Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Antonio Gil da Silva Andrade
Estádios de Futebol: das Arenas aos Circos
São Paulo 2007
Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Antonio Gil da Silva Andrade
Estádios de Futebol: das Arenas aos Circos
Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci
São Paulo 2007
projeto gráfico.: Marcelo Pitel revisão.: Elane Ribeiro Peixoto
Andrade, Antonio Gil da Silva Estádio de Futebol: das Arenas aos Circos – São Paulo, 2004. 222 f. Tese de Doutorado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Máricia Peinado Alucci 1. Estádios 2. Futebol 3. Tecnologia 4. Arquitetura 5. Geometria I.Título
ao Luís Filipe
à Mira e ao Pedro Miguel
Antonio Gil da Silva Andrade
Título: Estádios de Futebol Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Tecnologia da Arquitetura Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci
Tese Defendida e aprovada em __/__/____ pela Banca Constituida pelos professores: Orientadora: Profa. Dra. Márcia Peinado Alucci 1. 2. 3. 4. 5.
resumo.:
Esta tese tem por tema os estádios de futebol, com foco nas realizações contemporâneas. Posiciona-se de maneira crítica em relação ao consenso que se formou em torno desses edifícios, concebidos como objetos prodígios e contaminados pela lógica do shopping center, o que afirma o futebol como mais um produto da indústria cultural. A partir de estudos antropológicos, históricos e críticos, o presente trabalho apresenta uma alternativa aos atuais estádios, logomarcas das grandes corporações que dominam o futebol. Essa constrói-se a partir da sobreposição de estudos geométricos, que interpretam os movimentos e estratégias, considera as possibilidades do espaço não- euclidiano e as conquistas tecnológicas, sem contudo torná-las recursos exibicionistas desnecessários. Em fim, esta tese procura recolocar no foco da atenção e ponto de partida para o projetos dos estádios o jogo, na sua dimensão simbólica e lúdica. Palavras chaves: estádios, futebol, tecnologia, arquitetura, geometria.
abstract.: The present thesis has as a theme the football stadiums, with focus on the contemporary conceptions. The work is settled in a critical position in relation to the consensus that has been created regarding this type of building, conceived as prodigy objects and contaminated by logic of the shopping mall, which establishes football as another product of cultural industry. Starting from anthropological, historical and critical studies, the present thesis presents an alternative to actual stadiums, logos of the big corporations that dominate the sport football. This proposal is built from the mixing of geometrical studies that makes an interpretation of the movements and strategies, which consider the possibilities of the non-euclidian space and the technological conquests, though, without making them unnecessary exhibitionist resources. At the bottom line, this thesis seeks to relocate the game itself in its symbolic and joyful dimensions in the focus of attention and start moment of the stadium design. Key-words: stadiums, football, technology, architecture, geometry
agradecimentos a todos os que de alguma forma contribuiram para esta tese. em especial: aos professores Dra. Marcia Peinado Alucci Dr. Sylvio Barros Sawaya Dr. Joana Carla Soares Gonรงalves Elane Peixoto Marcelo Pitel
sumário introdução 15 16 34 40
1. Métodos e procedimentos da pesquisa
54 55 68
2. O futebol
1.1 Hipótese 1.2 Metodologia e Procedimentos 1.3 Problematização
2.1 O Jogo como Ritual Sagrado 2.2 Referências Históricas do Futebol
87 88 109
3. Os estádios
142 143
4. Proposta
203 208 216
• CONSIDERAÇÕES FINAIS • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ANEXOS
3.1 Arquitetura dos Estádios 3.2 Organização dos Estádios
4.1 Conceituação e Concepção
_capĂtulo 1.: mĂŠtodos e procedimentos de pesquisa
hipótese.: Os estádios atuais deixaram de responder às demandas conceituais do esporte e às exigências tecnológicas contemporâneas ao eliminarem as referências culturais e transformarem os significados históricos em significantes instáveis, como códigos de valores dos critérios inconsistentes do mercado. O abandono da história e da importância das culturas levou à generalização de uma arquitetura movida pela reprodução de modelos padronizados, que privilegiaram o domínio das técnicas sobre as tecnologias e limitaram as soluções a fatores de desempenho, produtividade, economia, custos operacionais e valor patrimonial. Ao ser privilegiado o caráter reducionista do determinismo funcionalista, foram promovidos equívocos de interpretação e erros de concepção que produziram um sem número de estereótipos tecnicistas. As conseqüências negativas provenientes da natureza incompleta dessas soluções acabaram agravadas pela rápida progressão do processo de massificação e evoluíram para condições de colapso, expressas na obsolescência das instalações e nos numerosos acidentes testemunhados ao longo do século XX. 1.1 | hipótese | 16
Ibrox stadium hampden park•1903 www.stadiumguide.com
Stadio Nazionale PNF 1928
Estadio Centenario • 1930
Olympico de Roma • 1937
Artemio franchi • 1931
Olympiastadion • 1936 www.wolrdstadiums.com
