NOV O
MatchPoint n.º 7 | Julho/Agosto 2013 | € 4.95
Portugal
Entrevista Manuel de Sousa
Wimbledon As melhores fotos Empreendedorismo Torneio Raquetes Empresas Roger Federer Uma raqueta nova
À CONQUISTA DA AMÉRICA
Agosto é mês de US Open
fb.com/matchpointportugal www.matchpointportugal.com
SUMÁRIO
MatchPoint Portugal
NOV O
MatchPoint n.º 7 | Julho/Agosto 2013 | € 4.95
Portugal
enTrevisTA mAnuel de SOUSa
Wimbledon As melhores fotos empreendedorismo torneio rAquetes empresAs roger Federer umA rAquetA novA
À ConQUisTA dA AmÉriCA
ARTIGOS 4 Bolas Curtas 12 Guimarães Open
Agosto é mês de US Open
fb.com/matchpointportugal www.matchpointportugal.com
n.º 7 Julho/Agosto 2013
18 Celebrations 22 Portfolio Wimbledon 32 Entrevista Manuel de Sousa
Propriedade
50 Nova Iorque 54 Federer raqueta 64 Torneio de Empresas
Director Pedro Keul Redactores e colaboradores Redactores e colaboradores:
OPINIÃO 3 Editorial 11 Court & Costura
Hugo Ribeiro, Jorge Cardoso, João Carlos Silva, José Pedro Correia, Luís Damasceno, Miguel Seabra e Miguel Viterbo Dias Fotografia Cynthia Lum
SECÇÕES 70 Arbitragem 71 Medical Timeout 72 Bola na tela
(excepto indicação em contrário) Projecto gráfico e paginação Henriqueta Ramos Mobile / Webdesign
Contactos 96 3078672 portugalmatchpoint@gmail.com matchpointportugal
EDITORIAL
Homens do ténis
Pedro Keul
Não foi difícil a decisão de optarmos por uma edição de Julho/Agosto maior, para poder ser lida com mais tempo durante as férias. Mas também para reposicionar a saída da revista nos primeiros dias de cada mês como sempre foi nosso objectivo – embora nem sempre exequível, dada a disponibilidade dos nossos excelentes colaboradores. E a prioridade da MatchPoint Portugal foi sempre a de levar aos adeptos a melhor revista possível. Foi nessa procura do óptimo (por vezes, inimiga do bom) que decidimos entrevistar o Manecas, figura incontornável do ténis português e cujos feitos na modalidade, as gerações mais novas desconhecem. Amizade à parte, não há dúvida que o Manecas é um “homem do ténis” e que, apesar de muito ter feito, mais gostaria de fazer… se o deixassem. Outro “homem do ténis” que se está a revelar é Adriano Silva, que tem feito um notável trabalho a criar oportunidades para os tenistas portugueses ganharem pontos para o ranking mundial. A ele se deve o regresso dos challengers a Portugal, uma aposta ganha por toda a cidade de Guimarães, mas em especial pelo empresário e claro amante da modalidade. Outro regresso confirmado, é o do Campeonato Nacional Absoluto com prize-money, uma excelente notícia para o ténis português. Como não podia deixar de ser, antecipamos o US Open, o último torneio do Grand Slam da época e que poderá tornar-se no tira-teimas, quanto a quem será considerado o melhor tenista de 2013 (rankings à parte).
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CTP
BOLAS CURTAS
CTP
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O Clube de Ténis do Porto (CTP) foi palco da quarta edição do Torneio Acácio Couto, prova que pretende homenagear o trabalho daquele que foi um dos professores das escolas da instituição portuense durante 15 anos e que deixou um legado de valores que ainda hoje são seguidos por atletas e familiares. Durante uma semana, de 22 a 27 de Julho, mais de 300 crianças e jovens disputaram um torneio em que o mais importante foi o convívio e o desportivismo sem descurar a salutar competição e a entrega em cada ponto. Num ambiente de grande entusiasmo e participação massiva dos jovens tenistas,
o último dia de prova ficou marcado pelas finais dos vários quadros e ainda por um torneio social entre pais e filhos que movimentou mais de 48 duplas. Esta homenagem e organização tiveram como principal mentor o ex-campeão português Nuno Marques e a sua equipa de professores
CTP
Pais, filhos e netos recordam Acácio Couto
das escolas do CTP que conseguiram uma vez mais perpetuar a memória do Prof. Acácio Couto.
GCV faz 50 anos No âmbito das comemorações dos 50 anos do Ginásio Clube Vilacondense, realizouse um torneio de ténis, denominado “A Emoção Dos 50”. O evento teve lugar no Parque de Jogos de Vila do Conde, com participantes de todas as idades e com destaque para a presença dos internacionais e seleccionadores da Taça Davis, José Vilela e Pedro Cordeiro. E como as imagens valem mil palavras, fica o vídeo… http://www.youtube.com/ watch?v=z7SAtwiT0zc
19 recordam 40 hotel de Londres, que juntou 63 jogadoras lideradas por King. Passados 40 anos, a WTA é leader no desporto profissional feminino e de 1,4 milhões de euros distribuídos em torneios em 10 países, passou para 88 milhões oferecidos em 58 eventos em 33 países. “Quando nos juntámos naquele hotel há 40 anos, a nossa visão era a de que qualquer rapariga no mundo, poderia viver do ténis se fosse suficientemente boa. Hoje, as jogadoras da WTA vivem esse sonho”, afirmou King. Da esquerda para a direita:
(segunda fila) Arantxa Sanchez-Vicario, Margaret Court, Evonne GoolagongCawley, Ana Ivanovic, Lindsay Davenport, Dinara Safina, Jelena Jankovic, Jennifer Capriati, Caroline Wozniacki e Amélie Mauresmo; (primeira fila) Tracy Austin, Martina Hingis, Monica Seles, Maria Sharapova, Billie Jean King, Serena Williams, Chris Evert, Martina Navratilova e Justine Hénin. Das que lideraram o ranking feminino desde a sua criação em 1975, faltaram à foto Steffi Graf, Venus Williams, Victoria Azarenka e Kim Clijsters. Getty Images
O habitual domingo de descanso em Wimbledon foi o dia ideal para se juntar 19 antigas lendas e líderes do ranking mundial feminino, numa foto integrada nas comemorações do 40.º aniversário do nascimento da Women’s Tennis Association (WTA). Esse dia 30 de Junho, no All England Lawn Tennis and Croquet Club, foi igualmente uma ocasião para pagar tributo à fundadora, Billie Jean King, uma pioneira na igualdade de direitos no desporto profissional. Recorde-se que a WTA foi fundada em 1973, numa reunião num
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BOLAS CURTAS Hingis volta a encontrar um par
Pouco depois de Thibault Hutin ter revelado o fim do casamento com Martina Hingis, a tenista suíça anunciou o regresso ao circuito profissional, em pares. Hutin, de 26 anos, casou com Hingis em Dezembro de 2010, mas revelou ter ficado
decepcionado com a infidelidade da mulher. “Martina tem uma concepção de moralidade muito pessoal. Penso que ela sempre foi infiel aos seus namorados”, afirmou Huntin ao jornal suíço SonntagsBlick. O cavaleiro francês só se certificou do fim da relação quando Hingis afirmou
Uma bovina para Federer
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V DI DOMENICO FRESH FOCUS
Não se trata de Elena Bovina, tenista russa que atingiu o 14.º lugar do ranking em 2005 e cujo último encontro oficial, em Outubro do ano passado, saldou-se por uma derrota diante de Michelle Brito. Trata-se sim de Désirée, a vaca que foi oferecida a Roger Federer pelos organizadores do torneio de Gstaad, 10 anos depois da sua última presença e 11 anos depois de surgir no torneio como o primeiro suíço a vencer em Wimbledon – o que lhe mereceu ser prendado com Juliette, outra vaca – e 15 anos depois de aí receber um wild-card para disputar o seu primeiro torneio do ATP World Tour.
a uma revista suíça que estavam separados desde o início do ano. Entretanto, Hingis arranjou outro par… para voltar ao circuito profissional. A suíça escolheu Daniela Hantuchova para disputar quatro torneios neste Verão: Carlsbad, Toronto, Cincinnati e US Open. Já em Carlsbad, Hingis frisou que será muito difícil voltar a competir no circuito em singulares, por causa das dificuldades em recuperar para o dia seguinte, embora o faça no Team Tennis (competição não oficial, nos EUA). “Quanto mais velha, mais reabilitação é necessária fazer. Quando temos 17 anos tudo parece fácil; agora, tenho quase o dobro da idade”, disse a suíça de 32 anos, campeã de cinco títulos de singulares no Grand Slam, até retirar-se em 2002. Em 2006, Hingis tentou voltar á competição, mas foi forçada a abandonar no ano seguinte, após ter acusado cocaína num controlo antidoping.
Djokovic diz tudo Os segredos do sucesso de Novak Djokovic vão estar disponíveis no livro “Serve to win”, que será publicado antes do US Open. No final
de 2010, o número um mundial adoptou um regime alimentar sem glúten e desde então, ganhou cinco torneios do Grand Slam e atingiu o topo do ranking mundial. “Encontrar a boa alimentação para o meu corpo permitiu-me ser mais leve e com melhor saúde. Isso mudou tudo na minha vida e na minha carreira”, resumiu “Nole”. Quem também não quis ficar calado foi o seu pai. Em declarações ao jornal sérvio Kurier, Srdjan Djokovic atacou Roger Federer e Rafael Nadal, acusandoos de rivalidade e inveja. “Federer é talvez o melhor jogador da história do ténis, mas enquanto homem, é o contrário. Ele atacou Novak durante a Taça Davis em Genebra, quando percebeu que seria o seu sucessor e tentou desacreditá-lo de qualquer maneira. Nadal era o seu melhor amigo quando era ele a ganhar; desde que as coisas mudaram, já não são amigos. O desporto não é isso”, acusou Srdjan Djokovic. Nadal foi o primeiro a reagir, sugerindolhe que falasse primeiro com o filho.
Gastão á espera
Uma inflamação no nervo cubital está na origem da paragem de cerca de dois meses de Gastão Elias. O tenista português já tinha parado várias semanas após a passagem pelo qualifying de Roland Garros, mas voltou a pegar na raqueta três dias antes de jogar com Alexandr Dolgopolov, em Wimbledon. Após passar pelo challenger de Braunschweig, onde já estava inscrito, Elias parou para debelar completamente a lesão. Enquanto não volta a pegar na raqueta, o que espera fazer ainda este mês, o tenista nascido há 22 anos nas Caldas da Rainha vai trabalhando fisicamente, executando todos os exercícios possíveis que não envolvam os braços, como corrida, velocidade, fortalecimento das pernas, abdominais, costas e ombros.
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BOLAS CURTAS Wimbledon à frente de Roland Garros
Embora sejam dois torneios do Grand Slam que se realizam na Europa, Roland Garros e Wimbledon tem características bem diferentes. Mas ambos revelaram alguns números relativos às edições realizadas em 2013 que permite compará-los:
Site na Internet (visitantes únicos/page views) Roland Garros: 12 milhões/260 milhões Wimbledon: 19 milhões/432 milhões
Espectadores Roland Garros: 461.576 (incluindo o qualifying) Wimbledon: 486.898 (durante 13 dias) Morangos versus Cachorros Roland Garros: 48.700 cachorros Wimbledon: 142 mil doses de morangos
Venda de toalhas Roland Garros: 15 mil Wimbledon: 28.600
Venda de bolas gigantes Roland Garros: 14 mil Wimbledon: 9 mil
elocidade máxima do serviço V Roland Garros: 228 km/h (Jerzy Janowicz) Wimbledon: 230 km/h (Jerzy Janowicz) 8
Campeonato Nacional espera pelos melhores A Federação Portuguesa de Ténis (FPT) está de parabéns ao conseguir dotar o Campeonato Nacional Absoluto de prémios monetários. Serão 20 mil
euros que serão distribuídos na prova que decorrerá entre 15 e 21 Setembro no Clube de Ténis do Estoril e os vencedores irão erguer a Taça Guilherme Pinto Basto em homenagem ao primeiro presidente da FPT. Mas haverá outros eventos paralelos: entre
20 e 22 Setembro, realizarse á o Campeonato Nacional de Padel/Banco Bic, com um prize-money de seis mil euros (igual aos pares do Absoluto); no dia 15 Setembro, haverá um Workshop para Treinadores; e no dia 21 Setembro, será organizado um torneio Pro-Am. A Semana do Ténis&Padel conta com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, do Grupo Pinto Basto, do Banco BIC e da Angelini Farmacêutica. Com estas condições oferecidas, a FPT espera atrair os melhores tenistas portugueses, ou seja, os que estão classificados nos rankings mundiais.
