ALPENDRE DIVERSO
MOACIR MORRAN
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ARACATI/CE 2020
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Alpendre diverso Impresso no Brasil / Printed in Brazil Todos os Direitos Reservados Endereço do Autor: Rua L, 122 – Conjunto Cohab -62800-000 – Aracati/Ceará / Celular: (85) 9.98354330. E-mail: moacir_morran@hotmail.com DIAGRAMAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO Moacir Morran ILUSTRAÇÕES DO LIVRO E CAPA Márcio Alves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Morran, Moacir * Alpendre diverso / Moacir Morran. – Aracati, CE: Edição do autor, 2020. ISBN: 978-65-81606-00-8 1. Poesia brasileira I. Título. 20-32762
CDD-B869.1 Índice para catálogo sistemático: 1.
Poesia: Literatura brasileira
B869.1
Iolanda Rodrigues Biode – Bibliotecária – CRB-8/10014
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SUMÁRIO
LIRA PELO MUNDO E PELA VIDA....................8 CLAMORES DO JUAZEIRO...............................16 O PIOR ANIVERSÁRIO DE CRISTO.................25 MARTELOS DE ESPER. NORDESTINA...........33 B. DE ARACATI E O B. DE COUBERTIN..........38 SÃO SEBASTIÃO, O SOLDADO DE CRISTO....46 COCO-CORDEL-CÊNICO...................................53 CORDEL CONTÁBIL..........................................63 HIST. REAL DA MULHER-CAVALO.................69 VOMITANDO ZÉ LIMEIRA...............................80 CEM ANOS DE DONA AMÉLIA........................90
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LIRA PELO MUNDO E PELA VIDA Peço licença ao leitor Com um nó no coração Pois o mundo judiado Tem pedido uma atenção Pra que a gente sem demora Transforme a situação. Vivemos tempos de cão Do dinheiro e desamor Cuja norma da pancada Nas nações tem mais valor Só se ver a luz mortal Das armas de um matador. Tanto sangue e tanta dor Que se jorra nesta terra Parecendo até que a morte É a bandeira dessa guerra Uma guerra que há tempos O seu fim nunca se encerra. O cordelista é quem berra Nas palavras do cordel Contra um mundo violento Que propaga o que é cruel Adoçando com a lira O planeta só de fel. Ao ver a morte a granel Semeada em todo o canto
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Junto à fome enfurecida Nos cobrindo com seu manto Este mundo tão confuso Tem pedido um acalanto. Porém só se ver o pranto Tanta vileza no olhar A explosão de homem-bomba Assassinos a matar E a paixão de alguns malucos Pela bomba nuclear. Vê-se a morte galopar No cavalo do dinheiro Enquanto nossas crianças Adormecem no lixeiro E por onde anda a justiça Ninguém sabe o paradeiro. Vê-se o mundo sem luzeiro Na treva peculiar Cujos homens com seus medos Querem se refugiar Por detrás de uma arrogância Que só faz prejudicar. Vê-se o homem semear A semente do egoísmo Nos roçados do rancor Sob o sol do terrorismo Aguando com a maldade E o adubo do pessimismo. Onde reside o altruísmo Neste mundo tão mordaz?
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A compaixão anda esquecida Pela raiva contumaz E o humano debilmente Assassina a sua paz. A ambição muito voraz Vai devorando a esperança Sente dor o Paquistão Espanha, Itália e França Até mesmo a Noruega Onde imperava a bonança. Ninguém mais tem segurança Na esquina mora o perigo As nações vão se estranhando Em cada um ver-se o inimigo E é um salvem-se quem puder Fingindo não ser consigo. Alguns dizem ser castigo Sobre as coisas do mundano Ideia sem cabimento Da cabeça de um insano Querendo culpar Deus-pai No lugar do ser humano. A culpa é nossa do dano Que se faz no dia a dia Seja no meio ambiente Ou na opressão doentia Na falta de educação E na abjeta covardia. Sendo de nossa autoria
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Os grilhões da iniquidade Agressões à natureza Que produz calamidade Desse jeito eu me pergunto: Pra onde vai à humanidade? E nessa velocidade Que o homem tem alcançado Não duvido nem um pouco Que o destino está traçado Escrevendo o nosso fim Num planeta destroçado. Mas nem tudo tá acabado Ainda há uma saída Não se pode desistir É preciso crer na vida! A esperança nunca morre Mesmo estando reprimida. Erga mão, antes recolhida! Olhe bem no horizonte! Adorne-se com seus sonhos! Se precisar, suba o monte! Não desista de você! Nunca baixe a sua fronte! Se o mundo é um rinoceronte Seja você um elefante E nunca se subestime Seguindo sempre adiante No mecanismo da vida Você é super importante.
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Esse mundo conflitante E afogado na loucura Necessita de seu auxílio Pra encontrar a sua cura Acabando com os males Todo horror e amargura! Também sei que a luta é dura Mas o verbo é combater Melhorando o nosso mundo Que não pode mais sofrer Zurzindo as garras da morte E replantando o viver. Pois a vida é que nem mar Girassol de plenitude Plantada no coração Com a sua pulcritude É uma força colossal Mas também é uma atitude! Vista a vida com virtude Busque ser benevolente Praticando a caridade Sobre a luz de um ser decente Amando o outro como a si Sem preconceito na mente. Seja mais um combatente Eu sei que você é capaz Ao invés de pegar em armas Seja mais forte e sagaz Pegue flores e panfletos Seja um soldado da paz.
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Abra um sorriso vivaz Plante árvores no quintal Colha frutos de bondade Sendo um amigo leal Cante forte no chuveiro Saudando o dia normal. Não custa ser cordial Diga sempre: por favor! Tire o mal do coração Preenchendo com amor É preciso despertar Deste estado de sopor. Seja conciliador E não pregue a indiferença Colocando a mansidão Por cima da desavença O mundo tem suplicando A sua maior presença! Respeitando cada crença Os modelos de cultura No colo da tolerância Desunir-se da amargura Ao lutar por este mundo Com amor e com bravura. Essa mudança madura É em qualquer um ser humano Não pode ser casual Tem que ser cotidiano Sendo a paz principalmente
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Um artigo soberano. O mundo draconiano Tem que ver o seu final Mas a peleja é de todos Contra a semente do mal Pois a vida nesse caso Tem que ser nosso ideal. O viver é fulgural! Mas viver com harmonia É por isso que eu retruco: A nossa vida é energia Sendo a paz o gerador Que forma a luz de alegria! Espalhe na freguesia Essa luz pra toda gente Pela rede de amizade Deixe o povo reluzente Por que é dessa luz da vida Que o planeta anda carente! Mossoró (RN), 03 de Agosto de 2011, as 23h05min de uma noite quente.
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CLAMORES DO JUAZEIRO Ouvi a dor do juazeiro Castigado no sertão Num tormento derradeiro De quem ver sua extinção Versejando a lira triste De uma dor que não resiste Ante uma atitude atroz Eu um poeta iniciante Ao olhá-lo preocupante Quis então ouvir sua voz. Me acocorei no lajedo Perto da planta chorosa Pra saber de seu segredo Numa tarde calorosa Juazeiro deprimido Com o coração ferido Parou pra desabafar O que guardava no peito E tudo que tinham feito Ao tentarem lhe matar. - Antes aqui no sertão Tudo virava uma festa A cantiga do carão Por mais que fosse indigesta Saudava cada noitada Ao ritmo da coaxada De uma irmandade de sapo Que no palco da lagoa
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Naquela friagem boa Os peixes batiam papo. Olhava o galo-campina A linha do horizonte Com a vontade divina De vê o sol e sua fronte Nos braços de sua amada Branqueando a madrugada Na copa da cajarana Na flor do mandacaru No aroma do mulungu No bocejo da imburana. E quando o sol se mostrava Na récita do sertão A raposa se enfeitava Logo depois do serão De seu trabalho na mata A borboleta recata Despertava cada flor Anum cuidava da cria Caboré se recolhia Das rajadas de calor. Pau d’arco com seu cortejo Sacudia-se em soneto Catingueira num solfejo Ensaiava num coreto Ao seguir o rouxinol Numa ópera para o sol Renascido lá na serra Espreguiçava o preá Enquanto que o carcará
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Caminhava pela terra. Seriema cantadora Cantava desentoada Enquanto a onça caçadora Preparava uma cilada Por detrás de uma aroeira Ia armando uma ratoeira Para pegar um mocó Que dormia sossegado Num buraco improvisado Na sombra de um mororó. Escute caro poeta O que tenho a lhe dizer Minha vida era uma reta Até um dia acontecer De por aqui se alojar Uma fera tão invulgar Diferente das demais Que até então desconhecia Não tinha visto tal cria Nascer nestes matagais. Desde que apareceu a fera Tudo fora se minguando Com sua fome megera Pouco a pouco ia devorando O que já foi minha casa E a recordação é minh’asa Para fugir deste mundo Tão indecente e degradado Que em seus campos é lavrado O grão do ódio profundo.
