteira. Conforme se aproximam das fronteiras
constituem de importantes planos de explorações de suas
com a rua e tornam-se mais próximas das residências,
poéticas visuais.
contaminam as floreiras e jardins das casas vizinhas e
Espaços abandonados foram parte da poética de muitos artistas famosos da história da arte, como Robert Rauschenberg, Kurt Shwitters, Joseph Beuys,
Fotografia 29 (Página anterior): Oficinas em Botucatu, SP. Do autor.
começam também a se proliferar por outros terrenos, modificando a paisagem edificada substancialmente. Animais, por sua vez, em busca de proteção e
87
Fotografia 30 (Próxima página): Fazenda Ipanema, Sorocaba, SP. Do Autor.
abrigo, passam a ocupar e viver nestes lugares, também modificando a matéria edificada com sua presença: excrementos de aves, por exemplo, tendem a corroer muito os edifícios e acelerar o processo de oxidação de metais. Roedores, insetos e até mesmo animais domésticos perdidos costumam viver nestes lugares, interagindo entre si e com o restante do entorno. Pode-se concluir, desta maneira, que edifícios abandonados estão longe de estarem vazios, desocupados ou sem uso: esse posicionamento é parte de uma visão simplista que busca reduzir espaços ricos em experiências espaciais e vivências autênticas à inutilidade pela ausência do valor de troca. É importante mencionar, entretanto, que surge, concomitantemente à estes processos, e tentando contestar as idéias apresentadas acima, um movimento global de ressignificação destes espaços através da imersão pessoal e da experiência estética do sublime, pautado num código ético e moral sólido, que merece explicação mais aprofundada, já que será tema do projeto arquitetônico desenvolvido neste trabalho.
88
89
07
a exploração urbana e sua emergência como forma autêntica de clamar por espaços públicos
90
“
exploração urbana (subst.): a investigação de estruturas feitas pelo homem não pensadas para consumo público, de salas de maquinário à drenos de água de chuva; usualmente estas áreas estão fora dos limites.III
”
91
92
“aventuras urbanas globais”, descreve Infiltration como:
O
processo
de
mencionado
desindustrialização, anteriormente,
resultado
como do
rompimento com o sentimento de passagem de
tempo, traz consigo o sentimento da inevitabilidade das mudanças e uma supervalorização do tempo passado como impossível ponto de retorno. Similarmente às rápidas mudanças ocorridas durante a primeira revolução
“Uma revista revolucionária, um jornal de linha de frente, um manifesto a favor da usufruição. A filosofia, em essência, é: ‘ultrapasse em favor da diversão’. A simplicidade da idéia a colocou dentro do meio cultural, e agora, existem dezenas de milhares de pessoas seguindo-a ao redor do mundo, muitos publicando em revistas e sites próprios”. 16
industrial, que gerou uma sensação de nostalgia com os
A revista, que teve 25 números publicados,
espaços abandonados de outrora e o culto às ruínas, é
ganhou visibilidade como catalisadora do movimento ao
possível verificar sentimentos parecidos de perda na
mostrar e inaugurar o gênero de relato das experiências
contemporaneidade frente às ruínas industriais.
nas ruínas.
viajantes,
Lewis e High colocam que o termo exploração,
exploradores ou curiosos tem sido atraídos para as ruínas
apesar de carregar uma certa bagagem ideológica e
industriais em busca de experiências autênticas e novas
histórica de delimitação racial do “outro”, através das
vivências de espaço através de uma rede global do que
expedições de descobrimento européias que se dirigiram
tem sido denominado Exploração Urbana (ou UE/ URBEX).
para o “Oriente”, o “Novo Mundo” ou “A obscura África”,
O movimento, pautado num código ético bastante rígido,
pode ser a melhor designação mesmo para a corrente. A
e se utilizando de suportes e comunidades online, tem se
geografia imaginativa da exploração urbana, como nas
propagado pelo mundo com espantosa rapidez.
explorações européias, se baseiam na idéia do estrangeiro
Turistas
da
pós-modernidade,
O termo, cunhado em 1996 por Jeff Chapman, criador da revista e site Infiltration- The zine about
Fotografia 31 (Página Anterior): Engenho, Piraciaba, SP. Do autor.
ou do elemento “estranho” olhando para dentro de outra realidade.
places you’re not supposed to go (Infiltração- a revista
A cultura jovem nas últimas décadas se moldou
sobre lugares que você não deveria ir), passou a designar
profundamente pela crise urbana e pelo colapso
a atividade de se infiltrar em espaços abandonados
industrial: música punk, raves, graffiti, as novas tribos e
e registrar as experiências através de depoimentos e
a própria exploração urbana surgiram como movimentos
fotografias e as compartilhar via web ou por revistas
alternativos desta juventude no começo dos anos 80 e 90.
impressas. Outra revista do mesmo segmento, Jinx, sobre
Assim como os situacionistas franceses ou os dadaístas alemães, a cena punk e underground das últimas décadas
Epígrafe III: CHAPMAN, Jeff. 1996. Revista Infiltration. Disponível em artigo online em http://infiltration.org 16- HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto: ILR Press, 2007. p.42. Trad. Livre. A citação é uma passagem da revista Jinx, disponível em “http://www.jinx magazine.com/
93
94
buscou entender e explorar a cidade através dos sentidos.
e somente colocá-los em atividade quando devidamente
Desde então, pensadores como Jane Jacobs ou Michel de
limpos, negando o suporte público aos artistas de graffiti.
Certeau discorreram sobre a necessidade de habitantes
(HIGH & LEWIS, 2007)
das cidades clamarem pelo espaço urbano ao sair da rotina cotidiana, e é possível dizer que alguns aspectos desta cultura underground foram influenciadas por estes teóricos e vice-versa.
Ao mesmo tempo, ganhou corpo o número de artistas que passaram a fotografar suas criações e a colocá-las online, para ganhar fama e visibilidade. A audiência, que era local, passou a virtual e assim ganhou
As raves e graffitis, por exemplo, como expressão
espaço no mundo todo. Foi neste contexto de mudança
coletiva da vontade de recuperar as ruas e espaço comunal
internacional que a UE surgiu como movimento autêntico.
para livre expressão, cresceram exponencialmente desde os anos 80. As raves, no principio, constituíramse de festas organizadas em espaços abandonados como galpões, fábricas, terrenos, onde os convidados ouviam a nova música eletrônica, consumiam bebidas não alcoólicas e anfetaminas, se divertindo sob a premissa de que a festa deveria ser composta de: “paz, amor, unidade e respeito”, ou PLUR (do inglês). (HIGH & LEWIS, 2007). No caso do graffiti, sua época áurea foi entre 70 e 80, em Nova Iorque. Muito mais do que marcar território ou parte de mecânica entre gangues de rua, o graffiti surgiu como vontade de clamar pelo espaço público ao agregar valor (negativo ou positivo) em qualquer objeto existente
Fotografia 32: Olaria abandonada. Salto, SP. Do autor.
Organizadas por iniciativa própria ou em grupo, os participantes buscam adentrar o espaço abandonado, as várias categorias de terrain vague possíveis- na sua maioria ruínas- para registrar suas experiências sensoriais por meio fotográfico e textual, e ocasionalmente, através de vídeos. Colocados online nas diversas comunidades de UE, estes resultados estão sujeitos à discussões, apropriações, comentários, novas histórias e intercâmbios, e portanto, difunde-se a idéia do espaço em ruína, ou do “vazio” como potencial estético e sensível. Sempre
pautados
por
um
código
ético
no espaço da cidade: indústrias abandonadas, depósitos,
extremamente restrito e levado à risca, (o descumprimento
galpões, lojas, outdoors e carros de trem. Mas assim como
deste código usualmente leva à expulsão dos infratores
as raves, o grafitti também alcançou a popularidade e
das comunidades onlines de UE), os participantes buscam
passou a ocupar espaços mais gentrificados e o movimento
entrar e passar pela ruína sem deixar vestígio. A idéia
se tornou domesticado. O ponto maior desta mudança
difundida pelo grupo é a não destruição do patrimônio
foi em 1989, quando o então prefeito de Nova Iorque,
edificado: “somente tire fotos e deixe somente pegadas”.
