Freixo de Espada à Cinta

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FREIXO DE ESPADA À CINTA APRESENTAÇÃO A vila de Freixo de Espada à Cinta localiza-se na zona sudeste de Trás-os-Montes, a aproximadamente quatro quilómetros para poente do Rio Douro. O território apresenta-se como uma sucessão de morros e planaltos, com os declives a acentuarem-se mais nos vales escavados pelas linhas de água e nas elevações de origem rochosa, como é o caso do Penedo Durão, sobranceiro à vila. A origem de Freixo de Espada à Cinta reporta-se a um assentamento num pequeno cabeço, agora ocupado pelo cemitério da vila e pelas ruínas do castelo medieval. Embora não esteja clara a data desta primeira ocupação – a nível do concelho, foram encontrados vestígios de tempos tão remotos como o paleolítico mas, neste morro, os mais antigos que se conhecem são já medievais –, a escolha do lugar atendeu certamente à sua posição geográfica estratégica. Em primeiro lugar, a sua proximidade ao momento de mudança de direcção de Sudoeste para poente do curso do Rio Douro não é uma mera coincidência, assinalando um ponto-chave do próprio território. Em segundo lugar, e apesar de não ter visibilidade directa sobre o Douro, a altitude do morro permite vigiar tanto o terreno de aproximação de quem vem do rio como o território para lá do seu vale. Aliás, a posição altaneira do cabeço coloca-o em vantagem sobre todo o território circundante e o declive da encosta – mais acentuado no quadrante norte/este – actua enquanto um mecanismo defensivo natural do morro, indicando, simultaneamente, o lado poente como a zona mais favorável ao acesso. A leitura da situação geográfica de Freixo de Espada à Cinta abre então caminho à hipótese das suas origens remontarem a um assentamento castrejo. Contudo, a inexistência de vestígios arqueológicos não permite validar qualquer fixação no morro anterior ao período da Reconquista e fundação do Condado Portucalense. Esta situação, porém, não invalida necessariamente a possibilidade de ter existido um aglomerado anterior às primeiras referência documentais à vila – segundo uns, num foral de 1098 outorgado pelo Conde D. Henrique e D. Teresa, mas, para outros, no foral de 1152 atribuído por D. Afonso Henriques. Por outro lado, estas indicações cronológicas implicam antes que, em algum momento, talvez ainda anterior à constituição do Condado Portucalense (1095/96), se terá procedido ao (re)povoamento de Freixo de Espada à Cinta. A fundação de Portugal deu enfim um impulso definitivo ao desenvolvimento da vila: a sua posição geográfica era estratégica na defesa do reino, com o castelo – entretanto construído – a confirmá-la como uma praça-forte de vigia e resistência a Leão.

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Com efeito, do séc. XII ao séc. XV, o desenvolvimento da vila é fomentado pela sua relevância estratégica no contexto do reino português. O estatuto de couto de homiziados e as contínuas intervenções no castelo – entre as quais se destacam as reformas de D. Dinis e D. Fernando – apontam um inegável interesse régio no povoamento e reforço defensivo de Freixo. Entretanto, a vila começava a florescer fora de portas: à primeira cintura de casas ancorada nas muralhas ter-se-á seguido a edificação da Igreja Matriz, que, de certo modo, preconizava a futura expansão para sul e poente do castelo, ao longo das vias que se cruzavam no espaço de praça associado. No início do século XVI, estas vias de expansão encontravam-se já consolidadas: as gravuras de Duarte D’Armas (1507/10) testemunham o crescimento extramuros do núcleo urbano, deixando a cerca do castelo como um local de refúgio em caso de ataque. O cruzamento destas gravuras com os vestígios manuelinos que sobrevivem em Freixo de Espada à Cinta permite inferir que, aquando da passagem de Duarte D’Armas, a vila se encontrava já em plena expansão quinhentista, com D. Manuel a renovar o foral logo em 1512/14, altura de que datará igualmente o pelourinho manuelino da vila. A construção da Igreja e Hospital da Misericórdia – o objecto de estudo do presente trabalho – coincidiu com este período de furor edificativo do início do século XVI, embora não se encontrem inequivocamente identificados nas gravuras de Duarte D’Armas. A sua datação é incerta mas a autorização de abertura ao culto emitida por D. Diogo de Sousa – arcebispo de Braga, a diocese a que pertencia Freixo de Espadaà-Cinta – a 19 de Abril de 1527 deixa duas indicações essenciais: em primeiro lugar, que o hospital era anterior à igreja e terá sido fundado entre 1500 e 1515, coincidindo provavelmente com a fundação da própria Misericórdia da vila; em segundo lugar, comprime o possível período de construção da igreja (ou, pelo menos, da sua capela-mor) para o intervalo entre 1510 e 1527, caso a leitura das gravuras de Duarte D’Armas resulte na conclusão de que o edifício ainda estaria por construir. Contudo, esta inserção temporal é ainda muito vasta para permitir o correcto enquadramento da obra no contexto da arquitectura quinhentista portuguesa – tanto poderá ser uma experiência precursora de grandes obras como uma consequência destas –, daí que um dos objectivos propostos para o trabalho de análise seja o refinamento da cronologia do Hospital e Igreja da Misericórdia desde a sua fundação até aos dias de hoje.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA APRESENTAÇÃO Entretanto, na actualidade, subsiste apenas a igreja, com a fachada principal em confronto directo com a Igreja Matriz, reformulada no séc. XVI como uma igreja-salão. A relação entre as duas constitui, sem dúvida, um dos temas a ser desenvolvido ao longo deste estudo: por um lado, a proximidade espácio-temporal poderá indicar influências recíprocas na sua concepção e caracterização arquitectónica; por outro lado, o modo como se opõem na Praça Jorge Álvares – a torção do alinhamento do quarteirão contíguo à Misericórdia sugere exactamente essa intenção de evidenciar a fachada da capela como remate poente da praça, em contraponto com a Matriz a nascente – caracteriza não só este espaço público como poderá ajudar a desvendar as intenções do projecto, bem como o seu significado representativo na vila. De facto, a implantação da Misericórdia no espaço público mais nobre e antigo de Freixo de Espada à Cinta não poderá ser atribuída a uma mera coincidência e deverá ser imperativamente interpretada como um vector de análise fundamental. Do hospital, são poucos os registos escritos e nenhuns os gráficos de como se poderá ter sido configurado. Contudo, a distribuição do actual Lar da Misericórdia em torno de um pátio adjacente à Igreja sugere a manutenção de um traçado antigo, concordante com a tipologia de claustro própria dos hospitais do séc. XVI. A reconstrução teórica do complexo do hospital será então indispensável para a compreensão do projecto da igreja anexa e das suas diversas fases de desenvolvimento, tomando quatro pontos-chave como vectores de especulação: a configuração do actual pátio; o acesso a este, em plano enviesado tanto em relação à igreja como em relação à fachada contígua; os vestígios de um arco nervurado na face exterior norte do volume da capela-mor, sugerindo o lançamento de uma ala; e, por fim, a possibilidade do complexo ter sido pensado como um edifício quarteirão, uma teoria com base nas pequenas ruas reentrantes dos lados norte e sul da actual estrutura. A Misericórdia é uma igreja de nave única, com a estrutura do telhado de três águas a ser deixada à vista no interior da igreja. Ao volume da nave contrapõe-se o da capela-mor, mais largo e mais alto do que o corpo da igreja mas com menor profundidade – e este contraste gera um intrigante jogo de proporções, tanto no interior como no exterior. A cobertura da capela-mor com uma abóbada manuelina de desenho cuidado e excelente execução técnica apresenta-se como o elemento arquitectónico mais significativo do conjunto: a abóbada nervurada lança-se no prolongamento da nave, enquanto duas pequenas abóbadas de berço decoradas com rosetas em caixotões vencem a diferença de largura entre nave e capela-mor. Uma janela alta do lado sul ilumina o altar em talha dourada e encontra o seu simétrico numa pintura a fresco do lado oposto. Contudo, a exploração do espaço entre o retábulo barroco (1731-43) e a parede de fundo desvenda a existência não só de um recuo no muro mas também de um arco de dimensões idênticas ao triunfal, decorado com os mesmos motivos das já referidas abóbadas de berço mas agora tapado pela armação do altar. Esta descoberta abre caminho à leitura do espaço coberto pela abóbada de nervuras como o transepto da igreja na sua concepção inicial, com o retábulo renascentista contido no nicho na parede. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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O acesso à actual sacristia processa-se através de uma porta lateral neste espaço de capela-mor/transepto. Entretanto, também do lado da Epístola, desenvolve-se uma capela lateral, cuja transição para o corpo da igreja é assegurada por um arco de volta perfeita. Contudo, a qualidade inferior da execução técnica deste arco sugere que a capela lateral não faria parte do plano inicial da igreja, muito embora a sua existência esteja documentada desde 1616 (data em que a Misericórdia adquiriu um altar renascentista originário de Lagoaça para colocar nesta capela). O problema de datação manifesta-se igualmente em relação aos dois vãos que dão para o pátio do lar e ao portal lateral para a Rua das Eiras. Estas “irregularidades” presentes na Igreja da Misericórdia poderão ter origem no complicado processo de construção da igreja: se a autorização de D. Diogo de Sousa sugere que a capela-mor/transepto já estariam prontos em 1527, as actas da instituição de 1555 e 1556 referem-se à necessidade de venda de terrenos para cobrir as despesas das obras. De 1573 chegam também relatos da “fachada derribada” da Igreja, não estando claro se ainda não teria sido construída ou se estaria a ser refeita segundo novos preceitos. Ainda assim, as dificuldades económicas da Misericórdia revelam sobretudo um grande investimento na construção da sua capela, apesar de não ser evidente em que se poderia ter gasto tantos fundos. Quanto a esta questão, surgem, para já, duas vias de especulação possíveis e não necessariamente incompatíveis entre si: o material empregue na construção não estaria disponível na região de Freixo de Espada à Cinta e/ou o trabalho do mestre-pedreiro seria muito caro. Em relação à primeira hipótese, a pedra utilizada no invólucro exterior do edifício é facilmente identificada como um granito amarelo autóctone mas, em oposição, não foi possível, na primeira visita, identificar o material empregue na construção da capela-mor devido ao seu avançado estado de degradação. Contudo, a análise geológica de uma amostra revelou que era granito vindo da zona de Urrós – a norte de Freixo e não muito longe – em processo de decomposição. A hipótese da falta de dinheiro ser motivada pelo uso de um material incomum na região encontra-se assim refutada. Quanto à segunda explicação possível, há vários factores que concorrem para a sua construção. Logo à partida, o portal da fachada principal, semelhante à da Casa dos Carrascos (1552), é de influência biscainha, podendo indicar a vinda de um mestre-pedreiro de Castela. Entretanto, há referências (até hoje à espera de comprovação documental) ao suposto casamento de João de Castilho – também ele biscainho – com a filha de um imigrante asturiano em Freixo de Espada à Cinta, de apelido Garcia de Quintanilha, casado com uma senhora da família Varejão.

