1 minute read
O firmamento é negro e não azul
Com o subtítulo de «A vida de Luiz Pacheco», estas 525 páginas (Editora Quetzal) são dedicadas a Délio Vargas, partem de uma citação do biografado («A tristeza é um privilégio dos estúpidos») e estão organizadas como uma «Via Sacra» só que são menos as estações: I- os anos de cristal, II- os anos de prata, III- os anos de oiro e IV- os anos do fim.
Oautor do livro (n.1956) não se limita à minúcia da vida do «escritor maldito» pois faz desfilar nestas páginas um Raio X do sistema cultural, político e social que domina o país de 1925 a 2008. O título do livro está nas páginas 19, 31, 128, 293 e 454 e nele se regista um contraponto (nome da sua editora) entre a divisa própria («O dinheiro dá azar») e a frase de um juiz da Boa Hora: «A libertinage neste paíxe inda num é permitida». O ponto de partida é a infância: «É na infância que se estruturam as linhas de força da personalidade e é nela que é preciso saber encontrar os nós actuantes da vida adulta». O ponto de chegada é o amor: «amar não apenas uma mulher e o seu corpo mas a vida em geral de que essa mulher era sinal.» O perverso sistema cultural português surge na memória da morte de António Maria Lisboa (1953) quando o pai deste mostra a Luiz Pacheco que o único papel restante do espólio do filho era o recibo da agência funerária; tudo o resto foi vendido a peso a um trapeiro.
A carta de Luiz Pacheco a pedir a máquina de escrever retida na portaria do Limoeiro é notável e comovente; o autor do livro adverte: «Para ler é preciso abstrair-se das letras e ficar só com o sangue que foi a tinta com que então carregou a esfe- rográfica.» Luiz Pacheco teve seis autores decisivos na sua vida: Breton, Nietzsche, Lawrence, Miller, Céline e Mac Orlan. Em síntese: «Escrever a vida foi o projecto literário de Luiz José no momento em que arranjou tempo para ter um depois de se livrar do trabalho e da família» dado que «Nascer era o único milagre, a única forma de combater a morte, o único instante em que era legítimo cantar a vida» porque (diz o biografado) «A vida é dura e compacta mas uma criança é um mundo leve e indefinido».
Esta nota dá apenas uma ideia e não substitui a leitura que se pode equiparar ao romance policial mas aqui ultrapassa-se a descoberta do móbil do crime. E neste caso não há nenhum álibi.