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VIDA PÚBLICA, PERSPECTIVAS CRÍTICAS

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FICHA TÉCNICA

FICHA TÉCNICA

vida pública, perspectivas críticas e as (im)possibilidades do convívio

Não tem sido incomum a remissão da ideia de curadoria ao seu sentido primitivo de trabalho de cura. Em março de 2020, a MITsp se confrontava com o início de uma pandemia, e não era fácil supor que só dois anos depois o encontro, ainda sob protocolos de cuidado, seria possível. Nesse contexto, a curadoria de um “eixo reflexivo”, numa Mostra como essa, não escapa às exigências do retorno. No caso, o retorno ao presencial. Se o “ao vivo” tem sido o recurso cotidiano nesse período, como dispositivo de transmissão, enquanto tal, trata-se de um dispositivo a um só tempo de comunicação e captura, uma vez que esse “ao vivo” não se confunde com o vivo. Corpos e temporalidades ganham escala mundial na esfera da transmissão. Se essa esfera, digital, tornou-se incontornável, é certo que ao teatro fora devolvida uma dimensão de presença que escapa a qualquer metafísica: estamos vivos e, vivos, o luto e as lutas nos mobilizam.

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Não é também por acaso que as palavras vão ganhando outros usos. Transmissão e segurança, por exemplo, são termos permutáveis na linguagem: tópicos de saúde, comunicação e polícia num mundo onde os vivos são governados “ao vivo”. Quanto tempo dura morrer ao vivo?

Não se trata de uma discussão direta acerca desse estado de coisas. Antes, trata-se de discutir o que subsiste a isso. Se a linguagem, em sua multiplicidade, pressupõe acordos sobre os usos que fazemos dos signos, talvez não seja demais supor que a impossibilidade desses acordos seja também o sintoma de uma outra coisa: sem o acordo sobre o uso de determinadas palavras, é fato que a vida corre riscos. Se esse fim de linha não começa na linguagem, não será demais dizer que a linguagem é o meio pelo qual deslizam nossas apostas e chances. O que se diz quando se diz justiça, vida, morte?

O teatro como “arte pública” tem o tamanho da vida pública em uma sociedade. No Brasil, a violência permanece estrutural e estruturante, produzindo continuadamente dinâmicas de dessolidarização, reduzindo o corpo, tantas vezes, ao cadáver. Importa, então, interrogarmos ainda sobre o valor de uso do encontro. Há dois anos talvez 12

soasse retórico dizer: a finalidade do encontro é o encontro. Hoje, encontrar implica, definitivamente, uma disposição política para o convívio, numa sociedade em que o convívio parece muitas vezes da ordem do impossível. Neste caso, qual o valor de uso do impossível?

JOSÉ FERNANDO PEIXOTO DE AZEVEDO E JULIA GUIMARÃES

CURADORES DO EIXO OLHARES CRÍTICOS

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