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Ora, esta mesma família Varejão esteve associada à fundação da Misericórdia na vila, daí que não seja improvável a contribuição de João de Castilho para o plano da igreja ou que Pêro Lopes seja um seu discípulo. Com base nesta hipótese, a comparação da Igreja da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta com obras de autoria confirmada de João de Castilho assume-se como um vasto campo de especulação que poderá ajudar a determinar a relevância desta realização no contexto da arquitectura manuelina. A elevada qualidade de concepção e execução da abóbada da capela-mor exigiria certamente o contributo de um mestrepedreiro da envergadura de João de Castilho, responsável, por exemplo, pelo abobadamento da capela-mor da Sé de Braga, dos Jerónimos ou ainda da Sé de Viseu. Outro dado que poderá contribuir para a elaboração desta hipótese reside nas aparentes semelhanças entre a capela-mor/ transepto da Misericórdia e o transepto dos Jerónimos, que, tal como o primeiro, se configura como um pequeno alargamento em relação à nave, enfatizado pelo trabalho de abobadamento mais refinado do conjunto. Para a exploração desta via de comparação, contudo, será necessário investigar o real contributo de João de Castilho para o plano final dos Jerónimos, já que o mestre biscainho substituiu Boitaca no comando das obras quinze anos depois do seu início. Em função das conclusões desta investigação e do afinamento da cronologia relativa à Igreja da Misericórdia, poder-se-ão imaginar dois contextos completamente distintos para o hipotético projecto de João de Castilho para a Misericórdia: se o início da construção for anterior à sua ida para o estaleiro de Belém e Castilho tiver sido o responsável pela configuração do transepto dos Jerónimos, então a Igreja da Misericórdia poderá ter constituído um ensaio a uma escala menor das soluções espaciais e técnicas que o mestre biscainho aplicaria nos anos seguintes; por outro lado, se a edificação da Misericórdia for já posterior à presença de Castilho nos Jerónimos, o seu plano poderá corresponder a uma transposição dos princípios arquitectónicos que encontrou nos Jerónimos. Mesmo que João de Castilho não fosse um possível elo de ligação entre a Igreja da Misericórdia e o Mosteiro dos Jerónimos, a comparação entre os dois planos seria sempre um tema do presente trabalho já que o complexo de Belém – com todas as suas premissas de concepção, realização técnico-estrutural e caracterização formal – funciona como unidade de medida para a arquitectura portuguesa produzida no início do século XVI. Contudo, esta leitura comparativa entre as duas igrejas independente da associação à figura de João de Castilho permite igualmente retomar o paralelismo entre a Igreja da Misericórdia e outras obras comandadas pelo mesmo.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA APRESENTAÇÃO A interpretação dos planos da Misericórdia e dos Jerónimos à luz do “Trattati di Architettura, Ingegneria e Arte Militare”, de Francesco di Giorgio di Martini, sugere uma mesma matriz de carácter antropomórfico, influenciada pelo escrito do autor italiano. Em relação à divulgação deste tratado em Portugal, sabe-se que Diogo de Arruda foi discípulo de Francesco di Giorgio em 1482 e imagina-se que terá trazido um exemplar aquando do seu regresso a Portugal. Contudo, independentemente da data de chegada do tratado de Giorgio di Martini a Portugal, calcula-se que João de Castilho o conheceria desde a primeira década do século XVI, altura em que terá estado a estudar em Itália. Efectivamente, o primeiro trabalho reconhecido de Castilho em Portugal – a cabeceira da Sé de Braga – apresenta no exterior uma linguagem mais própria da arquitectura militar do que das construções religiosas. Se atentarmos na configuração externa da Igreja da Misericórdia, o vocabulário formal é igualmente de inspiração militar: a silharia bem aparelhada e robusta, dando ‘peso’ ao edifício; o portal principal, em arco de volta perfeita, cujo nicho na pedra de fecho será já um acrescento tardio; a pequena fresta na metade superior da fachada principal; e, sobretudo, a caracterização do volume da capela-mor como se de um torreão se tratasse, rematado com um friso de gárgulas ameaçadoras e suavizado apenas pela janela voltada a sul e pelo chanfre parcial da aresta sudoeste. Porém, se estes elementos são enquadráveis no âmbito do tratado de Francesco di Giorgio, são igualmente referenciáveis à arquitectura da época na Biscaya e Cantábria, regiões de onde provinham João de Castilho e Pêro Lopes. As vias de especulação definidas a partir desta primeira análise superficial da Igreja da Misericórdia não se esgotam, porém, em João de Castilho ou no tratado de Giorgio di Martini. O final do século XV e início do século XVI assinalaram a fundação de diversas Casas da Misericórdia por todo o país e até nos territórios ultramarinos entretanto conquistados, tomando o exemplo da Misericórdia de Lisboa (criada por D. Leonor em 1498) e seguindo o edital de D. Manuel de 14 de Março de 1499 que recomendava a difusão destas instituições de caridade por todas as vilas e concelhos de Portugal. A construção praticamente simultânea de várias igrejas e hospitais associados às Misericórdias poderá indicar a associação de um modelo de templo à difusão destas instituições. Nesse sentido, será essencial para a progressão do presente estudo identificar as igrejas e hospitais contemporâneos da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta e estabelecer comparações ao nível dos temas arquitectónicos e configuração física dos conjuntos. Por outro lado, e para ajudar à descodificação do que poderá ter sido o hospital da Misericórdia em Freixo de Espada à Cinta, será de igual importância investigar os modelos de hospital presentes em Portugal aquando da sua edificação, entre os quais o Hospital de Todos-os-Santos (Lisboa, 1494) será a referência mais relevante. Em síntese, o estudo da Igreja da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta exige, em primeiro lugar, a sua contextualização histórica, espacial e temporal na vila. O levantamento da sua condição actual constituirá o instrumento-base para a reconstituição e interpretação do plano inicial e das suas mutações ao longo dos quase quinhentos anos de existência. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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Contudo, a análise não deverá pensar a Igreja e o Hospital como um objecto fechado mas antes como uma concretização urbana num momento chave do desenvolvimento da vila, que terá simultaneamente influenciado e ter sido influenciada pelos edifícios que guiaram a expansão de Freixo de Espada à Cinta no início do século XVI. Os vestígios e artefactos manuelinos que ainda hoje se conservam na vila – desde o interior da Igreja Matriz até ao pelourinho ou às janelas e portais presentes nas casas de origem quinhentista – não poderão ser descurados enquanto veículos de interpretação da construção da Igreja da Misericórdia. Por outro lado, também o enquadramento da Misericórdia no espaço público da vila deverá ser assumido como um tema do trabalho, de modo a clarificar as relações estabelecidas entre os limites e vias que definem a Praça Jorge Álvares. Ainda assim, a leitura da Igreja e Hospital da Misericórdia deve ultrapassar o plano local e ser igualmente situada no contexto nacional de quinhentos. Com efeito, o carácter inegavelmente cosmopolita da abóbada nervurada da cabeceira da Igreja eleva toda a obra ao estatuto de referência entre as experiências arquitectónicas do primeiro quartel do século XVI. Se a Igreja Matriz se sublima enquanto concretização espacial do modelo de “hallenkirchen”, a cabeceira da Misericórdia demonstra um rigor técnico e conceptual ao nível da melhor produção arquitectónica da época em questão. O reconhecimento da excelência da Igreja da Misericórdia tem por consequência directa a especulação em torno da sua autoria, com as referências a João de Castilho a alimentarem a via prioritária de investigação no âmbito deste tema. Por outro lado, a comparação da sua configuração física e formal com outros edifícios da época mais amplamente documentados – como é o caso do Mosteiro dos Jerónimos – abre a possibilidade da sua construção seguir modelos arquitectónicos de inspiração tratadística, com o “Trattati di Architettura, Ingegneria e Arte Militare” de Giorgio di Martini, enquanto referência principal. Por fim, e a finalizar esta tríade de temas especulativos, surge como linha de desenvolvimento do trabalho a hipótese da divulgação de um modelo arquitectónico através da sua associação à Misericórdia, uma instituição com patrocínio régio, à semelhança da arquitectura manuelina, e em franca expansão no início do século XVI. E, partindo do mesmo pressuposto, justifica-se igualmente a investigação das tipologias de hospital divulgadas em Portugal entre no final do século XV e início do século XVI. Por fim, e quase como uma nota de rodapé, propõe-se igualmente a identificação das características fundamentais da arquitectura biscainha da época, visto que é repetidamente referida a presença e influência de mestre-pedreiros naturais da Cantábria nas obras quinhentistas de Freixo de Espada à Cinta. O carácter puramente especulativo destes quatro campos de investigação deixa pouca esperança quanto à possibilidade de encontrar respostas definitivas mas, em compensação, a sua simples exploração contribuirá certamente para um entendimento mais completo e informado da Igreja e Hospital da Misericórdia enquanto objectos arquitectónicos – e este é, afinal, o objectivo último do presente trabalho de estudo. História da Arquitectura Portuguesa

