- Chico -
“ Chico ”
Adaptação: Pe. Guimarães Neto Música: Reginaldo Veloso Coleção: Evangelização em Cena 5
Manoel Vieira Guimarães Neto
Drama - Teatro Editora A Partilha
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Sumário: Prefácio.................................................. 08 Apresentação.......................................... 10
I parte Chico - “A crise”.................................... 16 A explosão da Alegria............................ 22 A família................................................. 33 A descoberta do Pobre........................... O escândalo da pobreza.......................... 51 A piração................................................ 59
II Parte O processo da libertação......................... 70 Os primeiros seguidores.......................... 82 Clara...................................................... .90 As Cinco Chagas.................................... 99 A morte..................................................106 “CHICO SOU EU... É VOCÊ... SÃO TANTOS!” ..................................112
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Prefácio: “CHICO”
o poverello continua atual
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Em 1976 eu pensei em comemorar 10 anos de Teatro com um espetáculo cujo texto fosse meu. Eu assinaria também a direção e trabalharia como ator. Fazia tempo que eu imaginava realizar uma adaptação da vida de São Francisco de Assis para os nossos dias, já que a experiência mística deste grande santo parece mais atual do que nunca, sobretudo agora que a questão ecológica está tão em evidência. Eu queria também que fosse um musical, com uma coreografia bem elaborada e uma produção impecável. Quer dizer, era um projeto arrojado demais para as limitações daquele momento: eu estudando em Fortaleza, como arranjaria tempo para escrever o texto? Quem faria as músicas? E a coreografia? Quem cuidaria da produção e como levantar fundos? Terminei optando por um espetáculo menos pretensioso e acabamos montando “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri. Mas eu continuei com a idéia na cabeça e só passei-a para o papel 10 anos depois. Eu morava em Recife naquela época (1986) e não havia perspectiva de eu montar um espetáculo como gostaria. Ai resolvi escrever “Chico”. Quando estava na metade da obra participei de um Retiro Espiritual cujo pregador era uma figura que eu admirava há muito tempo: D. Pedro Casaldáliga. Foi, de longe, o melhor Retiro que já fiz na minha vida e muita coisa que este grande Bispo disse naqueles dias eu aproveitei no texto. Quando eu estava escrevendo, me vinha à cabeça vários franciscanos ilustres como D. Aloísio Lorsheider,
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D. Paulo Evaristo Arns, Fr. Leonardo Boff e outros menos conhecidos como Fr. Marcondes, um colega meu do Curso de Filosofia, em Fortaleza. Todos eles, para mim, encarnavam de uma certa maneira, cada um a seu modo, o espírito franciscano. Mas também teve outras pessoas que não eram franciscanas e que me inspiraram também. Por exemplo, a morte de D. Lamartine, Arcebispo eleito de Maceió, AL, foi, até certo ponto, reproduzida na morte de “Chico”. Mas, seguramente, foi o povo de Deus que vive e luta no Nordeste o grande inspirador da peça. Não foi difícil imaginar como reagiria Francisco, o poverello de Assis, em contato com a realidade desafiadora desta tão sofrida região, onde vive o “Chico”. Quando terminei de escrever, tinha que providenciar as canções . Já tinha falado com o Pe. Reginaldo Veloso que, depois de ler o texto, topou compor as músicas. Pe. Reginaldo dispensa apresentações. D. Pedro Casaldáliga o chama de “maior musicador de textos bíblicos do Brasil”. Não precisa dizer mais nada. As Edições Paulinas se interessaram em publicar a obra e depois de contrato assinado e tudo, depois de muita marcha e contra-marcha, desistiram: o Plano Collor pegou a todos de surpresa e a minha obra não era considerada comercial. Não havia previsão de retorno, isto é, lucro. Pensou-se também na gravação de um disco com as músicas do espetáculo, mas estas também foram consideradas “regionais” demais... “Universais” são apenas os compositores do Sul. Depois houve um lance envolvendo Bibi Ferreira, que estaria interessada em dirigir o espetáculo. Cheguei
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mesmo a checar essa história falando com ela por telefone. Um rapaz que eu conheci em Recife e que trabalhava na Funtevê leu o texto, se empolgou e chegou até a levantar fundos para a produção. Mas era um projeto arrojado demais, envolvendo – inclusive – atores globais. Até que um grupo holandês de católicos se interessou e montou na Holanda , dizem, com certo sucesso. Eles queriam um texto que falasse da realidade brasileira e “Chico” veio a calhar para o que eles se propunham.
