comunhao-outubro-2020

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JORNAL DA DIOCESE DE GUAXUPÉ

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ANO XXXII - 371

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OUTUBRO DE 2020

“ LEVA-ME AONDE OS

HOMENS NECESSITEM TUA PALAVRA


expediente Diretor geral DOM JOSÉ LANZA NETO Editor PE. SÉRGIO BERNARDES | MTB - MG 14.808 Equipe de produção LUIZ FERNANDO GOMES JANE MARTINS Revisão JANE MARTINS Jornalista responsável ALEXANDRE A. OLIVEIRA | MTB: MG 14.265 Projeto gráfico e editoração BANANA, CANELA bananacanela.com.br | 35 3713.6160 Telefone 35 3551.1013 E-mail guaxupe.ascom@gmail.com Os Artigos assinados não representam necessariamente a opinião do Jornal. Uma Publicação da Diocese de Guaxupé www.guaxupe.org.br


editorial

“Y

es, we can!” (Sim, nós podemos!). Símbolo da campanha do presidente americano Barack Obama, essa frase remete a algo necessário para o momento atual de nosso país. A corrida eleitoral acontece num país extremamente dividido, ou mais ainda, fragmentado diante das inúmeras propostas políticas que influenciarão as decisões municipais. O que se vê nas ruas, nas redes sociais ou nas famílias é uma profunda incompreensão dos pontos de vista díspares. Atitude que se torna intolerante e, em alguns casos, violenta. Esse cenário demonstra a fragilidade do povo em defender suas opiniões e expô-las de modo racional e respeitoso, e isso prejudica a elaboração de uma convicção minimamente lógica na escolha do voto. Vota-se muito mais com o coração (ou com as vísceras) do que com o cérebro e sua aconselhável percepção. “Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem” (Mt 5, 44). Esse ensinamento de Jesus Cristo deveria ser bússola para os cristãos ao participarem de quaisquer confrontos ou discussões. Muitas vezes, os mais engajados discípulos de Cristo se esquecem que, mesmo confrontando opiniões distintas das suas, o outro ainda permanece com sua dignidade, valor irrenunciável para a fé em Jesus de Nazaré. A política, entendida como espaço social de participação e representação, não deve tornar-se, em hipótese alguma, um cenário de guerra, com o intuito de destruir um inimigo, mas deveria ser a convergência das melhores alternativas para as realidades locais que elegerão seus representantes.

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A disputa política é a oportunidade de escolher, de forma segura e a partir de uma experiência particular de mundo, o candidato que mais ofereça condições de gerenciar as instâncias democráticas. Pensando nisso, vale a pena retomar o lema do presidente americano. A frase marcante escolhida para sua campanha política visava justamente unir uma nação em vista de uma transformação que oferecesse um país melhor para todos, sem exclusão. E, ainda, destaca-se a presença de um verbo forte que inspira todas as pessoas a fazer o processo juntos, não cada um restrito somente ao seu universo particular. No Brasil, seria aconselhável adotar uma postura semelhante. Em vez de transformar o período eleitoral num combate sanguinário e esbravejante, se deveria exigir de todos os futuros governantes que expusessem seus planos de governo e se comprometessem de modo autêntico a cumprir as propostas difundidas no período eleitoral. Enquanto gasta-se munição em ataques mútuos, seria mais proveitoso conhecer as intenções e os projetos de cada candidato, para que não seja uma aposta no escuro em alguém ou numa plataforma que nem sabe ao certo no que acredita. Muitos cidadãos ainda compreendem o voto como uma obrigação civil, sem considerar as consequências para os rumos que serão traçados para todos. Os cristãos são chamados a ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-14), desse modo deveriam, justamente, ser reconhecidos como aqueles que promovem a boa política como espaço JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 4


legítimo de representação popular, ao invés de um aprisionamento ao partidarismo e à teimosia, que cegam as razões a ponto de não se ver a fragilidade daqueles em quem se confiará o legítimo direito do voto.