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FREIXO DE ESPADA À CINTA LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA

A vila de Freixo de Espada à Cinta localiza-se na zona sudeste de Trás-os-Montes, a aproximadamente quatro quilómetros para poente do Rio Douro. O território apresenta-se como uma sucessão de morros e planaltos, com os declives a acentuarem-se mais nos vales escavados pelas linhas de água e nas elevações de origem rochosa, como é o caso do Penedo Durão, sobranceiro à vila. “ Esta situado junto ao rio Douro, e della se descobrem três villas do reino de Castella que desta Freguezia a ellas distão duas legoas a cada huma, que he huma a villa da hignoza e a outra a villa de Saucelle e a outra a de Vilvestre.” Lourenço Feio Cordeiro Vigário, 30 de Março de 1758

- nordeste português - região de Trás-os-Montes - distrito de Bragança - 4 Km de distância do Rio Douro

“Durante a Idade Média, na Europa, o Teocentrismo orienta a vida,, dita o calendário, e tem expressão nas manifestações culturais de toda a ordem. (...) Qualquer antiga cidade tem dois tipos de construção bem destacados das restantes: o Castelo e a Igreja. (...) Este contexto localiza Freixo de Espada à Cinta no percurso dos peregrinos para Santiago como mais um local de apoio. Vindos de Salamanca, do Levante e do Sul espanhol, e de muitas terras da Beira Interior Portuguesa, os peregrinos itineravam mais ou menos pelas antigas vias romanas. Sendo que a estadia em Santiago acontecia dentro da própria Catedral, provavelmente também o fariam noutras quaisquer igrejas... (...)”

Legenda Imagens:

Francisco António Pintado, in “Igreja Matriz de Freixo de Espada à Cinta” Editor C. M. F. E. C., 1992

Localização em Portugal:

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1 - vista Montes Ermos 2 - vista local mais alto da vila 3 - vista Alto do Pirocão 4 - vista Torre do Galo

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Esta referência à localização geográfica da vila apoia uma possível explicação para a construção de uma igreja tão grande e com semelhantes características como a Matriz de Freixo de Espada à Cinta. 4

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FREIXO DE ESPADA À CINTA TOPOGRAFIA

Planta hipsométrica

Planta hipsométrica

- território definido por morros e planaltos - alternancia entre declives suaves e encostas abruptas - Rio Douro a 4 Kms de distância - situação de vigia sobre todo o território circundante, apesar de não se avistar o Rio Douro - possibilidade de visualização de todo o percurso do rio à vila (mecanismo de defesa) - situação acastelada e fronteiriça - todas as freguesias banhadas pelo Rio Douro Levantamento do actual núcleo urbano

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FREIXO DE ESPADA À CINTA F

CORTES DO TERRENO G A

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G 100m Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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FREIXO DE ESPADA À CINTA INTRODUÇÃO À EVOLUÇÃO DA VILA

A origem de Freixo de Espada à Cinta permanece, ainda hoje, um enigma. A nível do concelho, o povoamento do território está testemunhado desde o Paleolítico, nomeadamente pelas gravuras do Mazouco. Contudo, a inexistência de vestígios conclusivos sobre o que poderá ter sido o assentamento primordial no morro de Freixo de Espada à Cinta abre caminho a diferentes vias de especulação sobre a data da primeira ocupação deste lugar específico. Assumindo esta perspectiva teórica, há três hipóteses evidentes de data de fundação: no período neolítico, com a implantação de um castro no cabeço hoje ocupado pelo cemitério; durante o domínio romano da Península Ibérica; ou séculos mais tarde, entre a Reconquista e a instituição do reino de Portugal. Destas hipóteses de assentamento, apenas a última é sustentada por vestígios arqueológicos e documentais – porém, a existência destes testemunhos não invalida, por si só, uma ocupação anterior do morro.

