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Aquele abraço
O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio, e ocorre isto que é tão precioso e afinal tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração.
José Tolentino Mendonça
Continuavas a enviar-nos mensagens, mais animadas, mas, como num palimpsesto, descobríamos as marcas de uma outra escrita que o tempo não apagara. Subliminarmente, sentíamos que estavas a precisar urgentemente de um abraço. Primeiro, éramos apenas dois, mas, a convite teu, o círculo alargou-se porque a tua fome de abraços era proporcionalmente direta à fartura das ausências.
E fomos dar-to, de vários pontos do país, como se houvesse uma geografia do abraço e também esta contasse. E, provavelmente, contou porque ficaste a saber que não há distância que impeça um abraço de viajar.
E tu, a cada um de nós deste “aquele abraço”, como num samba de braços a lembrar a música de Gilberto Gil “Quem sabe de mim sou eu/ aquele abraço” porque, seguindo o compasso do mesmo músico, “Meu caminho pelo mundo/ eu mesmo traço”. E continuámos, um a um, a percorrer mais versos do poema, pois estamos em fevereiro “Aquele abraço/ todo o mês de fevereiro/ aquele passo.” O brilho dos teus olhos e o sorriso que te iluminava o rosto, emoldurado pelo teu inconfundível cabelo ruivo, devolvia-nos a alegria de quem sentia, de facto, a falta de um abraço. Como aquele que outro poeta, Mário Quintana, descreve: “coração com coração, tudo isso cercado de braço”, de dois, que formam o laço da amizade.
Quando nos despedimos, repetimos o abraço, ainda com muito mais força, aquela que te queríamos deixar para venceres a última etapa. E, voltando a Mário Quintana, e à forma como ele compara os braços a dois pedaços de fita que formam um laço, assim nos despedimos: “E saem as duas partes, igual meus pedaços de fita, sem perder nenhum pedaço. Então o amor e a amizade são isso… Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam”, mas fazem dizem presente à urgência das chamadas.