Edward Koch decidiu tirar os carros de metrô pintados
Inclusive, e o que é pouco difundido, é que o jargão foi
95
criado por Chapman, e posteriormente, aproveitado por movimentos de preservação do meio ambiente. Os exploradores são instruídos, inclusive, a nunca arrombarem um edifício para entrar: só se entra quanto a possibilidade surge. De acordo com o próprio Chapman: “Exploradores urbanos genuínos nunca vandalizam, roubam ou destroem alguma coisa- nós nem devemos sujar. Nós entramos nos lugares somente pela emoção e para algumas fotografias, e provavelmente temos mais respeito e apreciação pelos espaços escondidos das nossas cidades do que a maioria das pessoas que pensam que somos criminosos. Nós não afetamos os lugares que exploramos. Nós amamos os lugares que exploramos.” 17
17- HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto: ILR Press, 2007. p.48. O documento, tido como um “manifesto” pelos exploradores urbanos pode ser encontrado em http:// www.infiltration.org e também encontra-se ao fim do trabalho. Vale lembrar que Chapman cunhou a célebre frase, apropriada por ecólogos posteriormente: “Somente leve fotografias e deixe somente pegadas”. A frase, utilizada por amantes da natureza, denota a importância que Chapman e os exploradores dão pela conservação da ruína em seu estado mais bruto e pelo respeito à passagem do tempo.
96
Códigos de entrada e saída do edifício também são sempre adotadas: o uso de pastas de documentos e maletas, por exemplo, evitam chamar a atenção dos passantes na rua, e recomenda-se parar o carro próximo aos olhos das outras pessoas, mas nunca dentro de um edifício para não chamar a atenção. Como atos suspeitos são naturalmente coibidos, há a necessidade constante de discrição. Os praticantes também ironizam as placas de proibição: foras de contexto, de que servem, a quem se direcionam, e o que pretendem proibir? Mas o que torna a prática de explorar as ruínas tão interessante? Seria somente o prazer pela transgressão ou a iminência de ser pego? Na realidade, existe muito mais na dimensão da ruína industrial, como já dito anteriormente, do que a materialidade.
Seria possível descrever esta atração pelo excesso e pelo desperdício como sendo resultado da sensualidade do sublime. A teoria estética do belo e do sublime, desenvolvida originalmente em 1759 por Edmund Burke,
Fotografia 33: Galpão na Mooca, São Paulo, SP. Do autor. Fotografia 34: Fábrica de Brinquedos Mimo, Itu, São Paulo. Do autor.
busca aprofundar-se nos motivos que originariam os sentimentos do belo e do terror. Produzido logo após a revolução francesa, e portanto, sob a premissa de igualdade entre os homens, Burke tenta tecer linhas comuns que originariam estes sentimentos: se em teoria todos os homens são iguais, eles estão aptos a sentir coisas iguais. Desta maneira, seu livro busca relacionar esta idéia de igualdade com a investigação do que originaria estes sentimentos. Para Burke, o belo pode ser definido brevemente como:
“aquela qualidade, ou aquelas qualidades dos
corpos em virtude das quais elas despertam amor ou alguma paixão semelhante.”18 e mais: “Distingo igualmente o amor- nome pelo qual denoto aquele contentamento que o espírito sente ao contemplar um objeto belo, seja qual for a sua natureza- do desejo ou da luxúria, que consiste em um ardor do espírito que nos impele à posse de certos objetos que nos impressionam, não por serem belos, mas por motivos completamente diversos”.19 Se o belo seria então, esta virtude capaz de gerar sentimentos de contemplação e de amor, o sublime, por sua vez é: “tudo que seja de algum modo capaz de incitar as idéias de dor e de perigo, isto é, tudo o que seja de alguma maneira terrível
18- BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do Belo e do Sublime. Campinas: Editora Papirus, 1993. p.99. 19- BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do Belo e do Sublime. Campinas: Editora Papirus, 1993. p.48 20- Idem, ibid.
ou relacionado a objetos terríveis ou atua de um modo
97
98
99
Fotografia 35 (Página anterior): Fábrica de Brinquedos Mimo, Itu, São Paulo. Do autor.
Fotografia 36 (Página anterior): Olaria abandonada, Salto, São Paulo. Do autor.
Fotografia 37 (Próxima Página): Calfat, Salto, SP.
análogo ao terror constitui de uma fonte do sublime”.20 E
nossos raciocínios, antecede-os e nos arrebata com uma
ainda, “quando o perigo ou a dor se apresentam como uma
força irresistível. O assombro, como disse, é o efeito do
ameaça decididamente iminente, não podem proporcionar
sublime em seu mais alto grau; os efeitos secundários são
nenhum deleite e são meramente terríveis; mas quando
a admiração, a reverência e o respeito.”22
são menos prováveis e e certo modo atenuadas, podem ser- e são- deliciosas, como nossa experiência diária nos mostra”.21
dizer
que
os
praticantes da UE sentem-se atraídos não somente pelos conceitos de abandono e descaso, mas pela paixão descritos: respeito, admiração e reverência, presentes no
coexistir e se complementarem. Burke ainda discorre
código ético dos exploradores.
e força, vastidão, privação, dimensões em arquitetura, etc, todas contribuem para gerar o sentimento de sublime. Apesar do tópico render boas discussões, não constitui do foco deste item, e portanto, basta dizer que todos contribuem para gerar o sublime e estão interrelacionados. Entretanto, para entender o que move os exploradores urbanos, é interessante remontar à um parágrafo especifico, quando Burke trata da paixão causada pelo sublime:
Entretanto, muito mais do que somente uma experiência de exploração estética ou passatempo sem fins maiores, a URBEX se configura como importante produtora
de
material
documental.
As
atividades
exercidas no sítio ruinoso também servem à um propósito maior: gravar e documentar o edifício e as experiências antes que ele desapareça. Além da produção dos documentos em suporte fotográfico ou textual, sua divulgação também é de extrema importância para: 1) a manutenção do próprio movimento; 2) angariar novos exploradores; 3) contestar a idéia de que estes espaços não possuem nada de valor; 4) atribuir valor à edifícios
“A paixão a que o grandioso e sublime dão origem
outrora abandonados por colocá-los em evidência e 5)
[...] quando estas causas atuam de maneira mais intensa, é
incitar o questionamento dos espaços normatizados
o assombro, que consiste no estado de alma no qual todos
da cidade através da contraposição com os espaços em
os seus movimentos são sustados por certo grau de horror.
ruína, entre outros.
Nesse caso, o espírito sente-se tão pleno do seu objeto que não pode admitir nenhum outro nem conseqüentemente, raciocinar sobre aquele objeto que é alvo de resultar de
100
possível
gerada pelo sublime. Daí descorre os efeitos secundários
repetição, na aparência de infinitude, obscuridade, poder
23- HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto: ILR Press, 2007. p.50. Trad. Livre.
é
antitéticas, vale lembrar que o belo e o sublime podem
atração pelo sentimento. A sensualidade que reside na
22- BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do Belo e do Sublime. Campinas: Editora Papirus, 1993. p.65.
maneira,
Antes de constituir de proposições conceituais
sobre todas as possíveis causas do sublime e o que geraria
21- Idem, Ibid.
