SAÚDE MISSÃO TRANSFORMADORA

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Natália Madureira Ferreira

Saúde missão transformadora

Editora A Partilha


Este livro, como muito me ajudou um amigo a d ­ escobrir, veio suprir necessidades: Necessidade cristã de promover a saúde nas paróquias. Necessidade nacional de documentos formadores para a pastoral da saúde. Necessidade pessoal de fomentar a luta pela saúde no Brasil!


Sumário

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Prefácio

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A missão social da Igreja

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A Igreja na história da Saúde

27 to

Entendendo a saúde como um direi-

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Os leigos na construção social da Igreja

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Estruturando a pastoral

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Planejamento pastoral

63

Pilares pastorais

81 Embasando o debate: políticas e ­programas nacionais em saúde

91 Anexos 105 Referências


Prefácio

Somos todos Construtores da Sociedade

Bem se sabe que a atual sociedade em que vivemos não prima pela justiça e pela igualdade, muitas vezes esquecendo as necessidades de seu povo. Sabemos inclusive que a vontade de poucos é satisfeita em detrimento daquilo que é primordial para a sobrevivência de muitos. O descaso com que são tratadas algumas injustiças sociais como a desigualdade, a fome, a miséria, o desemprego, a marginalização, a doença etc, torna necessário ações concretas que combatam este tipo de atitude. O que desconhecemos ou ignoramos é que nós também somos responsáveis por tudo aquilo que concerne à nossa sociedade. Somos nós os verdadeiros agentes transformadores da nossa realidade e é a partir do nosso exemplo que mudanças efetivas podem ser iniciadas. Cabe a cada um de nós, indivíduos que buscam o bem de um coletivo maior, trabalhar efetivamente na construção do que acreditamos ser ideal para uma boa convivência social. É nossa responsabilidade lutar para que os famintos sejam saciados; os que têm frio sejam cobertos; os doentes sejam curados e os injustiçados conheçam a justiça. Baseado nestes princípios, pode-se afirmar que a Igreja­possue um papel igualmente importante na luta por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna. Não ­somente por ser ela uma das ferramentas de construção 9


do pensamento humano, mas por seus valores morais e cristãos que estão intrinsecamente ligados à luta em defesa­ da vida, dos oprimidos e dos injustiçados. É acreditando nisso e no poder transformador existente em cada um de nós, que os convido hoje a pensar sobre a saúde e seus agravos sociais sob uma ótica efetiva de mudança. Neste aspecto, o convite é para que deixemos de ser meros espectadores da realidade que nos cerca,­ acreditemos verdadeiramente no nosso poder transformador e aceitemos a missão de interferir construindo uma alternativa para as injustiças que presenciamos diariamente.­

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Capítulo I A missão social da Igreja

A contribuição da Igreja à libertação e promoção humana vem se concretizando ao longo dos anos, à medida que a discussão acerca de sua missão social torna-se mais presente não somente dentro das comunidades, mas também em seus espaços formais de construção. Percebe-se isto claramente em alguns textos extraídos da III Conferência Geral do Episcopado Latino­Americano, onde muitos dos debates foram relevantes para o caráter social que a Igreja Católica urge em assumir. Talvez até mesmo pelas características típicas do povo latino-americano, mais voltado às necessidades sociais e à concepção de luta pelas melhorias da condição de vida de sua população, as discussões ocorridas em Puebla trouxeram nova luz, esperança e fôlego para que a luta contra as injustiças não cessem. Muito pelo contrário, sejam incentivadas e pautadas nos reais problemas que assolam a p ­ opulação. Para que nossa doutrina social seja acreditável e aceita por todos, deve responder de maneira eficaz aos desafios e aos problemas graves que surgem de nossa realidade latino-americana. Homens diminuídos por ­carências de

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Saúde: missão transformadora toda espécie reclamam ações urgentes em nosso esforço promocional que tornam sempre n ­ ecessárias as obras assistenciais. Não podemos propor eficazmente esta doutrina sem sermos nós mesmo interpelados por ela em nosso comportamento pessoal e institucional. [...] (PUEBLA).

A comunidade é convidada a participar desta nova empreitada, sendo de fundamental importância na promoção da vida e das necessidades humanas. Está claro que toda a comunidade cristã, em comunhão com seus legítimos pastores e guiada por eles, constitui sujeito responsável pela evangelização, pela libertação e promoção humana. (PUEBLA)

Percebe-se assim, a necessidade de uma boa comunicação entre a comunidade e seus pastores, para que eles falem a mesma linguagem e tenham em mente um objetivo­ comum. O papel do sacerdote não é apenas o de orientar a sua comunidade na promoção humana, mas o de fomentar em seus agentes pastorais a diposição pela luta pelos direitos humanos e a delação da infração destes direitos. É ele o responsável por incutir na população a consciência necessária à transformação. A promoção humana implica atividades que ajudam a despertar a consciência do homem em todas as suas dimensões e a lutar por si mesmo como protagonista de seu próprio desenvolvimento humano e cristão. Educa para a convivência, dá impulso à organização, fomenta a comunicação cristã dos bens, ajuda de modo eficaz a comunhão e a participação (PUEBLA).

