abandono escolar

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CADERNO DEZ!

SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 21/7/2009

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Sala vazia CAPA ❚

Concluir ensino é desafio para estudantes

MIRELA PORTUGAL mportugal@grupoatarde.com.br

Paredes silenciosas e quadros em branco não combinam com volta às aulas, mas foi assim no Colégio Estadual Carlos Santana. Alguns corredores mais tarde e um aluno explica. “Fica vazio depois das férias”, conta Fábio Bispo, 17, 1º ano. Ele espera a chegada da professora do primeiro horário, atrasada uma hora. “Normal. Tem uma aula, na segunda o professor já falta”. A escola, no Nordeste de Amaralina, tem o maior índice de abandono de Salvador: 75% dos estudantes que começam a frequentar saem até o fim do ano [veja infográfico]. Fábio diz ter se acostumado a ver a

chamada cair dos 40 alunos para 20. Para ele, a causa está no ensino. “São poucas as aulas boas mesmo”. De passagem, Carmen Sara, 16, 2º ano, discorda. “Acho que é vadiagem do aluno, sabe?”. Os dados não são muito melhores fora dali. Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância [Unicef], no relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira 2009, mostra que a cada 100 matriculados no ensino fundamental na Bahia, apenas 17 terminam o médio. Quase foi assim com Núbia Almeida, 25, agora no 2º ano noturno na Carlos Santana. Parou para vender salgados, teve dois filhos, foi doméstica sem carteira assinada e

SALVADOR, TERÇA-FEIRA, 21/7/2009

DADOS DA EVASÃO BAHIA ABANDONO NO ENSINO [%]

19,9

Médio

Fundamental 9,7 0

100

MOTIVOS DIVERSOS

Desinteresse

28,33

Outros

40,25

22,85 8,57

%

Acesso

BRASIL

IRACEMA CHEQUER | AG. A TARDE

Clima de desmotivação na volta às aulas do Colégio Estadual Carlos Santana, em Salvador: 75% dos alunos desistem de frequentar a escola até o fim do ano letivo

Trabalho

MOTIVOS DIVERSOS

passaram-se cinco anos. Hoje só estuda e quer ser pedagoga. “Quero fazer faculdade e trabalhar com criança”. Para o diretor Jorge Moreira, o exôdo de alunos é inerente à educação. Sobre as faltas e atrasos dos professores, diz ser normal, “como em qualquer trabalho”. O colégio não tem programas específicos de combate a evasão. “Temos oficinas motivadoras. Mas creio que pode haver um esforço para melhorar o modo de passar o conteúdo das aulas”. INTERESSE – Abandono e evasão escolar são conceitos diferentes. No abandono, o aluno começa o ano letivo e pára de frequentar. Na evasão, o aluno se matricula mas não

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CADERNO DEZ!

aparece. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas [FGV], a principal causa da evasão dos alunos baianos é achar a escola desinteressante. Para o coordenador de estatística da FGV, Marcelo Neri, o resultado muda a visão tradicional sobre o assunto. “Evasão é uma discussão de currículo, de ver o colégio como local de realização pessoal”. Algo parecido passa pela cabeça de Vinícius dos Santos, 19, 3º ano na estadual Pinto de Aguiar, segundo maior abandono do município [63,6%]. “Se fosse pela escola, a gente já tinha saído. Aqui é preciso força de vontade”. Ele estuda à noite em Mussurunga e dribla a preguiça depois de um dia como ajudante de

THIAGO TEIXEIRA | AG. A TARDE

Trabalho

Desinteresse

27,1

Outros

21,7

40,3

10,9

%

Acesso

Desinteresse: concluiu série desejada / não quer frequentar / pais não querem que frequente Trabalho: ajudar em casa / trabalhar / sem dinheiro para despesas escolares Outros: expulsão / gravidez / violência Acesso: transporte escolar / documentação / sem escola por perto/ sem vaga /doença

11 ou mais

39,1

4a7 8 a 10

17,3 1a3

10,4 8,5

menos de 1 [sem instrução]

EMPREGADOS ESTUDARAM MAIS [média de anos] Brasileiro empregado Brasileiro FONTE Inep / 2007, Unicef/2009 e IBGE / 2007

7,7 6,9 EDITORIA DE ARTE A TARDE

MEDIDAS – A Secretaria Estadual de Educação afirma não conhecer os dados de abandono do Inep, segundo o coordenador de informações educacionais, Marcos Pinho. Mas o assunto é alvo de

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diversas políticas públicas, diz o coordenador de educação básica, Washington Oliveira. “Não acho necessário um projeto individual para abandono. Nosso plano de gestão contempla esse tema nos outros programas”. Ele aponta, entre outros, projetos como o federal “Mais Educação”, política para jovens e adultos e o ensino médio com mediação tecnológica. Sobre tornar a escola mais atrativa, acrescenta: “O abandono é multicausal. Tentamos, mas nem sempre a escola é coisa mais atualizada do mundo, porque nenhuma instituição acompanha o ritmo da sociedade”. Enquanto isso, o descompasso é medido no ritmo da caderneta.

“O fato é que os alunos que não têm comida e renda não pensam em escola” Paulo Gurgel, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia ❚

Família tem papel decisivo na permanência dos alunos

POPULAÇÃO COM EMPREGO, por anos de estudo [%]

24,7

lanchonete. “Mas não quero desistir, me formo esse ano”. O vice-diretor do noturno, Carlos Araújo, inverte os dados e põe a renda antes do ensino. “Eles chegam cansados do trabalho, é mais difícil atraí-los. Temos projetos culturais para o noturno. Mas é um perfil do bairro o trabalho jovem”. Segundo o IBGE, a renda média per capta em Mussurunga é de R$ 130, 11 vezes menor que a renda do Caminho das Arvores, maior da cidade, de R$ 1.660.

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Núbia Almeida, 25, voltou a estudar e quer ser pedagoga

Um pé para dentro, outro para fora do portão da Escola Municipal Pirajá da Silva, Vítor Santos, 17, não se surpreende que o colégio, na Liberdade, seja líder de abandono entre fundamentais [42,7%]. “Eu mesmo saí sete meses, não tinha transporte”, conta o aluno da 8ª série. Para o diretor Edmundo Roma, a culpa é ainda do trabalho. “Pode ser também a merenda escolar, temos tentado melhorá-la”. Além das turmas noturnas, as líderes do abandono de Salvador são de bairros de baixa renda e têm alta distorção idade-série. O perfil nem sempre é absoluto, diz o professor da Faculdade de Educação [Faced] Paulo Gurgel, autor do livro Ditos sobre o sucesso escolar. ”Pode não haver dados, mas ajuda a pensar saídas. Sem comida e renda não se pensa em escola“.

PROJETOS – Fora do executivo, iniciativas como o Nenhum a Menos combatem o problema. Desde 2004, sob a coordenação do professor José Albertino, alunos da Faced visitam famílias de potenciais evasores. ”Não se pode ficar restrito aos muros da escola“, diz o professor. Apenas 30% dos alunos atendidos evadiram. De iniciativa do Ministério Público Estadual, há também o Presente Garantindo o Futuro. Direção da escola, Conselhos Tutelares e MPE compartilham uma ficha de frequência e se necessário, contatam os pais. ”Apenas sistematizamos um direito, citado no artigo 56 do Estatuto da Criança e do Adolescente“, diz a promotora de infância e juventude Lícia Maria Oliveira. ”Lá já tem que falta injustificadas devem ser comunicadas pelos gestores aos Conselhos Tutelares.“


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