Radwanska sem remorsos
Aquilo que devia ser uma oportunidade para Agnieszka Radwanska reforçar o estatuto de rapariga modelo na Polónia tornou-se numa polémica no seu país. Ao posar nua para a edição anual Body Issue da revista ESPN – tal como Serena Williams, Daniela Hantuchova ou Vera Zvonareva em anos anteriores – foi acusada de “comportamento imoral” e excluída do movimento católico “Cruzada dos
ESPN
exercício, estarem em forma e serem saudáveis.”
José Vilela homenageado Douro No dia 20 de Julho decorreu, no Castelo da Foz, a cerimónia de entrega por parte da Junta de Freguesia da Foz do Douro de medalhas a pessoas
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João Figueiredo ESPN
Jovens” ao qual pertencia há dois anos. A polaca de 24 anos reagiu, afirmando que nunca teve intenção de ofender ninguém e frisou que não há nenhuma imagem explícita na revista. “Treino duramente para manter o meu corpo em forma e é sobre isso que trata o artigo e a revista. Se lerem a entrevista, apenas falo do meu trabalho enquanto atleta e do que faço fisicamente para competir ao mais alto nível”, disse Agnieszka antes de desmentir os rumores de ter recebido dinheiro pelas fotos: “Nem eu nem nenhuma das atletas fomos pagas. Concordei em participar para encorajar os mais jovens, em especial, as raparigas, a fazerem
individuais e colectivas, que se notabilizaram pelos seus méritos ou feitos cívicos. Entre os nomes propostos, aprovados em Assembleia de Freguesia por unanimidade, não podia deixar de figurar o de José Vilela, uma das figuras mais carismáticas da Foz, onde nasceu para o ténis. O pluricampeão nacional (cinco vezes em singulares e oito em pares) e seleccionador de sucesso na Taça Davis foi condecorado com a Medalha de Valor Desportivo, destinada a galardoar quem se distinguiu por “actuação desportiva digna de reconhecimento”. Como seria de esperar, tendo em conta a “relevância dos serviços ou actos a galardoar”, Zé Vilela saiu da cerimónia com o Grau Ouro, o mais elevado.
BOLAS CURTAS
DR
João Sousa na praia
DR DR
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Logo após a conquista do Guimarães Open, João sousa rumou mais a Norte, às Astúrias, para participar na 34.ª edição do torneio Tenis Playa Luanco. Este evento de exibição tem a particularidade de se jogar na praia Rivera, durante a maré baixa, sobre a areia, que se assemelha a uma terra batida mais lenta. Quando a água sobe, o court fica completamente alagado e até serve de piscina. Desde 1971 que o torneio tem contado com os melhores tenistas espanhóis, desde Juan Avendaño – natural de Luanco e vencedor do torneio com 13 anos, dá o nome ao troféu para o vencedor – a David Ferrer, passando por Alex Corretja, Sergí Bruguera, Carlos Moyá, Albert Costa, Juan Carlos Ferrero, Emilio Sánchez-Vicario ou Alberto Berasategui e também ilustres estrangeiros como Cédric Pioline ou Gastón Gaudio. Sousa (90.º ATP) repetiu a presença de 2009 e atingiu as meias-finais, onde foi travado pelo espanhol Tommy Robredo (23.º), com um duplo 6-4, perante dois mil espectadores.
Court & Costura
Grand Champions é obra inacabada É impossível atravessar a primeira quinzena de Agosto sem pensar, com alguma nostalgia, que entre 2001 e 2010, esse período coincidiu com o Vale do Lobo Grand Champions, um projecto que acompanhei bem de dentro da organização, da primeira à última edição, durante dez anos consecutivos de muitos sucessos do empresário Pedro Frazão e da sua Premier Sports. Uma década em que Portugal teve uma etapa no ATP Champions Tour, em que o belíssimo resort de Vale do Lobo foi palco do segundo torneio de ténis mais importante do país, em que, pela primeira vez, as maiores estrelas do ténis mundial vieram consistentemente, ano após ano, a Portugal. É óbvio que havia estratégias de comunicação para destacar este ou aquele jogador, mas ninguém duvidava que, fosse quem fosse, um dos grandes da história do ténis profissional iria jogar no Algarve. Bjorn Borg, John McEnroe e Guillermo Vilas estiveram cá. Da geração de ouro dos anos 90 só faltou Jimmy Connors. Também Mats Wilander, Stefan Edberg, Yannick Noah, Pat Cash. Desses anos 80 faltaram Ivan Lendl e Boris Becker. Depois foi a vez de Jim Courier, Marcelo Rios, Yevgeny Kafelnikov, Thomas Muster, Michael Stich, Richard Krajicek, Sergi Bruguera, Goran Ivanisevic, Andrés Gomez dos anos 90. É verdade que desta última geração faltaram Pete Sampras, Andre Agassi e Patrick Rafter, mas, caramba, em dez anos, vimos ao vivo 16 jogadores que foram nº1 mundial e/ou vencedores de torneios do Grand Slam. É obra… inacabada. Um dia o Grand Champions renascerá.
Hugo Ribeiro
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Pedro Benavente
GUIMARÃES OPEN
DO DRAMA À GLÓRIA NO PRÓPRIO “BERÇO”
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João
Sousa
O regresso dos torneios da categoria challenger a Portugal foi triplamente inesquecível: para Guimarães, para o ténis português e, muito em particular, para o melhor tenista de sempre nascido na cidade berço Pedro Keul
Pedro Benavente
Há momentos na carreira de qualquer desportista que ficam perpetuados para sempre. Que o diga João Sousa! O melhor tenista português da atualidade viu ser criado em redor do seu prestígio e das suas raízes vimaranenses o Guimarães Open; um challenger ATP de 42.500 euros, incluído na programação da Cidade Europeia do Desporto como uma das iniciativas mais marcantes. Contornado o gigantesco susto apanhado na primeira ronda do evento que decorreu no Open Village Sports Hotel & Spa Club, surgiu o clímax de uma semana inesquecível quando ergueu o respetivo troféu. Dois jogadores do top-100 – Sousa (92º) e o alemão Benjamin Becker (99º) – colocaram, no dia do respetivo sorteio, o Guimarães Open à frente dos seis challengers que se disputaram na mesma semana, pois nenhum outro foi capaz de apresentar mais de um atleta dessa elite. Estava dado o mote desportivo, para um certame que, feito o balanço, foi muito para além do vector competitivo. A campanha de Sousa, de 24 anos, rumo ao título começou debaixo de forte e esperada pressão. As bancadas do court central rebentavam pelas costuras, com os seus conterrâneos ávidos em conhecer de perto o novo ídolo. Pela frente encontrou Antoine Benneteau – irmão mais novo de um dos mais ilustres representantes do ténis francês – e, após pouco mais de uma hora de contenda, já (quase) ninguém se lembrava que o gaulês estava cerca de 300 posições abaixo do primeiro cabeça de série no ranking ATP. Solto, agressivo e sem nada a perder, Benneteau chegou a usufruir de três match-points quando comandava por 6-3 e 5-4, com serviço a favor, e mais outro a 7/6 do tie-break dessa segunda partida. Protegido pelos deuses ou, quiçá, abençoado pela Nossa Senhora da Penha, o vimaranense beneficiou de uma inesperada tremedeira
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O Guimarães Open foi criado em redor do prestígio de João Sousa
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Pedro Benavente
GUIMARÃES OPEN do opositor – desde erros não forçados até uma dupla-falta, eis como foi enterrando Benneteau essas preciosas vantagens. Galvanizado, empurrado pelo público e consciente de que o pior ficara para trás, Sousa acabou por se impor em duas horas e 18 minutos, pelos parciais de 3-6, 7-6 (10/8) e 6-4. A partir dessa jornada de terça-feira não voltou a sentir grande sufoco. Seguiu-se um 6-2, 6-0 sobre Roberto Ortega – com um certo sabor a vingança, depois de o espanhol ter dado um duplo 6-0 a Rui Silva – filho do diretor do torneio (Adriano) e há dois anos a estudar Biologia e a competir numa universidade de Nova Orleães. Nos quartos-de-final tardou em entrar no ritmo de Matteo Viola (2-6), antes de dominar o italiano, por 6-4, 6-0. Outro transalpino, Flavio Cipolla – ex-top 70 e perto de completar 300 encontros num circuito challenger onde regista quatro títulos em 12 finais – foi a penúltima vítima: 6-3, 6-4. O romano tinha sido responsável pelo fim da linha de Gonçalo Pereira, o engenheiro mecânico vencedor do torneio destinado à atribuição de um dos quatro wild-cards, campeão nacional absoluto em 2009 e a ponderar seriamente abandonar a competição internacional, devido à incapacidade em enfrentar as despesas. Após quatro atuações sempre com “casa cheia” – nas meias finais alguns espectadores não conseguiram o acesso às bancadas… –, João Sousa estava pronto para correr atrás do quinto challenger da carreira. Já poucos se recordavam do tal drama da jornada inaugural e o momento era de glória. Do outro lado da rede Marius Copil, um elegante executante romeno, de 22 anos, 137.º mundial, determinado a contrariar a onda de euforia criada em redor do “Conquistador”. Quatro horas depois do previsto, devido à chuva, Copil colocouse rapidamente a comandar por 3-1. Apreensão à volta do court e um indisfarçável desconforto/nervosismo do português. Recuperada a concentração, elevados os níveis de jogo e, acima de tudo, alterada a tática, Sousa trocou a contenção pela afirmação. Mudanças de ritmo apoiadas num inteligente golpe de direita, agressividade nas respostas à melhor arma (serviço) do romeno, paciência q.b. para aguardar o erro não forçado à terceira/ quarta troca de bolas, eis, em suma, a receita que o levou a somar onze jogos consecutivos, a erguer os braços e a inclinar-se para trás e cair
Pedro Benavente
João Sousa actuou sempre com “casa cheia
suavemente no cimento, como quem coloca carinhosamente um bebé no berço retemperador. O rapaz da casa sagrava-se campeão e confirmava, agora intramuros, a razão pela qual emigrou, há nove anos, para a Catalunha. “Portugal não me dava aquilo que Espanha me deu, mas não esqueço as minhas origens, nem as minhas raízes aqui em Guimarães”, fez questão de explicar, quando uma jornalista conterrânea lhe perguntou a razão pela qual decidiu emigrar…
A primeira vez de João Domingues Campeão nacional absoluto, em 2011, também nos courts do Open Sports Village, João Domingues justificou o wild-card ao tornar-se no nosso único “segunda linha” a ultrapassar uma ronda. O jogador de Oliveira de Azeméis, de 19 anos, e com a matrícula no curso de arquitectura (2º ano) congelada, ganhou ao lituano Laurynas Grigelis, mas saiu de Guimarães com a lesão num calcanhar agravada, mercê do elevado esforço despendido nas anteriores semanas e que o levaram a atingir o melhor ranking de sempre de uma ainda curta carreira profissional.