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voz do pastor

Dom José Lanza Neto, Bispo da Diocese de Guaxupé

“EU VIM PARA QUE TODOS TENHAM VIDA E VIDA EM ABUNDÂNCIA! (JO 10,10)

N

este mês dedicado às missões, queremos, como Igreja, valorizar ainda mais a dignidade da vida em todas as suas instâncias. O tema da Campanha Missionária é justamente “A vida é missão”. Nestes últimos anos, nos conscientizamos que falar de missão é falar da vida. O que está em jogo é a vida que Jesus veio trazer a toda a humanidade. O seu Reino é, acima de tudo, um Reino de vida e vida plena. A Vida precisa ser resgatada, pois em tempos difíceis de pandemia, a banalização, o descarte e o descaso tornaram-se visíveis. O destaque desses males ficou por conta da economia em nome da sobrevivência, mas, na verdade, todos os aspectos da sociedade caminham juntos, uma dimensão não deve se sobrepor a outro. Nos dias 13 a 18 deste mês, de forma on-line, teremos um tempo favorável para refletirmos sobre a missão de cada discípulo de Cristo. A Semana Missionária deste ano foi preparada pelo Conselho Missionário Diocesano (Comidi). No evangelho de João (10, 10), Jesus afirma que Ele veio para que todos tenham vida e a tenham em abundância. Com essa afirmação, entendemos que aqueles que se propõem a seguir Jesus, como missionários e missionárias, estão comprometidos e são enviados como aqueles e aquelas que defendem a vida.

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Quando Jesus nos faz essa motivação a viver sua proposta no mundo, sob a força do Espírito Santo, quer revelar que o mercenário, ao se passar por pastor, engana as ovelhas e por não ser capaz de dar sua vida por elas, foge e as abandona. É preciso dar a vida inteiramente e criarmos estruturas e condições novas geradoras de vida e não de morte e destruição. Nas atuais Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, encontramos uma bela afirmação da necessidade de cultivar verdadeiras comunidades eclesiais missionárias engajadas e comprometidas com a realidade do povo, que leve vida a todas as pessoas. Constantemente, somos alertados sobre como precisamos ter consciência, organização e testemunho em nossas comunidades e essas, por sua vez, devem marcar presença especialmente nos ambientes mais pobres e desafiadores. É importante que as comunidades cristãs provoquem-se com uma pergunta: temos sido realmente missionárias? A Congregação para o Clero, ao falar sobre a instrução da paróquia e da evangelização, aborda a questão da missionariedade, levando em conta a paróquia como nova maneira de evangelizar, descentralizada e presente nas diversas realidades. Quando Jesus afirma que veio trazer vida, e vida em abundância, se apresenta como Bom Pastor – Jesus é a porta e todos devem passar por Ele. Quando a Igreja atinge sua vocação verdadeira, a de ser formada por inúmeras comunidades missionárias, torna-se Porta geradora de vida e liberdade. Jesus está a nos inspirar sempre para que passemos por Ele, a verdadeira Porta do Reino de Deus!

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Por Irmão Márcio Diniz, SC - Religioso pertencente à Congregação dos Irmãos do Sagrado Coração em missão Ad gentes

testemunho

MISSÃO EM ÁFRICA: “É NESTE CHÃO DE DORES E ALEGRIAS QUE ESTOU A FAZERME MAIS PESSOA” Irmãos do Sagrado Coração vivem presença missionária com jovens para ‘amar e servir’ em Amatongas, Moçambique

Irmão Márcio Diniz, missionário em Moçambique JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 8


Á

frica é um mundo, um continente berço da humanidade, que carrega em sua história milenar saberes de povos que se revelam na resistência, na força, na alegria e na resiliência. É neste chão de dores e alegrias, em Moçambique, país da costa oriental da África Austral, que estou a fazer-me mais pessoa, missionário, consagrado, humanizado e humanizante. Estou aqui com os moçambicanos, sendo um com eles para aprender mais que ensinar, me fazendo discípulo e missionário (Cf. Mt 28,29), para “em tudo amar e servir”, lema de Santo Inácio de Loyola, junto aos jovens na família religiosa dos Irmãos do Sagrado Coração.

