Espaço Sagrado Após o Concílio Vaticano II
Pe. André Andrade Brandão © 2011 Todos os direitos desta edição reservados à Editora A Partilha Ltda. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta entidade.
Capa Correção
Aristides Luís Madureira
Eliete Madureira e Gelba Madureira
Diagramação
Impressão Gráfica
Bruno Madureira Ferreira
Gráfica Brasil Ed. e Marketing Ltda.
Imagem de Capa Catedral Luz de Cristo, Oakland, California, Designer: Skidmore, Owings & Merrill. Architeture Week Magazine, USA
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Brandão,
Pe. André Andrade Espaço Sagrado - após Concílio Vaticano II / André Andrade Brandão -- Uberlândia, MG: Editora a Partilha, 2011.
ISBN: 978 85 89520 43 0 1. Espaço Sagrado 2. Arquitetura 3. Liturgia 4. Arte Sacra
Pe. André Andrade Brandão
Espaço Sagrado Após o Concílio Vaticano II
A Partilha 2011
Sobre o autor André Andrade Brandão é Padre Diocesano (Diocese de Piracicaba) e Arquiteto graduado, natural de Bom Repouso (MG). Foi pároco nas Paróquias Santo Antonio em Santa Bárbara (SP), e Bom Jesus em Rio Claro (SP). Foi Reitor do Seminário Propedêutico e Cerimoniário Diocesano. Atualmente é pároco na Paróquia Santa Teresinha em Piracicaba (SP).
Graduado em Arquitetura e Urbanismo, Pe. André tem se dedicado aos estudos e trabalhos em Arquitetura e Arte Sacra, bem como na especialização que o tem levado a realizar importantes projetos arquitetônicos para construção e reformas de igrejas e capelas em Dioceses de todo Brasil e sobretudo na Diocese de Piracicaba.
Contatos com autor: www.arquiteturasacra.com.br asbrandani@terra.com.br
Apresentação “Um dos caminhos para chegar a Deus é o da beleza.”
Este pensamento de Santo Agostinho conduz-me a reconhecer que o neo-arquiteto, Padre André Andrade Brandão, busca inspiração no belo ao realizar suas obras. Ninguém consegue olhá-las com indiferença. Provocam o que é próprio da arte: verdadeira elevação. Padre André formou-se recentemente – 2008 – na Universidade Metodista de Piracicaba dando ao público esse seu “Trabalho final de graduação”. O arquiteto da vocação é também um artista que sabe contemplar a beleza e traduzi-la numa linguagem encarnada. O artista cristão é aquele que consegue, na estética, refletir sua fé. No meio da morada dos Homens, os Homens nunca deixaram de abrir espaço para a morada visível do Deus invisível. Jesus Cristo foi quem definiu: ‘A casa de meu Pai é casa de oração’. Esse é o verdadeiro sentido do ‘Espaço Sagrado’, lugar para o Homem nele relacionar-se com o Divino e, segundo a fé cristã, com o mistério do Deus único em três pessoas. Com quem podemos entrar em diálogo e comunhão. ‘Espaço Sagrado’ onde os batizados se reúnem em assembleia para celebrar sua fé na Palavra de Deus e no mistério do filho de Deus feito homem. A casa do Pai, no meio das casas dos Homens, distingue-se com uma arquitetura própria adornada com símbolos que fazem dela casa de oração. A partir do Concílio Vaticano II o interior do Espaço Sagrado passou a ter um ambiente que veio favorecer a comunicação entre o celebrante e a assembleia com Deus nas celebrações. Assim se expressa o Papa Bento XVI: “Quando a fé, particularmente celebrada na liturgia, encontra a arte, cria-se uma profunda sintonia porque podem e querem falar de Deus, tornando visível o invisível.” (Audiência geral, 18 de novembro, 2009). Arquitetura servindo a Arte e Arte servindo Arquitetura, com inspiração na fé cristã, é a marca de identidade da obra do Padre André. Dom Eduardo Koaik (Bispo Emérito de Piracicaba)
Sumário Introdução 9 As raízes judaicas do espaço cristão
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Espaço sagrado nos primeiros séculos da era cristã
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Espaço sagrado após o século IV
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Igreja após o século XI
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Igreja após o Concílio de Trento
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Igreja no Concílio Ecumênico Vaticano II