Desta
“De nada serve a exploração se os seus resultados permanecem obscuros.”23
101
08 programa do vazio ao vazio inexistente
102
a ocupar o antigo prédio de beneficiamento, que, também
A
o
devido ao gabarito privilegiado, fornece vista de todo o
entendimento das condicionantes locais e da
complexo da favela e das cercanias. O estigma, se já não
dinâmica no que concerne às ruínas industriais,
fosse suficiente pela condição econômica dos moradores,
consiste na elaboração de um Centro de Referência em
também está associado ao edifícios abandonados- item
Exploração Urbana associado com um Albergue (hostel)
já discutido anteriormente. Assim, optou-se por realocar
para viajantes. Para entender a pertinência deste
a comunidade para o terreno vizinho e regularizar a
programa numa cidade como São Paulo em um terreno
ocupação. De acordo com os moradores e o líder da
cujas características mereceriam soluções relacionadas à
comunidade religiosa que a`tua no moinho (e que
carência de moradia e salubridade, convém expor a linha
também é morador), os habitantes desejariam morar
de pensamento responsável por originar tal programa.
em outro lugar. Pensar em ocupar o terreno vizinho os
resposta
arquitetônica,
portanto,
após
deixaria mais próximos da Barra Funda, o que parece ser
a) o território e a favela
A leitura do território evidenciou usos plurais
nas cercanias e que o terreno do Moinho se configura como importante ponto de inflexão quanto ao uso e ocupação
bom, e de consenso geral.
Os
habitantes
possuem
uma
relação
de
ódio clara com o lugar, não gostam do moinho e só permanecem na região devido ao baixo preço dos
do solo da região. Apesar de tentadora a idéia de suprir a carência através de moradia e programas habitacionais, optou-se por não utilizar deste recurso uma vez constatado também um sério problema de insularidade. A
configuração
das
linhas
de
trem
impossibilita
maiores conexões entre um lado e outro do bairro. Estigmatizada, a população ali alocada em condições “regularizadas”, portanto, não se livraria do estigma e tampouco estaria conectada com o restante do bairro e da cidade: a barreira física e social ali existente é enorme. Aproveitando-se da inexistência de acessos, traficantes e demais integrantes da rede do tráfico de drogas passaram
103
barracos e da proximidade com o centro. Realoca-los
identidade, nem a relação, nem a história fazem realmente sentido,
resolveria o problema de moradia e os manteria ainda
onde a solidão é sentida como superação do esvaziamento da
mais próximo da Barra Funda, e a 300 metros da Luz.
individualidade, onde só o movimento das imagens deixa entrever, por instantes, àquele que as olha fugir, a hipótese de um passado e a possibilidade de um futuro”24
b) matéria
impermanência
da
Optou-se por trabalhar com algum tema que
priorizasse a questão da permanência do fluxo de pessoas
24- AUGÉ, Marc. Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira. Campinas, SP: Papirus, 1994. p. 81. 25-SIMMEL, Georg. O Estrangeiro. In: Soziologie. Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung (Sociologia. Estudos sobre as formas de sociação). Berlim: Duncker & Humblot, 1908). p.01.
104
Vale lembrar que o termo viajante/ estrangeiro
não subentende somente o estrangeiro internacional, mas também àquelas pessoas que nunca se permitiram ou tiveram vivências do gênero. De acordo com Simmel:
para dialogar, primeiramente, com o aspecto de transi-
“Se o mover-se for o contraste conceitual do fixar-se, com a liberdade
toriedade das populações estrangeiras do Bom Retiro,
em relação a cada ponto dado do espaço, a forma sociológica
que apesar de assentadas por tempo suficiente, sempre
do estrangeiro representa, não obstante, a unidade de ambas
se mantiveram em transformação, e em segundo lugar,
as disposições. [...] A sua posição neste (espaço) é determinada
com a impermanência da matéria ruinosa do objeto em
largamente pelo fato dele não pertencer imediatamente a ele, e
questão. Assim, a solução consiste no estabelecimento de
suas qualidades não podem originar-se e vir dele, nem adentrar-se.
um fluxo constante de pessoas que, longe da idéia norma-
[...] O estrangeiro, contudo, é também um elemento do grupo, não
tizante já exposta anteriormente, estaria apta a ressignifi-
mais diferente que os outros e, ao mesmo tempo, distinto do que
car o objeto ruinoso.
consideramos como “inimigo interno”. 25
c) viajantes
A experiência do viajante configura-se como
importante exercício de entendimento do “outro” e de si mesmo. Como bem coloca Augé:
É possível dizer, desta maneira, que por se
colocar em posição “externa”, mas ao mesmo tempo pertencer ao novo grupo, seja por passagem ou pela iminência de assentar-se, que o viajante ou estrangeiro está apto a ressignificar estes espaços de inserção. A opção pela constituição do fluxo de viajantes, desta
“Portanto, não é de se espantar que seja entre os viajantes
forma, constitui parte do estratagema que melhor estaria
solitários, [...], não os viajantes profissionais ou cientistas, mas
apto a realizar este objetivo.
os viajantes acidentais, de pretexto ou de ocasião, que estejamos aptos a encontrar a evocação profética de espaço, onde nem a
d) pesquisa
A idéia de trabalhar com um centro de referência
programas paralelos estão sendo pensados, para além do
em exploração urbana também mantém relações com
Centro de Referência e do Albergue, já que estes dois pólos
a pesquisa realizada anteriormente durante a Iniciação
poderiam ser demasiadamente restritos e poderiam não
Científica. Durante todo seu curso, diversos vestígios
se relacionar diretamente com a população realocada.
industriais foram adentrados e muitas fotografias- tanto para documentação como para exploração do sensívelforam realizadas. Incitar este tipo de vivência através deste centro parece interessante.
f) viabilidade da proposta
Para entender a viabilidade desta proposta,
convém também analisar duas informações primordiais:
e) centro de referência e arquivo
A sugestão de um arquivo que congregue os
documentos (fotográficos e textuais) originários das
em primeiro lugar a existência de vestígios a serem visitados e/ou comunidade de exploração urbana/ documentação em São Paulo, e em segundo, a rede de hostels existentes na cidade, para justificar estas duas polaridades no programa.
expedições e de doações provém de uma vontade de relacionar a ruína e e a comunidade de exploradores. Se o edifício constitui de um objeto que tornou-se obsoleto devido à superadbundância factual, o arquivo cuida de
g) rede de edifícios abandonados
organizar objetos que tornam-se obsoletos no momento
de sua criação e que criam e recriam narrativas sobre o
internacional em torno da exploração urbana, pouco
abandono e obsolescência.
ainda pode ser sentido no Brasil. Alguns sites e fóruns
Apto a receber, catalogar, categorizar, distribuir
e difundir os ideiais do movimento, este arquivo estaria aberto para o público e teceria as relações entre o movimento, os suportes de representação e a ruína do Moinho.
Apesar do grande movimento da comunidade
de discussão se destacam, ainda timidamente, na tentativa de expor fotografias e relatos de exploradores ou curiosos que passam defronte um edifício. Apesar da timidez da comunidade online, há um site bastante interessante, chamado São Paulo Abandonada (http:// saopauloabandonada.com.br), que realiza um importante
Para que o centro se torne utilizável e se torne
interessante para o maior número de pessoas, alguns
trabalho
de
relacionar
as
fotografias
e
vestígios
geograficamente e através das alterações sucessivas ao
105
longo do tempo. O que torna o site tão especial é sua
que existe uma comunidade de interessados no assunto
conexão fácil através do sistema Google Friend Connect,
e exploradores urbanos em formação na cidade de São
que possibilita com que quase todo usuário de alguma
Paulo, e portanto um centro de referência em UE que
conta Google acesse e envie suas histórias, imagens e
centralizaria informação, irradiaria suas influências e
fotografias. Além da conectividade e criação de um banco
incitaria novas visitas seria de extrema relevância.
de dados de imagens para referências e comparações, o site também conta com áreas de denúncias contra depredações/demolições e descaso com o patrimônio, que ajuda a integrar e constituir perfis do que a população e usuários (hoje, próximo de 350) julga interessante ou desinteressante em termos patrimoniais. Além das opiniões expressas destas maneiras, o site também conta com uma área para respostas em formato de enquete, que são bastante curiosas de serem observadas.
