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Os primeiros historiadores da história
Quando há poucas semanas dei uma entrevista a este jornal, e me perguntaram que importância devia ser atribuída à preservação da história da imigração portuguesa no Canadá, respondi de uma forma indireta, afirmando que “a nossa história é agora parte da história do Canadá.” Hoje vou recuar 50 anos no tempo, e falar um pouco dos primeiros historiadores, Grace Anderson e David Higgs e os leitores ficarão a compreender melhor a razão da minha resposta.
ministro Lester B. Pearson criou a Royal Commission on Bilingualism and Biculturalism cujo relatório - Book IV se debruçou, pela primeira vez, sobre a contribuição cultural dos outros grupos étnicos assim como a dos povos nativos. Em resposta a este relatório, entre muitas outras coisas, o Departamento de Cidadania do governo federal iniciou um programa de subsídios de “histories specifically directed to the background, contributions and problems of various cultural groups in Canada”. E, nas universidades canadianas, historiadores e sociólogos, estavam mais que prontos para pôr mãos à obra.
Professores de renome como J.M.S. Careless, Raymond Breton e Robert F. Harney e historiadores dos mais variados grupos étnicos orientaram dezenas de teses de alunos doutorandos. Em 1973, quando entrei na Universidade de Toronto, as cadeiras de sociologia eram autênticos “laboratórios”, abertos para o estudo das minorias étnicas. E nós portugueses, recém-chegados, éramos fruta madura pronta para ser provada. Digo isto com uma certa ironia, devido ao primeiro trabalho académico publicado sobre a nossa gente no Canadá. Grace M. Anderson, uma estudante de sociologia da Universidade Wilfred Laurier, em Waterloo, sob a orientação de Raymond Breton, sem falar uma palavra de português, ganhou coragem e, no verão de 1969, decidiu vir a Toronto pôr em prática um inovador modelo de pesquisa sociológica: “social networks”. Agarrou-se a um estudo de um tal Marvin H. Lipman, e com ajuda de vários intérpretes entrevistou 200 operários portugueses (“blue collar workers”) que viviam na zona de Alexander Park, junto à área do Kensington Market. O livro, resultado da sua tese de doutoramento, intitulou-se “Networks of Contact:The Portuguese and Toronto” e foi publicado em 1972.

Se analisarmos o conteúdo e olharmos a capa do livro, o que nos salta à vista? Uma rede de pesca, um barrete de pescador. Muito pouco mesmo sabia ela sobre este novo grupo étnico pois era apenas uma estudante universitária da região do sudoeste do Ontário. Para ali tinham sido enviados muitos dos novos imigrantes portugueses que não falavam inglês, mas conseguiam singrar nas pequenas cidades de Kitchener e Waterloo. Quem sabe, talvez se tenha apercebido também da importância do papel da atividade piscatória de homens da Nazaré e Peniche à volta do Lago Erie.
Este livro foi publicado como parte de uma série canadiana, subsidiada pelo Department of the Secretary of State (governo federal), intitulada “GENERATIONS: a History of Canada’s People” e que se estendeu a outros grupos étnicos como gregos, chineses, italianos, croatas, noruegueses, ucranianos, etc.
“A Future to Inherit” constitui o primeiro estudo académico sólido sobre nós e que pretende promover a necessidade de preservar e reconhecer o valor de todos os registos das comunidades étnicas: documentos de
Durante muitos anos, as instituições económicas e políticas do Canadá foram controlados por indivíduos de origem inglesa e francesa. Ao contar a história do país, os historiadores profissionais canadianos realçavam apenas os aspetos económicos e políticos do Canadá, esquecendo a dimensão étnica da sociedade. Por essa razão, é fácil compreender que o papel desempenhado pelos canadianos de outras origens não contava para a história do Canadá. Esta atitude, porém, começou a mudar nos anos 60, quando o primeiro famílias, negócios, de clubes e associações, assim como as atividades artísticas, etc, pois todas são parte da história do Canadá.

O seu livro viria a tornar-se, no entanto, a primeira publicação académica, uma obra de referência, que, por ser a primeira, tem naturalmente algumas lacunas, mas foi o pontapé de saída que a levou a seguir uma carreira académica, como professora de Sociologia. Nessa condição, encontrou o historiador David Higgs, da Universidade de Toronto, com quem estabeleceu uma relação colegial e em 1976 viriam a publicar um segundo livro de referência “A Future to Inherit: the Portuguese Communities of Canada”.
Na verdade, na sua conclusão no livro “A Future to Inherit:…”, os autores tinham afirmado a propósito do nosso património cultural: ”these are part of a heritage which must be preserved and handed on to the future, for the history of any group of Canadians is part of the history of all Canadians”.