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Vou me apegando ao passado Pra fugir deste presente Lembrando o campo florado Da palminha reluzente E da coroa-de-frade Pedacinhos de saudade Que carrego aqui comigo Nas veredas do sertão Eu pergunto ao cidadão: Será tudo isso um castigo? Meus bons amigos da mata: Ipê roxo, quixabeira Hoje é uma presença abstrata Saudade da faveleira Por onde anda o trapiá? Há tempos que o seu quipá Não me diz o paradeiro Ou será que ficou rico? Que falta me faz o angico, Baraúna e marizeiro. Jurema-preta, melosa, Vassourinha-de-botão Asa-de-pato, amargosa Fedegoso, são-joão Jurubeba, jucazeiro Moleque-duro e espinheiro Meus colegas do abecê Ervaço, quebra-panela Cambará, rama-amarela Sumiram com mussambê.
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O pau-ferro nem notícia Foi-se sem sequer falar Os carinhos da malícia Sem eles não vou aguentar O choro da jitirana A beleza da imburana Desfilando no sertão Palma, sabiá, facheiro Maniçoba e marmeleiro Já não vejo neste chão. Aqui tá tudo mudado Sumiu o grande caroá Xique-xique adoentado Passa fome o jatobá A mutamba desnutrida Tem pelejado na vida Pra sair desse aperreio Carnaúba e macambira Suplicam na triste lira Pois o troço tá tão feio. Faz tempo que o cajueiro Me promete uma visita Desde que o senhor cardeiro Morreu de forma esquisita A açucena anda mudada Não a vejo mais perfumada Nas veredas do sertão Oiticica, meu padrinho Arribou-se num caminho No lombo de um caminhão. Fui ficando aqui sozinho
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Sofrendo que só a moléstia Cada lágrima é um espinho Que completa minha véstia Cansado desta quimera Já não suporto esta fera Consumir o meu ambiente Por obséquio, senhor! E se por Deus tem amor Nos ajude urgentemente. Os meus pés buscaram chão Diante do que foi dito Ao ver tamanha aflição Eu senti um troço esquisito Um ódio tentador Que inflama por dentro em dor Feito ataque de imbuá Eu quis pegar o culpado Dar-lhe um sacode pesado Com o meu pau de jucá. Coração pulou apressado Dentro da caixa do peito O sangue ficou esquentado Já tava daquele jeito Diante da confissão Perguntei na ocasião: Me diga, o tempo não espera, Onde mora este animal Quem pode ser o imoral Que você chama de fera. Vá me dizendo sem medo Não leve o peso sozinho
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Se desfaça do segredo Aponte qual é o caminho Que esta fera se meteu Aonde ela se escondeu Que trago pelas bitaca Prometo que vou encontrar Antes de o galo cantar No seu poleiro de estaca. Eu não dou ponto sem nó Independente da corda Eu caçarei este calhorda Sem se cansar e sem dó Com sede de justiceiro Lhe faço aqui um trato ordeiro E amigo não desanime Por conta desta vileza Quem mexe na natureza Tem que pagar pelo crime. O Juazeiro recluso Pareceu meio espantado Olhava-me tão confuso Sem entender o recado E mesmo ainda ferido Sentiu-se compadecido Falando de forma plana: Esta fera intransigente Só pode ser claramente A tal da raça humana. Aquilo pra mim foi forte Ali mesmo desmontei Perdendo até o rumo norte
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Quando por fim me toquei Ao espreitar tanta mudança Que houve na vizinhança Inda ontem uma floresta Hoje casa, apartamento, Fumaça, engarrafamento E uma cidade indigesta! A fera que está na gente Tente que ser destruída A natureza doente Vem suplicando por vida Com tanta degradação Eu peço a compreensão Pro que diz meu folhetim Proteja a nossa floresta Porque o planeta sem esta Tudo vai ficar ruim!
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O PIOR ANIVERSÁRIO DE CRISTO Perto do seu aniversário Jesus quis o inusitado Comemorar o seu dia Pois havia planejado Entre o povo lá da terra Para ver o festejado. Era o que tinha pensado Neste dia especial Era pedir permissão Ao seu Pai Celestial Que pudesse vim ao mundo Comemorar o natal. Não era nada de anormal Pois viria disfarçado Pra não causar comoção Nem cometer algo errado Querendo sentir na pele O prazer de ser amado. Nosso Deus-pai já sambado Conhecedor de humano Não concordou com a ideia De seu filho soberano Por isso tentou fazê-lo Esquecer de vez o plano. “A festa boa é deste ano Mandei todo o céu enfeitar
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Convidei todos os santos Pra gente comemorar Dois mil e dezessete anos Deste meu filho exemplar”. “O banquete pra cear É coisa de majestade Bolos, pudins e sorvetes Farofa, feijão-de-frade Carnes de todas as cores Damasco e maná à vontade”. “É tanta variedade Todo tipo de comida Encomendei dez mil potes De nossa melhor bebida Setenta e oito mil alqueires Da compota preferida”. Com a face entristecida Jesus não fez nem segredo Queria vim para terra E conhecer o folguedo Que chamavam de natal Para entender o seu enredo. Pressentido todo o medo De ver o filho tristonho Concedeu-lhe permissão Para o desejo bisonho E disse-lhe alegremente: “Vá realizar o sonho!” Deus disse ainda risonho
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Já montando num corcel Com sua voz de trovão: “Quero que o anjo Gabriel Lhe acompanhe na jornada Como se fosse um bedel”. Chamaram o anjo fiel Pra Jesus acompanhar Partiram no mesmo dia Não querendo se atrasar Pros festejos natalinos Que estavam pra começar. Descerem sem se notar Bem próximo de um menino Jesus foi quem perguntou: “Onde é o evento natalino?” O menino respondeu: “É na praça Zé Rufino!” “Ver a Igreja do Divino É aquela praça ali em frente Que encheram de todo enfeite E anda toda reluzente É onde vão comemorar Este dia tão decente”. Jesus já ficou contente: “O que há na patuscada?” Perguntou tão de repente Olhando a gente animada: “Mas o que vai acontecer Nesta festa tão esperada?”
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“É tão somente a chegada Do nosso Papai Noel Com uma pose pomposa De um famoso coronel Espalhando alegremente Seus presentes a granel”. “Pela espada de Miguel Quem é mesmo o forasteiro? Que povo espera a chegada Com este ar muito festeiro A quem chamam de papai E nesta festa é o primeiro?” “Mas é assim no mundo inteiro Do Suriname ao Nepal Este velho que vem lá Bem gorducho e cordial Fora quem se transformou Na essência do natal!” “Que negócio abismal Mas só há isso nesta festa? Somente um velho pançudo Não há uma coisa que presta Uma hora especial Mesmo que fosse modesta?” O menino franziu a testa: “Há o que todo mundo anseia Tem o pinheiro enfeitado Que uma casinha clareia E a coisa mais importante Aquela famosa ceia!”
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“Em toda e qualquer aldeia Tem a troca de presente Até o shopping fica aberto Muito além do expediente E é somente neste dia Que se ajuda que é carente.” “O compra-compra é frequente O povo empenha o calção Só pra não passar vergonha Na confraternização E quando chega janeiro Já não tem nenhum tostão!” “No mais é uma diversão Quando se chega o natal A vila muda de cor Na praça canta o coral Papai Noel dar presente Para quem foi cordial.” “Eu já tou passando mal” Disse Jesus de repente “Vamos se bora, compadre Que isso aqui num é pra gente” Ele agradeceu ao menino Subindo ligeiramente. Nosso Deus tão paciente Na porta estava a esperar Com os seus braços abertos Pra quando Jesus chegar Fazendo uma recepção
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E depois o festejar! “Você tentou me alertar De uma enorme decepção Que iria me acontecer Com toda aquela missão Só por que o povo da terra Já não tem nem a noção” “De como ser um cristão Que tem a fé fulgural Colocando antes de tudo Nosso Deus Celestial Não toda esta babaquice Que eles chamam de natal”. “Virando festa carnal Momento insignificante Com grande descabimento De um horror muito flagrante Esquecer no aniversário Deste aniversariante.” E foi ali naquele instante Que o Salvador percebeu Que aquilo que foi ensinado Sua gente não aprendeu O seu evangelho do amor No mundo já se perdeu. Caridade escafedeu Na sujeira do dinheiro Da mentira natalina O povo é prisioneiro
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Este mundo virou um barco Sem um pobre timoneiro. Um natal pra ser festeiro Tem que ter um bom reisado Um grupo de pastoril Com seu dançar perfumado Lapinha de tradição O regaste do passado. Um presépio arrumado Em toda casa decente Com a família unida Sem a troca de presente E fazendo a louvação Ao Senhor onipresente. Abraço na minha gente Que pôde ler o cordel Não se ofenda com a lira Registrada no papel Deste poeta sem prumo Que aparenta ser cruel. ARACATI (CE), 23 DE DEZEMBRO DE 2017 COM FELIPE DESBRAVANDO A CASA!
