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SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 4/8/2008
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SALVADOR, SEGUNDA-FEIRA, 4/8/2008
Ser ou não ser artista? MIRELA PORTUGAL mportugal@grupoatarde.com.br
Rafael Souza, 22, não se acha muito bom com as palavras. Por isso desistiu de uma carreira no jornalismo ou na psicologia e escolheu que suas mãos, ou melhor, os sons que elas tão habilmente sabem costurar, fossem o foco das atenções. Foi assim na noite de 15 de julho, quando o público aplaudiu de pé o seu recital de piano no auditório da reitoria da Universidade Federal da Bahia [Ufba]. No repertório, Bach, Mozart e Chopin. “A idéia é simples, chegar e tocar. É questão de formação de platéia”. Rafael veio de Sergipe em 2006 para cursar instrumento na Escola de Música da Ufba [EMUS], e desde então, as oportunidades de se apresentar como solista são iniciativas acadêmicas. “Não há
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“Não é justo que cada um de nós tenha de compor pequenas aventuras para chegar na Globo ou no cinema grande“ Amós Heber, 24, formado em artes cênicas pela Universidade Federal da Bahia ❚
Rafael Souza, 22, critica a ausência de concertos
cultura de concertos“. As vagas na Orquestra Sinfônica da Bahia [Osba] e na Orquestra Sinfônica da Ufba são poucas para atender os egressos da EMUS [há cadeiras para, respectivamente, 70 e 25 músicos ] levando os caminhos à desviarem na licenciatura. ”Invariavelmente, acabamos lecionando. Pianistas talentosos que prometiam ser grandes concertistas acabam assim, porque não têm espaço para se destacar“. FIM DO PRIMEIRO ATO – Conseguir a primeira assinatura na carteira de trabalho é uma odisséia mesmo para as carreiras tradicionais. No amplo campo das artes, onde o talento é mais decisivo que um currículo com estágios, noções de informática e inglês, a situação é ainda mais subjetiva. Acrescente o detalhe de que a profissão não precisa de diploma [basta um curso-livre fora da academia ou o auto-didatismo amador], e as cores do quadro ficam mais dramáticas. Essas condições quase fizeram Amós Heber, 24, formado em artes cênicas pela Ufba, mudar de profissão. Mesmo nos palcos, Amós sempre fez bicos paralelos, e não apenas por causa dos pais hesitantes com um filho artista. ”A rentabilidade no teatro é muito volúvel“. Hoje ele concursado no Estado e não se banca com sua arte, mas ainda tenta um adeus definitivo. ”Sempre que penso em parar aparece um convite legal “. Filho de uma geração que cresceu espelhada em Los Catedrásticos, hoje Amós lamenta pelo êxodo de talentos para o sudeste, onde têm maiores chances de reconhecimento. ”Tem gente boa que não devia precisar se aventurar para uma chance na Globo ou no cinema“. Ganhador do prêmio de melhor
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DANILO BARATA | DIVULGAÇÃO | FONTES PARA ESTE INFOGRÁFICO: SECULT, PENAD E MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CAPA ❚ Visão dinâmica e empreendedorismo são táticas para
driblar mercado reduzido e dependência de editais
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EMPREGOS GERADOS PELA INDÚSTRIA DAS ARTES
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ANA KARLA SAMPAIO | DIVULGAÇÃO
{APOIO}
23 editais foram lançados em 2007
Rio de Janeiro
15,2%
155
14,7%
2 mi
projetos contemplados
São Paulo
de reais investidos
Salvador
3,6%
Balé Jovem de SSA capacita aspirantes da performance em dança e promove intercâmbio entre companhias
20 mi serão investidos este ano
400
54.183 ocupações são para as artes
projetos em 40 editais
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instituições oferecem graduação em artes na Bahia
Cena do documentário Um Soco na Imagem [2007], de Danillo Barata, que é representante da Bahia na Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas [ANPAP]
ator no Festival do Rio 2007 e na Mostra de São Paulo, por seu papel no filme Cinema, Aspirinas e Urubus, o baiano João Miguel, 38, faz coro. Na mesma estrada que levou Wagners, Lázaros, Pittys e Tom Zés, os louros vêm de fora. ”São Paulo é uma das poucas cidades que tem um público de teatro mesmo, fruto também da organização da classe teatral. O mercado de Salvador é muito difícil, apesar dos grandes atores". TRAINEE – O ritmo não se altera no terreno da dança, com um funil apertado para as companhias independentes ou oficiais. O Balé do Teatro Castro Alves, principal nicho dos bailarinos nos anos 80 e 90, só abrirá contratações em 2009. É nosso destino então colocar um Made In Bahia em nossos talentos
e exportá-los? O perigo de perder Nielson Souza, 18, é grande. O bailarino acabou de voltar da Escola de Ballet do Bolshoi, em Joinville [SC], e já planeja ingressar no grupo Corpo, de Belo Horizonte. ”Temos de melhorar o mercado. Por isso é importante projetos como o Balé Jovem de Salvador“. O balé, do qual Nielson faz parte, acolhe artistas de 18 a 24 anos, recém-formados e com problemas de inserção profissional. Funciona como uma espécie de portfólio ao vivo, e também quer popularizar a dança no interior da Bahia com espetáculos e oficinas . Para Ana Karla Sampaio, uma das idealizadoras do projeto, o problema está na inexperiência. “Eles dançam nos grupos com editais ou vão para bandas de axé e forró. Projeto próprios, é difícil”.