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O Espaço Sagrado após o Concílio Vaticano II
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Espaços Celebrativos atuais
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Conclusão 47 Perguntas e Respostas
49
Referências 61
Introdução O tema proposto para esta obra, O ESPAÇO SAGRADO CRISTÃO, coloca-nos diante de um grande desafio: o de criar espaço para o Homem se relacionar com o Transcendente (Divino); pois este traz em si a dimensão do sagrado e procura desenvolver esta dimensão a qual se expressa no ‘tempo’ e no ‘lugar’ em um espaço determinado. Delimitando o enfoque da pesquisa, refletiremos o espaço cristão católico e como ele se realiza após o Concílio Vaticano II, buscando comparar a sua evolução desde a construção do Templo de Salomão, passando pela história cristã, chegando até os dias atuais. Pretendemos nesta obra, propiciar uma visão da evolução histórica do espaço sagrado: como era, como se desenvolveu, como ele se realiza na atualidade, sobretudo após o Concilio Vaticano II. Qual a eclesiologia que transparece na elaboração de tal espaço sagrado? Quando nos referimos ao Termo ‘Espaço Sagrado’, nos vem à mente um lugar especifico de diálogo e profunda comunhão com Deus. Lugar onde o Homem busca o Divino, o Sagrado, o Transcendente. Foi assim desde os primórdios da história humana onde a própria natureza, o sol, a lua, o trovão, etc. eram vistos como deuses e, por isso mesmo, o ‘lugar’ de adoração e comunhão com esses deuses era a própria Terra. Porém, a fé em um único Deus delimitou esta compreensão de Espaço Sagrado, levando o Homem a criar monumentos, altares, lugares de adoração e de sacrifícios onde se faz comunhão com o Transcendente. O Espaço Sagrado começa, então, a ser definido por meio de simbolismos, entre os quais se define o “círculo e o quadrado, o primeiro significando o infinito, o eterno, o divino e o segundo o finito, a terra os quatro elementos. Desses dois símbolos contemplamos a união entre céu e a terra, o céu desposando a terra”. (PASTRO,C. Guia do Espaço Sagrado, Ed. Loyola - SP-1999, pág.16).
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Se o Espaço Sagrado é um lugar de relacionamento entre Deus e o Homem; o Espaço Cristão é o próprio Deus que vem ‘morar’ entre nós. “Eis a Tenda de Deus conosco” (Apocalipse 21,3); ou seja, Jesus Cristo se encarna e se faz presente na humanidade, tornando-se assim, o centro de toda ação religiosa. O Espaço Cristão é onde Deus, através de Jesus Cristo, chama, convoca, fala e celebra a aliança com seu povo. (PASTRO,C. Guia do Espaço Sagrado, Ed. Loyola - SP-1999, pág. 31). Três são as exigências básicas para se estabelecer o espaço sagrado nos diz C. Pastro: o Altar, o Atrium, o Decoro. (PASTRO,C. Guia do Espaço Sagrado, Ed. Loyola - SP-1999, pág.31). Partindo de uma visão teológica de Espaço Sagrado, o teólogo e liturgista, Frei José Ariovaldo da Silva nos propõe quatro elementos fundamentais, os quais não devem faltar na organização simbólico-sacramental do espaço litúrgico. Por eles nos é dado perceber a presença amorosa de Deus na celebração da divina liturgia. Jesus Cristo está real e vivamente presente na liturgia (Cf. SC-7) e esta presença é comunicada por meio desses elementos, a saber: o Altar, a Mesa da Palavra, o Espaço da Assembleia e a Cadeira da presidência. • O Altar – É o centro de nossa fé. É o próprio Deus que se comunica conosco e nos comunica o seu amor pelo pão e vinho partilhados. • Mesa da Palavra – Na mesa da Palavra é Deus quem nos fala através daquele que proclama as leituras. “Pela palavra, Cristo está presente e é Ele quem fala quando se lêem as sagradas Escrituras, pois a Palavra é Deus”. (SILVA, Frei Ariovaldo - Os Elementos Fundamentais do Espaço Litúrgico Para a Celebração da Missa, Paulus, SP, Brasil, 2006, pág. 11). “A dignidade da Palavra requer na Igreja um lugar condigno de onde se possa anunciar e para onde se volta a atenção do povo” (IGMR, no. 39) no momento da celebração. • O Espaço da Assembleia – Este lugar não é para apenas simples aglomeração de pessoas, mas sim para uma assembleia litúrgica que participa e celebra o Ministério de Cristo, como povo sacerdotal, exercendo o seu múnus recebido pelo Batismo. É comunhão de pessoas cristãs, dispostas a ouvir
