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Os custos de um evento que todos desejamos!
Luis Barreira Opinião
Nestes últimos tempos, a sociedade portuguesa tem sido sacudida por inúmeros casos que envolvem membros do governo e não só.
Casos que, na sua origem, arrastam ministros e secretários de Estado para faltas de controlo no gasto exagerado dos dinheiros públicos, quer seja na elevada indemnização atribuída a uma administradora da TAP (empresa em dificuldades…), ou com a reparação do Hospital Militar de Lisboa, orçada em 750 mil euros e que veio a derrapar para o montante de 3,2 milhões de euros, entre outros casos.
Com o “caldo social” desperto para os gastos desproporcionados do dinheiro dos contribuintes, em que quase diariamente surgem denúncias deste tipo de situações veiculadas pelos media e pelo Ministério Público (profusamente comentadas pelos jornais e cadeias de televisão), um novo acontecimento veio juntar-se ao “muro das lamentações” dos portugueses.
Trata-se das despesas que terão de ser efetuadas com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), considerado o maior acontecimento da Igreja Católica, que vai decorrer entre 1 e 6 de agosto de 2023, num enorme espaço que está a ser preparado nos terrenos adjacentes ao Parque das Nações, em Lisboa, onde são esperadas cerca de 1,5 milhões de pessoas portuguesas e estrangeiras.
A 27 de janeiro de 2019, no final da JMJ do Panamá, foi anunciado que Portugal seria o próximo local desta Jornada, situação que mereceu o entusiasmo do governo, da Câmara Municipal de Lisboa e de todas as forças políticas nacionais, entre os quais o Presidente da República que, na altura, reagia: “Esperávamos, desejávamos, conseguimos! Vitória de Portugal”.
Todos nessa altura manifestaram a sua felicidade pelo impacto que este acontecimento iria ter em Portugal e no resto do mundo, até que há dias começam a surgir os números dos custos de tal empreendimento, dando origem às mais variadas polémicas entre todos os atores envolvidos no projeto: o governo, o Presidente da República, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), as autoridades da igreja católica nacional, os partidos políticos e um rol de opiniões de destacados comentadores televisivos, originando o prime time de todos os noticiários.
Em causa e ainda sem contemplar muitas das despesas acessórias, o investimento global do acontecimento deverá rondar cerca de 160 milhões de euros (a pagar pelo governo, a CML e a igreja) e o palco-altar a instalar no local foi orçamentado em 5,5 milhões de euros, o que é mais do dobro da estimativa que a CML tinha previsto e partilhado com o governo. Além desse palco principal, o projeto implica igualmente outro palco secundário no Parque Eduardo VII, com cerca de 20 metros de altura e com um custo estimado em mais de 1 milhão de euros.
Circunstâncias económicas que levaram subitamente toda a gente a escandalizar-se com os custos para o erário público deste empreendimento, num país onde há cerca de dois milhões e meio de pessoas a viver com menos de 660 euros por mês.
Começaram então os passa-culpas entre todos os intervenientes no projeto, sobre quem é que tinha determinado a soberba configuração do palco principal, levando o presidente da CML a afirmar ter obedecido a exigências e requisitos colocados pela Diocese de Lisboa e esta a justificar-se que eram “sugestões” e não “imposições”.
Mas não foram apenas os elevados custos dos palcos que geraram as trocas de responsabilidades entre uns e outros.
Os valores em causa (só as casas de banho e os ecrãs pedidos ascendem aos oito milhões de euros) geraram inúmeras trocas de responsabilidades, que vieram abalar o que até aqui tinha sido o consenso público entre Igreja e o Estado para a realização deste acontecimento.
Américo Aguiar, o bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ 2023, responsável pela JMJ, após ter falado com o Presidente da República, com a ministra Ana Catarina Mendes e com a Câmara Municipal de Lisboa, todos acabaram por se colocar de acordo quanto à necessidade de reunir todas as instituições envolvidas no projeto do altar-palco (e suponho igualmente em relação às restantes obras), incluindo a empresa construtora da obra (por ajuste direto), para ver onde será possível cortar as despesas. A seis meses da finalização da obra e com tanto ainda por realizar, não me parece fácil uma grande redução dos custos da mesma, a menos que se readaptem algumas grandes “sugestões” da igreja, no que diz respeito aos palcos e que o empreiteiro das obras esteja de acordo!...
Embora alguns dos intervenientes garantam que o retorno deste projeto poderá rondar os 350 ou 700 milhões de euros e o espaço concluído poderá posteriormente ser utilizado para outros fins (nomeadamente, grandes espetáculos ao ar livre?...), o facto é que esse retorno não passa ainda de eventuais expetativas e o dinheiro orçamentado terá de ser pago agora.
Há também quem se sinta envergonhado por esta polémica poder chegar aos ouvidos do Vaticano (o que é óbvio…) e defenda a grandiosidade deste projeto, enquanto uma honra para Portugal e um sinal de grande devoção para com o Papa.
Na atualidade social de Portugal e do mundo, a sumptuosidade inicial da conceção deste plano, parece ter os ingredientes necessários para se transformar num grande “elefante branco” da nossa frágil economia. Por outro lado, todos reconhecem a simplicidade e a natureza despretensiosa do Papa Francisco, para quem a opulência e o requinte de uma receção nada significam, quando o fundamental da sua visita a Portugal é poder falar aos milhares de jovens que o esperam.
Que prevaleça o bom senso, a favor de Portugal e dos portugueses e que se abandonem definitivamente as loucas vaidades!