Entretanto, não são todos estes atrativos
estudo nesta etapa do projeto. O que torna o São Paulo Abandonada (SPA) tão especial é sua integração com a rede aberta de mapas do Google Maps, possibilitando a toda e qualquer pessoa que acesse o site um panorama completo dos vestígios já documentados na cidade. Esta espécie de cartografia do abandono fornece bases importantes para a exploração urbana e condições com que estes objetos, tirados do seu contexto e apresentados em fotografias e mapas online, incite a visitação e discussões sobre os processos de transformação da matéria. É
possível
afirmar,
portanto,
através
da
experiência online do SPA e de outras plataformas online,
106
São Paulo possui uma rede de albergues
em crescimento, mas também ainda muito pequena. A maioria não se configura verdadeiramente como albergue, mas como hibridizações de programas de hotéis e pousadas que oferecem pequenos quartos coletivos à
que fazem a plataforma ser tão especial e motivo de
h) rede de albergues (hostels)
preços mais baratos.
A cidade possui 3 albergues filiados ao
programa Hostelling Internatinal (HI), que constitui da rede mais conhecida de hostels do mundo (mais de 4000 unidades em 90 países), e aproximadamente 14 outras acomodações independentes, não filiadas a nenhum programa. O estudo da localização destes albergues também provou que existem poucos na região central da cidade, 2 próximos à estação da Luz e um no Brás. Os restantes se espalham por Perdizes, Pinheiros e Vila Madalena, e os demais na região da Vila Mariana.
A proposta de um programa de um albergue
“central” na cidade associado ao centro de referência poderia incentivar o uso desta alternativa de acomodação
bem como o turismo urbano de São Paulo. Cidades globais ou que buscam se inserir em contextos globais possuem, em sua maioria, redes expressivas de acomodação em albergue, já que esta é a opção prioritária da maioria jovem que viaja em outros países. Nova Iorque, por exemplo, possui cerca de 40 , Londres 70, Madrid cerca de 90, Buenos Aires 40, Montreal 25, Berlim 70, Amsterdam 45, Rio de Janeiro 50, Xangai 25, entre outros.
Desta maneira, considerando a carência de
acomodações de baixo custo para viajantes e a fraca relação existente entre este tipo de serviço e o turismo urbano, pode-se afirmar que a inclusão deste programa e sua associação com o centro de referência em UE é de relativa importância.
107
IN.23 Infográfico 23: Diagrama indicando o Centro de Referência como elemento central na malha existente de edifícios abandonados da cidade de São Paulo. Feito com base na cartografia apresentada na plataforma SPA.
108
IN.24 Infográfico 24: Diagrama indicando o Albergue e sua relação com a rede de hostels existente na cidade de São Paulo. Notar a deficiente malha existente.
109
ESTRUTURAÇÃO DO PROGRAMA
110
A estrutura do programa pode ser descrito da
seguinte maneira: 1) O círculo externo corresponde à área do parque urbano que englobará todo o programa proposto;
se encontrar e trocar experiências; -
Oferecer local público para revelação de
fotografias (sob agendamento), e que ensine o ofício de revelar filmes; -
Local para estudo do fazer fotográfico, onde
2) O círculo interno, por sua vez, engloba o núcleo
se ensine aspectos técnicos e explore as possibilidades
de atividades da proposta: o Albergue e o Centro de
artísticas do suporte;
Referência em Exploração Urbana (CRUE).
-
A seguir, serão apresentadas as atividades
esperadas para cada elemento do programa:
a) centro de referência em exploração urbana (CRUE)
Atividades a serem desenvolvidas no Centro
Local para conectar-se à internet a custo gra-
tuito;
b) albergue
Atividades desenvolvidas num Albergue:
-
Receber e hospedar viajantes de forma segura;
-
Proporcionar experiência de viagem interes-
sante;
de Referência em URBEX:
-
Funcionar como ponto de encontro;
-
Receber arquivos e documentos dos explora-
-
Possibilitar o encontro de vários viajantes.
-
Construir acervo com estes documentos;
c) estação de trem
-
Construir acervo com outros livros e materiais
dores;
relacionados ao assunto (história da cidade, turismo
urbano, São Paulo, ruínas, indústrias, arqueologia indus-
trem:
trial, patrimônio industrial, patrimônio arquitetônico,
-
Venda de bilhetes de trem;
entre outros);
-
Acesso ao sistema sobre trilhos da cidade;
-
-
Integração com outras linhas de trem;
-
Funcionar como ponto de encontro;
Divulgar o conhecimento formado (via im-
pressa e exposta); -
Expôr material com maior viés artístico;
-
Fazer com que exploradores e curiosos possam
Atividades desenvolvidas numa estação de
d) parque urbano 111
Atividades desenvolvidas no parque:
-
Escalada;
-
Bicicleta;
-
Corrida;
Recepção de Documentos
-
Patins;
-
Graffiti;
Seleção
-
Música;
-
Funcionar como ponto de encontro;
-
Prática de esportes variadas, como futebol,
vôlei, etc. -
Área para lazer e ócio;
-
Local para diversão infantil;
quantificação e listagem das áreas
Vale lembrar que as seguintes áreas foram esti-
madas baseadas num número esperado de usuários para cada atividade, e estão sujeitas à mudança.
a) centro de referência: 1.a) arquivo: DEPÓSITOS TRABALHOS TÉCNICOS: Direção e Assistente de Direção Administração e Recursos Humanos
112
Sala de Reuniões Reserva Técnica
Triagem Higienização e Desinsetização Quarentena Conservação Encadernação e Restauro Catalogação Servidor Fotografia eMicrofilmagem Segurança Limpeza Manutenção Almoxarifado ÁREA PÚBLICA: Hall/Recepção Balcão de Informações Protocolo Salas de Consulta
Instrumentos de pesquisa
Limpeza
Biblioteca de Apoio
Biblioteca
Reprografia
área total: 800 m2
Auditório Exposição
3.a) laboratório de fotografia:
Lanchonete/Café
Laboratório PB
Lavatórios
Laboratório Cor
área total: 2500 m
2
Salas de Revelação Manual Balcão/ Agendamento
2.a) escola de fotografia:
Depósitos
Secretaria
Manutenção
Diretoria
Segurança
Coordenação
Limpeza
Recepção
área total: 200 m2
Estúdios
Salas Teóricas
4.a) galerias:
Sanitários
Foyer
Depósitos
Bilheteria
Manutenção
Guarda-Volumes
Segurança
Controle de Acesso
113
Exposições
Quartos
Depósito
ÁREA ADMINISTRAÇÃO
Reserva Técnica
Almoxarifado/Depósito
Manutenção
Administração
Segurança
Segurança
Limpeza
Lavanderia
Curadoria
Manutenção
Direção
Limpeza Quarto dos Funcionários
Sanitários
área total: 500 m
2
Vestiários
área total: 800 m2 b) albergue (hostel): ÁREA VISITANTE:
c) estação:
Balcão/Recepção
Bilheteria
Espera/Área Comum
Bicicletário
Salas Comunais
Plataformas de Embarque/Desembarque
Cozinha
Sanitários
Banheiro
área total: 1000 m2
Acesso Internet Festa
114
d) parque urbano:
Pistas de Corrida Pistas de Skate/Bicicleta Muros para Graffiti Ciclovia Quadras poliesportivas Sanitários Bebedouros Muros para escalada Parque para as crianças Gramados Exercício para idosos
área total: ~15000 m2
ÁREA TOTAL: 7 499 m2 (sem o parque urbano)
115
09 referĂŞncias projetuais
116
mill city minneapolis, EUA. meyer, scherer & rockcastle 2003
C
onstruído em 1874, o moinho da General Mills foi uma das maiores fábricas de farinha do mundo. Apesar de ter sido tombado em instância
nacional em 1985, o complexo estava desativado desde 1965 e sofreu um incêndio em 1991 que destruiu boa parte do seu interior. O trio de arquitetos foi chamado para realizar a intervenção em 2003. O espaço em vidro é completamente independente do vestígio industrial, mas remete à produção fabril com serigrafias das máquinas usadas na época de funcionamento. Apesar de facilmente destinguível da parte antiga, este novo espaço dialoga através do uso de materiais fabris e da sutil manutenção das escalas, proporcionando uma relação de equilíbrio bastante evidente entre o novo e o antigo. Além do projeto do museu, os arquitetos propuseram a ocupação dos silos e outros elementos da construção em lofts, lojas e escritórios. O moinho de trigo antigamente e hoje, abrigando o programa do museu. Notar as imensas dimensões. Mill City já foi eleito o maior complexo de silos do mundo. Fotos: livro Industrial Chic.