Torneio no… Podium O Guimarães Open assinalou a primeira incursão da Podium no ténis. A empresa constituída por alguns ex-funcionários da João Lagos Sports transportou know-how e bom gosto para o challenger vimaranense, contribuindo para o sucesso de um evento que mereceu elogios dos
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Pedro Benavente
GUIMARÃES OPEN
Sousa confirmou, agora intramuros, a razão pela qual emigrou, há nove anos, para a Catalunha 16
mais variados quadrantes. O mais significativo, até pelo seu cariz oficial, surgiu através de Joanna Langhorne, diretora do departamento de challengers do ATP World Tour. Numa missiva enviada a Adriano Silva (diretor do torneio) e que a MatchPoint Portugal divulga em exclusivo, pode ler-se o seguinte: “Gostava de lhe agradecer pela excelente primeira edição do Guimarães Open. Este foi um evento dirigido com grande profissionalismo, numa infraestrutura preciosa, e para nós foi um prazer receber um retorno muito positivo e apreciado por parte de jogadores e oficiais [supervisor, juiz-árbitro, árbitros]. O evento foi levado a cabo com elevados padrões de qualidade, um grande cuidado em todos os detalhes e os jogadores foram excepcionalmente acolhidos por todo o seu staff. É realmente pouco vulgar que uma primeira edição de um challenger atinja esse patamar e resta-me agradecer, a si e ao seu staff, ao clube e aos vossos patrocinadores, toda a dedicação, empenho e árduo trabalho. Esperamos que o Guimarães Open se converta numa etapa popular e permanente do nosso circuito”.
NO CIRCUITO
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Congratulations celebrations
Como a Gr茫-Bretanha celebrou a hist贸rica vit贸ria de Andy Murray
Deverão ter sido inúmeras as formas com as quais os britânicos assinalaram o histórico triunfo do escocês no mais prestigiado torneio de ténis do mundo, mas o site www.wimbledon.com compilou apenas 10. Pedro Keul Não é a primeira estrofe da canção tornada famosa pela voz de Cliff Richard, mas resume o que Mark Hodgkinson compilou no site www.wimbledon.com. O autor de “Andy Murray: Wimbledon champion” que será publicado neste mês de Agosto, escolheu 10 formas bem diferentes com as quais os britânicos assinalaram o histórico triunfo do escocês no mais prestigiado torneio de ténis do mundo. A começar pelas mais formais, como os elogios do primeiro-ministro David Davis Cameron: “Foi um Cameron ou a mensagem de felicitações fantástico dia para Andy enviada a Murray pela rainha, que não Murray, para o ténis esteve presente – mas foi testemunha, britânico e para a GrãBretanha” em 1977, do triunfo da última britânica, Virginia Wade. Numa visita recente a uma escola, o primeiro-ministro, que presenciou o triunfo da primeira fila do camarote real, afirmou que ninguém merece mais o título de cavaleiro do que Andy Murray. “Foi um fantástico dia para Andy Murray, para o ténis britânico e para a Grã-Bretanha. Questionávamo-nos se seria possível sonhar com isto?” O líder do governo britânico revelou ainda que o ténis é o seu desporto favorito e que tenta jogar pelo menos uma vez em cada 15 dias. “O que a história de Andy Murray nos mostra é que se nós formos realmente dedicados, trabalharmos duramente e colocarmos um objectivo, podemos atingi-lo. Foi assim que Murray fez e foi um sonho tornado realidade para ele”, frisou. Os correios britânicos não vão deixar passar a oportunidade e em breve farão uma emissão de uma série de quatro selos. Dois mostram Murray com o troféu, um a servir e outro a preparar-se para bater uma esquerda. Outra reputada entidade, a Royal Horticultural Society (RHS),
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NO CIRCUITO A Royal Horticultural Society baptizou uma flor com o nome de Andy Murray
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baptizou uma flor com o nome do campeão: uma dália de caule escura e flor dourada. “A RHS está orgulhosa de apresentar esta dália vencedora a Andy Murray. É uma flor primeira cabeça de série e um ás garantido para o jardim. Tem muita resistência e dá flor de Julho a Novembro”, disse o porta-voz da instituição. Há duas outras “instituições” britânicas que estiveram igualmente atentas à proeza de Murray. O tenista foi mencionado na telenovela EastEnders, confirmando a tendência da série ter argumentos a par da actualidade – já tinha acontecido com a eleição de Barack Obama para presidente dos Estados Unidos, com casamentos reais, a morte de Michael Jackson ou os Jogos Olímpicos de Londres. “Sempre gostámos de assinalar os grandes eventos e a vitória de Murray é certamente um deles”, observou um porta-voz da BBC. E o campeão escocês também apareceu na edição comemorativa do 75.º aniversário da revista de banda desenhada The Beano. “Sempre pensámos em incluir Andy Murray nesta espantosa edição. Mas
tivemos de refazer a prancha para assinalar a sua histórica vitória em Wimbledon”, justificou o editor da revista. Entre as histórias mais curiosas, há a salientar a do quarentão escocês que esteve três horas a tatuar no peito um desenho de Murray a beijar o troféu. E a das quatro pinguins fêmeas do St. Andrews Aquarium baptizadas como Murray, Kim Sears (namorada do tenista), Judy (a mãe) e Shirley (a avó). “Foi uma decisão difícil a de escolher um nome vencedor entre centenas de sugestões , mas houve um tema que foi comum a muitas. Tivemos muitos Andys, Murrays e Wimbles mas, por serem do sexo feminino, tivemos que ser mais criativos”, explicou o gestor do aquário situado no condado escocês de Fife. Há também a história do tio de Murray, que vai oferecer ao sobrinho uma mesa de poker personalizada. “Ele entrou em contacto connosco e disseme que queria uma mesa relacionada com ténis. No início nem acreditei nele, mas os representantes de Andy Murray enviaram-me uma cópia do seu logo oficial para colocar no centro da mesa e deram-me uma lista de locais importantes para usar como marcadores”, contou o artesão. Para terminar, um episódio de “encher o olho”. No final do dia seguinte ao triunfo, Andy Murray ia a sair do restaurante Nobu, em Londres, quando um caçador de autógrafos, sem querer, lhe bateu num olho com um programa oficial do torneio. O tenista foi visto, já no carro, a esfregar o olho. A verdade é que Murray pode já nem se lembrar disto, mas o fã nunca irá esquecer o momento.
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PORTFOLIO
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Wimbledon em imagens
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ENTREVISTA
Manuel Sousa (Manecas) 32
“É um mistério nunca ter sido capitão da Davis”
Hugo Ribeiro, com Pedro Keul
Nem Manuel Sousa, nem Manecas, como é conhecido desde que nasceu. Quem só tiver Manuel Fernando Almeida despontado para o ténis há uns Sousa dez anos e quiser saber algo Alcunha: Manecas de mais profundo sobre quem Idade: 55 anos foi como jogador e treinador Data de nascimento: 17 de Maio de 1958 e quem é como empresário, Naturalidade: Lisboa se optar pelo mundo digital, Residência: Caxias encontrará muito pouco, quase Melhor ranking ATP: 669.º Taça Davis: 4 eliminatórias (1V-4D) nada sobre o popular Manecas. Palmarés: Campeão nacional de sub-18, campeão É preciso embrenharmo-nos nacional de 3.ªs Categorias, campeão nacional de nas hemerotecas, nos registos 2.ªs Categorias, nº1 do ranking da FPT durante 4 arquivados em papel ou nas anos, vários títulos dos Grandes Prémios Gillette e Martini (antecessores dos Grandes Prémios TMN e memórias de outros para CIMA), campeão nacional de piso rápido, internacional percebermos a importância português pela Taça Davis, vice-campeão nacional que teve e ainda tem no ténis absoluto (1980), campeão nacional de veteranos nacional. Treinadores: Nuna, Alfredo Vaz Pinto, João Lagos, Luís Hoje em dia, Manecas é famoso de Sousa e Santos Costa Clubes como jogador: CT Jamor, DAC (Desportivo por ser pai do Pedro Sousa que Alberto Coronel) e CIF (Clube Internacional de Football) joga pela selecção nacional Clubes como treinador: CIF e Walldorf (Alemanha) da Taça Davis e por dirigir os Piso preferido: Terra batida treinadores do CIF, Monsanto e Torneio preferido como jogador: Roland Garros Torneio preferido como espectador: Open dos Estados Benfica, mas este português de Unidos 55 anos, nascido em Lisboa e Ídolo no ténis: Bjorn Borg e Rafael Nadal criado na Guiné Bissau, é muito Profissão: Empresário ligado à área de ténis na gestão mais do que isso. de espaços desportivos, na gestão de escolas de ténis, Conheci-o há muitos anos, em na organização de eventos e ainda treinador Família: Casado com Graça Cardoso e pai de Rita (26 1983, mas mesmo nessa altura anos) e Pedro (25) já a sua carreira de tenista ia a meio e impressiona como pouco mudou. Mais algumas rugas, dar a conhecer ao público mais jovem é certo, mas sempre a mesma força da este fanático benfiquista que foi um dos natureza, o mesmo sotaque cerrado sadino protagonistas dos anos mais loucos da de carregar nos “erres”, a mesma convicção história do ténis português. de estar certo. Embora tenhamos conversado sobre muito mais do que a entrevista que se segue, designadamente sobre o momento desportivo e político do ténis actual, preferi
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ENTREVISTA PP:Li num artigo do (jornalista) Carlos Figueiredo que tens fortes ligações à Guiné Bissau RR: A minha mãe nasceu na Guiné, os meus pais sempre viveram lá desde os anos 40 do século XX, já o meu avô era de lá. Nasci em Lisboa apenas por uma questão de segurança. Passados dois ou três meses voltei e vivi na Guiné até aos 16, 17 anos. Vim em 1974, logo a seguir ao 25 de Abril. PP:Sentiste o chamado estigma dos retornados? RR:Felizmente não. Os meus pais prepararam bem o regresso e estavam numa situação que não era igual à da maioria dos retornados. Felizmente nunca tivemos muitas dificuldades. E depois, por feitio, o meu irmão e eu integrámo-nos bem. Toda a nossa família estava cá o que ajudou. PP:Como surgiu a alcunha de Manecas? Afinal, é por ela que és conhecido no meio do ténis.
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RR:Mal nasci fui logo Manecas. Na Guiné era normal. O meu avô também se chamava Manuel e era conhecido por Manecas. Nasci no mesmo dia que ele e fiquei assim. Até há meia dúzia de anos chamavam-me Manuel e eu nem olhava. Manecas é que me chamava a atenção. PP:Quando se olha para o teu palmarés é talvez um pouco estranho verificar que muito pouco existe no ciberespaço sobre ti enquanto jogador e treinador, a não ser quando
ligado ao teu filho Pedro. Não há dúvida que não és um fenómeno do tempo e do mundo da internet, é preciso puxar pela memória para fazer esta entrevista, mas também é sinal que não tem havido muito interesse dos media em conhecerte mais. Isso deixa-te desagradado? Injustiçado? RR:Não, nem pouco mais ou menos. Tenho um feito que faz com que prefira ficar na sombra. Não me preocupa nada. Eu sei o que fiz, tenho orgulho no meu passado e quem gosta de mim sabe perfeitamente quem sou. PP:Não tinha planeado pedir-te que me falasses da tua história no ténis, mas como fiquei surpreendido por não haver registos digitais disso, vou mesmo pedir-te que nos contes um pouco como foi o início na modalidade? RR:Na Guiné só havia futebol e ténis. O meu pai, Luís, era presidente do melhor clube de futebol. Mas o futebol só tinha equipas a partir dos escalões de juniores e o meu irmão era talvez o único europeu a jogar. Os outros eram todos africanos. Aquilo era de faca na liga. O meu pai achou que eu não tinha ainda nem idade nem físico para aquilo. Portanto, a única modalidade para mim era o ténis. A Guiné gerou pelo menos três bons jogadores: O José Carlos Santos Costa, o meu irmão e eu. O Miguel Soares também teve uma fase da vida em que passou por lá. Eu conheci o Miguel na Guiné, deveria ele ter uns 16 anos. Comecei a jogar na Guiné e atingi um bom nível.