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Eu bem que gostaria de ver o meu “Chico” nordestino falando holandês. Eu fico pensando em como resultou a cena da feira, por exemplo, que corresponde à visualização dos cinco estigmas, que eu resolvi com a utilização de um folheto de cordel, da autoria de Crispiniano Neto, grande poeta potiguar e com o auxílio de slides. Enquanto eu levei duas horas para escrever “República de Rapazes” , “Chico” precisou de 20 anos para nascer. Pe. Guimarães Neto
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Apresentação “Chico sou eu, é você, são tantos!..” Isso está querendo dizer – cutucando a consciência e provocando o compromisso – este “musical popular e nordestino” ou auto-sacramental nordestino e franciscano do Padre Guimarães Neto, publicitário do Evangelho da Libertação. A música dos cantos – muito incisivos em suas letras – é do Padre Reginaldo Veloso, garantia, da mais alta qualidade. Reginaldo é hoje, no Brasil, o melhor “musicador” de cantos bíblicos. O texto de “CHICO” é linear. A ação é o próprio discurso, fundamentalmente. Mas é um texto belo, com oportunas surpresas de música e plasticidade, carregado de intenções, bem nosso na problemática e nos compromissos que levanta: a terra, a moradia, o trabalho, o despojamento, a partilha fraterna e a Comunidade, um novo sentido para a vida da Juventude, a superação dessa Sociedade Capitalista do lucro e da exploração, o Evangelho, enfim, que pode e deve ser vivido por nós neste contexto histórico em que Deus e o diabo nos têm metido. O texto, aliás, é linear e belo como a alma daquele Chico que está por detrás da peça toda: Francisco de Assis. Nele está inspirado o “CHICO”, confessa Guimarães; nele e em “vários Franciscanos” “e não franciscanos” e em “outras pessoas menos conhecidas”. Em muitos que, graças ao Deus de Jesus, Pai dos pobres, resolveram viver hoje também, despojados e comprometidos, no meio do povo. Chico, o líder profético, suscita companheiros a seu redor; leigo ele, eles leigos.. Clara - a mulher nova – também
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se junta. Os “maiores” – os pais ricos – dificilmente entenderão, presos como vivem ao culto de outros deuses. O próprio senhor Bispo – Oh, nós, os senhores Bispos! – acha o Chico “ingênuo e utópico”: Tão ingênuo e tão utópico quanto o Santo Evangelho! O povo, por quem se trabalha, com quem se vive, por quem se dá a vida, entende e não entende. Tem o seu ritmo o Povo e é também humano. Gratuitamente deve ser servido. Ele é a causa do Reino. Ele é a prova da fidelidade total. “O povo é uma cruz onde eu me crucifico todos os dias. Mas como a cruz também é sinal de redenção, é este mesmo Povo que me redime todos os dias!” E no meio do povo, desde sua vida real, tendo os olhos e o coração abertos, à luz da fé e querendo servir, facilmente aparecerão, desafiadoras, indeclináveis, “as cinco chagas de Chico” ( digo, de Cristo), da humanidade... O roteiro da peça poderia ser muito bem o roteiro real de muitas vidas, da vida da gente, se a gente quiser: A crise, a descoberta do Pobre, o escândalo da pobreza, a piração, o canto da liberdade, o processo de Libertação, os companheiros da comunidade, a morte... Pascal a Morte, fecunda, alegre como a chegada do Dia Novo, “a irmã Morte, porta da vida”. É isso aí, tão sabido – tão ignorado – como o próprio Evangelho. ... Vamos “juntar os sonhos” juvenis e o fogo cristão para tentarmos, mais uma vez, enquanto é tempo oportuno, brincar seriamente de “Chico”? Pedro Casaldáliga São Félix do Araguaia, Mt.
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Esta peça é dedicada a Leonardo Boff: Pela liberdade, coragem e humildade com que ele vive o espírito Franciscano hoje. “CHICO”
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Personagens: (por ordem de entrada em cena) 1. Ator 1 2. Ator 2 3. Ator 3 4. Ator 4 5. Ator 5 6. Ator 6 7. CHICO 8. Pai 9. Mãe 10. Operário 1 11. Operário 2 12. Operário 3 13. Bispo 14. Comadre 1 15. Comadre 2 16. Comadre 3 17. Comadre 4 18. Amigo 1 19. Amigo 2 20. Amigo 3 21. Bernardo 22. Egídio 23. Felipe 24. Clara 25. Folheteiro 1 26. Folheteiro 2 27. Médico Mais pessoas do povo. Obs.: Um ator pode fazer vários personagens.