CURSOS LIVRES SÃO OPÇÃO PARA INICIANTES Museu de Arte Moderna – MAM A novidade vem do MAM, que abre inscrições em agosto e setembro para o novo projeto Escola de Artes Visuais, que se desmembra na Escola de Arte, para crianças e adultos que querem se familiarizar com universo das artes visuais, e nos Cursos Livres, para aqueles que têm interesse em seguir a profissão de artista e pesquisar técnicas e teorias. Haverá também mini-cursos e workshops com artistas, curadores, historiadores e críticos. Taxa a definir. Av. Contorno, Solar do Unhão 3117-6141 / 3117-6139
Escola de Dança – Ufba Turmas do preparatório para vestibular, dança do ventre, flamenco, afro, dança de salão, forró e pilates abertas o ano inteiro. Mensalidades de R$ 45 a R$ 100. Av. Ademar de Barros, Ondina 3283-6579
Escola de Música - Ufba Instrumentos, canto e composição nos níveis iniciante e básico [requer noções prévias para leitura de partitura]. Novas turmas em dezembro. Taxa do semestre de R$ 200 a R$ 380. R. Basílio da Gama, s/n, Canela 3283-7886
O artista boêmio que morre de fome já ficou no romantismo “Ser artista na Bahia, em Bangladesh ou em Nova Iorque é igual. Desenvolver uma trajetória como artista pode ter distinções. Porque, como qualquer outra profissão, precisa haver estrutura, desenvolvimento e empenho”. As palavras são de Solange Farkas, diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia [MAM-BA]. Solange é curadora de museus internacionais e não partilha do diagnóstico catastrófico do nosso mercado profissional. “A arte virou um grande business. Estamos num período transitório para melhor”. Um dos fatores que apontam para essa avaliação positiva é o crescimento do nicho dos colecionadores de arte. “Há por aqui colecionadores que compram uma exposição inteira. Isso é raro mesmo no Sudeste, é algo a se comemorar”. Para Solange, nossa produção nasce em meio a uma defasagem estrutural do aparelho de arte, unida a uma boa dose de falta de visão individual. “Falta iniciativa e informação de que há coisas acontecendo aqui, sim. A internet é um ótimo lugar para expor sua habilidade, serve para inserção e articulação. O artista boêmio que morre de fome ficou no romantismo e aqueles que têm pretensões artísticas devem ver sua carreira com dinamismo”. Foi o caminho que Danillo Barata, 31, seguiu. Ainda durante a graduação de licenciatura em
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O Salão da Bahia é um caminho para expor trabalhos de arte contemporânea sem a necessidade de estar vinculado à formação superior. Iniciativa da Secretaria de Cultura, a 15ª edição do evento, que acontece este ano, inclui pintura, escultura, instalações, fotografia, performance e híbridos.
desenho e plástica na Escola de Belas Artes, procurou cursos livres para especializar-se, encontrou seu caminho no audiovisual e participou de workshops, mostras e exposições. ”É um mercado estrangulado. Meu caminho de entrada foi usar a internet para entrar em mostras internacionais. Foi importante também fazer conexões com artistas locais que pensavam como eu“. Danillo, que é representante da Bahia na Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas [ANPAP], acabou de voltar de uma residência artística na Vrije Academie da Holanda, e enxerga a saída para o impasse da arte sustentável na reforma social. ”Num país sem diferença de classes e com serviços básicos acessíveis, é mais fácil a arte se autonutrir ”.
NEGÓCIOS –- Não é só de galerias silenciosas e fruição estética kantiana que vive a arte. O artista saiu da torre de marfim, arregaçou as mangas e dialogou com novas linguagens. Elementos como design, decoração, moda e intervenções apontam atalhos e oportunidades para novatos ou novos caminhos para veteranos. Com um olho no empreendedorismo, os artistas plásticos Cristiano Piton, 29, e Klaus Schuenemann, 33, formaram há dois anos a Coringa Soluções Artísticas, cuja premissa é “ser coringa mesmo, aplicar nossos conhecimentos artísticos em todas as áreas”, explica Piton. Os amigos fazem de cenário a eventos, mosaicos, oficinas, moldes e o que mais pintar, tudo por encomenda. “Precisávamos de um retorno mais certo. E com isso eu alimento minha necessidade de construir, lidar com o material. O grande lance é você saber desenvolver as coisas que você gosta de fazer”. Para Paulo Henrique Almeida, diretor de promoção cultural da Secretaria de Cultura do Estado, uma produção independente que concretiza o seus próprios projetos, como a do Coringa, é o horizonte ideal. ”Os editais são um avanço pois garantem mais transparência no acesso ao recurso público, mas eles não substituem o mercado. O futuro da carreira artística está na sua independência do Estado“.