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portugueses
notícia como podemos hoje atestar em páginas do Toronto Daily Star, da Gazette de Montreal e do Vancouver Sun. Também nos pequenos centros e vilas há páginas dos seus jornais - o Kitchener-Waterloo Record, por exemplo, testemunhando chegadas, hábitos e costumes. Citarei apenas dois exemplos: Sault Saint Marie, lá bem para norte no Ontário e Amherstburg, ali para o sudoeste, a 350 quilómetros de Toronto. Milhares de portugueses se instalaram por este imenso território. Sault Saint Marie foi onde se estabeleceu a família de Idalécio Brazão, o muitas vezes premiado jornalista do Toronto Star, mais conhecido por Dale Brazao. Amherstburg é uma pacata vila na foz do rio Detroit, onde foi parar a família do madeirense José Pedro de Nóbrega. É este cujas memórias recordarei hoje aqui. A história do pioneiro José Rodrigues Brazão e família espero que um dia seja escrita pelo próprio filho Idalécio que aliás já iniciou a tarefa, deixando algumas dessas memórias singulares no Toronto Star. Memórias de homens e mulheres pioneiras cuja herança não deveria ser esquecida.
Domingos Marques
Do Funchal para Amherstburg, Ontário
As memórias de José Pedro de Nóbrega, na sua casa em Amherstburg, contadas ao lado de sua esposa, Eunice Encarnação, na década de 1970, pela sua própria ‘voz’:
Eu era polícia no Funchal. Sempre desejei conhecer outras terras mais fartas. Um dia vi um anúncio no Diário, pedindo 100 empregados de mesa para emigrar para o Canadá. Fui ao governo civil e candidatei-me, deixando o meu nome como encarregado de mesa. Houve grande protesto dos hotéis que iam ficar sem os criados e imediatamente o governo alterou a lei, mudando a oportunidade para vinhateiros. Ora eu que queria mesmo vir, tratei logo de aprender como se podava, como se fazia o vinho e voltei ao governo civil, falei com o mesmo funcionário e transferi o meu nome de criado de mesa para vinhateiro. Pedi demissão da Polícia e embarquei no Hellas a 26 de maio de 1953. Vinham cerca de uma centena de madeirenses. O meu destino era uma quinta em Quebéque com um contrato para ganhar 130 dólares por mês ou 5 por dia. Fomos de comboio para Montreal. Quando lá chegámos encontrei um grupo de rapazes do continente que tinham chegado duas semanas antes, queixando-se de que não tinham encontrado trabalho e continuavam à espera que algum patrão os viesse buscar. Fiquei deveras atrapalhado e pensei: -então eu deixei o meu trabalho na Madeira para vir para aqui servir de moço, à sorte? Decidi continuar viagem para Toronto com mais cinco rapazes onde apareceu um pedido da imigração com três ofertas de emprego na região de London. Não fazia ideia onde ficava, mas como era para sul de Toronto, devia ser mais quente, pensei eu, e fui. Quando chegámos a London, disseram-nos que ali já não precisavam, mas sim em Windsor. Perguntei: fica mais para sul? Ao ouvir que sim, eu disse: deve ser mais quente, vamos para Windsor. Chegados lá, a Imigração pôs-nos numa casa enorme e fomos logo lavar as roupas que estavam negras, ao fim de tantos dias do carvão do comboio.
No dia seguinte, um funcionário levou-nos para vários “farms” em Harrow. O primeiro patrão era húngaro. Chegados ao local, perguntou o funcionário: “Precisam de pessoal? Temos aqui três rapazes fortes e trabalhadores que chegaram agora de Portugal”. A mulher, dona da quinta, retorquiu logo: “Eu não gosto de portugueses”. Isto foi um choque para mim. Só não chorei por vergonha. Então eu tinha necessidade desta humilhação? O da Imigração levou-nos a outro local e fez a mesma pergunta. O dono, que andava a trabalhar com a senhora, respondeu afirmativamente e veio aproximando-se na nossa direção. Quando vejo a senhora de perto, toda suja, descalça, digo cá para mim: Estes é que são os patrões? Na Madeira são serventes, são criados. Mas o que é isto? Onde vim parar? Mas ali ficámos... Em outubro acabou-se o trabalho e mandaram-nos para Windsor, mas nada. Íamos de porta em porta como quem andava a pedir esmola. Tudo isto me chocou. A minha mulher veio em novembro e para ela foi terrível, o fim do mundo. No primeiro ano sujeitei-me a trabalhar no que aparecia, como por exemplo num “bowling alley”, das 11 da manhã às 11 da noite, como “pin boy” a ganhar $16 por semana e a apanhar constantemente com as garrafas do “bowling” nas canelas! Em outubro de 1954 consegui trabalho numa fábrica de uísque – Calvert Destillers, e lá espero ficar até à minha reforma.
A história de vida deste imigrante madeirense, que tive o privilegio de escutar sentado no sofá da sua sala, é afinal a história de centenas doutros pioneiros, um pedaço de cada um de nós.