PP:Foi estranho para ti, no período pós-25 de Abril, verificares que o poder político durante quase dez anos olhou para o ténis como um desporto de elite, quando nas ex-colónias não havia essa carga negativa? RR:Lembro-me de sentir isso quando estive no ISEF. Era o menino do ténis. Admito que era privilegiado porque o ISEF tinha o lar dos estudantes e o centro de estágio dos desportistas. O meu irmão também estava no ISEF e nós estávamos no centro de estágio no único quarto que tinha casa-de-banho privativa. É verdade que o ténis estava conotado na época com as elites. Já éramos ambos patrocinados e vestidinhos pela Lacoste. Ia para as aulas todo equipadinho, era um bocado ostensivo mas não era forçado, era natural. Mas lembrome também de outros problemas, como o CIF ter estado perto de ser ocupado por populações de Caselas a maior parte dos sócios do CIF não sabe disso. Os courts de ténis do Estádio Nacional também iam quase tendo a mesma sorte houve uma altura em que jogar ténis não era lá muito bem visto. Quando andava pelo país a jogar o circuito não sentia isso. Era claramente uma coisa de Lisboa.
RR:Estava ali um bocado escondido na Guiné e em 1975 ganhei tudo de rajada: Nacionais de Segundas, de Terceiras e de Juniores, e acabei o ano como nº1 nacional. PP:Mais tarde foste campeão nacional de piso rápido, um torneio que já não existe. RR:Havia dois Campeonatos Nacionais, eu jogava francamente mais em terra batida, mas fui campeão em piso rápido. Em terra batida fui vice-campeão, perdi na final com o Sérgio Cruz, no Porto.
“Tenho um feito que faz com que prefira ficar na sombra”
PP:Tiveste uma estreia competitiva de arromba na então metrópole. Estávamos em 1975, ninguém te conhecia.
PP:Mas voltando ao tempo em que regressaste da Guiné, foste para ao Clube de Ténis do Jamor
RR: Houve aí uma história engraçada, porque o meu irmão já cá estava, a estudar num colégio interno, o Valsassina. E quando o CT Jamor fez a filtragem dos jogadores, criou-se o grupo do meu irmão, Mário Azevedo Gomes, Luís Macara, Luís Cruz, Luís Filipe e outros. O Alfredo Vaz Pinto viu-me jogar e mandou-me para o segundo grupo, onde estava a Graça (Cardoso) que é hoje a minha mulher. No fundo, era o grupo das miúdas. Eu era tão fraquito que ele enviou-me para lá. Aquilo para o meu feito Passados três meses, ganhei a todos os do grupo de elite no Campeonato Nacional de Juniores. PP:Como explicas o nível que conseguiste na Guiné?
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ENTREVISTA RR:Não havia assim tanta gente quanto isso a jogar ténis, mas naquela altura não havia mais nada para fazer e passávamos o dia a jogar ténis. Tinha um professor, o Nuna, treinava com o Santos Costa, o Miguel Soares, mas a grande vantagem é que jogávamos muito. PP:E ao regressares a Portugal continuaste a estudar? Pensaste sempre em seguir o ténis como profissão ou houve outras hipóteses?
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RR:Vim cá fazer o 7º ano. Eu gostava muito e ainda gosto de futebol. Nós vivíamos na Costa da Caparica e eu jogava futebol nos juvenis da Costa e continuava a jogar ténis. Tínhamos uma boa equipa de futebol e defrontávamos o Vitória de Setúbal, Belenenses, CUF e Barreirense. Acontecia muito, com o apoio do meu pai, no sábado ou no domingo de manhã ir para o jogo de futebol e depois metermonos no carro para à tarde ir fazer meiasfinais ou finais de ténis em Lisboa. Mas ter sido campeão nacional de juniores levou-me a tomar a opção pelo ténis. Acabei o liceu, fui para a faculdade, tive uma bolsa de estudo para ir para uma universidade nos Estados Unidos jogar e estudar, fui, para a Virginia Tech, mas ao fim de poucos meses fugi. Nas férias do Natal, tinha o bilhete de ida e volta e regressei. Aquilo tinha um andamento que eu não aguentei. Claramente não me adaptei.
Apareci em casa de surpresa, foi um choque para os meus pais. Então fui para o ISEF. No final do segundo ano queria era jogar ténis e disse em casa que era isso que iria fazer. Andava a ganhar quase todos os torneios da Gillette e da Martini e queria ir jogar lá fora. Foi uma decisão complicada, porque naquela altura não era fácil assumir isso. Com o apoio dos meus pais deixei o ISEF e passei a jogar a tempo inteiro. Joguei muito em Espanha e na Bélgica, torneios a contar para o ranking mas sobretudo os (chamados) Prizemoney. Quando digo que fui dos primeiros profissionais é disto que estou a falar, de jogar a tempo inteiro. A dar aulas havia mais, como o João Lagos. Viver de torneios era eu e o Miguel Soares, depois do Sérgio Cruz ter sido o primeiro. PP:E dava para sobreviver? RR:Já não me recordo, mas olha que não vivia mal na altura. Já tinha carro, por exemplo.
Acho que se comparar com os profissionais portugueses, diria que ganhava mais do que a média hoje em dia e muito mais, francamente mais, do que os que andavam aí a jogar o Circuito CIMA. Viajava só, andava de transportes públicos. PP:Define-te como jogador. Só te vi jogar pela primeira vez em 1983, já numa fase adiantada da tua carreira, mas a imagem que me ficou foi de alguém mentalmente muito forte, fisicamente resistente e tremendamente consistente ao fundo do court RR: Era claramente isso. As minhas principais armas foram mesmo essas. Muito, mas mesmo muito consistente, raramente falhava uma bola, era preciso ganharem-me o ponto; quanto mais importante era o jogo, melhor eu jogava, a pressão era algo de que eu gostava; tinha muita garra, não dava nada a ninguém. PP:Isso contrastava com os jogadores da altura, porque o Miguel Soares, o Luís Filipe, o José Manuel Cordeiro, eram jogadores de talento mas de grandes oscilações de rendimento RR: O meu irmão, que tinha muito mais talento do que eu, era outro exemplo. Eles normalmente ganhavam-me o primeiro set, mas depois o segundo era mais ou menos equilibrado e no terceiro já estavam todos porquê? Porque não aguentavam aquela intensidade durante duas, três ou quatro horas porque eu estava lá esse tempo todo a passar bolas.
PP:E essa capacidade física e mental vinha só do ténis ou pensas que o futebol ajudou? RR:Era isso que eu ia dizer, o futebol ajudoume muito. Quando eu jogava no Costa da Caparica não havia cá relvados para ninguém, aquilo era pelado. Eu vinha ao treino do ténis no CIF e três vezes por semana tinha treinos de futebol no pelado, no inverno à chuva, ao frio, e ao fim-de-semana havia os jogos de futebol. Aquilo deu-me uma resistência que ajudou-me muito no ténis. PP:Jogaste alguns torneios profissionais a nível internacional, desde “circuitos satélites” a challengers, o último dos quais bem tarde, em 1987. RR:E joguei Roland Garros de juniores e o qualifying em seniores. Foi o torneio que mais gozo me deu jogar. O torneio que mais gostei de ver, talvez o Open dos Estados Unidos. Conheço Wimbledon mas não conheço o Open da Austrália. O ambiente que se cria no US Open faz com que não seja apenas um torneio de ténis. Eles conseguem fazer daquilo uma festa. Mas voltando à minha tentativa de profissionalismo, já não me recordo muito bem, mas entre challengers e “satélites” joguei bastantes. Tive um ranking de 669.º ATP [em 1983] e ainda pode ver-se no site da ATP. Fui dos primeiros jogadores profissionais de Portugal. Foi o Sérgio Cruz e logo depois deveremos ter sido o Miguel Soares e eu a apostarmos numa carreira profissional. A dada altura, o João Lagos organizou um grupo de jogadores em parceria com a Lacoste que era representada pelo Alberto
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ENTREVISTA Coronel e foi buscar os juniores que ele achava que tinham potencialidade de jogar bem e viemos quase todos do Jamor. Depois, o João Lagos criou o Clube Ténis Portugal, eu mantive-me no DAC. Tive então algumas quezílias com o Lagos – embora hoje em dia sejamos muito amigos – e com o Alberto Coronel sempre tive uma relação muito boa e não vi razão de sair da equipa dele. Depois houve dificuldades e ele teve de desfazer a equipa. A partir daí representei sempre o CIF. Antes de entrar no CIF como jogadortreinador, estive num clube na Alemanha, em Walldorf, perto de Frankfurt. Só lá estive uma época nem fiz a época toda porque tive um problema num ombro e vim-me embora. Ao regressar, fui convidado pelo CIF e não mais deixei. O Vilela já estava na Alemanha, numa cidade perto de mim, mas não foi ele quem me arranjou o contrato, foi através do meu irmão. Na altura era moda ir para a Alemanha. Estavam lá o meu irmão Luís, o José Vilela, o João Maio, o Miguel Soares, já a meio dos anos 80. Eu era o treinador do clube e o jogador nº1 da equipa, jogava os Interclubes, aliás, ainda hoje eles dão muita importância aos Interclubes.
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PP:Jogaste quatro eliminatórias da Taça Davis RR:… Pois, naquela altura era uma vez por ano… PP: Pode não ter sido muito mas tinhas uma paixão pela Davis. RR:Na altura, ir à Taça Davis era na altura e hoje em dia, sinto isso no meu filho, ele prefere prejudicar a carreira dele e ir à Taça
Davis. No meu caso, a selecção nacional era o ponto máximo. PP:Que treinadores tiveste na tua carreira e que te marcaram? RR:Há meia dúzia de pessoas que foram muito importantes para mim. Os meus pais porque me apoiaram sempre, o meu pai jogava e foi ele quem me meteu o bichinho e incentivou-nos muito a praticar desporto. O primeiro treinador é o Nuna na Guiné. Cá em Portugal, o Vaz Pinto, com quem não estive muito tempo, mas foi onde assentei. Tinha e tenho uma excelente imagem dele. Terei estado uns sete meses com ele e foi o meu melhor capitão de Taça Davis. Para o meu feitio, sabia transmitir-me no banco. Depois o João Lagos, que esteve bastante tempo comigo e foi muito importante. Era completamente diferente, ia mais para a táctica do jogo. E nos meus primeiros anos de sénior o João ainda jogava e era dos meus adversários mais difíceis. Era muito cerebral a jogar, era difícil ganhar-lhe. Depois houve uma época em que treinei com o meu irmão e foi meu capitão da Taça Davis, até tomou uma decisão complicada para ele porque pôs-me a jogar; havia uma grande rivalidade com o Miguel Soares mas naquela altura eu merecia o lugar e muita gente pensava que ele iria escolher-me porque eu era irmão. O Pedro Cordeiro, o Miguel e eu éramos a equipa. E naquela altura eu estava a ter uma época superior à do Miguel. Senão, não tenho dúvidas que o meu irmão não me teria colocado a jogar. E, finalmente, em determinada altura, tenho ajuda do Santos Costa. Eu estava muito ligado ao CIF, o Santos Costa trabalhava aqui e durante um ou dois
anos em que foi importante para mim. O Santos Costa está mal aproveitado porque está numa área muito administrativa na FPT e ele poderia ser mais aproveitado na área técnica. Ele sabe muito de ténis. PP:Jogaste numa década (da segunda metade dos anos 70 à primeira metade dos de 80) que foram um pouco loucos no ténis e também na sociedade em geral. Ainda se sentia a contracultura, a arte pop, o Maio de 68, o movimento hippie, a contestação à guerra do Vietname. Em Portugal era a pós revolução. No ténis, o reflexo disso eram personalidades controversas como Ilie Nastase, Jimmy Connors, John McEnroe. Falava-se muito do ténis devido às atitudes dos jogadores e nem sempre pelo seu jogo. Ora nós ouvimos histórias de que em Portugal era também um pouco assim, que vocês eram uns jovens rebeldes de raquete na mão
Luís Filipe, o João Guedes, o Pedro e o José Manuel Cordeiro, o Luís Damasceno (risos) temos histórias completamente loucas. Vivemos momentos inesquecíveis. Quando nos juntamos e recordamos rimo-nos que nem uns perdidos. Estes tipos actuais não fazem a mínima ideia, estão completamente a leste. São épocas diferentes PP: Há algum episódio que possas contar? Eu ainda me lembro de vocês deitarem o mais conceituado jornalista de ténis da altura em cima de uma poça de lama, algo que hoje em dia é inconcebível…
“Sinto isso no meu filho, ele prefere prejudicar a carreira dele e ir à Taça Davis”
RR:… (Risos) Como tenho acompanhado alguns jogadores como treinador – fi-lo com o Bernardo Mota, agora com o meu filho – costumo dizer que o circuito não tem nada a ver com a minha época. Houve um grupo de jogadores com um feitio muito especial, com um carisma, que provocavam histórias mirabolantes. Eu, o José Vilela, o
RR: Pregámos com um jornalista dentro de uma poça de lama no Estádio Nacional; durante um torneio, fechámos outro dentro de uma Ford Transit com os bancos rebatidos e andámos por uma avenida a fazer arranques e travagens com ele às cambalhotas dentro da carrinha; o Guedes andou a correr atrás do juiz-árbitro de raquete em punho para lhe bater; e há algumas que nem posso contar. Mas há uma que vale a pena: Numa Taça Davis, Egipto-Portugal no Cairo, fomos para a cerimónia de apresentação das equipas, os egípcios todos equipadinhos a rigor, tudo da Adidas, nunca mais me esqueço, e nós não tínhamos equipamento da selecção. Fomos ao mercado e comprámos aquelas túnicas típicas. Entrámos no court principal, no desfile, com o traje tradicional. O court estava cheio de público e nós a desfilar: eu, o
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ENTREVISTA
PP:Entretanto, também protagonizaste a primeira história mediática de um casalinho famoso do ténis em Portugal. Lá fora era o namoro do Jimmy Connors com a Chris Evert mas cá em Portugal eras tu e a Graça Cardoso, com quem casaste e constituíste família. E a Graça, para quem não sabe, era das melhores tenistas nacionais na altura. RR:O primeiro caso desses não fomos nós, foi o Raul Peralta com a Leonor Santos. Mas nós fomos o segundo. Eu venho da Guiné e uma semana depois vou ao Estádio Nacional para me inscrever e o Vaz Pinto mete-me no grupo das miúdas. Passados poucos meses começámos a namorar e deu em casamento. A festa foi aqui no CIF.