Evolução Histórica da Vila Duas vias de especulação:

- Castro (pela localização)

mana)

- Assentamento Romano (Ponte do Carril, possível via ro-

O que se sabe:

- castelo primitivo com igreja fora de muros?

- castelo das renovações de D. Fernando + primeira vaga de expansão

Nesse sentido, a análise da evolução urbana de Freixo de Espada à Cinta será iniciada por uma exploração especulativa das possibilidades de fundação/ocupação castreja e romana, com base nos aspectos que apoiam ou refutam estas teorias. Por não haver vestígios físicos destas presenças, como já foi referido, a representação das hipóteses de ocupação será inevitavelmente abstracta. A terceira conjectura de fundação, por se valer de factos mais concretos, será lida segundo uma perspectiva menos estilizada, partindo da situação actual da vila para a construção do hipotético assentamento. Nesse sentido, será igualmente apresentada sob duas leituras distintas: a primeira, enquanto uma reconstrução dessa fundação ou repovoamento; a segunda, como uma base de partida para a compreensão da configuração actual da vila.

Vila Quinhentista (início do século vs. final do século):

- introduzir planta de D. Duarte D’Armas

- cruzamento com as perspectivas de Duarte D’Armas

- planta de acordo com Duarte D’Armas

- planta com os vestígios manuelinos (contemporâneos/posteriores à construção da Matriz e Misericórdia)

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São precisamente estas representações do escudeiro de D. Manuel I que fornecem material de investigação sobre o estado de construção de Freixo de Espada à Cinta na primeira década de quinhentos. A proximidade – ou mesmo coincidência – temporal entre a passagem de Duarte D’Armas pela vila e o início de construção da Igreja e Hospital da Misericórdia tornam estas gravuras num documento inestimável para a contextualização urbana deste empreendimento aquando da sua edificação. Deste modo, será efectuada uma leitura do geral para o particular dos dados contidos nas gravuras, com o objectivo de tentar identificar a Casa da Misericórdia ou, no mínimo, o lugar da sua ausência. Para finalizar esta análise da evolução urbana de Freixo de Espada à Cinta – restrita propositadamente ao contexto que influenciou ou foi directamente influenciado pelo processo de edificação da Igreja e Hospital da Misericórdia –, propõe-se uma tentativa de reconstituição da vila no final do século XVI/início do século XVII. A identificação e catalogação dos vários vestígios manuelinos presentes na vila constituirão os principais instrumentos para este exercício especulativo, que procurará não só determinar o limite da expansão quinhentista como encontrar elementos arquitectónicos relacionáveis com a Misericórdia. A interrupção propositada da linha cronológica de análise no final de quinhentos cria, necessariamente, um fosso entre a última reconstituição apresentada e a situação actual da vila. Conquanto possa ser uma decisão questionável, esta opção é sustentada pela percepção de que a envolvente imediata da Igreja e Hospital da Misericórdia foi consolidada ainda neste período. Acrescenta-se ainda a convicção de que também as linhas da expansão de Freixo entre 1600 e os dias de hoje estavam já de algum modo intuídas, senão mesmo conformadas, no núcleo urbano do início do séc. XVIII. Por fim, a própria leitura de vestígios físicos e fontes documentais resultou de um exercício de cruzamento destes dados com a vila no seu estado presente, daí que as reconstituições urbanas produzidas se apresentem sempre em referência à realidade actual.

Seguindo-se a este primeiro período medieval – finalizado, provavelmente, por uma primeira fase de expansão extramuros –, será analisada a evolução da vila na Baixa Idade Média, com ênfase nas campanhas de renovação do castelo e na consolidação do aglomerado fora de muros. Embora os dados sobre esta segunda expansão extramuros sejam praticamente inexistentes, a especulação sustentar-se-á numa tentativa de construir uma ponte entre o núcleo urbano restringido ao recinto fortificado e a vila em pleno desenvolvimento que as gravuras de Duarte D’Armas testemunham no início do século XVI.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA CASTRO Como já foi referido, não foram ainda detectados vestígios de uma fundação castreja de Freixo de Espada à Cinta. Contudo, a leitura geográfica do morro onde hoje se localiza o cemitério da vila é em tudo concordante com a habitual descrição da implantação dos castros do nordeste ibérico: não é o cabeço mais alto da envolvente – os Montes Ermos, por exemplo, elevam-se a maior altitude – mas encontra-se, ainda assim, numa posição de controlo e domínio total sobre o território circundante; o declive acentuado em todas as vertentes (embora mais suavizado a poente) oferece mecanismos naturais de defesa ao lugar; e, contrapondo-se a estas escarpas, o topo do cabeço é achatado e, logo, favorável à construção das habitações castrejas.