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MARTELOS DE ESPERANÇA NORDESTINA A esperança é semente que germina Nesta roça que chamam coração Irrigada com a nossa afeição Sua força viril nos amotina Enfrentando os entraves desta sina Que compõe este quadro do viver A esperança não irá desfalecer Seja quem e qual for o seu perigo Ela sempre será como um abrigo Onde a gente procura se esconder. Mesmo que haja luta tão aguerrida E fronteira que seja instransponível Na esperança não há nada impossível Seja lá qual o fardo desta vida Nem importa o tamanho da ferida O que importa é ter fé na sua cura Se o destino ou esta vida for tão dura É preciso voltar a ser criança Pra plantar a semente da esperança No roçado da mente e da cultura. A esperança é traíra persistente É teimosa que nem um barbatão Como planta que se ver no sertão Resistindo ao mormaço intransigente É caboclo que na lida frequente Vai roçando a semente do amanhã É cantiga suave e cortesã
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De viola e das mãos de benzedeira Raiz, folha, erva e casca de aroeira Marmeleiro, mastruz, rama e romã. A esperança é garrafa nordestina Que uma dose se cura todo mal É hosana de um belo cardeal Celebrando a alvorada tão menina Esperança é o sabor da cajuína O cheirinho da chuva do caju A fritada daquele sururu Recolhido no rio Jaguaribe É o luar tão caboclo que se exibe É o voar imponente do urubu. Esperança é farinha de castanha A doçura que tem o canjirão É compota de coco e de mamão Carne seca fritada numa banha É mais nobre do que qualquer picanha Saboroso que nem um sapoti É cambica daquele murici Encontrado na venda do mercado Tapioca no coco bem ralado É galinha cozida com pequi. São pitombas que vêm juntas num cacho Tudo que está na boa caldeirada A famosa e pedida panelada Arroz-doce e canela de meu tacho A piaba pescada no riacho Um cuscuz bem molhado e ovo caipira Esperança é que nem dançar catira Não se pode sair do compassado
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A rabeca com seu toque afinado Esperança é cipó forte de imbira. Esperança é casinha sertaneja É a água fria bem do fundo de um pote É a novena de um grupo de caçote É galinha pedrês que cacareja É formiga de roça que peleja Nas veredas estreitas do sertão Maribondo que se instala no oitão São dois pebas criados num tonel Jandaíra fazendo aquele mel Seriema entoando uma canção. Esperança é assim mesmo camarada O seu berço foi sempre este Nordeste Está no sangue do cabra da peste Esperança é cantiga de toada É a beleza rural de uma boiada É o chuvisco dançando sob a telha Esperança é clarão, brasa e centelha Que flameja por dentro da cachola É disputa cabocla de viola É o saber tão perfeito de uma abelha. Esperança é promessa para o santo É a jornada e o rezar da procissão É rosário atado numa mão Cantilena sagrada de acalanto É oração pra curar qualquer quebranto É uma dança bendita no terreiro Catimbó pra quem é catimbozeiro Oferenda que se faz pro Orixá É jurema tomada como chá
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Pelas mãos de quem é bom raizeiro A esperança é um escudo pro vivente Pra enfrentar as durezas desta vida E não se dando nunca por vencida Qualquer luta em que fora combatente Esperança é armadura resistente Esculpida por Dom Sebastião Com as forças que se acham no sertão Escondidas em sua natureza E o que se ver também na sutileza Da beleza estampada num gibão. Esperança é quem faz o nordestino Suportar os castigos da secura Nos protege igualmente uma armadura Dos problemas que causam desatino Esperança é o sabor do mel mais fino O perfume do mato verdejante É cigarra que com seu alto-falante Poetiza o nascer de um bom inverno É sorriso leal, belo e fraterno Do regresso de todo retirante. Esperança é um açude abarrotado Mesmo que seja com água barrenta É uma chuva que aos poucos alimenta O desejo de quem sonhou acordado É feijão, melancia de roçado Macaxeira arrancada deste chão Milho verde cozendo no fogão O maxixe que se encontra no mato É corrente por dentro de um regato Ressoando o cantar da redenção!
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É piaba saltando na lagoa Aruá desovando no capim É caçote que num canto sem fim Se abufela no frio da gamboa Juazeiro fazendo sombra boa Carcará namorando a dona morte Seriema com seu cantar de sorte Esperança é cantiga de pardal Seriguela tirada dum quintal Uma dose da pinga branca e forte. Esperança é debulha de feijão É trabalho feliz de farinhada É tambor animando terreirada Jangadeiro domando este marzão É vaqueiro aboiando no sertão Cada passo ensaiado de quadrilha É luar divinal que orvalha e brilha Os botões da florada de bonina É imbuá couraçado que azucrina O sertão que margeia a sua trilha. Esperança é lanceio de tarrafa É asa branca voltando pro sertão É marafo que apressa o coração Esperança é manteiga de garrafa Pangaré se esbaldando numa alfafa Tanajuras fritadas na panela Juazeiro tal qual a sentinela Deste chão de palavra e de cordel Que não cabe no espaço do papel É poema da mente tão singela.
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BARÃO DE ARACATI E O BARÃO DE COUBERTIN Nas horas mortas da noite Quase que de madrugada Papocou um brilho de luz Entre o beco e uma calçada Bem próximo do museu A “visage” apareceu Que nem uma alma penada. Trajava roupa engomada Calça, paletó de linho Lenço, gravata e chapéu Um bigode já branquinho Bateu palmas no sobrado Chamando o dono num brado Sem perturbar o vizinho. Naquela hora, sozinho O espírito tão elegante Bateu mais forte na porta Ouvindo um som bem distante Uma voz rouca e com sono Saiu do museu o seu dono Outra “visage” brilhante. Se olharam por um instante Assim de forma esquisita Só a noite testemunhava Aquela nobre visita Ambos naquele momento
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Fizeram um cumprimento Daquele bem formalista. “Sou o Barão de Aracati” Disse a alma de seu sobrado “Sou o Barão de Coubertin” Disse a outra sem floreado Deram as mãos por respeito Sendo assim daquele jeito Começou-se o proseado. Coubertin falou primeiro: “Salve, salve seu Barão Desculpe minha visita Por estas horas que são Vim falar de coisa boa Não é nada que seja à toa Ou coisa sem precisão”. “Esperando que não seja” O outro Barão resmungou “A noite já tava densa E você me despertou De meu sonho tão bonito Que se findou com o grito Que você mesmo soltou”. “Desculpe meu caro amigo” Logo emendou Coubertin “Não vou lhe roubar o tempo E nem a luz da manhã Quero apenas informar Algo que vai lhe alegrar O fim desta noite sã”.
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“É difícil a alegria Neste tempo traiçoeiro Espero que essa euforia Não seja de trambiqueiro Dar-te-ei minha atenção Adentre no meu salão Com honras de companheiro.” Coubertin entrou na casa Sentando-se no sofá O Barão de Aracati Perguntou-lhe: Café ou chá? Coubertin meio contido Fez logo de distraído Começando o seu blá-blá. “Eu venho lá de Paris Na força do pensamento Para falar gentilmente De meu mais famoso invento Que chegou a sua nação São jogos de interação Amor e divertimento”. “Olimpíadas o nome Disso que vim lhe falar Hoje se tornou um evento Grande, lindo e salutar E com orgulho que cocha Digo-lhe que a nossa tocha Nesta terra vai passar”. “Vai desculpando a franqueza!”