Apesar das excelentes contribuições de Kenzo Tange, Frei Otto, Santiago Calatrava, Renzo Piano, entre outros, em vez de transformação e renovação, houve principalmente, a partir da segunda metade da década de 1970, a defesa da aplicação cega de normas, regras e princípios defendidos por estrategistas de mercado, sem a preocupação de submeter suas decisões às mais elementares avaliações do bom senso e da racionalidade. Em vez do rigor, da exatidão e da clareza das soluções, passou-se a testemunhar a proliferação de estádios globalizados, sem referências de lugar ou cultura, como manifestos da incapacidade de compreensão das relações espaciais e, sobretudo, das razões e dos comportamentos que historicamente consagraram o futebol como um jogo de inteligência e habilidade e como um desafio para a disputa, a surpresa, a fantasia, a imaginação e o imprevisível. Kenzo Tange Olímpico de Tóquio 1964
Frei Otto Olímpico de Munique 1972
Renzo Piano San Nicola 1990
Santiago Calatrava Spyro Louis 1982
1.1 | hipótese | 17
diante das câmeras para exibirem seus contratos milionários e sonhos de sucesso individual, preparados para competirem por dinheiro e fama, em partidas cada vez mais parecidas com o rugby. O futebol deixou de ser uma competição para desenvolver características de espetáculo interpretado por atletas patrocinados e exibidos em grandes produções encenadas segundo roteiros articulados nos bastidores por eficientes especialistas, conforme as conveniências dos patrocinadores e dos investidores. A transformação do atleta em herói e do ídolo em mito satisfez o conjunto dos novos valores esportivos aboliu o amadorismo e o fair-play do conjunto dos ideais dos indivíduos e adequou os planos de jogo e as performances dos jogadores às necessidades das novas regulamentações e às convivências dos patrocinadores e das estratégias comerciais. Ao futebol-negócio das corporações, regido por uma ordem cultural baseada na exaltação do consumo e no individualismo narcisista, pouco importa se os jogadores atuam sem inspiração, magia e beleza, se isso é aplaudido e lucrativo. “As idéias dominantes de uma época são as idéias das classes dominantes dessa época, logo a cultura do povo reproduziria o autoritarismo das elites.” (RUBIO, 2001 p.39)
Roberto Carlos
Ronaldinho Gaúcho
www.nikefubetol.com
1.3 | problematização | 46
relacionadas ao sucesso, que condensam as aspirações e projetam o que o público massificado e homogeneizado gostaria de ser. Cabe aqui a ressalva a grandes jogadores que tornaram o jogo um exercício de genialidade, a exemplo do brasileiro Friendereich, nas primeiras décadas do século XX, reconhecido pela FIFA, como o maior artilheiro do futebol, com a marca de 1329 gols, e outros, como Domingos da Guia, Fausto, Leônidas da Silva, Zizinho, Nilton Santos, Garrincha e Pelé, referindo, nestes casos apenas o Brasil.
Nilton Santos, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Garrincha, Pelé e Zizinho
Ao contrário dos referidos atletas, os novos heróis do futebol produto são magnetizados no imaginário como modelos sobre-humanos no papel que encarnam, com ideais inimitáveis. Este Olimpo de vedetes passou a dominar as culturas de massa e a interferir nos mecanismos de identificação das populações, de maneira geral. (RUBIO, 2001 p.102) Com as mudanças, o futebol deixou de ser um esporte e uma arte para tornarse uma operação de marketing. Instrumentalizados, os jogos possibilitaram a imposição de padrões de consumo e do estereótipo do vencedor, a um 1.3 | problematização | 48
_capĂtulo 2.: o futebol
2.1 O jogo como ritual sagrado.: o ritual A função do jogo, nas formas mais elevadas que nos interessam, pode ser interpretada como uma luta por alguma coisa ou a representação de alguma coisa, podendo confundir-se, por vezes, tornando-se uma luta para uma melhor representação. Nesse sentido há uma alegoria olimpiana que conta o enlace da deusa Fortuna com o deus da Guerra. Desta união foi gerado o Jogo: uma criança aborrecida, mal-humorada, caprichosa, somente interessada pelos dados, pelas cartas e moedas. Personagem assexuado, cortejado por homens e mulheres de diferentes origens, o Jogo se acomoda num determinado momento na companhia de soldados e, unindo-se a um deles, dá “luz” a dois gêmeos: o duelo e o suicídio. (RETONDAR in FERREIRA; COSTA, 2003, p.119)
Esta metáfora da paixão transformada em loucura e fúria, que termina em luta e suicídio causados pelo transe proporcionado pelo jogo, remete o jogador a um plano estranho à realidade. 2.1 | O jogo como ritual sagrado | 56
_capítulo 3.: os estádios
Antecedentes dos Estádios e Futebol Amador 1830|1930 Apesar da existência milenar dos estádios, para a prática dos mais variados esportes e espetáculos, os jogos de futebol anteriores à regulamentação, em 1860, eram jogados de forma improvisada, como uma manifestação lúdica da cultura popular, nos centros e nos campos dos povoados, onde obstáculos naturais e limites imprecisos determinavam os parâmetros espaciais para o jogo e as rudimentares áreas de gol. No mundo ocidental, por aproximadamente 1.500 anos compreendidos entre os últimos dias do Império Romano e a era vitoriana na Inglaterra, os estádios ficaram no esquecimento apesar das atividades esportivas na Europa pré-industrial. O porte dos torneios não justificava a edificação de estádios permanentes, mas apenas instalações temporárias. Os estádios modernos têm os anfiteatros gregos e romanos, como antecedentes fortemente determinantes para a sua morfologia, desde o século XIX. Na Grécia os estádios eram essencialmente rurais com forma ditada pelo local. Inseridos na topografia e com vista panorâmica sobre a paisagem, usavam os declives naturais para os assentos dos espectadores e permitiam a contemplação tranquila dos eventos esportivos. Estádio Grego. Fonte: www.worldstadiums.com
3.1 | arquitetura dos estádios | 90
contradição. Acima de tudo, importa que os estádios sejam implantados em áreas de fácil acesso, a uma distância confortável dos locais de hospedagem e na proximidade de meios de transporte.