2,8

KM

Porém, a ampliação da leitura para um contexto mais territorial fornece um dado que poderá contrariar esta teoria de uma fundação castreja. A menos de três quilómetros de Freixo de Espada à Cinta, no Monte de Santa Luzia, foram identificados os vestígios arqueológicos da presença de cultura castreja – e enfatiza-se a expressão “presença de cultura castreja” na medida em que foi detectado não um assentamento castrejo mas um aglomerado romano no qual se encontraram peças próprias dos povos autóctones do noroeste ibérico, como figuras zoomórficas (berrões) e machados de xisto polido. Em virtude destas descobertas, e como a romanização de um castro pré-existente era um processo comum decorrente das invasões romanas, é legítimo pressupor que o Monte de Santa Luzia terá sido ocupado por um aglomerado castrejo. Ora, se assim foi, é algo improvável que houvesse um outro assentamento idêntico a menos de três quilómetros de distância. Como é evidente, esta “proximidade” não justifica por si só a invalidação da hipótese da fundação de Freixo de Espada à Cinta ter tido origem num castro mas, por ser uma situação incomum, levanta dúvidas pertinentes sobre esta teoria.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA ROMANOS Os vestígios descobertos em Santa Luzia – moedas romanas, jóias com a figura de deuses romanos gravada, estelas funerárias, …– constituem igualmente um ponto-chave para a avaliação da possibilidade de Freixo de Espada à Cinta ter sido fundado/ocupado pelos romanos. A prova de que o Monte de Santa Luzia esteve ocupado pelos romanos abre lugar à especulação sobre uma possível via romana que passaria por Freixo de Espada à Cinta. O percurso desta via pode ser pensado a partir de dois dados fundamentais. Em primeiro lugar, subsiste ainda actualmente uma via de ligação entre a vila de Freixo de Espada à Cinta e o Monte de Santa Luzia, que seguiria depois para Miranda do Douro e Mogadouro. Tendo em conta a resiliência das estruturas romanas enquanto elemento conformador do território português, a hipótese da presente ligação coincidir com uma antiga estrada romana não é, de todo, improvável. Para além disso, a própria orientação da via – sensivelmente NE/SO – aproxima-se do pressuposto do cardo romano. Esta interpretação da estrada actual enquanto uma “herança” do domínio romano da Península Ibérica é ainda reforçada pelo segundo dado fundamental da discussão: a Ponte do Carril, sobre o Ribeiro do Moinho, a norte de Freixo de Espada à Cinta e por onde passa a estrada para Santa Luzia, corresponderá à reconstrução no século XVI/ XVII de uma edificação anterior. Evidentemente, “anterior” não é equivalente a “romana” mas, considerando o investimento em infra-estruturas viárias durante a romanização da Península Ibérica, é legítimo imaginar que a estrutura original poderia datar justamente deste período. Assumindo como um dado adquirido a existência da estrada romana, o foco da discussão transfere-se então para se a passagem desta via a poente do morro de Freixo de Espada à Cinta produziria ou não um assentamento romano. Neste contexto da questão, será essencial convocar outro elemento de análise: a posição da actual Rua das Eiras coincide, aproximadamente, com um potencial decumano que intersectaria a estrada N/S onde hoje se localiza a Praça Jorge Álvares. A sobreposição deste ponto de intersecção com um dos locais mais nobres e antigos da vila contribui, sem dúvida, para a formulação da hipótese de Freixo ter sido efectivamente ocupado durante o período romano. Esta suposição poderá ser corroborada documentalmente por uma citação de Elucidário de Viterbo (via Francisco António Pintado), em 100 a.C. a propósito da divisão da Península Ibérica nas províncias Tarraconense, Bética e Lusitânia, sendo que a primeira “era em direitura ao Rio Douro junto a Freixo”. Não é seguro que este “Freixo” fosse Freixo de Espada à Cinta; porém, a posição desta vila à beira do Rio Douro, num ponto estratégico do seu curso e próximo do limite sul da referida província, constitui um potencial factor de legitimação desta interpretação.

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Em consequência de todos estes factores, a possibilidade de Freixo de Espada à Cinta ter sido um assentamento romano carece “apenas” de confirmação pela presença de vestígios concretos no local. Nesse sentido, a última questão a ser levantada é se esse assentamento romano terá constituído o momento de fundação do aglomerado ou se terá antes correspondido à romanização de um castro pré-existente. À priori, ambas as hipóteses apresentam os seus méritos, sendo impossível apontar uma como mais provável do que outra. A fundação de um núcleo urbano a partir do cruzamento de cardo e decumano é legítima na medida em que não existem dados que contradigam esta teoria. Por outro lado, a romanização de um hipotético castro conjugada com uma expansão do assentamento para a zona de intersecção das duas principais vias de comunicação é igualmente possível e provável.

100m

Deste modo, se, por um lado, defendemos que terá havido algum tipo de presença romana em Freixo de Espada à Cinta, por outro, abstemo-nos de deixar uma conclusão definitiva quanto às suas circunstâncias originais.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA MEDIEVAL I A análise da evolução de Freixo de Espada à Cinta sofre um corte no período entre a desagregação do Império Romano e o início da Reconquista e fundação da nacionalidade. As hipóteses de uma fundação castreja ou romana têm poucos dados sobre os quais se apoiar, de facto; mas as (poucas) informações existentes e a leitura das circunstâncias geográficas e urbanas da vila actual formam uma base ainda assim rica em vias de especulação sobre o que poderá ter sido a sua ocupação nestes períodos. Já o intervalo das invasões bárbaras e muçulmanas não apresenta qualquer tipo de ponto de partida para uma hipotética reconstrução do aglomerado. Em consequência, poderão imaginar-se dois motivos para esta omissão: em primeiro lugar, que Freixo nunca fora ocupado até então e, como tal, só foi fundado durante a Reconquista ou a fundação da nacionalidade; ou, em segundo lugar, que este período terá correspondido ao despovoamento – resultando ou não em abandono total – do aglomerado em virtude das sucessivas vagas de invasões.

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Como já foi referido, sustentamos que Freixo de Espada à Cinta terá tido origem castreja ou romana, embora não seja totalmente descartável a teoria de uma fundação associada às guerras da Reconquista e/ou a independência do Condado Portucalense. Nesse sentido, a recuperação de territórios aos muçulmanos terá proporcionado o (re)povoamento do aglomerado pré-existente, visto que, em algum momento da campanha, terá constituído um ponto geograficamente estratégico para o avanço da reconquista. Contudo, justamente por ser um ponto de relevância essencialmente bélica, será de crer que esta ocupação do morro de Freixo se terá traduzido fisicamente apenas no reforço dos dispositivos defensivos naturais do lugar, de modo a configurar um pequeno reduto militar. Desta forma, o impulso definitivo para a afirmação de Freixo de Espada à Cinta enquanto um aglomerado significativo no seu contexto territorial terá emergido da formação do Condado Portucalense e consequente fundação da nacionalidade. O primeiro castelo medieval datará precisamente dos anos que precederam a doação do Condado Portucalense ao conde D. Henrique e a D. Teresa ou, eventualmente, a sua edificação terá coincidido com este evento. De acordo com a informação documental disponível – embora não seja reconhecida por todos os autores –, o primeiro foral de Freixo terá sido outorgado ainda pelo Conde D. Henrique e D. Teresa em 1098, apenas dois anos depois da criação do Condado Portucalense. D. Afonso Henriques terá igualmente concedido (ou renovado) foral em 1152, atribuindo já o estatuto de couto de homiziados à vila. Esta medida – que permitia que condenados por crime permanecessem em liberdade desde que fossem viver para Freixo de Espada à Cinta – representa um claro incentivo ao povoamento e fixação de população nesta vila, com o objectivo de reforçar os recursos de defesa deste posto defensivo. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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Efectivamente, o desenvolvimento de Freixo de Espada à Cinta durante a Alta Idade Média esteve intimamente ligado à sua posição estratégica na defesa do reino de Portugal face ao assédio leonês. Com o Castelo de Vilvestre como contraponto na margem oposta do Rio Douro, o castelo de Freixo de Espada à Cinta chegou a estar na posse de Leão já em 1212/13, demonstrando a instabilidade da linha da fronteira e a relevância vital da fortaleza enquanto posto de vigia e resistência aos ataques. Porém, pouco se sabe sobre a configuração efectiva do castelo e vila – estatuto adquirido no reinado de D. Sancho II – neste período. Mário Barroca aponta a possibilidade da povoação estar contida dentro da própria cerca do castelo, cujo perímetro seria invulgarmente grande para as fortalezas da época. Contudo, não há vestígios concretos que permitam imaginar como seria a ocupação do recinto ou especular sobre uma possível torre de menagem. Uma outra hipótese sugere que o aglomerado sempre tenha tido um núcleo fora de muros, deixando o castelo como um reduto defensivo em caso de ataque.

Castelo de Vilveste

Certo será que, mais cedo ou mais tarde, terá surgido uma primeira fileira de casas encostadas a uma linha de muralha secundária – parte da futura barbacã a toda a volta do castelo –, acompanhada do arranque da construção da Igreja Matriz original. Desconhece-se a configuração exacta deste templo primordial mas, ao que indicam algumas fontes documentais e de acordo com a longa duração do processo de edificação, terá sido já construído segundo princípios góticos. O início das obras da igreja terá provavelmente constituído o momento decisivo para a consolidação do primeiro núcleo extramuros. Considera-se então que a análise da configuração da vila na Alta Idade Média compreende o período desde o (re)povoamento da Reconquista e/ou formação do Condado Portucalense até ao reinados de D. Sancho II e D. Afonso III, que precedem as reformas dionisinas do castelo.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA MEDIEVAL II O desenvolvimento de Freixo de Espada à Cinta durante a Baixa Idade Média continuou directamente ligado ao interesse régio no reforço bélico e humano desta praça militar. A suposta passagem pela vila de D. Dinis – que alguns associam à lenda da origem do nome do assentamento – é ilustrativa do investimento da coroa na requalificação dos castelos da raia, mesmo após a assinatura do Tratado de Alcanises (1297), de fixação das fronteiras entre Portugal e o reino de Castela e Leão.