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Resmungou o velho Barão “Isso pra minha não passa Da mais pura enrolação Coisa de desocupado Tecendo papo furado Para enganar cidadão.” Coubertin deu foi um pinote Ficando já incomodado Falando com paciência: “Barão, você entendeu errado Espero que não se assuste Não se trata de um embuste O que tenho lhe ofertado.” “É coisa de coração Uma oferta afetuosa Deixando a vossa cidade Muita mais linda e vistosa Perante toda a nação Pense na repercussão De sua plaga formosa!” “O mundo todo admirado Com a tocha flamejante Passando por sua terra Numa festa fulgurante E todo mundo por aí Vai dizer que o Aracati É uma cidade importante!” “Ainda não vi vantagem Nisto que foi conversado Quem quer a coisa vazia
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Só pode ser abestado Não é por causa duma tocha Que a tal fama desabrocha De um jeito tão acelerado.” “Olimpíada é um legado” Prosseguiu José Pereira (*) “Há muito tempo usurpado Com falsidade e sujeira Foi-se o tempo, meu Barão Que aquela sua invenção Fora uma coisa tão ordeira.” “Hoje quem manda é o dinheiro Em toda a competição O tal espírito olímpico Já perdeu para ambição Acho que você endoidou Ou talvez se acovardou Diante da corrupção”. “Mas vou lhe dar mais um chance Pra me provar que estou errado Pra que tanta dinheirama? Numa tocha e o seu traçado Enquanto que o nosso esporte Vai vivendo a dura sorte Sem o money que é roubado.” Coubertin quis replicar Procurando uma razão Caqueou dentro da mente Não encontrando uma expressão Manteve a boca fechada
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Que nem múmia guardada Em um pequeno caixão. O Barão de Aracati Deu-lhe mais uma lição: “Com esta tocha ou sem tocha Não muda situação Para isso não se vacila Aqui há tempo inda é vila Desde a sua criação!” “Mudança de pensamento Chegada de algum progresso Não é feito com olimpíadas Nem com tocha do sucesso Só tenho cara de tolo Se você quer um consolo Não me queira ver possesso.” “Saia com o seu rabinho Entre as pernas, por favor! E não queira que eu cometa Um imenso dissabor O meu povo tem sofrido Com muito cabra sabido Parecido com senhor”. “E quem quiser se enganar Com a tocha de besteira Sei que ainda não há cura Pra alguns tipos de cegueira Que vá para esta catira Pois quem gosta de mentira Já fez dela companheira.”
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Coubertin ergueu-se rápido Encarando o outro Barão: “Saiba Vossa Senhoria De todo o meu coração Você ganhou meu respeito Pois vejo que não tem jeito De puxar para babão!” “Você me disse verdades Que ninguém ousou dizer Hoje o meu simples invento Quem sabe vai falecer Só por conta da ambição De uma corja de ladrão Que só quer enriquecer.” “Fazendo falsas promessas De uma ilusão malograda Nossos ideais olímpicos Já são tudo de fachada Agora é que eu despertei Que isso tudo que eu inventei Não tá valendo mais nada!” Coubertin ficou irritado Mas agradeceu a lição Posta com sinceridade Sem ferir a educação Rendeu-se num cumprimento Sumiu que nem pensamento Igualmente assombração. O Barão voltou pro sono
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Não foi mais incomodado Coubertin dentro da mente Registrou aquele recado Mesmo que contra vontade Ali nasceu uma amizade Que por ora foi contado. Mas se é verdade ou mentira Que este encontro aconteceu Não tenham raiva de mim Pois o culpado não sou eu Não precisa confusão Procurem pelo Barão Lá no sótão do museu. E se o Barão não encontrar Desta busca não dê trégua Vá falar com Coubertin Mesmo longe e muita légua Faça uma carta lacrada Que ela seja endereçada Lá para tal baixa da égua! (*) José Pereira da Graça, o nome verdadeiro do Barão de Aracati
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SÃO SEBASTIÃO, O SOLDADO DE CRISTO No sudoeste da França Nascera Sebastião Na cidade de Narbona Uma bela região Um homem de boa cepa E honroso coração. Na cidade de Milão Formou-se na cristandade Adotando como meta Aquela “nova verdade” Mesmo sendo proibido Naquela comunidade. Com grande habilidade Fez carreira militar Assim como o vosso pai Quis seus passos imitar Tornou-se um oficial De reputação exemplar. De um jeito peculiar Foi destaque na caserna Entre os muitos militares Nunca se envolveu em baderna Era um homem de palavra E de alma pura e fraterna. Galgou de maneira terna
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Dentro da força romana Posições tão importantes Na base pretoriana Sem precisar se afastar Duma convicção humana. Inda que draconiana A doutrina de soldado Havia o cristianismo Por dentro lhe transformado Sendo ali sua figura Dentre muitos, destacado. Fora ficando afamado Em sua corporação Cujos seus superiores Renderam-lhe admiração E até mesmo o Imperador Ganhara sua atenção. Sem saber que era cristão Lá no império romano Tornou-se chefe da guarda Do Rei Diocleciano Desejo do imperador Que também era tirano! Todo o seu ódio mundano Era focado somente Numa doutrina cristã Que surgia ali emergente Aumentando em seu reinado Sua fé por entre a gente.
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Ficara tão intransigente Por conta da cristandade Semeando em seu governo A mais densa crueldade Matando a quem adotasse Aquela credulidade. Sua horrenda vontade Fazia-se ali presente Nas cadeias e masmorras Pra quem falasse ser crente Era jogado aos leões De maneira tão inclemente. Sebastião foi intemente Mesmo sabendo a sanção E quando estava em serviço Nunca fugiu da missão Consolando e renovando A força e a fé do cristão. Aos que estavam na prisão Tratava com muito amor Sua mensagem de fé Era bálsamo pra dor Seguiu de modo correto As premissas do Senhor. Mesmo vendo o dissabor Por conta de sua crença Tanta tortura, castigo, Ferida, suor e ofensa Sebastião persistiu Naquela peleja intensa.
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E mesmo tendo a sentença Como certeza de morte O mais bravo dos soldados Entregou a Deus sua sorte Fazendo a fé em Jesus Cristo O seu mais rijo suporte. Havia um respeito forte Em seu grande pelotão Por tudo que executava O grande Sebastião Mas aonde tem inveja Também reside a traição. Numa certa ocasião Sem que pudesse supor Um daqueles comandados Resolveu ser delator Revelando a sua crença Diante do Imperador. Domado por um furor O César se viu traído Determinou que o pegassem Na condição de bandido Para poder destruir O que estava construído. Sebastião foi rendido E levado à majestade Para que diante dela Confessasse a cristandade E pudesse receber
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Tão grave penalidade. E sem fugir da verdade Encarou aquele perigo Sem temer por um instante A pujança do inimigo Diocleciano disse Como seria o castigo: “Tirem daqui deste abrigo Esta carcaça cristã Fira, moleste e torture Que eu estou ficando tantã Arranque dele a certeza Do germinar de amanhã!” Os guardiões em seu afã Curvaram-se ao tal comando Dito pelo Imperador Quando estava condenando E que sem muita demora Foram logo executando. Foram dele retirando O que tinha de agasalho Deixaram-lhe seminu Cobriram-lhe com retalho Torturaram o seu corpo Preso a um enorme carvalho. Sua tortura, detalho Assim de forma rimada O seu castigo exigido: Foi condena-lo a flechada
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E acharam que sua vida Havia sido ceifada. A tortura foi cessada E em um regato corrente O seu corpo foi jogado Como fosse um indigente Mas o que não se sabia Era que estava dormente. Sebastião resistente Ainda estava com vida E graças a Santa Irene Por ela foi socorrida Que o levara ao seu recinto Dando-lhe toda a guarida. Saúde estabelecida E a viveza restaurada Sebastião persistiu Naquela sua jornada Mesmo sabendo que aquilo Era morte declarada. A sua atitude ousada Mostrava seu destemor No lugar de se esconder Virou evangelizador Levando força e esperança Ao seu povo sofredor. Desta vez o Imperador Queria uma solução Para terminar de vez
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Com grande Sebastião Fazendo de sua morte A mais terrível lição. Fizeram judiação À pontapés e paulada Desde vez a sua vida Fora só assim extirpada Jogaram-lhe numa fossa Difícil de ser achada. Mas ela foi revelada A jovem Santa Lucina Que resgatando o seu corpo Da cova tão fedentina Sepultou-lhe tão orgulhosa Com dignidade divina. Hoje sua nobre sina Por todos nós é lembrado Salve São Sebastião Neste dia consagrado O seu legado de fé Nunca mais será apagado. O que aqui fora contado Não é produto da invenção Está tudo nos arquivos Como manda a tradição Nos registros de autoria De Ambrósio de Milão.