117
A ausência de teto neste pátio liga a matéria construída e a infinitude do céu, rompendo com o arquétipo de edificação fabril. A parte incendiada foi convertuda em um grande pátio à céu aberto, integrado pelo uso de materiais translúcidos. Fotos: livro Industrial Chic.
118
119
les silos marseilles, FRANÇA andrew todd 2010
C
onstruído em 1920 para abrigar grãos e farinhas diversas, este conjunto de silos e estações elevatórias foi abandonado até a série
de intervenções
de renovação da região de La Zone
d’Arenc, ao norte da cidade de Marselhas, na França. Dentre os projetos construídos, há uma torre de Zaha Hadid. A intervenção em questão, realizada por Andrew Todd e equipe, aproveita da “casca” de concreto dos silos enquanto elemento de reflexão acústica para a inserção de um auditório e casa de espetáculos. Apesar da aparência externa se manter praticamente idêntica, o interior contemporâneo, por contraste, acaba favorecendo os elementos antigos no espaço. A referência é de extrema importância para se pensar a estrutura existente no Moinho Central através de algum programa que os torne usáveis. A curiosidade e interesse por este edifício provém, certamente, da inusitada inserção do programa de uma casa de espetáculos num conjunto de A implantação da casa de espetáculos em Marselhas e o aspecto interno da construção, com os silos seccionados ao meio. Fotos:http://www. studioandrewtodd.com
120
armazenamento de grãos.
A planta do edifício é bastante linear e a organização dos espaços parece bastente clara. Uma pequena ante-câmara ou foyer é formado por dois “meios-silos”, solução bastante interessante. A altura escolhida para se colocar a platéia também favorece a disposição de elementos nos andares inferiores e maior otimização dos espaços. Tal solução só é possível graças à natureza vertical de construções para armazenamento de grãos. Imagens:http://www.studioandrewtodd.com
121
duisburg park duisburg, ALEMANHA latz and partner 1994
A
bandonado desde 1985, as caldeiras da antiga fábrica de ferro permaneceram desocupadas até o projeto de 1994 e sua conversão para um parque
urbano. ao que consta, a proposta foi bastante rechaçada na época da elaboração do projeto. O entendimento dos elementos da sintaxe industrial e a proposta de conversão de uma antiga estrutura fabril num grande parque de “aventuras” para adultos e crianças. Dentre as atividades possíveis de serem realizadas, está o mergulho no antigo gasômetro, escalada nas paredes de concreto armado, os tanques resfriadores foram convertidos em tanques para peixes e ninféias. Os arquitetos priorizaram a circulação livre das pessoas pelo parque, sem restrições e com a inclusão de alguns passeios que não levam a lugares específicos. A sensibilidade para a mescla entre elementos naturais e da paisagem industrial é evidente neste projeto. Curioso notar que o projeto paisagístico inclui zonas de crescimento “informal” da vegetação, com
Uma vista geral dos equipamentos industriais e um bosque em crescimento. Notar como as texturas destes elementos contrastam com a vegetação. Fo to s : ht t p : / / w w w. latzundpartner.de
122
arbustos e gramíneas de crescimento espontâneo para dialogar com o aspecto abandonado das edificações.
123
124
125
musée du sel salin-le-bains, FRANÇA malcotti roussey architectes 2010
A
tiva desde a idade média, a região de Salinle-Bains, na França, sempre apresentou um importante
papel
econômico
ao
longo
da
história. Fechada em 1962, entretanto, e elevada a título de Patrimônio da Humanidade, o sítio só foi receber o projeto e o programa do Museu de Sal em 2006, com a intervenção de Malcotti-Roussey para a área. Além de buscar enfatizar a importância simbólica que os edifícios e armazéns do complexo possuem, a dupla também optou pela manutenção do estado original de muitas das construções e de adições denotadamente contemporâneas. Como ação preventiva, não recobriram as paredes históricas cobertas de sal, já que esta condição possibilitava a respiração das estruturas e evitava que o edifício entasse em colapso. O volume proeminente em aço faz referência aos outros edifícios da margem do rio, igualmente importantes para o processo de produção de sal. O trabalho dos arquitetos neste projeto não somente busca recuperar os aspectos de importância do patrimônio histórico, mas também elevá-lo a categoria de
O cubo que salta do edifício é feito de material análogo, mas claramente distinguível do restante do conjunto. Fotos: Archdaily.
126
monumento.
127
high line park new york, EUA diller scofidio + renfro 2009
A
bandonada desde os anos 80, a linha de metrô de superfície existente no lado Oeste de Nova Iorque foi construída em 1930 como parte de
um programa para melhorar as condições de transporte do bairro. Um grupo de moradores, em 1999, criou a associação de amigos da Highline para transformar o espaço abandonado e reconverter suas estruturas para o uso cívico. Em 2002, Field Operations, Diller Scofidio e Renfro ganharam o concurso para a área. A proposta, como bem colocam os arquitetos, é manutenção da vegetação “informal” e de crescimento natural
nos
grandes jardins lineares que compõe o parque, como maneira de “parar o tempo” e conceder nova relação da natureza com a cidade. Esta manutenção da suspensão temporal típica do abandono gera atração e pontos de tensão pelo contraste com a dinâmica de fluxos e de movimentos da cidade, enriquece o projeto e concede senso de lugar.
128
129
130
loft hostel chengdu, CHINA desconhecido desconhecido
C
onstruído em uma antiga estamparia, este albergue em Chengdu, China, busca adaptar as antigas áreas da do complexo fabril às
necessidades do programa arquitetônico do albergue. Como a antiga fábrica possuia amplos e generosos espaços para acomodar as máquinas, o hostel passou a usufruir destas áreas para a acomodação dos viajantes e para gerar áreas públicas e de convívio que fornecessem e
proporcionassem
a
verdadeira
experiência
de
intercâmbio entre os viajantes. O resultado, como o nome do albergue sugere, é uma acomodação com pouquíssimas divisões internas e que prioriza o contato entre os seus usuários. Os quartos e áreas de convívio buscam aproveitar dos mateiriais industriais, gerando espaços com pouca diferenciação em termos cromáticos e muita variação de texturas e qualidades de luz.