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Entretanto, a economia de Freixo de Espada à Cinta florescia também às custas da produção de cereais, amêndoas e seda e lã. É difícil encontrar dados documentais que esclareçam definitivamente em que momento se terá consolidado o porto fluvial adstrito à vila mas o comércio através do Rio Douro tornou-se, igualmente, uma das principais actividades económicas da vila. A crescente atracção económica da vila e a simultânea manutenção do estatuto de couto de homiziados produziu um forte movimento de construção extramuros, ancorado nos dois principais marcos do núcleo urbano: o castelo e a Igreja Matriz, também eles em obras de renovação profunda. Em relação ao castelo, a sua configuração neste período encontra-se bastante mais estudada do que em relação à da Alta Idade Média, embora subsistam dúvidas quanto à datação das diferentes campanhas de obras. O início da primeira grande intervenção no castelo original datará ainda do reinado de D. Afonso III mas o crédito destas obras é já atribuído a D. Dinis e às suas campanhas de renovação de fortalezas e paços. Contudo, é difícil distinguir as intervenções deste período das encetadas no reinado de D. Fernando, mais de cem anos depois. Com efeito, a simples datação da Torre do Galo divide os historiadores: uns atribuem-na ao reinado de D. Dinis pelo parapeito saliente de estilo borgonhês, outros baseiam-se no seu salão abobadado para a apresentar como uma resposta à imposição de D. Fernando de todas as vilas terem um paço para o alcaide. Visto que não dispomos da formação e dados necessários ao destrinçar desta sobreposição de intervenções, propõe-se a leitura do castelo gótico como um produto final das duas grandes campanhas de obras. Neste contexto, o primeiro aspecto a apontar consiste na adopção de um sistema de defesa activa, fisicamente concretizado pela multiplicação de torres adossadas à linha de muralha. As principais torres seriam a do Galo – heptagonal, com vinte e cinco metros de altura e a única que ainda hoje subsiste – e uma torre quadrada a sul da primeira. A entrada principal, voltada a poente e, logo, naturalmente mais desprotegida, teria a defesa reforçada pela concentração de torres naquele troço da muralha. Outras duas portas secundárias – a norte e nascente, sensivelmente – seriam igualmente defendidas por pequenos torreões, com a muralha pontualmente reforçada por balcões com matacães. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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A construção – ou completamento – da barcacã terá sido contemporânea desta introdução de torres no castelo, constituindo-se não apenas como uma segunda cintura de muralhas mas também com um dispositivo de reforço de defesa nos pontos de acesso ao castelo. O balcão sobre a porta principal da barbacã e o cubelo com frestas cruzetadas adjacente à grande torre de planta quadrada seriam então os principais exemplos da sofisticação dos dispositivos defensivos associados à nova muralha exterior. Por fim, e admitindo que o recinto muralhado já anteriormente estivera em parte ocupado por casas, seria de crer que a situação se terá mantido inalterada apesar das profundas alterações ao castelo. Já fora de muros, a Igreja Matriz alternava entre períodos de pequenas obras. Contudo, a sua conformação exterior não andaria longe da justaposição de dois volumes: o corpo da(s) nave(s) – calcula-se que fosse de planta tripartida, como a actual – e a cabeceira de capela única. Todavia, a consequência mais relevante da construção da Igreja Matriz residiria no desempenho de um papel ordenador na definição do espaço urbano. Em primeiro lugar, ao implantar-se a sudoeste do castelo, o edifício salvaguardava a norte o acesso ao recinto muralhado e, simultaneamente, dava forma à zona de intersecção dos caminhos N/S e E/O, estabelecendo uma relação recíproca de qualificação entre o seu alçado principal – voltado a poente, de acordo com a orientação canónica das igrejas – e aquele alargamento urbano. Em segundo lugar, a construção da igreja dividiu igualmente a vila em dois focos de expansão: um, a norte, e associado à primeira linha de casas extramuros e à densificação construtiva das vias que aí desembocavam; e outro para poente, sul e nascente, mais directamente ligado à igreja e lançando os arranques das futuras ruas da vila que seguem nesta direcções. Neste contexto, a implantação da Igreja Matriz constituiu-se como um gesto preconizador do futuro evolutivo de Freixo de Espada à Cinta. Esta reconstituição serve-se em parte da informação contida nas gravuras de Duarte D’Armas do início do século XVI pois, enquanto um testemunho da fase evolutiva seguinte, definem um ponto de chegada na evolução da vila entre a Alta Idade Média e 1500 e permitem imaginar um estado intermédio.

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FREIXO DE ESPADA À CINTA QUINHENTOS I Duarte D’Armas realizou as suas viagens para desenhar as fortalezas de Portugal entre 1507 e 1510. A passagem por Freixo de Espada à Cinta terá tido lugar por volta de 1509 e resultou na produção de três desenhos: uma perspectiva da vila tirada de sul, sensivelmente; uma segunda perspectiva do aglomerado a partir de norte; e, por fim, uma planta esquematizada do castelo de Freixo. O cruzamento do conjunto de gravuras com a planta actual da vila permite reconstituir o que poderá ter sido a configuração do núcleo urbano naquele momento preciso da sua evolução. Se o produto das anteriores fases de análise correspondeu frequentemente a uma condensação de vários eventos, a exploração das gravuras de Duarte D’Armas resulta numa leitura cristalizada no tempo da vila de Freixo de Espada à Cinta. Contudo, nem sempre foi fácil descodificar os desenhos do Livro das Fortalezas. A sua interpretação apenas ganhou rumo a partir do momento em que se clarificou o processo de registo de Duarte D’Armas: o escudeiro de D. Manuel I desenharia em movimento, isto é, ia variando a sua posição de forma a poder compor uma imagem mais abrangente da vila e território. Nesse sentido, os “equívocos” de desenho em relação à realidade são frequentes e a análise das imagens exige uma certa capacidade de adivinhação, se não mesmo de invenção. Começando por uma leitura rápida da planta do castelo, destacam-se as representações das torres e outros sistemas defensivos – balcões com matacães e cubelos de frestas cruzetadas. As portas/passagens da fortificação são indicadas geralmente em alçado rebatido sobre a planta e a desenho faz-se acompanhar de anotações escritas à mão, das quais muito poucas são facilmente legíveis. Embora no interior do recinto muralhado estejam apontadas apenas duas cisternas, nos desenhos em perspectiva estão representadas casas com o telhado a espreitar por cima da muralha. Tendo em conta o método de desenho de Duarte D’Armas, poder-se-ia interpretar estas construções como estando do lado oposto do castelo mas uma leitura mais atenta da perspectiva tirada a partir de norte indica, efectivamente, que ocupariam o interior da cerca, na medida em que uma das casas se sobrepõe à torre de base quadrangular. Esta constatação reforça a possibilidade já admitida do núcleo medieval primitivo estar contido no interior da fortificação, com as habitações originais a ali permanecerem durante os séculos seguintes. Igualmente identificável nas duas imagens é a Torre do Galo, mais alta do que as restantes embora a presença da bandeira na de base quadrada deva indicar antes esta como torre de menagem do castelo. Para a caracterização do castelo contribui ainda a sinalização das portas do recinto: duas na perspectiva tirada de norte e a principal na perspectiva de sul, abrindo-se sobre a vila. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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SUL