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PP:Lembro-me bem que a Graça era a miúda gira que todos queriam namorar, alta, loura, olhos claros, diferente do que era habitual. Vieste tu, deixaste os outros a olhar… RR: O Manecas tinha outros argumentos (gargalhada). Antes que alguém chegasse primeiro, antecipeime. Aliás, é uma
característica minha, antecipo-me às coisas. Deveríamos ter uns 17 anos quando começámos a namorar. Nesse ano fomos os dois campeões nacionais de juniores. E ainda fomos campeões nacionais de pares mistos. Mas ela acabou muito cedo a carreira. Deve ter jogado apenas uns três anos como sénior e parou. E nunca mais jogou ténis, praticamente deixou. Foi um corte radical. Continua a ter uma profissão ligada ao ténis, mas jogar não. PP:Falaremos mais tarde do teu filho, mas o facto de ter pais que foram bons jogadores forçou o Pedro a seguir as vossas pisadas? RR:Não. Embora eu tenha colocado os meus dois filhos a jogar ténis. Teriam uns 5 anos. Estavam na escola mesmo ao lado do CIF e vinham aqui jogar, no mesmo horário, com o mesmo professor. A minha filha não gostava de jogar ténis e passados dois ou três meses Fernando Correia FPT
José Vilela, o Sérgio Cruz e o Luís Filipe, com o Vaz Pinto a capitão, ele foi o único que não vestiu a túnica.
passei-a para a ginástica e natação. O meu filho quis ficar sempre ligado ao ténis. A dada altura na minha vida fiquei com a concessão dos campos de ténis do Estádio da Luz, do Benfica e eu jogava futebol com ex-jogadores como o Toni, Eusébio, Shéu, e a maioria levava os filhos. Eu levava o meu. Pôs-se a hipótese de metê-lo nas escolinhas do Benfica que era orientada pelo Bastos Lopes. E eu perguntei ao meu miúdo, teria ele uns 8 anos, se queria ir para o futebol, mas ele andou lá pouco tempo. Ele é que optou pelo ténis. Foi a sua escolha. Nem pensar em obrigá-lo.
PP:Qual foi a altura em que colocaste em equação deixar de competir e passares para uma nova carreira como treinador? RR:Quando vim da Alemanha ainda joguei uma época. Depois fui convidado pelo CIF para ser o coordenador das escolas. Eu teria uns 28 ou 30 anos, já havia uma série de miúdos novos, já tinha feito um estágio de treinador na Alemanha e quis agarrar a oportunidade no CIF. PP:E nessa altura sentiste necessidade de fazer alguma formação? Tinhas acabado os estudos universitários? RR:Tinha acabado o segundo ano no ISEF e fiquei por aí. Houve um curso com o Eduardo Mandarino - um brasileiro que vivia em Espanha e depois até foi director do torneio de Madrid - e fiz esse curso. Mas, basicamente, aproveitei o que tinha aprendido aqueles anos todos como jogador. Nunca frequentei muitos cursos. A maneira como ensino e como lido
com os jogadores tem muito a ver com o que joguei e senti nas várias etapas da minha carreira e dos treinadores com que trabalhei, criando a minha própria maneira de ensinar. O que fiz várias vezes foi aproveitar a excelente relação que tenho com o Gabriel Jaramillo. Durante muitos anos fui umas sete vezes à Academia Bollettieri com o meu filho e o Gabriel abria-me as portas da academia. Eu não era o pai do Pedro, era mais um treinador deles. Chamavam-me para o court, assistia às reuniões dos treinadores e isso foi uma boa experiência para mim. Apanhei muita coisa daí. Havia um famoso grupo de elite, liderado pelo Red Ayme. A última vez que o Pedro esteve lá, trabalhou com ele um mês inteiro e muitas vezes eu estava ao lado dele porque me chamava. Penso muito pela minha cabeça, mas dali recebi uma influência grande. PP:A experiência da academia terá sido importante para uma das tuas funções que é a de head-coach da tua própria escola. RR:Exactamente. Ajudou-me bastante na relação que tenho com os jogadores e com os treinadores. Por exemplo, todas as semanas reúno à segunda-feira os meus treinadores aqui no CIF. PP:Houve alguns ou algumas jogadoras que tenhas visto na Bollettieri e que te tenham marcado logo á primeira? RR:É giro porque a primeira que detectei foi a Maria Sharapova. Tinha para aí uns 9 anos. Chamou-me à brava a atenção porque
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ENTREVISTA no court parecia um furacão. Longe de imaginar que viria a ser o que é. Conheci o Tommy Haas, Serena Williams, Max Mirnyi, Jimmy Arias. Eu via muito os treinos do Pedro, mas depois queria ir ver o funcionamento da Academia e os treinos desses jogadores. PP:Já perguntámos ao Gastão Elias a opinião dele do Nick Bollettieri. E tu, o que pensas dele? RR:Conheci-o bem, estive muitas vezes com ele, almocei e jantei com ele, e nunca vi ninguém comunicar tão bem como ele. Num almoço de duas horas ele passava esse tempo todo a falar e nós absorvidos a ouvi-lo porque ele toma conta da conversa. É uma pessoa fabulosa, muito acessível, tenho uma excelente imagem dele. PP:Já agora, Manecas, nem toda a gente sabe, mas tiveste um papel na ida da Michelle Brito para os Estados Unidos?
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RR:Acho que tive um papel muito importante. Nós tínhamos um torneio da Rebook no CIF, de sub-12 e sub-14. A Michelle veio jogar o torneio com uns 8 anos e só perdeu na meiafinal dos sub-12. Fiquei deliciado com a miúda. Lembrei-me logo do que tinha visto anos antes com a Sharapova. Já conhecia os irmãos, mas a ela nunca a tinha visto jogar. A miúda perdeu após uma luta intensa e saiu do campo a chorar baba e ranho, de tal modo que criei à pressão um prémio revelação porque senti que tinha de premiá-la com algo. Estamos a falar talvez do mês de Novembro. No ano seguinte, nas férias do Carnaval organizei uma clínica com o Gabe Jaramillo
da Bollettieri e disse-lhe para ele ir ver aquela miúda jogar. Ele viu-a, eu nunca mais soube nada até saber que, meia dúzia de meses depois, estavam todos nos Estados Unidos. PP:Que jogadores ou jogadoras passaram pela tua mão a dada altura das suas carreiras? Eu lembro-me dos exemplos do Bernardo Mota, Bruno Fragoso, Gastão Elias, o teu filho, claro? RR:No CIF passaram-me uma série deles. Esses quatro e qualquer um deles deu-me gozo. O Bernardo era um mouro de trabalho. Se lhe dissesse que era preciso fazer mil direitas ele ia batê-las. O Fragoso era a mesma coisa mas com a nuance de não abrir a boca para nada, mesmo que o mandasse fazer dez horas de pinos. E foi campeão nacional. Eu sabia que ele tinha uma direita e uma presença no campo como não vi. Rebentava uma bomba ao lado dele no court e ele mantinha-se igual. E a direita dele foi das melhores de alguma vez neste país. Por acaso, treinei sempre jogadores que, como eu, tinham grande parte do jogo baseado na direita. O meu filho tem uma facilidade grande de jogar. O Gastão a mesma coisa. E todos alcançaram bons resultados. RR: PP:Mas é interessante que, com todos, a dada altura, abdicaste de acompanhá-los. E foste tu a largálos. Vês-te como um treinador que só vai até um certo nível de desenvolvimento do jogador? RR:O Bernardo foi uma opção. A minha vida profissional não me permitia. Para
ser treinador de um jogador a partir de um determinado nível, preciso de um mínimo de seis horas por dia. E são seis horas muito absorventes. No caso do Bernardo, tinha o CIF, estava no início da minha vida profissional e este projecto dava-me mais garantias. Foi também o início da minha vida de casado, de pai. Tive essa conversa com o Bernardo. Trabalhámos juntos uns 3 ou 4 anos. Quando ele começa a encarrilar numa carreira profissional disse-lhe que não poderia acompanhá-lo. Calmamente, com ele e o pai dele, arranjámos uma solução alternativa, o Luís Damasceno. E lá estiveram juntos alguns anos.
determinada altura não ter continuado mais tempo com ele e ter feito várias experiências que por variadíssimas razões acho que poderia ter sido melhor se eu tivesse mantido o acompanhamento mais um ano ou dois. De resto, gosto claramente de estar aqui, com a vida que tenho, sei como é duro andar 30 semanas por ano de saco às costas. PP:Com a experiência que tiveste como jogador e treinador, não está atravessado na garganta nunca teres sido capitão da Taça Davis? RR:É um mistério para mim, modéstia à parte acho que sou das pessoas mais qualificadas no país em termos de ténis. Tenho 55 anos, uma carreira de 30 e tal anos ligada à formação e só uma única vez é que fui convidado pela FPT para ser capitão de uma equipa na Taça Galea, de sub-21. De resto, nunca houve um convite. Tenho visto alguns capitães e seleccionadores que custa-me a entender. Até porque sempre tive boas relações com a FPT, o seu staff e sempre estive disponível.
“Modéstia à parte acho que sou das pessoas mais qualificadas no país em termos de ténis”
PP:Olhas para o teu irmão, que tem feito uma carreira quase toda internacional, mas que também andou com jogadores portugueses pelo Mundo fora; Quando vês o teu amigo Sérgio Cruz que até chegou a treinar o Jim Courier; Ficamte arrependimentos? Pensas que gostarias de ter tido essa vida?