Um grande conjunto de sofás e mesas para conversas e café da manhã alocado na fachada principal da antiga estamparia. Fotos: http://www. lofthostel.com
131
132
10 projeto
133
implantação
O
desenho do Parque do Moinho busca relacionar as estruturas projetadas, mais racionais e rígidas, com caminhos mais fluidos. Estes possibilitam
múltiplos pontos de visualização da paisagem, da cidade e do próprio parque por conta do desenho que por vezes se aproxima e por vezes se afasta dos objetos. Os objetos projetados prezaram pela simplicidade, já que o foco da intervenção foi a experiência sensorial da ruína. Diversos pontos mais altos projetados fornecem visão do entorno e do próprio parque. O partido de vegetação prezou por gramíneas para forração (trigo, capim e grama alta), como uma maneira de referenciar a experiência estética do abandono.
134
sem esc. 135
136
1- Vista Geral do Parque; 2Vista do caminho nas proximidades das quadras; 3- Outra vista superior; 4- Área próxima à entrada do parque
137
VIADUTO
138
QUADRAS
SANITÁRIOS
ESPELHO D’ÁGUA
ALBERGUE/HOSTEL
SILO/ GALERIAS
SAÍDA METRÔ
JARDINEIRAS
RUÍNA
LAJES INVERTIDAS
LUMINÁRIA
MIRANTE
corte AA sem esc.
139
processo
A
proposição mencionado
teórica
deste
projeto,
anteriormente,
como
consiste
já
numa
tentativa de reavaliar os conceitos usualmente
utilizados para tratar do tema das ruínas/arquitetura industrial. Fruto da inquietação resultante de um engajamento pessoal nestes espaços, o projeto pautou-se
1 Abertura: Transposição transversal como maneira de resolver insularidade.
pela busca de uma experiência sensorial plena, já que o espaço da ruína só pode ser entendido desta maneira no contexto pós-industrial. Assim, a primeira proposta para a área baseou-se num partido muito simples: a abertura da rua Tenente Pena, à norte, e da alameda Eduardo Prado, à sul, como tentativa de estabelecer um fluxo de pedestres de um lado para o outro do bairro, desfazendo, assim, a barreira física que este terreno se tornou.
Ao abrir o terreno desta maneira, notou-se que
o espaço entre os silos e a ruína possuía grande potencial
2 Tensão: Espaço entre-prédios com potencial para praça pública
para uma praça pública, já que articulava os dois volumes e gerava tensão arquitetônica.
Apesar da validade dos primeiros estudos, este
ainda se encontrava em etapa muito primária: com o posterior desenvolvimento, muitas diretrizes diferentes foram tomadas, e cabe explicá-las adequadamente.
3 Metrô: Saída alocada para a praça e alinhado com os trilhos sentido Am. Bueno.
140
4 Albergue: continuidade do desenho dos silos através de uma forma tripartirte.
7 Pedras/Estruturas: Relacionar-se com os silos através de verticalidade. Matéria bruta vs. contruída.
5 Quadras: filtro entre rua e parque, proximidade com o albergue: voltado para a vizinhança.
8 Centro de Referência: encostado com a ruína e afastado, para evitar competição.
6 Caminhos: Dois caminhos para levar a todos os lugares, resultado de estudo de visuais.
9 Resultado Final
141
a) ABERTURA
c) ABERTURAS PARA OS TRILHOS
As diretrizes primárias de abertura do terreno
Sem se esquecer da importância histórica destes
foram mantidas nesta etapa de projeto, mas sofreram
trilhos para a configuração da malha urbana do entorno,
algumas modificações. Partindo do princípio de que o
optou-se por realizar uma série de rasgos na superfície de
terreno precisava de conexões transversais, as primeiras
maneira a estabelecer contato visual entre os usuários do
idéias foram a simples transposição de pedestres sobre
trem e do parque.
os trilhos. Um estudo posterior, porém, apontou que em alguns pontos esta travessia poderia ser perigosa e até dificultada, considerando o ponto sobre os trilhos na rua
d) TENSÃO ARQUITETÔNICA
Tenente Pena. Ali existem 4 ramais férreos com trens
alternados. Optou-se, desta maneira, por utilizar de uma passarela elevada na altura do segundo andar da ruína. Cabe ressaltar que a direção das escadas foi escolhida para trabalhar com um sistema de “recompensa” de visuais: ao usuário que sobe a escada, é entregue
O espaço originado da transposição transversal
do terreno articula bem os dois objetos remanescentes: o silo e a grande ruína, estabelecendo forte relação de tensão arquitetônica. Esta área possui aptidão para uma grande praça pública, e portanto, foi pensada para tal.
visualmente parte do parque, que ele não pode acessar no momento. Acredita-se que ao conceder e retirar parte do que ele pode ususfruir ao longo do percurso de chegada enriqueça a experiência arquitetônica.
e) ESTAÇÃO
A saída da estação foi voltada para esta praça,
onde os fluxos do parque se encontram.
b) TRILHOS
Os trilhos da altura da Al. Eduardo Prado
foram enterrados para facilitar o acesso dos pedestres
f) ALBERGUE E CONTINUIDADE DO SILO
e principalmente possibilitar a construção de uma nova
estação de trem/metrô que não avançasse para o subsolo
do antigo silo de grãos, optou-se por dar continuidade
Considerando os aspectos formais e simbólicos
das construções adjacentes do entorno.
à seu volume com a alocação do albergue na sua adjacência. Para isso, um volume tripartite, simples
142
e ortogonal, mantendo relações de altura foi pensado
de visuais antigo, que inclusive sugeria a criação da
para estabelecer relação de ritmo. Entre o edifício do
estação na parte superior do terreno. Muitas das visuais
silo (que agora abriga uma galeria de exibição do centro
decorrentes deste estudo ainda permanecem no caminho
de referência ou mostras independentes) e o albergue,
proposto, e como ele fez parte do processo, optou-se pela
optou-se por manter somente as fundações dos outros
sua permanência no desenho do parque. O desenho
6 silos demolidos e utilizá-los como tanque para plantas
possibilita também múltiplas visuais da paisagem ao se
aquáticas.
aproximar e se afastar dos objetos.
i) PEDRAS E ESTRUTURAS VERTICAIS g) QUADRAS E EQUIPAMENTOS DE LAZER
As quadras foram alocadas nas mediações
do viaduto, funcionando como porta de entrada para a população vizinha (e deslocada para o terreno posterior) e como filtro de atividades para o parque. Também funciona como interface entre o albergue e o restante da vizinhança, promovendo ponto de interação e convívio.
Ainda pensando nos caminhos, optou-se pela
criação de um sistema paralelo de atividades ou espaços livres, questionando a necessidade de uso discriminado do espaço. Para isso, foi gerado um caminho elevado em cima de um parque de pedras que fornecesse vista para o silo e o albergue. Este caminho, que termina num “dead-end” (beco-sem-saída), nos faz questionar sobre a necessidade de destinos certos . As estruturas verticais relacionam-se com o silo e o prédio novo, criando uma espécie de “cortina” pela qual o usuário deve passar.
h) CAMINHOS
Considerando a teoria proposta e a necessidade
de estabelecer este parque como uma resposta à normatividade do espaço da cidade, optou-se pela criação de uma rede mínima de caminhos que levasse os usuários até os edifícios ou atividades e deixar o restante do parque livre para o uso que lhe melhor couber. Para isso, dois grandes caminhos foram criados e levam até todas as estruturas do parque. O desenho surgiu de um estudo
j) CENTRO DE REFERÊNCIA
Colocado
anteriormente
dentro
da
ruína,
optou-se por fazê-lo fora, adequando melhor o partido à teoria desenvolvida. Para que não interferisse tanto nas visuais, tampouco na volumetria existente, este centro foi concebido como um volume linear, discreto e alocado ao fundo. Apesar de discreto, ele possui linguagem própria.
143
albergue
1Vista superior do albergue em seu contexto; 2- Vista da chegada principal. à direita, os tanques; 3- Relação de altura mantida com o silo e conexão através do terraço superior; 4: Outra vista superior
144
corte CC sem esc.
corte AA sem esc.