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COCO-CORDEL-CÊNICO À ARISTÓFANES PARA ZÉ MENDES CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA Quero ver quem canta coco Quero ver coco embolar Amolengando o poema No rigor do improvisar A minha lira é da moda Quem quiser entrar na roda Batam palmas sem parar. LAMPITO A minha lira é da moda Quem quiser entrar na roda Batam palmas sem parar. CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) CALONICE Vou buscar inspiração Nas flores de maresia
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No calor de Majorlândia Quem marulha é a poesia Ao sabor do murici Riqueza que o Aracati Com amor reverencia. LAMPITO Ao sabor do murici Riqueza que o Aracati Com amor reverencia. CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) MIRRINA Esta riqueza não é prata Nem ouro, bronze ou dinheiro O nosso maior tesouro Está neste povo ordeiro Que peleja com doçura Tecendo sua cultura Por este planeta inteiro. LAMPITO Que luta com doçura Tecendo sua cultura Por este planeta inteiro. CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar
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Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA O coco é a minha cultura A marca de meu pendão É sangue nas minhas veias Que bombeia o coração Se acabarem com meu coco Meu viver será um sufoco Encomendem um caixão! LAMPITO Se acabarem com meu coco Meu viver será um sufoco Encomendem um caixão! CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) CALONICE Se meu coco falecer O mundo vai dar pinote No quintal do sofrimento Sob a luz de clavinote Ensaiando o nosso fim Sem coco a vida é ruim Quão água faltando no pote. LAMPITO Ensaiando o nosso fim
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Sem coco a vida é ruim Quão água faltando no pote. CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) MIRRINA Eu dou loas a Zé Mendes Baluarte do terreiro Que na pisada do coco Fez meu povo mais festeiro Cultivando uma semente Numa praia e numa gente Do litoral brasileiro. LAMPITO Cultivando uma semente Numa praia e numa gente Do litoral brasileiro. CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA Venho lá de majorlândia Me criei foi neste mar Com Zé Mendes aprendi A batida de um ganzá
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O povo da minha aldeia Dança com o pé na areia Quando eu começo a cantar. LAMPITO O povo da minha aldeia Dança com o pé na areia Quando eu começo a cantar. CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) CALONICE Lá no ano de trinta e três Eu vi este coco nascer Foi graças ao senhor Pedro Vi Zé Mendes aprender É herança de Canoa Que por aqui numa boa Viu-se tão bem florescer. LAMPITO É herança de Canoa Que por aqui numa boa Viu-se tão bem florescer. CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS)
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MIRRINA Memória não me traia Nestes versos de embolada Lembro do Senhor Gregório, Mendes, Goteira e Cocada Goteirinha e Seu Maduro Seja na luz ou no escuro Qualquer festa era animada! LAMPITO Goteirinha e Seu Maduro Seja na luz ou no escuro Qualquer festa era animada! CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA Estes foram os primeiros Fundadores desta dança Que cultivaram o grão Desta bonita folgança Ante uma vida tão dura Foram fazendo a cultura Nesta praia de bonança. LAMPITO Ante uma vida tão dura Foram tecendo a cultura Numa praia de bonança.
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CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) CALONICE Este meu coco é africano Que nasceu bem brasileiro Na pancada deste mar Ele tem cor de praieiro Que nas palmas de meu povo Ele renasce de novo No solo deste terreiro. LAMPITO Que nas palmas de meu povo Ele renasce de novo No solo deste terreiro. CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) MIRRINA Pega lá no matulão Aquele velho ganzá Mandem buscar o caixote Que eu já trouxe o maracá Abre esta roda, morena Que nesta noite serena
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Danço inté com mangangá. LAMPITO Abre esta roda, morena Que nesta noite serena Danço inté com mangangá. CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA Este meu coco só é bom Se for no bater de mão Se a batida atravessar Acabou-se a diversão Bata direito menino Pra ninguém ficar mofino Que nem seca no sertão! LAMPITO Bata direito menino Pra ninguém ficar mofino Que nem seca no sertão! CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) CALONICE
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Pra preservar o meu coco Zé Mendes fez seu mister Incluindo nesta cultura A beleza da mulher E a dança ganhou mais brilho Inspirando um estribilho Que canto pra quem quiser! LAMPITO E a dança ganhou mais brilho Inspirando um estribilho Que canto pra quem quiser! CORO DE VELHOS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) MIRRINA Quando Zé Mendes partiu Para mansão do Divino A semente de seu coco Foi marca de um paladino Que a fez sobreviver E neste solo crescer Com um ardor cristalino! LAMPITO Que fez a sobreviver E neste solo crescer Com um ardor cristalino! CORO DE VELHAS
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Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) LISÍSTRATA, CALONICE E MIRRINA Pra terminar o meu coco Que escrevi com devoção Como quem faz um cordel Deixou a minha saudação A Zé Mendes: Ser decente! Suplicando a minha gente Salva de palmas então! LAMPITO A Zé Mendes: Ser decente Suplicando a minha gente Salva de palmas então! CORO DE VELHOS E CORO DE VELHAS Moça do laço de fita Não deixe o coco acabar Este coco é coisa nossa Venha pra roda dançar (BIS) As personagens denominadas no texto são criações cênicas do grego Aristófanes em sua famosa comédia “Lisístrata”.
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CORDEL CONTÁBIL
Quando a contabilidade Nesse mundo apareceu Nossa razão engatinhava Não existia nem liceu Surgindo como uma luz Pra acabar aquele breu. O homem inda selvagem Namorou, com liberdade, Aquele novo saber De tão grande utilidade Passando pra gerações Aquela habilidade. Usando no dia-a-dia Pra precisar com certeza As subidas e os declínios Do que era a sua riqueza No campo do pastoril Só usando a sua agudeza. Conferindo os animais No começo e fim do dia O homem tão primitivo Registrava cada cria Com pedrinhas num buraco Para lhe servir de guia. Aquilo era seu inventário
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Seu aporte pra decisão Na hora dos seus escambos Já se via a direção Tendo por base a contagem Do rebanho ou criação. Os registros dos seus fluxos Eram pinturas rupestres Que gravadas nas cavernas Por mãos de homens silvestres Registravam suas vidas Naquela arte que eram mestres. Antes de ser social O homem era contábil Mesmo sem os algarismos O seu saber não era lábil E na contabilidade Foi tornando-se mais hábil. Suméria ou Babilônia Começou-se a escriturar Cada fato era um registro Que na argila ia gravar Desse jeito o patrimônio Podia se acompanhar. Velejou por setes mares Usando a navegação Fomentou todo o comércio De nação para nação Ajudando no controle Dos fluxos de transação.
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Mesmo estando em todo canto Eis que surge a novidade Um estudo italiano Sobre a contabilidade Deu-lhe foro de ciência Perante a posteridade. Foi com Luca Pacioli Que se dera esse momento Observando os navegantes Atentou-se a um elemento Que os mesmos assim usavam Durante o Renascimento. Para cada operação Duas contas eram gravadas É o método conhecido Das tais partidas dobradas E que o monge italiano Mostrou como eram usadas. Cada registro se via A origem e a aplicação Não importava a natureza Não havia distinção Toda conta registrada Seguia a mesma razão. Assim o saber contábil Entranhou-se em nossa essência Em todo e qualquer nação Foi tomando consistência Ganhando assim relevância E um modelo de ciência
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Mas pra que serve esse ramo? Qual a sua utilidade? Qual o seu grau de importância? Em nossa sociedade E que conceito é adequado? Para contabilidade. Ciência social Cujo foco é o patrimônio Com Exatas tem fusão Parecido matrimônio Seu campo de atuação Não tem nada de lacônio! Ao fornecer os subsídios: Balanço, demonstração, Análise, estudo e fluxo Tem Diário e Razão Percebe-se então a importância Nas horas de decisão. As informações contábeis Ajudam a descrever O estado de uma entidade Se fazendo perceber Os pontos mais importantes Pra uma entidade crescer Mas não é só no crescimento Que se ver sua importância Na previsão de um declínio Ou no incentivo à constância Qualquer empresa percebe
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Sua grande relevância. Não somente nos negócios Mas também na economia Sem a contabilidade Nada disso existiria E o planeta sem controle Acabava nesse dia. Por isso até o Contador Deve ser valorizado! O governo deveria Dizer-lhe: “muito obrigado!” Sendo mais reconhecido Bem como ovacionado. No passado, no presente No futuro com certeza Que não sabe, saberá! Todos virão com clareza Nossa contabilidade Expondo sua grandeza. Muito pouco se falou Muito mais tenho a falar Porém aqui o espaço é pouco Não deu nem pra começar Ficando aqui o desafio Pra quem quer continuar. E quem achar que é mentira O que expresso no papel Quero ver você escrever O inverso deste cordel
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Dizer que o saber contábil Não é tão digno de laurel. Seja você qualquer um: Uma pessoa ou entidade Com pouco ou muito dinheiro Fique sabendo a verdade Ninguém vive nesse mundo Sem a contabilidade!