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a palavra de Deus e a partilhar da Eucarística. Esta assembleia é o próprio ‘Corpo de Cristo’, onde o Cristo é a cabeça e nós os membros; “Assim sendo o espaço da assembleia deve aparecer como um “espaço do Cristo”; enquanto corpo feito de muitos membros”(SILVA, Frei Ariovaldo - Os Elementos Fundamentais do Espaço Litúrgico Para a Celebração da Missa, Paulus, SP, Brasil, 2006, pág. 12). • A Cadeira da Presidência – O quarto elemento é a cadeira da presidência, é o lugar de onde se ensina, ou seja, a palavra de Deus é atualizada e orientada a partir desse local. O sacerdote que preside a Eucaristia é o sinal sacramental de Cristo Jesus que está presente. O sacerdote atua em nome do Cristo como verdadeiro mestre e por isso, recomenda-se que a cadeira presidencial esteja em lugar de destaque, visível para toda a assembleia, para que aconteça a comunicação entre o Cristo, presente naquele que preside, e seu povo ali reunido. Tendo em vista a necessidade de buscar espaços que nos coloquem na dimensão de diálogo com o Transcendente (Deus), pretendemos definir e organizar o Espaço Sagrado Cristão, levando em consideração as orientações do Concílio Vaticano II, de forma a ajudar os fiéis a celebrarem o mistério de Jesus Cristo, o Filho de Deus; considerando as técnicas e materiais atuais de construção, propiciando assim, um ambiente de integração das pessoas entre si, com a natureza e com o Criador; dispondo de maneira prática e objetiva os elementos constitutivos e principais deste espaço, dando-lhes destaque segundo a importância que ocupam na simbologia cristã. Enfim, o Espaço Sagrado deve ser este lugar de comunhão, diálogo e presença do povo, reunido em assembleia com o Deus Amor-doação, desenvolvendo uma dinâmica de participação e compromisso do povo entre si e com o Divino que preside, fala, partilha e faz do seu povo uma assembleia comprometida com a paz, justiça e a partilha.
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Figura 1 – Zigurate de Ur
As raízes judaicas do Espaço Sagrado Cristão Zigurates - Mesopotâmia Antes de adentrarmos na história, na qual tomaremos por base o Templo de Jerusalém, ouso refletir sobre influências culturais herdadas pelo judaísmo, não somente dos egípcios, mas principalmente dos sumérios, acádios e babilônicos. Na mesopotâmia se desenvolveu uma civilização de cidades-estados durante o terceiro milênio a.C. Os Sumérios apresentaram uma das mais ricas e variadas tradições artísticas do mundo antigo, a base sobre a qual se desenvolveu a arte dos assírios e babilônios. Grande parte do que conhecemos da arte suméria procede das escavações das cidades de Ur e Erech. O aspecto dominante da arquitetura das grandes cidades era o templo-torre (zigurate). As fachadas com colunas tinham decoração de lápis-azul, conchas e madrepérola. Também eram produzidas jóias do mais delicado trabalho em ouro e prata, esculturas de cobre, cerâmica, gravuras e selos. Os sumérios trabalhavam bem a pedra e a madeira e foram pioneiros na utilização de veículos com rodas. Diferentemente do que pensavam alguns estudiosos, os zigurates não se destinavam a idolatria e adoração com participação do povo. Na Mesopotâmia acreditava-se que eram a morada dos deuses. Através dos zigurates as divindades colocar-se-iam perto da humanidade, razão pela qual cada cidade adorava seu próprio deus ou deusa. Além disso, apenas aos sacerdotes era permitida a entrada nos zigurates, e era deles a responsabilidade de cuidar da adoração aos deuses e fazer com que atendessem as necessidades da comunidade. Os sacerdotes já gozavam um status especial na sociedade suméria.