NORTE

Quanto a outros marcadores urbanos e territoriais relevantes, a Igreja Matriz encontra-se representada apenas no desenho sul: é conformada por dois volumes – o do corpo de três naves e o da cabeceira de capela única – e, embora o portal principal pareça apresentar já o rendilhado manuelino que hoje vemos nele, não há qualquer indicação relativa às portas laterais. A imagem sul contém igualmente referência evidente a mais dois templos: a Igreja de Nossa Senhora dos Montes Ermos, numa colina no horizonte, e a Capela de Nossa Senhora do Vilar, que viria mais tarde a dar origem ao Convento de São Filipe de Néry (entrevista atrás um monte na perspectiva tirada de norte). A casa isolada no quadrante inferior direito do desenho sul poderá também corresponder à (futura?) implantação da Capela quinhentista de S. Sebastião. Esta interpretação é reforçada pela aparente proximidade do edifício à colina da forca – representada em ambos os desenhos, provavelmente por constituir um símbolo do poder local –, a qual se concluiu poder coincidir com a elevação adjacente à Capela de S. Sebastião. Por fim, e para terminar esta análise territorial das gravuras de Duarte D’Armas, a imagem sul inclui a representação de dois dados fundamentais para a compreensão do valor estratégico da localização de Freixo de Espada à Cinta. Entre os vales à direita do castelo abre-se a vista sobre o Rio Douro, que corre entre escarpas estreitas. Logo acima, encontra-se assinalado o castelo de Vilvestre, em contraposição evidente em relação ao de Freixo de Espada à Cinta.

Possíveis localizações para a Igreja da Misericórdia

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FREIXO DE ESPADA À CINTA Passando à análise do aglomerado urbano propriamente dito, e começando pelo desenho executado a partir de norte, o primeiro facto que salta à vista é a localização dos campos de cultivo na vertente norte do morro do castelo. A observação do núcleo mais denso de casas aponta para a possibilidade de quatro ruas “paralelas” à barcacã do castelo, desembocando numa outra, perpendicular, que sobe em direcção ao topo do cabeço. Neste contexto, este conjunto de casas corresponderia à expansão do núcleo urbano a norte da Igreja Matriz.

QUINHENTOS I 100m

Entretanto, a leitura do aglomerado urbano a partir da perspectiva sul apresenta um nível de complexidade maior. O sistema para a descodificação do desenho foi novamente baseado na tentativa de identificação de ruas, procedendo-se ao cruzamento das linhas lidas na gravura com as das actuais ruas de Freixo de Espada à Cinta. Deste modo, foram determinadas seis ruas na direcção aproximada Sul/Norte e identificou-se a Rua de Hera – transversal às anteriores – como provável limite de expansão para sul do núcleo urbano de Freixo à data da passagem de Duarte D’Armas. Os casos ambíguos na identificação destas ruas foram resolvidos, dentro do possível, através do recurso ao cruzamento com outros elementos urbanos marcantes, como largos ou um atravessamento singular de um quarteirão. A intersecção da quinta rua S/N com a Rua das Eiras indica, sensivelmente, o actual lugar de implantação da Igreja da Misericórdia. Por outro lado, a aparente repetição mais a norte de uma rua paralela à das Eiras torna credível a possibilidade da Igreja e Hospital se terem inicialmente conformado como um edifício quarteirão. Entretanto, há uma questão de crucial importância a ser levantada após este conjunto de conclusões: a Igreja e/ou Hospital da Misericórdia já existiriam aquando da passagem de Duarte D’Armas pela vila? Afinal, a Misericórdia de Freixo terá sido fundada em 1503/1504, anos antes da passagem deste escudeiro pela vila, logo a existência de um primeiro edifício afecto à instituição não é de todo improvável ou impossível. Na imagem do Livro das Fortalezas estão apontadas três hipóteses de edifícios que poderão ter albergado a igreja ou hospital da Misericórdia. O edifício azul, pela posição em relação à Rua das Eiras e dimensão, poderia corresponder a uma ala primitiva do hospital, tal como o corde-laranja. Este, ainda que se assemelhe ao corpo da Igreja da Misericórdia actual – porta lateral, duas janelas laterais com lintel em arco, janela na fachada principal e telhado de quatro águas – parece estar já numa posição demasiado recuada para que seja lógico apresentá-lo como uma alternativa válida. A opção mais credível no âmbito deste raciocínio é, então, a da casa cor-de-rosa corresponder a uma hipotética pré-existência no local da Igreja da Misericórdia. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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FREIXO DE ESPADA À CINTA QUINHENTOS II

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Apesar de um incompleto estudo do 500 II, houve oportunidade de fazer o mapeamento dos elementos manuelinos da vila, sendo que as próximas páginas ilustram o seu registo:

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IGREJA DA MISERICÓRDIA PLANTA ESC 1/100

Localização da Igreja da Misericórdia

A planta da obra em estudo tem uma configuração claramente longitudinal, implantado-se segundo um eixo orientado a nascente/poente. É composta por uma única nave, por uma capela lateral, virada a Norte, por capela-mor onde se ergue o altar, e por uma sacristia. A nave, de forma rectangular, com 12,7 metros de comprimento por 5,9 metros de largura acede-se directamente do exterior por duas entradas distintas, a principal, a nascente, virada para a praça que partilha com a Igreja Matriz, e uma outra, a Sul, que a liga à Rua das Eiras. A transição da nave para a capela-mor é feita através de um arco triunfal, que se ergue sobre dois pilares adjacentes às paredes laterais. Antes da capela-mor, passa-se, através duma abertura marcada por um arco de volta perfeita, para uma capela lateral, do lado direito, onde se encontra um nicho. Tanto a capela lateral como a nave são anexas a um pátio que a igreja partilharia com o antigo hospital, do qual pouca informação chegou até aos nossos dias. A capela-mor, com 8 metros por 3,5 metros, ( sendo a sua proporção semelhante à da nave) que se orienta transversalmente à nave, dá acesso à sacristia, e não tem nenhum acesso ao exterior. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto

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IGREJA DA MISERICÓRDIA PLANTA DO TECTO ESC 1/100

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IGREJA DA MISERICÓRDIA PLANTA DE COBERTURA ESC 1/100

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IGREJA DA MISERICÓRDIA ALÇADO PRINCIPAL ESC 1/100

O alçado principal, virado a Nascente, é marcado por um eixo vertical, no qual se alinham a porta de entrada, com cerca de 3 metros de altura e 1,5 metros de largura , delimitada por um arco de volta perfeita, e uma janela, um pouco recuada em relação à fachada, com cerca de 1,4 metros de altura e 0,4 metros de largura, também composta no lado superior por um arco de volta perfeita. Todo o edifício apresenta poucos elementos decorativos, sendo que na fachada exterior se destaca apenas a presença duma estilizada cornija e duma sineira que se ergue na cobertura no mesmo alinhamento central. Toda a fachada é feita em pedra granítica, emparelhada segundo tramos horizontais, de medidas relativamente irregulares. A pedra encontra-se actualmente bastante corroída, já que as suas características são facilmente afectadas por esse tipo de alteração. Destaca-se, ao fundo, o volume da capela-mor, que se eleva em relação ao volume da nave em aproximadamente dois metros de altura. O lado direito da fachada é interceptado por um pequeno volume, feito da mesma pedra, onde se abre uma porta para o pátio.