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HISTÓRIA REAL DA MULHERCAVALO OU CLAMORES DE CONCEIÇÃO
Era uma menina pobre Que nasceu no meu sertão Criou-se por esse mundo Sem amor, zelo e atenção Conhecendo a crueldade Dentro da sociedade Propulsora da opressão. Amargando a solidão De ter sido desprezada Por seus pais e pelo mundo Por ninguém quis ser criada Decidiu ganhar o mundo Como um pobre vagabundo Que procura uma morada. E assim começa jornada De Ana Conceição da Luz Filha de José Morais Com Josefa de Jesus Nascida no Seridó Numa fazenda em Caicó Sentindo o peso da cruz. Esse fato em que me pus A contar para o leitor Não tem nada de mentira
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É verdade, sim senhor! Acredite se quiser O que viveu essa mulher Foi uma vida só de dor. Desconhecendo até amor De Josefa, a genitora Coitada de Conceição Era muito sofredora Porque todo santo dia A Josefa lhe batia Ainda era exploradora. Pois como uma ditadora Maltratava a tal menina Obrigando-a cozinhar E fazer toda faxina Enquanto ia pro bordel, Requebrar e tomar mel Dá dinheiro a cafetina. Já seu pai tinha outra sina Era malandro e ladrão Deflorou a própria filha E não tinha coração Com fama de matador Espalhou tanto pavor Por todo aquele rincão. Não tivera educação Nem pisara numa escola Quando tinha tempo vago Conceição pedia esmola Parecia não ter nome
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E passava tanta fome Viciando-se na cola. Imaginem a cachola Dessa pobre pequenina Que sofrendo igual Jesus E desejava outra sina De viver na santa paz Deixando o que for pra trás Uma vida mais divina. Não lhe deram disciplina Só lhe deram amargura E tão assim que Conceição Foi tornando-se mais dura Revoltada e rancorosa Que aquela menina-rosa Já não tinha mais candura. Diante de imensa agrura Resolveu fugir de casa Afastar-se da família Voando com a sua asa Igualmente um caboré Foi morar no cabaré Vivendo na noite rasa. Mas a dor como uma brasa Não parava de queimar Ana Conceição da Luz Mesmo fora do seu lar Apanhava de cliente Tratada como indigente Pelo povo do lugar.
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Andejou pra se acabar Nos caminhos do sertão A mercê de qualquer sorte Passando por precisão Vivia da caridade E do pouco da bondade Dos que tinham coração. Para aumentar a lesão Que flagela a pobre vida Conceição tava buchuda Mas a filha foi perdida A coitada nasceu morta E aquela a vida tão torta Já não tinha mais saída. Conceição já tão sofrida Só sonhava em ver o fim De matar aquela angústia De uma sina tão ruim Mas tudo isso se acabou Quando o seu olhar esbarrou Com os olhos de Joaquim. Ela se tornou um jasmim Quando o amor lhe sequestrou Joaquim naquele instante O coração lhe entregou Querendo ser mais que amigo Resolveu lhe dar abrigo E com ela namorou. Pouco tempo se casou
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Com um homem tão bondoso Um rapaz trabalhador Tão viril e cuidadoso Sua vida tão tristonha Foi tornando-se risonha Algo mais que fabuloso. O caminho doloroso Que marcara a Conceição Aquele passado torto Que amargou seu coração Foi curado pelo amor E aquele traço de dor Tornou-se recordação. Parindo uma geração Como quem planta semente Tivera sete crianças Nascidos naturalmente E por ser mãe tão exemplar Nunca foi de maltratar E nem ser intransigente. A família decente Alicerçada no amor As lembranças de criança Daquele tempo de dor Já nem tinha mais na mente O passado deprimente Os clamores de horror. Mas o passado, ó leitor Ninguém pode se esquecer Se ficar no esquecimento
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Ele pode aparecer Como uma repetição Coitada de Conceição Viu seu mundo perecer. E começou acontecer Na semana do natal O seu pai lhe procurando Com um desejo infernal De matar a Conceição, Toda a sua geração Perfurando de punhal. Conceição lá no curral E o seu pai na residência Massacrou o Seu Joaquim Que não deu nem resistência Deixou-lhe todo cortado Levando os filhos amados Sem sentir qualquer clemência. E Conceição na inocência Dirigindo-se a morada Ao mirar a porta aberta Fico tão desesperada Viu somente Joaquim Envolvido de carmim Com sua vida extirpada. Procurando a filharada Fez na casa uma revista Percorreu todo recinto Como um especialista Que procura algo perdido
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Os filhos tinham sumido Sem deixar nenhuma pista. Aquela mulher simplista Exclamava para o vento: “Morte para o condenado! Eu faço aqui um juramento Em nome da minha paz Eu quero que o Satanás Me atenda nesse momento”. Ao escutar aquele intento O capeta apareceu Perguntou pra Conceição: “O que foi que sucedeu”? Conceição lhe detalhou O capeta ponderou: “Esse caso agora é meu”. “Eu já sei quem cometeu Esse fato vergonhoso, Foi seu pai José Morais Um caboclo tão maldoso Que retirando os seus brilhos Acabou levando os filhos Prum lugar misterioso”. “Mas que caboclo engenhoso!” Disse pobre Conceição “Onde fica o esconderijo Do velhote tão ladrão?” Mas o capeta ao falar Tratando de clarear Foi dizendo a condição.
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“Tenha calma Conceição Que você tem só um desejo Sua jura foi de morte Que farei sem dar bocejo Já dizer o paradeiro Dos filhos e do fuleiro Eu não direi o lugarejo”. “Se quiser eu me rastejo, Suplicando ajoelhada. Me revele o paradeiro E qual o rumo da estrada? Certamente eu vou pagar O que irás me revelar Da forma mais adequada”. “Você já tá endividada E nem brinque com a sorte O cruel José Morais Já beijou a face da morte O contrato foi cumprido Cumpra agora o prometido Que já lhe dei o meu suporte”. “Dentro de mim, nasceu um corte Com o que se sucedeu Eu lhe dou toda razão E lhe pago o que for seu Suplico-lhe piedade Diga-me a localidade Que o nojento faleceu”. “Pois pague a agora o que é meu
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E deixe de “nove-hora” Busque seus panos de bunda E pro inferno “vamo” embora”! Ana Conceição da Luz Gritou: “Em nome de Jesus Ponha-se daqui pra fora”. O capeta nessa hora Gritando que nem leão Trovejou para mulher Rogando-lhe a maldição: “Ao cantar aquele galo Tu serás mulher-cavalo Que é pior que a perdição”. “Andando nesse mundão De cidade pra cidade Procurando os sete filhos Por toda uma eternidade Pra aprender que com capeta Não se faz essa mutreta E fica na impunidade”. Aquela fatalidade Que o capeta lhe rogou Dentro de poucos instantes Conceição se transformou Aparentava um mutante Uma cena apavorante Que até o Cão se retirou. A pobre mulher rezou Ao Senhor tão glorioso Que Jesus apareceu
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Com semblante luminoso: “Ó Jesus Cristo me acuda Preciso da sua ajuda Num momento doloroso”. “Fiquei um tanto pesaroso Quando tomara a atitude De acordar com Ferrabrás Uma coisa sem virtude Quem se une com a maldade Prova dela a crueldade Construindo o seu ataúde”. “Quero agora a licitude, Sua paz e o seu perdão Peço-te humildemente Que me tire à maldição Nessa hora tão profana Dando-me a forma humana Te peço de coração”. “Dei-me um pouco de atenção Pro que agora eu vou dizer O feitiço monstruoso Eu não posso desfazer Até posso, mas não faço Só pra servir de embaraço E pra ver você aprender”. “Mas isso vai perecer Se uma pessoa bondosa Ante de sua presença Rezar com fé poderosa Cada conta de um rosário
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Bem defronte ao Santuário Da Medalha Milagrosa”. Essa saga curiosa Que por ora chega ao fim Nunca foi fantasiosa Foi o que contaram a mim Sei que sou poeta tonto Mas a estória que eu conto Fora realmente assim.