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Um exemplo de zigurate mais simples é o do Templo Branco de Uruk, na antiga Suméria, que deve ter sido construído por volta de 400-300 a.C.. O próprio zigurate é a base sobre a qual o Templo Branco repousava, e sua função era trazer o templo mais próximo aos céus, de forma que pudesse prover acesso desde o solo até lá, por meio de degraus — a estrutura teria a função, portanto, de uma ponte entre os dois mundos. Por isso acredita-se que o templo dos sumérios seria um eixo cósmico, uma conexão vertical entre o céu e a terra, e entre a terra e o submundo; e uma conexão horizontal entre as terras. Construído em sete níveis, ou camadas, a zigurate representaria os sete céus, ou planos de existência, os sete planetas e os sete metais a eles associados e suas cores correspondentes.
Dos Altares ao Templo de Jerusalém A saga bíblica, cujo marco inicial se dá com Abrão, habitante da região mesopotâmica, e culmina com a encarnação do messias, trata essencialmente da Aliança de Deus com a humanidade. Aliança que exigiu sempre um lugar específico, um espaço sagrado.
Figura 2 – Planta do Templo de Herodes segundo Flávio Josefo (a. Santo dos Santos, b. Santuário, c. pórtico, d. altar, e. pátio do sacerdote e f. pátio das mulheres)
Desde os altares erguidos pelos patriarcas (Ex 20,22-26), à elaboração da tenda para acolher a Arca da Aliança, e a construção do Templo de Jerusalém, encontramos a presença de símbolos, objetos, gestos que elaboram e constituem este espaço sagrado. Sugiro aqui a leitura do livro do Êxodo no capítulo 25, e confirmadas no capítulo 35, para que se possa contemplar a riqueza de detalhes na elaboração deste espaço. Nota-se ainda, a presença cultural na intenção, nos estímulos, nas motivações, objetos e símbolos, muito semelhantes com os das culturas mesopotâmicas. Com o rei Davi ocorrerá o traslado da Arca para Jerusalém e a constituição dos primeiro ministérios litúrgicos. (II Sm 6). Seu filho Salomão é quem irá construir o templo.
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O Rei Salomão começou a construir o templo no quarto ano de seu reinado seguindo o plano arquitetônico transmitido por Davi, seu pai (1 Reis 6:1; 1 Crônicas 28:11-19). O antigo Templo de Jerusalém era o lugar da presença de Deus: “eu construí para ti uma morada, uma residência em que habitas para sempre” diz Salomão falando do Templo (1º Reis 8,13). O templo de Salomão era composto de duas partes: um pátio aberto onde estava o altar dos holocaustos - duas colunas de bronze com capitéis floridos (pórtico) - e um edifício fechado, dividido em três ambientes: vestíbulo, o ‘Santo’ e o ‘Santo dos Santos’, sede da ‘Morada de Deus’ Figura 4 – Planta (hipotética) do Templo de Salomão
Figura 3 – Reconstituição do Templo de Jerusalém
Figura 5 – Mosaico do Templo de Jerusalém, representando a porta doTemplo, o altar dos holocaustos, o Sancto Sanctorum e a Arca da Aliança
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