RR:Não, não, não! Tive uma experiência que muito poucas pessoas tiveram oportunidade de viver. Durante dois anos acompanhei o meu filho, por ser meu filho, por ser já ao nível que ele jogava, que me deu um gozo tremendo. Ele era dos melhores juniores do Mundo, andámos a viajar e a treinar e é extremamente cansativo. Não me arrependo nada. A única coisa de que me arrependo é a
PP:A dada altura passaste a ser mais empresário e head-coach ao mesmo tempo e criaste aquela que é conhecida como a maior escola de ténis do país, a que tem mais alunos, lembro-me de teres chegado a ultrapassar os 900 alunos, com núcleos na Costa da Caparica,
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ENTREVISTA Monsanto, aqui no CIF e no Estádio da Luz. Houve uma estratégia de expansão e depois achaste que estava a ser grande demais? RR:O universo dos meus alunos não foge muito a isso. Houve uma altura em que tive o Benfica, Monsanto, CIF e Costa, mas foram situações que foram surgindo e oportunidades que quis agarrar mas não era uma estratégia de expansão. Aliás, tive ofertas de vários clubes do Algarve e da zona Centro e nunca quis, não me seduziu, nem equacionei. Se fores ver, é um triângulo: Restelo, Monsanto e Benfica, num raio de 15 minutos estou nos três sítios. A Costa foi especial porque estava identificado com a Costa, tinha jogado lá futebol, as pessoas gostam de mim, mas era um projecto que eu sabia que era a prazo para resolver uma situação de um ano ou dois e resolvi-a. Hoje em dia mantenho o CIF e o Monsanto, já não estou no SLB mas tenho em Benfica um clube construído de raiz. E mantenho um universo de alunos que ultrapassam os 800. PP:O que impressiona dado a crise que atravessamos. 44
RR:No meu caso particular a crise não se reflectiu no número de alunos, mas na frequência de cada aluno. Continuo com 500 ou 600 clientes no CIF, só que em vez de jogarem três vezes por semana jogam duas ou uma. Aí nota-se a crise. Mas, felizmente, ainda há muita gente a jogar ténis, o que é significativo numa altura em que sofremos muita concorrência das escolinhas de futebol que pululam por todo o lado e aqui no CIF até temos uma. Em cada dez miúdos, nove prefere
jogar futebol do que ténis. Eu próprio tive duas escolas de futebol em Benfica. O futebol tem um peso enorme nos miúdos. PP:Um aspecto em que me parece que não és devidamente valorizado é que tens sido responsável pela requalificação de espaços onde a tua escola funciona, como é o caso aqui no CIF, mas também em Monsanto, para além de agora teres em Benfica um clube com instalações criadas a pensar só no ténis. Se um dia decidisses parar a actividade nesses
espaços, irias sempre deixá-los mais ricos em termos de equipamento desportivo do que quando foste para lá. Claro que depois houve amortizações nos acordos que fizeste, mas, no início, o investimento de arranque foi teu. Nem todos os gestores de escolas de ténis são assim. Porque é tão importante para ti a infraestrutura? RR:Para se desenvolver um trabalho em condições, é preciso ter e dar boas condições de trabalho. E também há questões de imagem, sobretudo aqui no CIF, pelo clube que é, pelo passado que tem. Deve ensinar-se ténis em boas instalações. As pessoas devem sentir-se bem. É um facto que em Monsanto, quando fui convidado, disse à Associação de Ténis de Lisboa que naquelas condições não poderia ficar. Estava num estado lastimoso. Disse logo que era preciso recuperar os campos, construir uns cobertos, reparar os balneários. A ATL não tinha essa capacidade, a Câmara Municipal de Lisboa também não tinha verba, propuseram-me ser eu a fazer o investimento. Fizemos um acordo tripartido e fiz esse investimento. No CIF, também já houve variadíssimas situações deste género. Por exemplo, aqueles campos da escola foram todos cobertos por mim e ainda agora foram todos recuperados, bem como as passadeiras. Tenho estado disponível, tenho investido bastante dinheiro. PP:E o teu clube? Era um sonho, como o João Lagos, de teres o teu próprio espaço? RR:O São João Ténis Clube é uma parceria
com um clube que tenho ali da zona de Benfica. Fizemos um protocolo, o clube tem direito de superfície, eu construí o clube de raiz, foi um investimento grande, e a gestão do clube pertence-me. Mas é um sonho concretizado. É uma forma de preparar o meu futuro, mas, sobretudo o futuro do meu filho Pedro. Aliás, a empresa chama-se MP Ténis, Manecas e Pedro. PP:Se não fosses treinador, se fosses apenas pai, o teu filho teria ido treinar para o estrangeiro? RR:Quando fui confrontado com essa decisão, foi difícil. Se não estivesse nesta área do ténis e não pudesse permitir-lhe uma almofada quando ele deixar de jogar e dar-lhe uma situação mais ou menos segura, não sei se o teria incentivado tanto. Não sei se não o teria motivado mais para outra profissão. No estado actual da minha vida, era complicado porque ele estava mesmo virado para o ténis. Só uma vez o vi indeciso que foi quando teve uma lesão muito complicada, uma canelite, logo no seu primeiro ano de profissional. Esteve praticamente um ano parado e aí equacionou e eu dei-lhe todo o apoio para continuar ou abandonar e devo dizer-te que ainda hoje ele tem as propinas pagas na faculdade. Às vezes há que medir bem. Qualquer um dos nossos melhores jogadores, Rui, Pedro, Frederico, João, Gastão, quando deixar de jogar ténis, se quiser viver lá fora poderá ganhar muito dinheiro. Em Portugal, infelizmente, será complicado. Basta olhar para o Bernardo, para o Emanuel, e outros. Estou atento a estas coisas. Agora eu sei que se o meu filho quiser continuar ligado ao ténis eu poderei proporcionar-lhe outras coisas.
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ENTREVISTA Tenho uma estrutura montada e ele poderá continuar o meu trabalho. PP:É interessante falares nessa continuidade familiar porque quem te conhece bem diz-me que tu és a grande figura dos teus projectos empresariais, as escolas, o novo clube, os torneios que organizas, o “know-how” é todo teu, mas que a tua mulher, a Graça, é o génio financeiro na sombra. RR:A minha organização tem um universo em escolas de ténis e de futebol de uns 1.200 miúdos. Movimentamos três clubes, num total de 25 campos de ténis. E somos apenas duas pessoas. Não temos sócios. Eu actuo na parte organizativa, contactos exteriores, na elaboração conceptual da filosofia de ensino. Toda a parte administrativa, financeira, de retaguarda, é da responsabilidade da Graça. É um descanso para mim. Ela faz um trabalho notável, fundamental e determinante. As pessoas não têm a noção. Se não fosse a Graça eu não teria estes projectos todos. A Graça levanta-se às cinco da manhã e às sete está em Monsanto. 46
PP:Vamos então falar um pouco do teu filho. Provavelmente, um dia será entrevistado para a MatchPoint Portugal, mas neste caso queríamos mais a tua visão sobre ele. Nunca me esquecerei de o Bernardo Mota me dizer que é o jogador português mais talentoso de sempre. Uma declaração arrojada, dado que vi talentos natos como o José Manuel Cordeiro, o Nuno Marques, mas não há dúvida que o
Pedro Sousa surpreendeu-me em alguns encontros pelo tal enorme talento que o Bernardo falava. É assim que o vês? RR:O jogador mais talentoso? É relativo. Para já, o talento é muito mais do que bater na bola. Modéstia à parte, o que o Pedro tem é uma base muito boa pelo ensino de ténis que teve. Aquela fluidez de pancada e aquelas acelerações que dizem ser talento foi na realidade muito trabalho. E há que lhe dar o mérito pela capacidade de absorver isso. É óbvio que tem talento, mas se é o mais talentoso de sempre? Não gosto de ir por aí. Em termos de facilidade em bater na bola vi o Zé Manuel e o Pedro Cordeiro, o meu irmão, o meu filho, o Gastão. Um jogador de ténis é muito mais do que o talento. Há um conjunto de factores mais determinantes. O Pedro é um belíssimo jogador, isso sim. PP:Quando é que se deu aquele momento em que deixaste de ser o treinador dele escolheste outros? RR:Quando ele deixou de ser júnior e eu formei o Team Lagos, fomos buscar o Pedro Cordeiro e o Gonçalo Nicau. Era suposto passar o Pedro, meu filho, para o Pedro Cordeiro. Mas depois o meu filho esteve quase um ano parado com a lesão na canela. O Rui Machado já tinha vindo de Espanha lesionado num joelho. Com dois jogadores de baixa prolongada, o Pedro Cordeiro abandonou o projecto. É nessa altura que o Pedro tem aquela indefinição sobre se iria continuar ou não no ténis. Quando voltou, pensei no João Cunha e Silva para ele, porque eu já não tinha o Team Lagos. O Cunha tinha uma estrutura
montada. Aí até demonstrei abertura porque o Cunha é um concorrente. Mas um dos problemas em Portugal, talvez a única lacuna que torna difícil um jogador de elite ter base em Portugal: é a falta de jogadores de nível para treinar. E o Cunha tinha lá o Frederico Gil e o Rui Machado. Mas a determinado nível, um jogador tem de ter um acompanhamento muito personalizado. Admito um grupo muito restrito com um treinador para um máximo de três jogadores. E têm de estar todos mais ou menos ao mesmo nível. Ao fim de algum tempo achei que o Pedro não estava a ter o tal trabalho personalizado e saiu. Procurei então um treinador exclusivo para o Pedro e chamei o Bernardo Mota, enquadrando-o na minha estrutura. Ele treinou o Pedro durante um ano, tiveram resultados interessantes, mas por uma questão de feitos – acontece – o Bernardo achou por bem ir à vida dele e o Pedro já estava preparado para isso, já estava à espera. As viagens não estavam a correr tão bem. É muito cansativo, tem de haver muita química porque há um desgaste natural. Ainda equacionei ser eu a assumir o cargo na altura, mas estava muito absorvido pela conclusão da construção do clube em Benfica e surgiu a hipótese do Gonçalo Nicau
RR:… Mais do que uma vez falei com o Nuno. A dada altura, achei que era o treinador ideal para o Pedro. Espero não estar a fazer uma inconfidência, mas tentei. O Nuno tinha a vida familiar toda no Porto, estava a começar a assumir um compromisso com o Clube de Ténis do Porto, o mesmo que se tinha passado comigo há uns anos. Mas desafiei-o mais do que uma vez. Também cheguei a pensar no meu irmão, mas ele também já não está para viajar 30 semanas por ano. Avancei então com o Nicau. Eles tiveram uma excelente relação, davam-se muito bem mas desta vez fui eu a achar que era preciso dar outro rumo à carreira do Pedro. Eles estiveram juntos um ano e meio, mas eu achei que posso ser uma mais-valia na carreira dele nesta altura. Era suposto começarmos a treinar há três meses, mas ele tem estado aleijado. Depois do Portugal Open tentou jogar duas ou três semanas mas é impossível, joga meia hora e não consegue mais. Teremos de esperar.
“O que o Pedro tem é uma base muito boa pelo ensino de ténis que teve”
PP: Nunca pensaste no Nuno Marques como possibilidade? Ele tem bons resultados com a Maria João Koehler, tinha treinado o Leonardo Tavares
PP:O Pedro é um jogador de características bem distintas das tuas. RR:Há ali, realmente, um potencial grande. Só esporadicamente tem jogado o ténis dele. Sou das poucas pessoas a ter visto o Pedro ao melhor nível. A exibição com o Del Potro não é fruto do acaso. Para se jogar àquele nível é porque se tem aquele nível. A pergunta é porque não joga mais vezes àquele nível. E eu
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ENTREVISTA acho que aí posso ajudá-lo. Vai depender um pouco dele e sobretudo da felicidade que tiver porque ele é atreito a lesões. Em momentos cirúrgicos têm-lhe aparecido lesões. Algumas delas estúpidas, como aquela do ano passado, de bater com o pé no poste da luz e dar em fractura da cartilagem, parecem de apanhados. Agora, com maior consistência de jogo e sem lesões, acho que pode ter finalmente no ranking uma tradução do seu real nível de ténis. Ele pode ter um ranking francamente superior. PP:Tu eras um jogador mentalmente muito forte. E o Pedro? Vês nele vontade de singrar?