Irmãos do Sagrado Coração – presença profética

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O Instituto dos Irmãos do Sagrado Coração é uma Congregação Religiosa, fundada em Lion, França em 30 de setembro de 1821 pelo padre André Coindre. A missão fundamental do instituto se centra na educação de crianças, adolescentes e jovens em escolas próprias ou de dioceses; em centros sociais que acolhem crianças e adolescentes em vulnerabilidade biopsicosocial e na atuação pastoral juvenil nas dioceses, onde estamos presentes. Somos aproximadamente mil e cem religiosos, atuando em 34 países nos cinco continentes, juntamente com colaboradores leigos. Em junho de 2010, o Superior Geral em conselho aceitou o convite de dom Francisco Silota, hoje bispo emérito da Diocese de Chimoio, situada no centro de Moçambique, para que os irmãos assumissem a direção da Escola de Amatongas. O edifício, de propriedade dos Frades Franciscanos, foi tomado pelo governo do país por ocasião das nacionalizações, quando o governo comunista confiscou todas as propriedades da Igreja, incluindo as escolas. Nos anos 90, o novo governo mudou a forma de proceder e começou a devolver à Igreja todas as propriedades e as construções expropriadas. Nos últimos anos, o atual governo utilizou o edifício da escola de Amatongas, embora seriamente deteriorado, onde a escola pública atendia aproximadamente 500 alunos, crianças e jovens de ambos os sexos. Desses, 20 alunos eram internos no Lar Masculino São Quisito. Em fevereiro de 2011, quatro irmãos do Sagrado Coração, provenientes de quatro países distintos (Brasil, Espanha, Estados Unidos e Zimbabwe), chegaram à Amatongas para adaptar-se ao meio e começar os reparos da escola e da residência. Em JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 10


2012, os irmãos assumiram a direção e a administração da Escola Secundária Comunitária Sagrado Coração, em Amatongas. A partir desse momento, a escola mudou sua característica física e educacional.

Vila de Amatongas – Escola Secundária Comunitária Sagrado Coração:

Meu chão e lugar de missão. Amatongas é uma comunidade rural (aldeia) de aproximadamente 35 mil habitantes, sua economia gira em torno da agricultura de subsistência, baseada na produção de milho. A realidade é de extrema pobreza, onde a grande maioria de seus moradores toma apenas uma única refeição diária, dorme no chão em esteiras. As casas de pequenos cômodos são de pau-a-pique, sem energia elétrica, água JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 11


encanada, fogão a gás etc. Apresentam-se, nesta realidade, inúmeras questões sociais: alto índice de doenças sexualmente transmissíveis, de modo destacado a AIDS, e de doenças tropicais, com maior número a malária; consumo intenso de álcool e drogas; casamentos prematuros; gravidez precoce; orfandade; extermínio da população albina; tráfico de órgãos para cultos religiosos e comércio; violência física, psíquica e sexual contra as jovens. Após 9 anos de trabalho educacional voltado aos jovens, a Escola Secundária Comunitária Sagrado Coração de Amatongas atende, hoje, mil e trezentos alunos da oitava à décima segunda classe do Ensino Secundário. Dentre o número de alunos, 198 são internos e moram nos Lares São Quisito, 150 rapazes e 48 moças. Os alunos vêm das comunidades (aldeias) que rodeiam Amatongas e de outras cidades e províncias (estados), e a grande parte deles caminha cerca de cinco horas diárias para estudar. Uma rotina diária que contribui significativamente para a evasão escolar, aspecto que assola o país.

Bunitezas da missão – Luzes e sombras Ao longo desses 5 anos, cá, em Amatongas, neste chão missionário, aprendi a me descalçar, a re-aprender que não precisamos fazer grandes coisas, mas, sim, ser presença que olha, toca, chora, dança, reza, produzindo espaços de bunitezas. Afinal, as palavras de Paulo Freire: “A alegria não chega JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 12


apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. É o refrão que tenho vivido cotidianamente. Enfrentando muitas sombras: desafios sociais; desastres ambientais (tremor e ciclone); carência de irmãos; início do processo formativo dos jovens irmãos moçambicanos e o aumento das demandas pastorais na escola e na missão. É aí onde as luzes tornam-se maiores: nossa presença e transformação na escola; uma comunidade internacional; a formação de irmãos moçambicanos e os projetos de sustentabilidade. Sombras e Luzes que se consolidam em uma educação transformadora e em acreditar nos jovens moçambicanos como fator de transformação familiar e social. JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 13


Em preparação aos 200 anos de fundação do Instituto dos Irmãos do Sagrado Coração, quero ser ainda mais presença profética com “ânimo e confiança” (lema do fundador) junto aos jovens empobrecidos e, inspirado pelos discípulos de Emaús (Lc 21, 13-35), parafraseio: Não está a arder meu coração quando Jesus-irmão (no olhar e toque dos jovens) me fala pelo caminho de lutas… resistências… sonhos… bunitezas? Sim, e é por isso que contínuo meu caminhar com flores e espinhos, luzes e sombras, certo de que, após as incertezas do cotidiano, brilhará a luz da presença do Ressuscitado em minha vida e minha missão.