145
telha metálica
circulação
elevação leste sem esc.
146
pano de vidro
terraço
elevação sul sem esc.
brise (prolongamento do caixilho em forma de caixa)
elevação oeste sem esc.
elevação norte sem esc.
147
2 quartos para 2 1 quarto para 4 pessoas 3 quartos de 2
2 quartos para 2 1 quarto para 4 pessoas 3 quartos de 2
infogrรกfico tipologia sem esc.
148
estruturas verticais
Vista das relaçþes de altura entre as estruturas propostas, o albergue e os silos.
149
centro referência
Volume do centro de referência. A proximidade excessiva entre este edifício e a ruíma favorece o questionamento sobre a matéria ruinosa.
150
acervo
triagem
elevação sul sheds
telha metálica
sem esc.
elevação norte
brise (prolongasem esc. mento do caixilho em forma de caixa)
elevação leste sem esc.
elevação oeste sem esc.
151
paisagismo
(Tabebuia sp.)
152
(Chorisia glaziovii)
(Cymbopogon citratus)
(Aristida purpurea)
(Cortaderia sp.)
(Triticum sp.)
detalhes Telha metálica
as cores, optou-se por recorrer ao período anterior, enquanto o moinho funcionava. Existiam, no local da praça, 6 edifícios. O número de materiais foi fixo, portanto, em 6. As cores mais claras foram escolhidas para abrigar algumas plantas, em sua maioria capim e trigo. A praça seca funciona como ponto de articulação entre os dois volumes, já que possibilita espaço aéreo e visual livre, e gera incômodo ao usuário, que se vê obrigado a ir para a região dos silos ou da ruína.
Isolamento térmico
Gesso acartonado Vidro Esquadria Metálica
praça seca processo
Perfil Metálico Parafusos Tubo Camada de ar Suporte
detalhe construtivo sem esc.
O desenho da praça buscou relacionar-se de maneira não literal com a história do terreno, como maneira de referenciar as diversas transições pelas quais o local passou. Assim, optou-se por fazer referência à ocupação da favela do Moinho e sua atual condição como mais um estrato temporal a ser relembrado. Para isso, uma fotografia aérea foi abstraída em pixels e depois filtrada para um quantidade fixa de cores/materiais. Para determinar
Eletrodutos
Posição da lâmpadas fluorescentes tubulares
luminária corte sem esc.
luminária
planta sem esc.
153
metr么 chegada sem esc.
primeiro subsolo sem esc.
segundo subsolo sem esc.
154
a ruína
templo do mergulho particular, do mergulho coletivo. É ali, dentro das paredes rasgadas pelo tempo e pela pátina, que existirá talvez, as várias possibilidades de vivência de
trabalhando entre o suporte e o colapso
cidade: uma vivência que, filtrada pela textura da parede externa, mescla o interior com o exterior, e borra os
“Trabalhar com edifícios sem contruir dentro da estrutura, entre as paredes. Telhados decapitados, infraestruturas
limites da arquitetura, elevando categoria de arquitetura de edifício para arquitetura urbana.
escoradas, extraídas. Enfatizando as estruturas internas
através da extração, retirada e alteração, remoção em
intervenção da ruína requereu muito cuidado. A teoria
Concebido como ponto máximo do parque, a
pontos especiais de estresse, abrir espaços para redistribuir
desenvolvida mostrou que a ruína não poderia ser
a massa. Trabalhar com a ambigüidade entre espaço vs.
normatizada, uma vez que ela é, por excelência, um
objeto. Trabalhar com a ausência”.
espaço de liberdade, a idéia antitética de cidade. Assim, as idéias anteriores de alocação dos programas do centro
U
de referência/ cinemas dentro da ruína mostrou-se falha:
m silêncio, um vazio. O olho percorre as
ela não deve ser entendida do ponto de vista funcional,
estruturas
céu.
mas sim sensorial. O projeto não deveria promover um
O passante caminha por entre a vegetação
uso específico, mas sim deixar aberto ao usuário como
restantes,
direciona-se
ao
rasteira dominante que se apodera do edifício e realiza um trabalho de transformação diária da matéria construída em matéria somente. Ouve-se de fora alguns ruídos da cidade, o trem passa, os carros passam, algum vizinho grita da janela do alto edifício. Algumas crianças brincam no parque, algo de cidade está dentro
decidir aproveitar daquele espaço.
“A cidade “aberta” pode se transformar num
laboratório para uma experiência intensificada que oferece novas oportunidades, enquanto não insistamos em estandartidizá-la a todo custo.” (Levesque)
e fora daquele edifício. O tempo, elemento invisível,
indivisível, modelador e onipresente se faz vivo ali. É ali,
de uma “alternativa à conteinerização dos espaços”
A transformação do edifício consistiu, portanto,
naquele templo silencioso, onde o tempo se vê visível,
(Matta-Clark) e pautou-se na desconstrução dos seus
que talvez algumas pessoas dediquem algum tempo pra
elementos construtivos através da apropriação do
contemplar a cidade que nunca se vê ou o edifício que
conceito de ready-made ou de objet-trouvé. Por princípio,
sempre permaneceu invisível. É um templo do sim, é um
a condição de objeto-achado constitui, ao mesmo
Para trabalhar com a ruína através de seus aspectos materiais, plásticos e sensíveis por uma aproximação do conceito de objet trouvé, o projeto deve compor de um negativo da situação atual. O que antes era tido como vazio, apesar de cheio, agora é esvaziado e ganha significado por estar num contexto diferente. Esta totalização do objeto possibilita uma percepção e intuição alteradas, já que ele se torna um todo indiferenciado e está, portanto, apto à
155
qualquer pretação.
inter-
tempo, de imagem e de material: a característica, que o
elipse que progressivamente faz o usuário caminhar com
coloca num entremeio entre objeto e espaço, pode ser
os olhos para o alto.
desorientador e revelador, e portanto, devido à essa liberdade de trânsito, torna a arquitetura apta a ser isolada visualmente e concretamente de sua condição original; a arquitetura torna-se, portanto, material apto a ser alterado e modificado, que não permite mais o conceito de cheio e vazio, de interior e exterior, do que contém e do que é contido. (Matta-Clark).
As lajes do edifício foram cortadas e retiradas
elementos tece relação ao conectar o usuário, a matéria construída e o céu, além de trazer as atenções para a própria ruína, que torna-se a envoltória e o cerne da intervenção. As lajes serão colocadas invertidas no chão, formando paredes com seus próprios pisos. Colocá-las em outra orientação não é mero capricho gratuito: enquanto elas nos permanecem invisíveis na sua condição padrão, aqui reconstroem a memória de concretude e de espaço anterior, transformando a construção através de seus aspectos materiais e de suas capacidades plásticas. A distribuição destas lajes ao longo do eixo
principal do edifício sugere um caminho a ser realizado para subir a torre, que abrigará um pequeno mirante. Apesar da indução visual, o térreo e lajes permanecerão livres,
possibilitando
múltiplas
possibilidades
de
locomoção pelo espaço. A relação visual é simples, unindo as duas torres ao longo do eixo de caminho. Os pilares serão segmentados de maneira a constituir uma
156
As torres tiveram suas coberturas removidas
de maneira a possibilitar a entrada de luz e funcionar como filtro para o interior. zO recorte das lajes criou uma série de projeções longilíneas que não levam o usuário para nenhum lugar, mas cria cantos para observar a matéria impermanente: a proposta aqui é a de questionar a necessidade de rotas possuírem um destino certo e
de maneira a revelar seu interior. A retirada destes
incentivar o usuário a se perder e explorar o espaço.
Vista do aspecto interno da ruína enquanto elemento do parque. As lajes invertidas geram espaços intersticiais que multiplicam as possibilidades de caminho e usufruição do espaço.