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IGREJA DA MISERICÓRDIA ALÇADO LATERAL ESC 1/100

O alçado lateral, virado para a inclinada Rua das Eiras, divide-se nesses dois momentos, o relativo à nave e o outro relativo à capela. No primeiro situa-se, aproximadamente a meio, a segunda porta de acesso à nave, e duas janelas, de forma semelhante à janela da fachada principal, uma alinhada com a mesma porta e uma segunda, ligeiramente desalinhada com esses dois elementos. Esta área dos alçados é a única revestida por reboco, de cor branca, com excepção da presença da mesma pedra nos seus limites. O segundo volume, com cerca de 11 metros de altura, é composto por dois frisos, uma cornija e por uma janela, que ilumina o altar, de tamanho superior ao das outras três, e de decoração mais trabalhada. Na cornija destacase a presença de três gárgulas de pedra e sobre a mesma, ligeiramente recuados, encontram-se também três pináculos, que acentuam um pouco mais a sensação de verticalidade.

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IGREJA DA MISERICÓRDIA ALÇADO TRÁS ESC 1/100

O alçado poente partilha dos mesmos elementos da fachada trás descrita, mas sendo o lado maior do rectângulo que forma em planta a capela-mor, o número de gárgulas e de pináculos aumenta para quatro. Não possuí porém qualquer abertura, e é também revestida totalmente em pedra. Em todas as fachadas tem ainda alguma presença a cobertura composta por um telhado de três águas que cobre a nave central e um telhado de quatro águas que cobre a capela-mor.

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IGREJA DA MISERICÓRDIA CORTE LONGITUDINAL ESC 1/100

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IGREJA DA MISERICÓRDIA CORTE LONGITUDINAL ESC 1/100

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IGREJA DA MISERICÓRDIA CORTE TRANSVERSAL ESC 1/100

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COMPARAÇÕES OBJECTOS DE ESTUDO ESC. 1/400 Procedemos à comparação do objecto central do nosso estudo, a Igreja da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta, com a Igreja Matriz, da mesma localidade, com a Igreja Matriz de Arronches e, ainda, com a Igreja do Mosteiro dos Jerónimos, de Lisboa, dividindo-se este processo em dois momentos: o primeiro no qual as obras se sobrepõem com a mesma escala, onde se encontram relações com as medidas efectivas dos edifícios, e o segundo no qual se alteram as escalas, comparando-se as proporções dos espaços. Optámos por estabelecer também alguns critérios para os alinhamentos das comparações, pelos elementos que nos pareceram mais relevantes e elucidativos : o eixo central longitudinal, a largura e o comprimento interior da nave, o arco triunfal, o plano interior da entrada e o plano interior da capela mor.

1 Igreja dos Jerónimos

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2 Igreja Matriz de Arronches Igreja e Hospital da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta

3 Igreja Matriz de Freixo de Espada à Cinta História da Arquitectura Portuguesa

4 Igreja da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta 41


COMPARAÇÕES À ESCALA

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA - IGREJA MATRIZ DE FREIXO DE ESPADA À CINTA

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Pontos de comparação: eixo central e arco triunfal do transepto

Pontos de comparação: eixo central e arco triunfal da capela mor

Pontos de comparação: eixo central e plano interior da entrada

Conclusões: A nave da Igreja da Misericórdia tem aproximadamente a mesma largura da nave central da Igreja Matriz; o comprimento da nave central da primeira ocupa dois tramos e um quarto da nave da outra.

Conclusões: A distância das colunas que suportam o arco triunfal é bastante semelhante nas duas igrejas

Conclusões: O comprimento total da igreja da Misericórdia é um pouco mais de metade do comprimento total da Igreja Matriz

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COMPARAÇÕES À ESCALA

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA- IGREJA MATRIZ DE ARRONCHES

4

5

6

Pontos de comparação: eixo central e parede da capela mor pelo plano interior

Pontos de comparação: eixo central e arco triunfal da capela mor

Pontos de comparação: eixo central e plano interior da entrada

Conclusões: A nave da Igreja da Misericórdia tem aproximadamente a mesma largura da nave central da Igreja de Arronches;

Conclusões: O comprimento total da Igreja da Misericórdia é menos de metade do comprimento da Igreja de Arronches;

Conclusões: Abertura da porta de entrada da Igreja da Misericórdia é aproximadamente metade da entrada da Igreja de Arronches

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COMPARAÇÕES À ESCALA

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA - IGREJA DOS JERÓNIMOS

7

8

Pontos de comparação: arco triunfal

Pontos de comparação: eixo central e plano da capela mor pelo plano interior

Conclusões: A distância das colunas que suportam o arco triunfal não é exactamente igual entre as duas igrejas, mas tem alguma proximidade;

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Conclusões: comprimento e largura total da Igrejá da Misericórdia são idênticas à capela mor da Igreja dos Jerónimos

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COMPARAÇÕES À IMAGEM

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA- IGREJA MATRIZ DE FREIXO DE ESPADA À CINTA

9 Pontos de comparação: largura e arco triunfal Conclusões: As dimensões das cabeceiras são muito parecidas tanto em profundidade como em comprimento

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10

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COMPARAÇÕES À IMAGEM

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA - IGREJA DOS JERÓNIMOS

10 Pontos de comparação: eixo central e largura Conclusões: A profundidade das capelas é idêntica

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COMPARAÇÕES À IMAGEM

IGREJA DA MISERICÓRDIA DE FREIXO DE ESPADA À CINTA- IGREJA DOS JERÓNIMOS

11 Pontos de comparação: arco triunfal e largura Conclusões: Afinidade entre a proporção da nave e da capela mor da Igreja da Misericórdia com a soma das três naves e do transepto dos Jerónimos; esta relação remete-nos para o esquema antropomórfico de Francesco di Giorgio Martini, onde a nave e o transepto (equivalente à capela mor no caso da Miserdicórdia) assumem o papel de tronco, as capelas laterais de braços, a capela mor de cabeça, o momento de entrada onde se eleva o coro-alto de pernas. A Igreja da Misericórdia não concretiza totalmente este esquema, porém, o destaque que pode corresponder à “cabeça” pode-se verificar na elevação do volume da capela mor.

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BIBLIOGRAFIA

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Pintado, Francisco António; Santa Casa da Misericórdia de Freixo de Espada à Cinta; Biblioteca Municipal de Freixo de Espada à Cinta; 2000

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Santos, Reinaldo dos; Oito séculos de Arte Portuguesa. História e espírito, vol. II Empresa Nacionalde Publicidade, Lisboa; s/data

Atanázio, M. C. Mendes; A arte do Manuelino: mecenas, influências, espaço; Lisboa: Presença, 1984

Santos, Reinaldo dos; O estilo Manuelino; Boletim da Academia Nacional de Belas Artes; Lisboa, 1952

Tavares, Virgílio Conheça a nossa Terra Freixo de Espada à Cinta; Edição Câmara Municipal de Freixo Espada à Cinta, 1998

Taborna, Joaquim Augusto Ramos; Freixo de Espada à Cinta: Monografia Editor Negócios 2004

www.monumentos.pt www.ippar.pt www.cm-freixoespadacinta.pt

Moreia, Rafael; Jerónimos Editora Verbo; Lisboa, 1987

www.portugalnotavel.com

Inventário Artístico de Portugal; Academia Nacional de Belas Artes; Lisboa, 1981 Monteiro, João Gouveia; Os castelos portugueses dos finais da Idade Média; Edições Calibri, 1999 Dias, Pedro; Manuelino: à descoberta da arte do tempo de D. Manuel I; 2002 Viterbo, Sousa; Dicionário histórico e documental dos harchitectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de portugal; Imprensa nacional, Lisboa, 1899 48

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