Crisma Internos e Internas

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Por padre Sérgio Bernardes, comunicador

crônica À PARTE ISSO, TENHO EM MIM TODOS OS SONHOS DO MUNDO

A

imensa maioria de nós jamais passou por um momento de tanta insegurança sobre o futuro de nossa sociedade quanto o tempo em que vivemos agora. Há mais de 100 anos, o mundo sofria o impacto de uma pandemia grave, causada por um vírus subtipo de outro conhecido e controlado, o influenza. Romper com a tendência e o ritmo comuns da vida pode gerar um impacto profundo no modo com que temos observado as relações e, até mesmo, a visão que temos de tudo o que fazemos e nos cerca. Muitos de nós sairão diferentes desse tempo de reclusão, marcados tanto para o bem quanto para o mal. Manter-se em equilíbrio é uma atitude preciosa em situações extraordinárias como essa para não correr em busca de uma alienação egoísta, que não percebe a gravidade do mal JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 15


que se aproxima de nós, mas também para não se afundar numa paranoia ineficaz, que não se abre à esperança de solução. Quase atropelados pela alta carga de informações que nos chegam quase à exaustão, podemos nos refugiar numa opção ilusória em tratarmos o momento como um período de férias, sem graves consequências para a vida humana e até mesmo para os pilares de nossa sociedade, em áreas como economia, política e infraestrutura. É fundamental ter cuidado para não cairmos num fluxo de pensamentos que nos façam desesperar pela incerteza da cura de uma doença ainda com aspectos desconhecidos para cientistas e médicos. Em momentos como esse, corremos o risco de deixarmos nossas inseguranças emergirem de modo violento e nos tirarem o discernimento necessário para compreendermos a realidade que nos cerca. Definitivamente, esperamos que isso não se repita novamente tão em breve, mas que nos sirva como conscientização sobre nossa fragilidade e nosso limite como seres integrados diante de um complexo sistema de vida, a biosfera. Pois, afinal, um microrganismo, com uma surpreendente coroa, tem nos aterrorizado de modo tão imbatível que nos faz parar, momentaneamente, com nossa incapacidade. A inteligência e a perspicácia da humanidade, com toda a certeza, nos trarão respostas e caminhos para a cura. Agora, resta-nos vivenciar com paciência e atenção as indicações de líderes, informados e responsáveis, que nos conduzirão com segurança a um novo momento de estabilidade. JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 16


A rotina angustiante

Um livro clássico indicado por um amigo espera para ser lido, empoeirado na mesa de cabeceira. Do mesmo modo o relatório do trabalho a ser escrito, o arquivo aberto, mas nem sequer uma linha desenvolvida. A série cult iniciada está com a temporada pela metade, esperando o estado de espírito propício para ser retomada, assim como uma conversa decisiva do início da pandemia e que não trouxe soluções concretas além do “vamos conversando”. Tantas e tantas coisas se adaptam à situação de banho-maria que estamos desde... Sei lá, pelas minhas contas já passamos de uma década. É um ato teatral dramático nos colocando em suspenso, aguardando a próxima ação que desenrolará a história, não saímos do palco, mas estamos inertes, nos entreolhando, sem que ninguém conheça qual o próximo gesto ou a fala seguinte do roteiro. JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 17


Há, em mim, uma sensação angustiante de congelamento da realidade, uma vida morna a aguardar angustiada pelo quente ou pelo frio. Não importa mais, do que preciso, hoje, é de definições e prazos, resoluções que indiquem sim ou não. Deus me livre do talvez. É insuportável a imprevisibilidade em não saber quando e onde devo me apresentar para a vida normal novamente. Daí vem a dúvida torturante: manter-se apto psicologicamente e em prontidão para o retorno iminente ou deixar-se solto, dentro dos limites de casa, obviamente, sem apertar os cintos e esquecer a agenda numa das gavetas da escrivaninha? Mas a rotina normal não virá, ao menos, por agora, se demorará por mais um período. Até quando? Não sei e ninguém sabe. Ouço falar de um novo normal e que, aos poucos, retornaremos às nossas atividades, porém com algumas adaptações necessárias para uma nova vida, parecida com a de antes, mas, ao mesmo tempo, diferente e transformada. Me vêm perguntas terríveis: será que quero alterações na minha vida rotineira ou, ainda, serei eu capaz de me acostumar a elas? Isso me aterroriza, não por ser alguém apegado às coisas, aos lugares e às situações, justamente o contrário, mas por estar acostumado a mudanças dentro de um espectro razoável de possibilidades. A simples ideia que a sociedade pode alterar-se de uma hora para outra me causa a estranha sensação de termos falhado como civilização e me pego disposto a juntar os cacos, a querer que tudo volte a ser como sempre foi, chego ao absurdo JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 18