157
158
11
processos paralelos a construção de repreesentações como construção de espaço
159
S
realização das monotipias é transformar o fugidio em
existentes entre seres em determinado lugar, então
riscadas com a pena metálica para aplicar a tinta no papel.
é possível dizer que a construção de imagens e
O resultado em papel é duplamente esmaecido, e à minha
interpretações sobre estes espaços é também uma
maneira- seja pelo traço rápido ou pelas experimentações
forma de construção de espaço. Desta maneira, de igual
de suporte para impressão-, acabam por funcionar como
importância para a elaboração do projeto estão as minhas
metalinguagem do abandono do qual sofrem os temas
representações sobre o Moinho Central nos suportes
destas representações. A foto, agora riscada e também
disponíveis.
com outras expressões de valor, acaba por constituir de
e espaço, em sua categoria mais ampla, pode
ponto de passagem da tinta para marcar o papel. Assim,
ser entendido como o resultado das relações
estas imagens-base, idealizadas como retratos do fugaz,
(históricas, relacionais, conceituais e materiais)
são novamente fadadas ao desaparecimento ao serem
A princípio, as fotografias com a Diana 120 E-6
revelada em C-41 me possibilitou deslumbrar os espaços das ruínas e da sua natureza mais fugidia através de uma representação gráfica que, graças às lentes de plástico e ao suporte do filme, se aproxima do que eu consigo vislumbrar como resposta artística para estes vestígios. Os cantos esmaecidos e a distorção cromática destroem as relações de “clareza” de texturas dos materiais da arquitetura aproximando
das a
minhas
representações
representação
da
anteriores,
“racionalidade”
arquitetônica e suas linhas à borrões e manchas orgânicas sem muitas definições. Desta maneira, o observador é forçado a se questionar e a entender o objeto fotografado que, mostrado desta maneira “imprecisa”, pode ser reconstruído à maneira das interpretações do momento de sua visualização.
160
Utilizar estas fotografias como suporte para a
outro subproduto do processo: o resultado da pátina do experimento sobre sua superfície revela que nem o papel, nem o vestígio arquitetônico, estão imunes ao desgaste antrópico e/ou do tempo, e que sua intervenção não só é interessante como desejável.
Sem tĂtulo. Fotografias realizadas com filme Fuji Velvia reveladas em processo cruzado (C41).
161
Sem tĂtulo. Monotipia feita com tinta Nankim em papel Marfim 120g.
162
Sem tĂtulo. Monotipia feita com tinta Nankim em papel velho.
163
Sem tĂtulo, monotipias realizadas em papel velho. Sem tĂtulo, monotipia realizada em papel neutro.
164
Nesta PĂĄgina: Sem tĂtulo, monotipias realizadas em papel de aquarela.
165
Matriz usada para conseguir as gravuras. Notar o depĂłsito de tinta na superfĂcie e as marcas da pena metĂĄlica.
166
12
bibliografia 167
Landscape and Memory of Deindustrialization. Toronto:
LIVROS
ILR Press, 2007
AUGÉ, Marc. Não Lugares: Introdução a uma antropologia
_____. Industrial Chic.
da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira.
HOBSBAWN, ERIC J. A Era das Revoluções: Europa 1789-
Campinas, SP: Papirus, 1994. ISBN 85 308 0291-8 BECHER, Bernd & BECHER, Hilla. Industrial Facades.
Janeiro: Paz e Terra, 1988.
London: The MIT Press, 1998.
JUNIOR, Moysés Lavander & MENDES, Paulo Augusto.
BIDERMAN, Ciro; GROSTEIN, Marta D.; MEYER, Regina
SPR, Memórias de Uma Inglesa: A história da concessão
M.P. São Paulo Metrópole. São Paulo: EDUSP, 2004.
e construção da primeira ferrovia em solo paulista e suas
BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a
conexões. São Paulo: _______, 2005.
origem de nossas idéias do Belo e do Sublime. Campinas:
LOWENTHALL, David. Como conhecemos o passado.
Editora Papirus, 1993.
Projeto História: revista do Programa de Estudos Pós-
DERTÔNIO, Hilário. O bairro do Bom Retiro. São Paulo: Secretaria de Educação e Cultura, 1971. EDENSOR, Tim. Industrial Ruins. Spaces, Aesthetics and Materiality. New York: Berg, 2005. FERRAZ, Vera Maria de Barros. (Org). Imagens de São Paulo: Gaensly no Acervo da Light 1899-1925. São Paulo: Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, 2001. HARTWELL, Ronald Max. The Industrial Revolution and Economic Growth. London: Methuen, 1971. HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993. HIGH, Steven & LEWIS, David. Corporate Wasteland. The
168
1848. Tradução de Maria Tereza Lopes Teixeira. Rio de
Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Novembro 1998. São Paulo: Educ, 1981-. MAZZOCO, Maria I. D. & SANTOS, Cecília R. dos. De Santos à Jundiaí: Nos trilhos do Café com a São Paulo Railway. São Paulo: Magma Editora Cultural, 2005. MENEGUELLO, Cristina & RUBINO, Silvana. (Org.). Primeiro Encontro em Patrimônio Industrial. Campinas, 2004. ISBN: 85-904944-1-1. 538pp. MONGIN, Olivier. A Condição Urbana: A cidade na era da globalização. São Paulo: Estação Liberdade, 2009. PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac, 2004.
PEIXOTO, Nelson Brissac (org.). Intervenções Urbanas:
TAYLOR, Nicholas. The Awful Sublimity of the Victorian
Arte/Cidade. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
Cities: Its aesthetic and architectural origins. In: DYOS, H.J.
SIMMEL,
Georg.
O
Estrangeiro.
In:
Soziologie.
Untersuchungen über die Formen der Vergesellschaftung
e WOLFF, Michael (orgs.). The Victorian Cities: Images and Realities._______
(Sociologia. Estudos sobre as formas de sociação). Berlim:
VIRILIO, Paul.
Duncker & Humblot, 1908)
Tempo Real. _____, _____: ____. p10.
O Espaço Crítico e as Perspectivas do
SOLÁ-MORALES, Ignasi. Territórios. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2002.
SITES
SOLÁ-MORALES, Ignasi. Diferencias: Topografia de La Arquitectura Contemporânea. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2003.
among-the-ruins/80683/ (consultado em 18 de março de 2010)
SCIFONI, Simone (org.) Bom Retiro: Memória urbana e Patrimônio Cultural: coletânea de texto para educação patrimonial. São Paulo:9a SR/Iphan, 2007.
Metafísica do Amor e Do Sofrimento do Mundo. São Paulo: Martin Claret, 2006. Michael.
O Terrain Vague como material: http://www.amarrages. com/textes_terrain.html (consultado em 18 de março de 2010)
SCHOPENHAUER, Arthur. Da Morte. In: Da Morte,
STRATTON,
A beleza nas ruínas: http://www.nysun.com/arts/beauty-
Solá-Morales:
Uma
forma
de
ausência:
http://
oitocentoseoito.blogspot.com/2009/09/ignasi-de-solamorales-forma-da.html
(Org).
Industrial
Buildings.
Conservation and Regenaration. London: E&Fn Spon, 2000. RUSKIN, John. Selvatiqueza (excerto de A Natureza do
Fotografia
e
Ruínas:
http://www.rizoma.net/interna.
php?id=164&secao=anarquitextura acessado em 15/04/07
Gótico). Tradução de José Tavares Correia de Lira. Revista do programa de pós graduação do departamento de arquitetura e urbanismo, EESC-USP. RUSKIN, John. The Seven Lamps of Architecture. London: Century Hutchnson, Ltd., 1988.
ARQUIVOS Acervo do Arquivo Municipal da Cidade de São Paulo (Washington Luís)
169
13 anexos
170
171