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VOMITANDO ZÉ LIMEIRA Sentei no batente do meu pensamento Fumando as ideias que andavam sorrindo No bar vi a verdade bebendo e cuspindo Na cara do tempo e na frente do vento Loucura no mundo se vende no cento No prazo e na vista, quem pode pagar Mas eu que não tenho, só posso apertar Aperto a cachola que solta à espoleta É hoje que caso com a Risoleta No templo festivo do Seu Valdemar. O novo evangelho está dentro do antigo Segundo a escritura de São Salomão Eu o vi redigindo no barro do chão Assim como quem vai plantando o seu trigo O meu eu na verdade é quem segue consigo Por entre pronomes dum verbo vulgar Que nunca na vida quisera falar Por falta de tempo, relógio e espaço Só compro verdura na forma de maço Na feira invisível do meu lagamar. Um dia sozinho andejei acompanhado Do lado do tempo e da chuva feroz Já vi quatro gansos cantando sem voz Na Ponta do Seixas num dia fechado Estrela miúda na boca do gado Eu vi meu planeta na bila do olhar Daquela morena que quis me matar Que não me matou, mas virei falecido
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Já tive de tudo sem nunca ter tido Nas cordas da lira do que é popular. Cocei com os dedos a testa dum prego Por cima da taba do velho cacique O mar que conheço nasceu no alambique Do engenho invisível do meu superego Meu guia na estrada tem olho de cego E ver quase tudo que dá pra enxergar Só não ver a estrada, o céu, o sol e nem mar Mas eu vou à labuta matar o meu sono Fazendo da rede o meu mais novo trono No reino encantado do meu improvisar. Quem foi que pariu esse planeta caduco Será que o planeta nascera sozinho Ou fora um Senhor poderoso e bonzinho Que o fez nos confins do sertão Pernambuco Deixando nas mãos de um sujeito maluco Chamado de Adão de Seu Zé Ribamar Casado com Eva de Ciro Cattar Que um dia comeram a fruta fuleira E Deus castigou só com uma coceira Que se cura com mel do pau de jucá! A noite suspira que nem o poeta Poeta vomita que nem um doente Doente na fila que nem indigente Mendigo fazendo no solo uma reta E que de tão torta virou bicicleta Pra dentro do siso poder pedalar O velho esquecer e o bisonho lembrar Na luta medonha da minha preguiça
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O que é “catrevagem” o povo cobiça Versando o fracasso no seu pobre olhar. Cidade pequena na ponta da agulha Agulha apontada pro rumo do norte O norte fugindo das garras da morte A morte fazendo no lago borbulha Borbulha sonhando em morar numa tulha A tulha que nada se tem pra guardar A guarda sem farda querendo marchar A marcha que sai sem nem ser convocada Galope que feito de forma rimada Pegando palavras voando no mar. Eu vi o Bin Laden de bigode e sem barba Tocando matraca lá na procissão Obama invejoso pediu um alcorão Querendo também um chapéu com sobarba O que sobra de mim é a pura rebarba Que eu jogo na lata pra se reciclar Quem quer que não queira, não vá demorar Pois quem se demora é quem chega primeiro Nasci na Jurema, mas sou um estrangeiro Montando num jegue que custa a chegar! Punhado de vento na palma da mão Um cesto de estrelas e mais dois tsunamis Tacape, penacho e toré ianomâmis Um creme agridoce de arroz e pirão A sopa famosa de pedra sabão Camisa, cueca, cordão de alamar Tampinha, talisca, tambor pra tocar Bedelho, chocalho, guiné e camaru
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Tem quase de tudo no Caruaru Só não tem pra mim que não posso comprar. Eu bebo cachaça que é feita de manga No bar imagético da minha mente Misturo com leite, pitomba, aguardente E ponho na cinta uma velha lupanga Jesus que me livre das velhas de tanga Da moça faceira que sabe enganar Eu tenho alergia no dedo anelar Talvez seja causa d’eu ser vitalino Mas a vida tão só nos deixa mofino Pedindo por dentro um alguém para amar. Anéis de saturno desejo vender Na feira medonha lá do Alecrim Trocá-los quem sabe por um gergelim Eu não sei o que faço, nem quero saber Talvez o melhor seja então derreter Fazer uma joia pra se penhorar Mas do jeito que vai ninguém quer comprar E o jeito vai ser eu montar um leilão Só pra ver se eu tiro quem sabe o feijão Plantando na roça do meu Calabar! A lua desceu pra beber uma pinga O sol ciumento ficou de veneta Eu vi cinco estrelas montando um cometa E um velho planeta fazendo mandinga O espaço se expande igualmente quem ginga Por dentro da casca de um fruto do mar Chinela de sola só é bom pra dançar Nas dunas geladas do solo de Marte
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Espero que Deus me conceda uma parte Das luas de Júpiter para morar. Casei com metade da lua cereja No dia em que o sol foi tomar a cachaça A gente ficou num assento da praça Depois de assistirmos a missa na igreja Tomamos dois chás de uma boa carqueja A lua faceira danou-se a falar: “A minha vontade é querer procriar Na cama, no mato, no tanque e no espaço Eu quero parir no modelo de um maço Um grupo de estrela que enfeite meu lar”. Eu vi na cacunda daquele cometa Dezoito galáxias de nata e leite O espaço pra mim tem aroma de azeite Coitado do arcanjo que toca corneta Eu vim do nordeste que é de outro planeta Plantando cultura que nem sei expressar Na taça de vinho é que vou me afogar Não sou Zé Limeira e nem lima ou limão Sou resto de lapa que não é do Lapão Quem disse que dou que procure Dacar. Se no ano passado morri lá em dezembro Renasço no verso de um ano vindouro Que nem um velhote que dava no couro O meu carnaval só começa em novembro Mas danço na pista no mês de setembro Bem no ano em que o mundo pensou em acabar E agora se ver este mundo tornar De um coma induzido que não há indução
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Eu rezo pra Santa e não lembro oração Pisando nas brasas trazidas do mar. Congada de rei que nasceu na Alemanha Das mãos molambentas do rei da Inglaterra Que veio morar nos confins dessa terra Na casa de taipa lá no Pacatanha Mas lá conheceu uma pobreza tacanha E foi-se pro lado de Sampa morar Mas quando chegou, pensou logo em voltar Voltando pra praia do Furo da Gata Num carro de luxo que é feito de lata Soltando o barroso no vaso do lar. Menino com verme gozando saúde Tambor africano na orquestra de cordas Mingau caloroso eu começo nas bordas Eu gosto do cheiro do bolo de grude Ao som do forró de um meloso alaúde Eu sambo na pista sem som escutar Será hoje que mundo irá se acabar É bom que não acabe depois do café Me dê dois minutos, glorioso Javé Que vou lá no mato somente cagar! Morei por dez anos no bucho da gata Comendo bemóis, estribilhos e cantos Sou bardo herege de todos os santos Que a lira singela do peito desata Sou homem que acorda, virando barata Sentando no alpendre do meu recordar Quem hoje sorrir amanhã vai chorar Sou parte daquele boneco de pau
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Que chora no pano, pedindo mingau Nas ondas ingênuas das coisas do ar. Cascudo na testa do pai do progresso O choro meloso de quem tá com verme Arranque o revólver do sujeito inerme Cantando a serpente do podre sucesso Na festa da vida, me dar cá um ingresso Que morte eu não posso e nem quero esperar E se ela quiser qualquer dia me levar Eu vou deprimido sem muita vontade Levando no peito somente a saudade Das coisas benditas do nosso lugar. Um dedo de prosa na mão do momento Faísca de luz no negrume da mente Subida ligeira da estrela cadente Relincho constante do parco jumento Até pra mentir, sei fazer juramento No júri, na casa, na praça, no altar Nadei pelo mar do país de Dakar Levando comigo o Planalto Central O prato do dia é mingau de curau Na mesa miúda do Seu Baltazar. Eu canto na estrela que aponta pro norte Sem harpa, viola, sem boca e sem voz Cheguei neste espaço num grande albatroz Desnudo e carente colado na morte E a vida querendo ceifar-me num corte Cingido o meu peito com as coisas do ar Quem é nessa hora que vai me ajudar Montando os pedaços do velho mosaico