de desejar até mesmo pelas nossas falhas humanas, as quais já estávamos acostumados a criticar e até mesmo a combater. Não estou pronto para mudanças tão profundas no sentido da vida e acredito que boa parte da humanidade também espera pelo retorno do nosso bom, errado e velho mundo de antes.

A consciência do limite

Periodicamente, reorganizamos nossas mesas de trabalho, mas você já parou para pensar o quanto elas só funcionam em estado de desorganização? Um espaço organizado sistematicamente funciona só nos mostruários de lojas de móveis chiques, mas nunca na vida real. JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 19


Pode reparar: estações de trabalho sempre correspondem ao grau de produtividade de cada um. A minha, confesso, está sempre cheia de lembretinhos para não me deixar esquecer de nada importante. E, quando insisto em organizá-la, passo uns dois dias sem nem querer me aproximar da mesa para não bagunçá-la novamente. Às vezes, o desarranjo é o jeito confortável das coisas permanecerem em nós. Não sei você, caro leitor, mas com quase um ano de processo analítico no curriculum vitae, me sinto à vontade, cada vez mais, com algumas coisas internas e externas que parecem funcionar somente em assimetria e paradoxalmente. O mais estranho em perceber isso é que nos damos conta do tempo que perdemos ao tentar ajeitar tudo à nossa volta e dentro de nós. Com isso, me lembro da época de faculdade quando um amigo entrou no meu quarto e depois me enviou uma mensagem desaforada: “Se a sua vida interior estiver como a organização do seu quarto, precisamos conversar urgentemente”. Hoje, dou risadas dessa situação porque já não tento mais viver como se tivesse o controle da situação, na verdade, tenho aumentado progressivamente a consciência de que não consigo controlar nada. Já reparou que boa parte de nossas frustrações vêm justamente dessa vontade tão absurda de nos colocarmos como engenheiros e administradores da existência? A terrível angústia que invadiu quase todo mundo na pandemia se instala justamente aí: supúnhamos que controlávamos a realidade, mas (felizmente) descobrimos que não. Todo o esquema humano de manutenção social praticamente sucumbiu diante de nossos JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 20


olhos através das telas. Conversando com um amigo, falávamos sobre o impacto que tudo isso causou nas pessoas e ele me disse, quase num desabafo, “estamos sem chão, nossos referenciais se perderam”. Concordo com ele, mas acho que vivemos, sim, num tempo líquido, termo famoso criado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, e precisamos aprender a caminhar sobre as águas. A realidade sólida e estável, experimentada por alguns anos de estabilidade, dá sinais de término, aqueles que souberem surfar na onda de instabilidade e fragmentação serão os que se manterão de pé nos novos tempos. Por isso, mais do que nunca, chegou o momento de rompermos com a fixa ideia de estabelecer planos a longo prazo, contando com a invariabilidade do mercado, do cenário político ou das relações sociais, tudo isso tende a se tornar mais volátil a cada minuto. Assim, sugiro que você escolha uma boa poltrona, pegue um café e relaxe, o jogo da vida não está mais em nossas mãos, ou melhor, nunca esteve. Nós que alucinamos por um longo período.

O novo normal A expressão recente, que tem tomado conta das manchetes e das conversas, me causa certo estranhamento, especialmente neste contexto de crise sanitária-econômica, por me parecer um jeito melindroso de tratar a realidade.