É a comunidade (padres, bispos e leigos) que definirá 12


Natália Madureira Ferreira as ações e projetos que serão traçados para alcançar as melhorias almejadas. Entender a necessidade de buscar formas que melhorem as condições de vida daqueles menos favorecidos é uma maneira de servir ao Deus presente no oprimido. Nossas ações devem ser voltadas para que o irmão que passa algum tipo de necessidade, seja ela física, espiritual, emocional ou psicológica encontre em nós a luz do Deus criador. Que ele encontre em nós o Deus que o habita e assim encontre a paz que acalenta o coração que sofre. Nossas ações devem ser reflexo dos nossos sentimentos para com os outros.De nada adianta ser agente transformador da realidade se o seu coração não acredita na verdade existente nesta atitude. É imprescindível que haja coerência entre aquilo que é praticado e aquilo em que se acredita. De nada adianta servir ao Deus existente no irmão se não se faz isso com o coração aberto. Quanto às atitudes, é necessário ponderar qual o seu sentido de comunhão com os bispos, em primeiro lugar,­ e com os outros setores do Povo de Deus: qual a contribuição que damos à construção efetiva da comunidade e qual a forma de dedicarmos com amor nossa solicitude para com os pobres, doentes, despojados, desamparados, angustiados, e como, descobrindo neles a imagem de Jesus “Pobre e Paciente”, nos esforcemos por remediar suas necessidades e procuramos servir neles a Cristo (PUEBLA)

Calar-se ao presenciar o desrespeito à autonomia, à liberdade e aos direitos essenciais do ser humano é consentir com esta prática que dilacera grupos populacionais naturalmente marginalizados. Quando o mais fraco é calado por ser mais fraco, cabe ao mais forte dar-lhe voz e fazê-la ecoar sobre aqueles que dominam e humilham. Omitir-se no momento em que você é chamado para agir, é o mesmo que aprisionar aquele que não mais pode se 13


Saúde: missão transformadora defender. Acaso você não defenderia seu irmão mais novo se este estivesse sofrendo coerção? Libertar o oprimido desta situação de cárcere, em que ele torna-se escravo das situações, das condições e das pessoas, faz parte da responsabilidade cristã de atender aos mais necessitados, independentemente de seu credo, etnia, sexo ou idade. Quando não o fazemos, mutilamos a libertação do humilhado e passamos a ser também dominadores dos mais fracos, retirando destas pessoas o direito, a elas dado por Deus, à vida e à dignidade. Também mutilamos (a libertação) se esquecemos a dependência e as escravidões que ferem direitos fundamentais que não são concedidos por governos ou insituições, ainda as mais poderosas, mas que têm como autor o próprio Criador e Pai. (PUEBLA)

Existem diversas formas de levar Cristo para as pessoas, de fazê-las conhecer o Seu amor e Sua luz (através de orações, ações, pregações, música, livros etc). Um projeto social é apenas mais uma forma de alcançar o coração do oprimido para que este abra-se para Deus e Sua infinita misericórdia. Qualquer tipo de projeto social, para realizar aquilo que se propõe a fazer, precisa ter uma orientação clara de quais os seus objetivos e quais são as motivações que os realizadores têm para fazê-lo. É sempre necessário então, relembrarmos o por quê executamos nossas tarefas e quais os nossos propósitos com isso, para que não nos percamos dentro do nosso trabalho. Para isto é necessário permanecer em sintonia com os valores cristãos (generosidade, solidariedade, justiça e amor ao próximo) que nos motivam a trabalhar em prol do outro. É exatamente por isso que afastar-se da palavra de Deus pode comprometer o trabalho social promovido pela Igreja, é importante que todas as pessoas envolvidas tenham uma vida de oração 14