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Eu rezo pra Deus, mas sou mesmo um ser laico Na missa festiva do Santo Gaspar. Eu hoje morri na barriga da vida Nascendo de novo nos buchos das moças As águas do mar já ficaram insossas Não sei cozinhar nem a carne moída Eu fico feliz com a triste partida E choro a alegria do povo a cantar Somente no fim é que vou sossegar Solando meu mambo, no xote e na salsa Eu corro veloz dirigindo uma balsa Mamando na teta da estrela do mar. A minha palavra não tem simetria Não tem a grafia do bom português É fruta do conde no campo burguês Comida na casa de um cego de guia A lua fuleira cantando pro dia O sol bonachão na poltrona do lar Canal de tevê sempre fora do ar Na casa de pobre não tem dia de feira Menino que chora só quer mamadeira Louvando o Senhor na miragem do mar. Quem quer me seguir que não siga meu rastro Sou sombra sem corpo no canto isolado Fazendo o que certo num tempo que é errado Bebendo do cálice do leite de astro Meu verso quebrado não tem nenhum lastro Poeta de nuvem num solo estelar Colhendo cometas no chão Gibraltar Sou parte sertão, sou metade marina Sou dentro, de fora, sou voz nordestina
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Tocando oboé no sertão milenar. Galáxia leitosa que não dá um coalho Cantiga de grilo no outeiro da casa Folia de reis na saleta da N.A.S.A Sou Zé, sou Limeira, sou Lima, Carvalho Sou Silva, Ribeiro, sou réstia de alho A luz do luzeiro no lustre a sonhar Metade do rio que ninguém quer nadar Que nada a lacuna no tempo e no espaço Sou feito de barro, peçonha e embaraço Cantando toré no salão regular. Eu tenho nas mãos uma nave de chumbo Que corre veloz igualmente a nambu O seu combustível é mel de chuchu Que vem misturado com grãos de mofumbo O corpo da nave parece com bumbo A Nasa tá louca querendo comprar Mas eu não sou besta, só quero alugar A grana que ganho coloco no banco Só vou sossegar com Tio Sam de tamanco Dançando na pista pro povo mangar. Cabeça de prego, nariz de martelo Esmola pro são, trabalho pro cego Se eu falo que “sim”, na verdade lhe nego Perdendo o cabaço me torno donzelo Na casa de taipa refaço um castelo Devoro o dragão que se fez pro jantar Jantando a comida que fiz pra almoçar Almoço que é feito pro início do dia Quem quer tomar banho que traga bacia No lago barrento que corre pro mar.
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Eu vejo no fundo dum lago barrento Um peixe pitando o cigarro da vida E o mundo pagão disputando corrida Na linha tão curta do meu pensamento Se vejo um humano, prefiro o jumento Escrevo no chão com tintura solar Com pó das estrelas que se pode achar No ventre ferido do solo Plutão Que fica vizinho aos confins do sertão Bem perto de casa naquele lugar. Andando descalço, eu percorro ligeiro Nepal, Argentina, Brasil, Istambul Navego num trem que descamba no sul Eu desço em Icó, meu reduto estrangeiro Eu fico na frente, mas sou o derradeiro Eu sou dos confins do torrão Mianmar Não sei pra que lado que fica o lugar Só sei que não sei, mas eu hei de aprender O que não se escreve e nem dá para ler Na escola da vida que eu pude estudar. Sou lasca de pau que foi feito de argila Pandeiro de couro que toca uma valsa Princesa Isabel que requebra na salsa Menina bonita que vira gorila Sujeito sozinho pegando uma fila A fome tirana que faz engordar É tanto o mormaço que vou congelar Eu hei de fazer minha cama no mundo Sonhando acordado num sono profundo Tocando forró lá na beira do mar.
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MOACIR MORRAN
CEM ANOS DE DONA AMÉLIA NAS PLAGAS DO ARACATI Ó Senhor onipresente Suplico aqui a interseção Da Santa Virgem do Céu Mãe de Deus e da nação Que me guie no cordel Pra escrever neste papel Poemas de admiração! Eu procuro a inspiração Num bornal de margarida Pra escrever este cordel A uma pessoa querida Como forma de presente Grita alma humildemente Repetindo: viva a vida! A querida Dona Amélia Hoje no seu aniversário Quero odes se derramando Nos sinos do campanário Quero uma festa brilhante Neste dia tão importante Do seu lindo centenário! Vou contar em verso e prosa Tecendo a sua figura Com fios da poesia Da mais imensa candura A história exemplar
ALPENDRE DIVERSO
Que não se pode apagar Desta boa criatura. Dois de maio de quatorze (1914) Nasce uma flor no sertão Uma flor de nome Amélia Mulher de larga visão O povo que a viu florir Afirma que o Aracati Ganhou um anjo guardião! Começou dentro de casa O que veio ser missão Nos afazeres domésticos E cuidando do seu irmão Amélia Alves da Costa Sempre fora bem disposta Em qualquer ocupação. Ela aprendeu muito nova O que seria uma sina De cuidar bem das pessoas E a vocação peregrina Ao semear com vigor As palavras do Senhor Com sua fé cristalina. Uma mulher pioneira Numa terra tão atrasada Cuja mulher não podia Ser figura destacada Tendo por canto a cozinha Dona Amélia sozinha Não se deu por conformada.
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Com muita dedicação Ainda na juventude Levou médico a famílias Trabalhando na saúde Com galhardia e cuidado Fez por voluntariado Esta honrosa atitude. Indo a lugares distantes Num Aracati rural Quando não havia carros Como no tempo atual Amélia benevolente Ajudava o mais carente Qualquer que fosse o local. Doutor Meireles lhe fez Um convite de primeira Para trabalhar num posto Em um cargo de enfermeira Que ele mesmo lhe arranjou Ela ao cargo recusou Sem ligar para carreira. Ajudou na fundação De um augusto hospital* Que hoje atende a cidade Da zona urbana a rural Do seu jeito singular Sempre quisera ajudar A população em geral. Dedicou-se com afinco
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Na paróquia da cidade No trabalho pastoral Com oração e caridade A defesa da mulher Sempre fora o seu mister Dentro da sociedade. Trilhou o caminho mais longo Numa igreja inda fechada Ao levantar o problema: Mulher marginalizada De uma maneira altruísta Numa cidade machista De intolerância velada. Certa vez no Aracati Em um bordel da cidade Queimaram uma mulher Com requinte de maldade Mas um anjo apareceu Dona Amélia a acolheu Dando hospitalidade. Cuidou dos seus ferimentos Dando-lhe guarida e amor Abrandou seu coração Com palavras do Senhor A pobre mulher morreu Amélia compadeceu Com aquela imensa dor. Escreveu cartas pra quem Não sabia ler e escrever Também as lia com esmero
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Pra que pudessem saber O que falava o escrevente As notícias de parente Que já não podiam ver. Era um trabalho bonito Tão lírico e apaixonante Algo mágico e tão doce De uma mulher triunfante Levar letras e leitura Ao povo com a candura De pujança retumbante! No rádio em seu programa De cunho religioso Rezava o terço no rádio Algo assim bem primoroso Nas intenções denunciava O que sempre atormentava O nosso povo ditoso. Por isso foi perseguida Pelo rigor da opressão E sendo assim impedida De falar tal intenção Ela nunca se rendeu Como sempre defendeu: Liberdade de expressão. Uma cristã tão exemplar Catequista e pregadora Uma serva do Senhor Grande conciliadora E na igreja sem vanglória
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Escreveu a sua história De uma líder vencedora. Fez parte de movimentos Muito além da freguesia Desafiando padrões Praticando a eucaristia Numa rara singeleza Trabalhando com nobreza E a fina sabedoria. Eu termino o meu cordel Com o coração apertado Por ter falado tão pouco Com verso de pé quebrado De uma mulher cintilante Hoje aniversariante Neste dia cortejado. Agradeço ao meu Senhor Pelo dom de versejar De poder falar de Amélia Neste cordel popular A nossa rosa garrida Que floresceu nesta vida Para o mundo perfumar. *Santa Luiza de Marillac.
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EPÍLOGO DO ALPENDRE DIVERSO
Naquela casa alpendrada Eu armei uma rede pequena Me perfumei de açucena Nas pelejas de embolada Vi cantoria afinada Drama, reisado e baião Pastoril e São João Sob a lua que lampeja É cultura sertaneja Que só brota neste chão! (Moacir Morran)