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Por trás de um conceito de origem desconhecida e amplo demais e, por isso vazio, se esconde uma intenção bastante conhecida, ao longo da história: a manutenção dos direitos de uma elite privilegiada em detrimento de uma perigosa exposição à miséria de uma imensa parte da população. O novo normal, anunciado como tendência de consumo, vida e relacionamentos, surge como única possibilidade para o novo momento que vivemos, uma nova situação imposta por uma pandemia e, consequentemente, a ampliação de uma permanente crise financeira. Isso tudo esconde uma articulação engenhosa quando, mais uma vez, a elite financeira estabelece uma exploração maquiada dos mais pobres, obviamente transformada numa propaganda de alternativa milagreira para garantir (ineficazmente) a condição mínima para a existência de (quase) todos. Com estratégias governamentais de redução salarial, facilitação para a demissão e quebra de protocolos licitatórios, o lavar as mãos se apresenta como medida disfarçada de, mais uma vez, preservar o direito ao lucro e garantir o patrimônio das grandes empresas, nem sempre por meios que respeitam a leJORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 22


galidade. Um romance italiano, O Leopardo, de Tomasi di Lampedusa, traz uma frase bastante difundida pelos meios de comunicação, especialmente pelas redes sociais: “Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”. Estamos num momento desafiante e isso é comum a todos os países do mundo, é sempre bom lembrar que não é uma exclusividade brasileira. Essa situação inédita, ao menos para nossa geração, colocará todos diante de uma oportunidade histórica de revisão do itinerário traçado até aqui, ao longo de milhares de anos com a sucessão das civilizações. Prosseguimos com nossos paradigmas caducos e geradores de exclusão ou nos propomos a uma alternativa possível, onde haja mais igualdade e todos façam, verdadeiramente, parte da grande família humana? Me recuso a acreditar que tornaremos a trilhar os mesmos caminhos políticos, econômicos, sociais, culturais e ecológicos, mesmo diante da exposição da fragilidade de nossa vida e de nossos sistemas sociais, que sucumbiram diante de um microrganismo. Há um ditado popular que diz: “errar é humano, insistir no erro é burrice”. Aprendamos com a sabedoria peculiar de nosso povo. *O título da sequência de crônicas traz como referência um dos versos do poema Tabacaria do poeta português Fernando Pessoa, sob o heterônimo de Álvaro de Campos.

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comunicações aniversários outubro Natalício 09 Padre Aloísio Miguel Alves 11 Padre Gilmar Antônio Pimenta 15 Padre Ademir da Silva Ribeiro 10 Monsenhor Mário Pio de Faria 16 Padre Edno Tadeu de Oliveira 22 Padre César Acorinte 22 Padre José Neres Lara 22 Padre Glauco Siqueira dos Santos 24 Padre André (Aparecido) Batista de Oliveira 26 Padre Arnoldo Lourenço Barbosa 30 Padre Ronaldo Aparecido Passos Ordenação 15 Padre Guilherme (Gleyner) Silva Souza 17 Padre Márcio Alves Pereira (Machado) 18 Padre Gilvair Messias da Silva 25 Padre José Luiz Gonzaga do Prado 29 Padre Donizete Antônio Garcia 31 Padre Robervam Martins de Oliveira 31 Dom José Lanza Neto (presbiteral)

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atos da cúria Nomeações • Nomeia-se o padre Luiz Henrique Sebastião da Silva como Vigário Paroquial da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em Alfenas, no dia 19 de agosto de 2020. • Nomeia-se o padre Gilgar Paulino Freire como Pároco da Paróquia São João Bosco, em Poços Caldas, no dia 25 de agosto de 2020. • Nomeia-se o padre Pe. Sebastião Marcos Ferreira como Vigário Paroquial da Paróquia Sagrada Família e Santo Antônio, em Machado, no dia 9 setembro de 2020. • Nomeia-se o padre Antônio Batista Cirino como Administrador Paroquial da Paróquia Divino Espírito Santo, em Cavacos, distrito de Alterosa, e Administrador Paroquial da Paróquia São João Batista, em Barranco Alto, distrito de Alfenas, no dia 19 de setembro de 2020. • Nomeia-se o padre Luciano Nascimento Rodrigues como Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora das Graças, em Passos, no dia 18 de setembro de 2020. • Nomeia-se o padre Márcio Alves Pereira como Vigário Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Saúde, em Poços de Caldas, no dia 16 setembro de 2020. • Nomeia-se o padre Riva Rodrigues de Paula como Vigário Paroquial da Paróquia São José e Nossa Senhora das Dores, em Alfenas, no dia 14 de setembro de 2020. JORNAL COMUNHÃO - DIOCESE DE GUAXUPÉ | COMUNIDADES EM MISSÃO - IGREJA VIVA | 25


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