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RR:O Pai tinha umas características e ele tem outras. Mas ele já mostrou que as dele são suficientes e eu nunca lhe cheguei aos calcanhares em resultados. O Pedro só joga enquanto quiser. Quando não quiser, tem aqui muita coisa para fazer. Quem anda no desporto sabe que a parte mental tem muito a ver com o jogar, com o ganhar, com a confiança. Daí eu dizer que se o Pedro puder jogar uma época inteira sem lesões, não tenho dúvidas nenhumas de que vai ganhar muitos encontros, vai ganhar confiança e vai estabilizar muito mais a parte mental. Um atleta quando não pode jogar, vê as semanas a passar, os pontos do ranking a irem embora, não pode estar bem mentalmente, tem de ficar afectado. Com algum trabalho, o Pedro pode rapidamente saltar para outro nível. E atenção que o nível dele já não é nada mau. PP:Por outro lado, ele ainda é jovem. Aos 25 anos, na tua altura, já poderia começar a ser o início do fim, mas
hoje em dia pode ser mesmo o início. RR:Há vários jogadores que só a partir dos 26, 27 anos começaram a atingir os seus melhores resultados. O David Ferrer até mais tarde do que isso. E o Pedro, se formos ver, só agora está a estabilizar fisicamente. Nós queremos acreditar que melhores dias hão-de vir. PP:É difícil catalogares-te profissionalmente, tendo em conta que tens tantas actividades? RR:Basicamente, sou um profissional ligado à área do ténis. Felizmente que tenho tido algum sucesso, sobretudo na gestão de espaços desportivos, na gestão das escolas, enquanto a organização de eventos tem sido abordada pontualmente mas é um sector em que vou apostar mais. Como treinador, embora esteja ligado ao meu filho, é uma situação pontual e não sei quanto tempo irá durar É um caso especial e neste momento não fazia parte dos meus planos voltar a ser treinador. Com a envolvência que tenho nos clubes que dirijo, com a dimensão da minha escola e outros projectos que quero desenvolver, não planeava ser de novo treinador. Aconteceu por ser com o Pedro por ser meu filho e porque acho que posso ajudálo.
NO CIRCUITO
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Com Nova Iorque no horizonte
Agosto é o mês do último dos quatro torneios do Grand Slam. Mas até lá, muito se vai jogar e falar durante os US Open Series. Pedro Keul
Já arrancou a Emirates Airline US Open Series. Nove torneios na América do Norte nas cinco semanas que antecedem o quarto e último Grand Slam do ano. Todos eles serão disputados em condições idênticas às que os tenistas vão encontrar em Flushing Meadows, incluindo courts azuis e o sistema electrónico de apoio à arbitragem. Como incentivo extra, os três melhores tenistas de cada sexo nesses eventos terão um prizemoney de bónus, que, para os primeiros classificados, poderá ascender a um milhão de dólares (750 mil euros) caso ganhem o US Open. Mas o próprio torneio do Grand Slam oferece este ano prémios monetários nunca vistos. Os vencedores já vão ser premiados com 1,9 milhões de euros de um total de 25,8 milhões de euros – um aumento de mais de 30 por cento em relação a 2012, que beneficiará igualmente o prize-money do torneio de cadeira de rodas e as diárias dos jogadores. Seguindo o exemplo de Wimbledon, que aumentou em 40 por cento os prémios monetários, o US Open vai beneficiar preferencialmente os derrotados nas rondas iniciais. Assim, quem perder na eliminatória inicial vai ganhar 24 mil euros (aumento de 39 por cento), na segunda 40 mil euros (43 por cento) e na terceira 70 mil euros (43 por cento). “No ano em que ganhei o US Open, em 1979, pela primeira vez, recebi 39 mil euros; hoje o vencedor ganha dois milhões. Quem perde na primeira ronda ganha quase tanto como eu, quando fui campeão”, ironizou John McEnroe, numa conversa em directo do The Times Center, promovida pelo jornal New York Times (NYT). Criado em Queen’s – o bairro onde se situa o Billie Jean King Tennis Center, palco do US Open desde 1978 – e com oito títulos conquistados
O US Open fixou-se desde 1978 no complexo de Flushing Meadows, mais tarde baptizado de Billie Jean King Tennis Center
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NO CIRCUITO
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O quarto torneio do Grand Slam do ano vai oferecer prémios monetários nunca vistos
no US Open (quatro em singulares, quatro em pares masculinos), McEnroe é um grande conhecedor de ténis e do US Open em particular, continuando a estar bem presente no evento, agora como reconhecido comentador televisivo. “Durante o US Open dou tudo o que tenho, gosto mesmo de estar envolvido… 10 horas por dia, fácil”. “Há alguns anos, se me dissessem que ia ser comentador, responderia ‘nem pensar’, mas sempre achei que se o fizesse iria ser como Vitas Gerulaitis, alguém que se divertia, não se levava muito a sério e sabia de ténis. Já vieram ter comigo várias vezes dizendo que sou melhor comentador do que jogador. Ao princípio pensava ‘como se atreve?’, mas agora vejo-o como um elogio”, frisou “Big Mac”. Na conversa com o editor do NYT, Jason Stallman, McEnroe não hesitou em apontar os seus favoritos ao triunfo: “Acho que Djokovic vai ganhar, mas vai ser entre ele e Murray. Embora gostasse de ver alguém intrometer-se, como Del Potro. Do lado das senhoras, faço uma aposta segura e digo Serena.” Aliás, o campeão norte-americano reconheceu que Novak Djokovic é o tenista que mais gosta de ver na actualidade. “Talvez mais por aquilo que faz fora do court do que dentro. Conheço-o melhor do que os outros do top e ele é um jogador que quando me vê se levanta e vem dar-me um abraço. Tem uma grande personalidade, promove o ténis em várias partes do mundo, o que para um tipo de 26 anos devia era estar focado na sua tarefa de ser número um do mundo”, justificou o também responsável por uma academia de ténis em Nova Iorque. Mas quando o espaço temporal se alarga, McEnroe aponta outros nomes: “Para mim, os quatro melhores de sempre são Rod Laver, Roger Federer, Rafa Nadal e Pete Sampras.”
Sobre o tecto Espera-se que as condições climatéricas também ajudem o US Open, ao contrário do que aconteceu nos cinco últimos anos, em que o torneio teve de ser estendido por mais um dia e a final masculina adiada para segunda-feira.
Uma contingência que tem suscitado, anualmente, a discussão sobre a ausência de um tecto amovível sobre o Arthur Ashe Stadium – Open da Austrália e Wimbledon contam com courts que podem ser fechados; Roland Garros tem o projecto aprovado. Mas segundo notícias recentes publicadas no SportsBusiness Journal, a federação norte-americana (USTA) está no terreno à procura de propostas para uma eventual construção em 2016. No Verão passado, a USTA anunciou que iriam ser destinados 500 milhões de dólares (378 milhões de euros) para renovações e melhoramentos no Billie Jean King Tennis Center, mas sem incluir a construção de um tecto sobre o court central. O grande entrave à cobertura do maior estádio de ténis do mundo com 22.500 lugares, prende-se com o peso da estrutura necessária, que teria uma área cinco vezes superior à do tecto colocado sobre o court central de Wimbledon; segundo alguns especialistas, o aterro sobre o qual foi erguido o Arthur Ashe Stadium não suportaria esse peso adicional. Além disso, a USTA precisaria da aprovação da câmara de Nova Iorque. Para já, a federação conseguiu que a municipalidade aceitasse o seu plano de expansão, indo ocupar terrenos do Corona Park para a construção de mais dois courts e adicionar mais sete mil lugares. Em contrapartida, a USTA irá financiar projectos para a comunidade local durante os próximos 24 anos, num total que ultrapassa os 7,5 milhões de euros.
Nos últimos cincos anos, a final masculina foi realizada numa segunda-feira por causa da chuva
O título US Open Series deve situarse sobre e no meio das duas primeiras colunas de nomes. O título US Open refere-se às outras duas colunas de nomes.
CAMPEÕES DO US OPEN SERIES E DO US OPEN Ano 2012 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004
Us Open Series N. Djokovic (Ser) M. Fish (EUA) A. Murray (Gbr) S. Querrey (EUA) R. Nadal (Esp) R. Federer (Sui) A. Roddick (EUA) A. Roddick (EUA) L. Hewitt (Aus)
US Open P. Kvitova (Che) S. Williams (EUA) C. Wozniacki (Din) E. Demenetieva (Rus) D. Safina (Rus) M. Sharapova (Rus) A. Ivanovic (Ser) K. Clijsters (Bel) L. Davenport (EUA)
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A. Murray (Gbr) N. Djokovic (Ser) R. Nadal (Esp) J. M. Del Potro (Arg) R. Federer (Sui) R. Federer (Sui) R. Federer (Sui) R. Federer (Sui) R. Federer (Sui)
S. Williams (EUA) S. Stosur (Aus) K. Clijsters (Bel) K. Clijsters (Bel) S. Williams (EUA) J. Hénin (Bel) M. Sharapova (Rus) K. Clijsters (Bel) S. Kuznetsova (Rus)
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MAIS VALE AFINAR O VIOLINO DO QUE METER A VIOLA NO SACO
Roger Federer encontra-se num momento crítico da sua carreira: tem acumulado desaires diante de adversários menos cotados e perdido a sua confiança enquanto o seu ranking começa a resvalar perigosamente. O primeiro sinal de inconformidade foi a experimentação de uma raqueta nova – mas será que já vai tarde demais? Talvez, mas espera-se que não. Miguel Seabra
Quando um grande nome do desporto se sujeita à inexorável lei da vida e desata a acumular resultados e a rubricar exibições menos consentâneas com os seus pergaminhos, logo se levantam vozes sugerindo que um campeão deveria “sair no auge” ou «sair por cima» e não prestar-se à ignomínia das escandalosas derrotas. Não sou dessa opinião – acho que ganharam o direito de calibrar os seus objectivos e passar a competir pelo puro gosto de jogar ténis, como o próprio Roger Federer já referiu: “às vezes as pessoas esquecem-se de que nós continuamos a jogar porque gostamos de jogar ténis”. É isso que agora faz correr, por exemplo, um Lleyton Hewitt: esfarrapar-se todo para ganhar um grande duelo num palco principal de um dos maiores torneios, como sucedeu em Wimbledon diante de Stanislas Wawrinka… mesmo que perca logo na ronda seguinte. Roger Federer é um campeão de estatuto bem superior ao do australiano, mas deixem-no em paz – ele conquistou o direito de fazer o que bem entender da carreira dele e ninguém lhe há-de tirar os seus títulos, sendo muito difícil que alguém lhe consiga tirar muitos dos seus recordes… Sou daqueles que acha que Roger Federer poderia e deveria ter ganho mais do que os 17 títulos do Grand Slam que apresenta no seu estelar currículo. Costumo dizer que ‘Se’ é o título do maior livro da história da humanidade, mas se o suíço tivesse feito uma opção aqui e arriscado mudar mais cedo ali, talvez lograsse esticar o seu palmarés e prolongado a sua hegemonia. Mas ninguém nos garante que se o tivesse feito, isso se concretizaria, não é? De qualquer das formas, há sintomas e episódios que comprovam algumas mudanças (tardias) que acabaram por dar resultado e quem me lê, me ouve no Eurosport ou me segue no Twitter, sabe que há anos que preconizo insistentemente algumas adaptações no enquadramento técnico-táctico daquele que é considerado o maior tenista de todos os tempos.