Estádio José Alvalade 2004
maps.google.com
Além disso, o terreno deve ser suficientemente amplo para dispor de áreas externas de circulação e acessos, livres de aglomerações e congestionamentos, durante a entrada e a saída das multidões de espectadores. Ademais, isso permitirá possíveis ampliações posteriores e locais adequados para estacionamento. (FIFA, 2007 p.75) Como condição primordial, os estádios devem ser lugares seguros para espectadores, protagonistas ou funcionários e, sob nenhum pretexto ou tipo de circunstancia poderá ser ignorada ou preterida. Como requisitos indispensáveis, os estádios contemporâneos devem interpretar as necessidades presentes e futuras e oferecer comodidade e tranquilidade. (FIFA, 2007 p.77) Um estádio
jamais pode fixar-se como uma experiência negativa,
desagradável ou prejudicial à qualidade de vida, pela perturbação da tranquilidade ou destruição de ambientes naturais e das paisagens. Por isso, a escolha do terreno para sua implantação deve adotar, como principais critérios, a compatibilidade ambiental e o respeito aos fatores naturais. Além disso, deve permitir uma boa orientação ao campo de jogo em relação ao sol e às influências climáticas, protegendo as arquibancadas e as áreas técnicas. No entanto, é necessário cuidar para que sejam eliminadas as interferências prejudiciais sobre o terreno de jogo, considerando que a luz e o ar são fundamentais para a manutenção e o crescimento da grama. 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 110
Nos estádios circulares e enclausurados, com coberturas sobre toda a arquibancada é extremamente difícil manter as superfícies de grama natural em condições aceitáveis. Por isso, em alguns estádios o campo de jogo desliza para fora da edificação, para que a grama receba sol e seja ventilada.
Saporro Dome 2002 www.as.com/graphics
Preocupada com isso, a FIFA, estranhamente, em vez de exigir soluções adequadas de projeto, decidiu autorizar o uso de superfícies de grama artificial nas partidas preliminares para as Copas do Mundo e Torneios Olímpicos de Futebol, mediante sua prévia aprovação. No entanto, as partidas das competições finais da FIFA e de confederações como a UEFA continuarão sendo disputadas sobre grama natural. (FIFA, 2007 p.78) 3.2 | planejamento e organização dos estádios | 111
especulações geométricas e espaciais.: Os ambientes propostos procuram oferecer o potencial para a interação pelo movimento, criando oportunidades para representações tão diversas quanto as idéias geradoras e as especulações de suas propriedades formais, procurando alcançar um ponto absoluto de conciliação do espaço imaginado com a realidade. O deslocamento e a instabilidade gerados pelo movimento que muda o modo de percepção, são parte da condição dos espaços que entrelaçam imagens de aparente desordem representadas pela continuidade e descontinuidade da heterogeneidade dinâmica de ambientes carregados de transformação.
4 | proposta | 183
especulações geométricas e espaciais.:
4 | proposta | 184
4 | proposta | 185
4 | proposta | 186
4 | proposta | 187
4 | proposta | 188
4 | proposta | 189
4 | proposta | 191
4 | proposta | 192
Com sistemas flexíveis e versáteis, funcionalmente independente, pensados como um conjunto de componentes com seu próprio sentido, sem obsessão pelas facilitações construtivas, é possível responder aos mais diversos níveis de exigências de mudanças de atividades ou equipamentos, ampliações, modificações ou rápidas reconfigurações dos ambientes e das funções, sem obstruir qualquer processo de operação ou funcionamento, independentemente das condições de cada época, de suas necessidades ou comportamentos específicos.
4 | proposta | 197
Apesar das fortes características tecnologias, a proposta, sem seguir princípios, reafirma a tradição e a história do futebol, expressando simultaneamente seus valores na longa duração e perspectivas futuras. Como a inovação só surge pela compreensão das realizações conduzidas por aspectos conceituais para a correta interpretação das relações e do comportamento dos sistemas, houve principalmente a preocupação com
4 | proposta | 199
4 | proposta | 200
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