Natália Madureira Ferreira intensa e guiada pelo sacerdote. É fundamental também que o trabalho de evangelização não seja esquecido, muito pelo contrário, seja incorporado nos projetos sociais promovidos pela Igreja. Para que ele possa ser mais do que um projeto assistencialista, mas uma forma de servir a Deus e transmitir Sua palavra. Exercer uma atividade voltada para a construção de uma alternativa às duras realidades sociais, é muito desgastante física e emocionalmente. Uma pessoa pode sentir-se completamente exaurida depois de passar algumas horas vivenciando intensamente o sofrimento alheio. Além disso, é possível que um agente da comunidade não consiga desvincilhar-se da experiência que viveu nos projetos sociais, levando cargas emocionais muito grandes para sua vida pessoal e familiar. Por este e outros motivos, é importante que o que guie o leigo neste tipo de trabalho seja a vocação e a necessidade de atender ao chamado divino. Se você não ouve o chamado para este tipo de trabalho, não se acanhe, sua missão certamente está trilhada em outros caminhos. Torna-se interessante que o grupo de agentes sociais (como assim chamaremos aqueles envolvidos em trabalhos sociais da Igreja) faça reuniões regulares para contar e dividir experiências, frustrações e alegrias. Neste espaço cada um pode compartilhar com os demais suas angústias e juntos descobrir maneiras para transpor os problemas que certamente aparecerão. É interessante também pensar na possibilidade de reuniões de formação, onde os agentes sociais possam aprofundar discussões ou mesmo se capacitar para trabalhar com pessoas que vivem experiências tão diferentes. A participação de um profissional neste momento engrandece muito a experiência, uma vez que permite uma abordagem diferente com enfoque mais acadêmico, o que pode tornar a assistência mais eficaz. Uma outra sugestão 15


Saúde: missão transformadora interessante é que o grupo tenha momentos de oração e descontração juntos. Um espaço voltado somente para os agentes sociais e o sacerdote, onde eles podem aprofundar sua fé e conhecer-se melhor. São muito variados os tipos de trabalhos sociais que podem ser desenvolvidos em uma comunidade. Os projetos devem ser baseados nas reais necessidades da região. Desta forma, uma análise simples da sociedade loco-regional (uma pesquisa pra saber qual a vontade daquela comunidade ou região) pode ajudar a identificar qual a forma­mais eficaz e urgente de trabalho. Abaixo estão listados alguns tipos de pojetos que podem ser desenvolvidos: 16

• Creches; • Casa de repouso para idosos; • Casa de recuperação (dependentes químicos ou/e etilistas); • Albergue para os desabrigados; • Casa de apoio a mulheres vítimas de violência; • Alimentando os famintos; • Orfanatos; • Centros de Recuperação e Desenvolvimento Juvenil;­ • Centros de Desenvolvimento de habilidades profissionais; • Casa de Apoio a Pacientes Estigmatizados (hanseníase, HIV etc) • Casa de Apoio às famílias de doentes com Câncer; • Centros de Apoio às famílias de dependentes. químicos;­ • Projetos de Inclusão de Deficientes físicos; • Centros de Atenção aos deficientes mentais; • Desenvolvimento de Habilidades na Terceira


Natália Madureira Ferreira

Idade;­ • Alfabetização para adultos; • Recuperação e transformação do lixo; • Farmácia para todos; • Reabilitação e Cura; • Prevenção e Promoção da Saúde; • Hortas orgânicas;

Existem centenas de projetos sociais que podem ser desenvolvidos nas mais diversas partes do Brasil. Todos eles com características específicas e voltadas diretamente para um determinado público-alvo. Estes projetos podem e devem estar intrinsecamente ligados aos trabalhos das pastorais. Cada pastoral, em si, já é uma organização da missão social da Igreja. Desta forma, as pastorais podem contribuir em muito com os projetos. A pastoral da Criança­e do Adolescente (ou do Jovem) podem desenvolver atividades de recuperação dos jovens e crianças de rua, levando­-os para dentro da Igreja e dando-lhes a oportunidade de experimentar uma realidade diferente (aprendendo línguas, artesanato, música, dança, pintura etc). A pastoral do Idoso­pode incluir as pessoas da melhor idade em atividades que promovam o seu bem-estar e desenvolvam suas habilidades, como dança, exercícios leves, trabalhos manuais, clubes de leitura etc. Como percebemos, cada pastoral é uma infinidade de possibilidades, tudo depende da criatividade e disposição de seus agentes. Quanto mais organizada e disposta uma pastoral se apresenta para desenvolver um projeto social, maior será o interesse das pessoas em se dedicar a este trabalho. Não seria ótimo se os profissionais das mais diversas áreas dedicassem um pouquinho do seu tempo e de seus conhecimentos na construção de uma atividade 17


Saúde: missão transformadora social? Cabe a nós, agentes sociais e pastorais, convidar e conquistar as pessoas a trabalharem conosco. Busque parceiros para a otimização de seu projeto (estudantes da universidade da sua cidade, profissionais dispostos, aposentados, escolas, voluntários), a ajuda vem quando menos ­esperamos, desde que mantenhamos as portas abertas.

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