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Abertura: instrumental.Palco vazio. Escuro. É noite, sobretudo na alma dos personagens. O cenário pode ser uma rua. os atores vão chegando aos poucos. Depois todo o elenco canta e dança:
“ A crise “
I.
QUEM FOI? QUEM FOI, ENFIM, O CAUSADOR DA CRISE QUE ESTÁ AÍ? - QUEM FOI? QUEM FOI? (BIS)
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- Foi o povo que, com sua ignorância, Foi mexer na Economia e saiu tudo errado? - Não, senhor, foi a própria burguesia, Na sua “sabedoria” tomou dólar emprestado, mas não tem com que pagar!.. - Quem foi? Quem foi? - - - - -
Foi a classe que trabalha pro país Que usou este dinheiro que aqui chegou? Não, senhor, ninguém viu nem o azul, Leste a oeste, norte a sul, Foi cometa que passou! Mas ela tem que pagar!.. Quem foi? Quem foi? Foi o pobre que fechou todas as portas, Que manchou a nossa história, o nome da nação? Não, senhor, portador de esperança,
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Para velho e criança É uma anunciação: Ele é quem vai nos salvar!.. Quem foi? Quem foi? (Escuridão total. Na medida em que vão falando, os rostos dos atores vão sendo iluminados. São Jovens sem esperança. O preto dos figurinos denunciam o estado de espírito deles)
ATOR 1 ATOR 2 ATOR 3 ATOR 2
ATOR 4
ATOR 5
–Me dá um “tapa” aí. –Saco! Eu não agüento mais!.. –O que? –A droga dessa vida!.. Sempre a mesma coisa!.. –Que é que cê quer? Estamos vivendo os últimos tempos... os últimos dias...Depois disto vai ser o nada ... o delírio total... e nós estaremos em órbita as 24 horas do dia... –Não haverá mais dias, babaca! Só a eterni-
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dade ... e aí o tempo não conta, porque não existe! ATOR 2 ATOR 6 ATOR 1 ATOR 3
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ATOR 4
ATOR 3 ATOR 4
ATOR 3 ATOR 1
–O mundo está em crise... –Belíssima descoberta! –Ou somos nós? –Que nada!... Tá tudo assim mesmo, nesse marasmo... –É como se a gente estivesse prestes a ver tudo se acabar! A grande tragédia da vida vai chegando ao seu final. –Tenho medo quando você fala assim... –(Dramático) E é porque você não viu nada! O pior ainda vem por aí... –Pára! Que droga! –E a porcaria desse fumo que não funciona mais... Agora só vai se for de charuto.
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ATOR 5 ATOR 1 ATOR 5 ATOR 4
ATOR 2
ATOR 4
ATOR 1
ATOR 4
–Deve haver uma saída... –Pro fumo? –Não, pra vida, pô! –(Exageradamente misterioso) Não haverá! Na nossa frente só existe o nada... –Puxa, mas nós somos tão jovens! Será que em outros tempos os jovens eram tão tristes como nós? –Não importa.... o que importa é o hoje... e o hoje é esse tédio absoluto... –Este vazio, esta sensação de impotência diante das coisas que a gente não pode mudar na vida... essa falta de entusiasmo pelas coisas que a gente pode mudar na vida... essa falta de entusiasmo pelas coisas, por tudo... –Cada um cuide de si... o homem é inimigo do próprio homem....até a natureza se volta
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contra ele...só nos resta a solidão... ATOR 3
ATOR 2 ATOR 6
ATOR 5 20
ATOR 1 ATOR 5
ATOR 1 ATOR 5
ATOR 4
–Eu tenho medo... me sinto constantemente ameaçado e incapaz de lutar pra mudar as coisas... –Ainda tem fumo suficiente, cara? –Não me torra a paciência, droga! Cê não vê que só agora que eu peguei? –Gente, vamos parar com essa agressão! Deve haver uma saída! A gente precisa se agarrar a alguma coisa... –Pegue um fuminho e esquece tudo... –Não dá mais... também pra mim essa históia de fumo, praia , festinha tá dando no saco! –Tem coisa mais forte... –Também não quero! O pesadelo só iria aumentar!.. –A saída, então, é a morte... dá um tiro na
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cabeça e pronto! Tudo resolvido... ATOR 5
-Não tenho coragem... a única coisa que eu tenho é a necessidade de um tempo menos triste...
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(Primeiros acordes da música de entrada de Chico. Luz aos poucos. Chico aparece, canta e dança com todos. Rock pauleira)
II.
“ A Explosão da Alegria”