Falei-lhe nisso numa conferência de imprensa do Open da Austrália em 2006
Três mudanças Mas quem sou eu para ser tão peremptório, certo? Foi um pouco isso que o meu colega Philippe Bouin, do L’Équipe, me disse após uma conferência de imprensa de Roger Federer no Masters 1000 de Madrid, em 2006: “ele é o Roger Federer, como podes ter-lhe
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dito aquilo?”. O que disse na altura ao helvético foi que, tendo ele uma direita tão acutilante que desequilibrava e empurrava constantemente o adversário para longe da linha de fundo, seria uma excelente ideia complementá-la com um amortie de direita. Ele mostrou-se respeitoso na resposta e nem a considerou impertinente, respondendo “como eu abro bem o court com a direita, não tenho necessidade de um amortie de direita”; o certo é que, quase três anos depois, foi muito graças ao amortie de direita que conseguiu ganhar finalmente o seu primeiro título em Roland Garros. Outra das minhas insistências prendia-se com a direcção do serviço de Roger Federer, considerado por muitos como um dos melhores de todos os tempos graças à sua precisão, variedade e imprevisibilidade. Nunca achei que fosse tão imprevisível quanto poderia ser e que deveria servir mais à figura do adversário, tendo aproveitado a épica final de Wimbledon de 2008 para escrever uma peça para a extinta revista ProTénis sobre o tema: munido de estatísticas detalhadas, constatei que Rafael Nadal tinha servido uns 24 por cento de saques à figura, enquanto Roger Federer – um purista – empregou tal táctica somente uns 4 por cento... até que, no final de 2010 e sobretudo mais em 2011, se começou a notar que o helvético começava a servir mais à figura para impedir o respondedor de “abrir as asas” e dar-lhe mais uma direcção para se preocupar na antecipação ao serviço. Essas mudanças surgiram tarde, mas a tempo. E a raqueta? Desde os primeiros encontros entre Roger Federer e Rafael Nadal que senti que a raqueta do suíço parecia muito pequena para contrariar o extremo topspin do espanhol. Falei-lhe nisso numa conferência de imprensa do Open da Austrália em 2006, até porque existia um episódio anterior lhe tinha provado que a mudança fora feita para melhor – tanto que a sua carreira descolou a partir dessa transição de um aro de tamanho 85 (polegadas quadradas) para um de tamanho 90 em 2002, embora já na altura eu considerasse que, atendendo às exigências do ténis moderno e a uma aposta na longevidade da sua carreira, ele deveria ter começado a pensar em adoptar uma raqueta um bocadinho maior a partir de 2006. E após os desaires consecutivos de 2008 diante de Rafael Nadal em Roland Garros e no seu habitat natural em Wimbledon, isso pareceu tão óbvio que me pediram para explicar a minha opinião por escrito para o site de referência tennis.com, tendo na altura o assunto gerado grande debate e havendo muita gente a ridicularizar a tese.
Extensão do braço A raqueta é a extensão do braço de um tenista e só quem não conhece bem os meandros do ténis de competição pode subestimar a importância do instrumento de trabalho de um jogador de competição. Rafael Nadal não o faz e até procura anteciparse fazendo mudanças logo que possível: ao contrário dos outros cotados espanhóis que o antecederam na liderança do ténis do país vizinho, ele procura constantemente optimizar o seu jogo com afinações das suas encordoações, da sua raqueta, da distribuição do peso da sua raqueta – e com isso tem-se mantido à tona, ganhou profundidade nas suas pancadas e agressividade no seu serviço, tendo ganho mais títulos do Grand Slam do que as pessoas poderiam imaginar. Porque o maiorquino não receia mudar, na sua contínua “busca de soluções para os problemas”, como tanto gosta de dizer. Bem mais conservador (até porque alicerçado no seu sucesso), Roger Federer tem resistido mais tempo às mudanças que, a mim, sempre me pareceram óbvias – o tal amortie de direita, o serviço à figura e… a raqueta um pouco maior, que finalmente adoptou recentemente no período pós-Wimbledon, mas que, por enquanto,
A raqueta que Roger Federer tem usado é extremamente exigente
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Federer não lhe trouxe grandes resultados em Hamburgo ou Gstaad (pelo contrário). Para mim, essa mudança chegou tarde demais – e não só: Roger Federer mudou a meio da época quando o deveria ter feito no período do defeso, mudou para um tamanho talvez demasiado grande (de 90 polegadas quadradas para 98, quando o mais natural seria para 95) e sobretudo mudou num período de falta de confiança…
Pequeno passo, grande salto
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Mas atentemos com mais atenção à problemática da raqueta e a toda a sua envolvência na carreira de Roger Federer, que em 2002 deu um pequeno passo de 5 polegadas quadradas que se revelaria um salto gigante na sua carreira. Outro passo semelhante há quatro anos poderia tê-lo equipado melhor para enfrentar a ‘besta negra’ Rafael Nadal e gerir uma nova era em que o atleticismo e o apuramento do jogo defensivo (com rápidas transições para o contra-ataque) catapultaram a modalidade para o patamar seguinte. É claro que esse pequeno passo de 5 polegadas quadradas, mais fácil de tomar quando não se tinha ganho qualquer título do Grand Slam, se torna muito mais difícil quando se ganha 12, que eram aqueles que tinha quando perdeu a tal final de Wimbledon de 2008 diante do arqui-rival... A raqueta que Roger Federer tem usado é extremamente exigente porque o pequeno sweet-spot (zona óptima de batimento) não oferece grande margem para erro e uma armação um pouco mais tolerante poderia ajudá-lo mais no capítulo defensivo e, evitando as suas famosas “madeiradas”, dar-lhe maior confiança. O próprio Roger Federer sabe bem disso, porque na primavera de 2002 ele já sentia que o seu jogo estava a estagnar e que batia demasiadas “madeiradas” com a sua Wilson Pro Staff, a mítica raqueta lançada em 1984, que se tornaria numa das mais bem sucedidas raquetas na história da modalidade na mão de campeões como Chris Evert, Stefan Edberg, Pete Sampras e Jim Courier. O jovem suíço adoptou essa mesma raqueta – usada pelos seus ídolos Edberg e Sampras – no início dos anos 90 e tornou-se
A raqueta é a extensão do braço de um tenista
campeão do mundo de juniores em 1998. Só que o seu jogo era diferente do dos seus heróis: batia a sua direita com uma incrível aceleração de braço e, sobretudo, muito mais topspin do que as direitas chapadas de Edberg ou Sampras. Vi-o ganhar o torneio júnior de Wimbledon de 1998 ao lado do meu colega suíço Roger Jaunin (entretanto reformado) e pude observá-lo mais de perto na primeira ronda do Challenger de Espinho de 1999 quando perdeu com o espanhol Juan Balcells; desde logo foi claro que jogava muito, a sua fluidez de movimentação era notória e o seu ténis clássico muito elegante… apesar das ocasionais “madeiradas”. A sua transição para o top 20 foi rápida e no final de 2001 aproximou-se do top 10 – numa altura em que, em todas as previsões de torneios do Grand Slam que eu fazia para o Correio da Manhã, incluiam o nome dele como candidato ao título… até que desisti porque, apesar da célebre vitória em cinco sets sobre Pete Sampras em Wimbledon, continuava sem chegar aos quartosde-final de um dos quatro Grand Slams. Entretanto, em plena temporada de terra batida de 2002, Roger Federer tomou a decisão de mudar para uma versão da Pro Staff com 90 polegadas quadradas. O sweet-spot ligeiramente mais alargado permitiu-lhe bater menos bolas com a armação e reduzir os erros não forçados… e os benefícios foram praticamente instantâneos: logo no segundo torneio com a nova ferramenta conquistou em Hamburgo o seu primeiro título Masters 1000, produzindo diante de Marat Safin, na final, aquilo que ele considerou “o melhor ténis da minha vida”.
A era do domínio No ano seguinte ganhou em Wimbledon o seu primeiro troféu do Grand Slam e deu início a um período ímpar na história da modalidade, seduzindo todos com a sua técnica suave e timing de execução perfeito. Claro que havia as ocasionais “madeiradas”, sobretudo na resposta ao serviço de esquerda ou quando tentava
Roger Federer sempre foi teimoso em termos de equipamento, como qualquer campeão
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as tremendas acelerações com a sua direita topspinada – afinal de contas, a sua raqueta com uma cabeça de 90 polegadas quadradas mantinha-se como a mais pequena raqueta do circuito, enquanto a maior parte dos jogadores da Wilson usavam versões midsize, entre as 93 e as 98, e a média do tamanho dos aros utilizados no circuito se aproximava das 100 polegadas quadradas. Aos olhos dos leigos, a raqueta de Roger Federer ia mudando – de nome e de cosmética, mas os conhecedores bem sabiam que, na essência, a raqueta era praticamente a mesma. Eu trouxe o assunto à baila durante o Open da Austrália, perguntando-lhe se ele consideraria uma eventual mudança. Mais uma vez, achou a questão pertinente (embora alguns colegas, uma vez mais, não tivessem percebido a pergunta) e, como sempre, mostrou-se feliz por poder falar de tecnicismos: “Tenho andado muito contente com a minha raqueta e nunca experimentei uma maior porque acho que não me ajudaria muito. Mas quando mudei de uma 85 para uma 90 em 2002, mesmo antes de ganhar Hamburgo, foi para mim uma grande mudança porque na altura estava a mandar muitas ‘madeiradas’. Pedi à Wilson para fazer algo de especial para mim e eles arranjaram-me uma versão 90. O que é engraçado é que eu, quando era miúdo, queria jogar com a raqueta do Sampras e ele agora está a jogar nos veteranos com a minha raqueta”, respondeu-me. Já se sabe que os campeões são teimosos e gostam de validar as suas escolhas; afinal de contas, essa é uma das razões porque são campeões. Mas os campeões também têm a capacidade de se adaptar a novas circunstâncias e enfrentar o desafio que lhes é proporcionado por novos adversários, em novas eras. Sempre achei que, sobretudo a partir de 2008 e à medida que o mano-a-mano com Rafael Nadal se ia deteriorando, uma raqueta um pouco maior mas que tivesse uma adaptação ideal das especificações da
sua raqueta ‘tradicional’ (equilíbrio, rigidez, peso em movimento, padrão de encordoação, lhe ofereceria maior tolerância ao mesmo tempo que lhe assegurava a estabilidade e o controlo a que estava habituado – ao mesmo tempo que lhe permitiria gerir melhor os novos desafios e investir na longevidade da sua carreira.
O arrependimento de Sampras A diferença de 10 polegadas entre a raqueta habitual de Roger Federer e a de Rafael Nadal – cuja Babolat é um pouco maior do que as Head de Novak Djokovic e de Andy Murray – é muito maior do que se pensa. Uma diferença de 5 polegadas quadradas pode ser significativa e basta atentar ao que Pete Sampras confessou: que a única coisa de que se arrepende na sua carreira foi a de não ter tido a coragem de passar para uma raqueta um pouco maior para poder ter mais hipóteses de ganhar o único título do Grand Slam que lhe escapou: Roland Garros. O norte-americano jogou toda a sua gloriosa carreira com a Wilson Pro Staff 85 encordoada com tripa; ganhou o seu derradeiro título do Grand Slam em 2002, mas há anos que ele já vinha evidenciando dificuldades diante de uma nova geração de adversários que cresceram com raquetas maiores – e sempre acreditei que a longevidade de Andre Agassi teve muito a ver com o facto de ele desde muito cedo ter adoptado uma raqueta oversize, que o ajudou no seu sucesso transgeracional. Quando Sampras começou a jogar com a cabeça de raqueta de 90 polegadas de Federer e encordoação híbrida de tripa com poliéster monofilamento, o facto de lhe permitir bater mais forte com menos esforço mantendo o desejado controlo fê-lo desabafar que se tratava de uma “excelente combinação, é quase como fazer batota!”. Já se sabe que os campeões costumam ser fiéis aos seus “violinos”, mas a mudança para um tamanho maior foi benéfica para alguns deles – e, na história da modalidade, talvez a melhor transição tenha sido feita por John McEnroe quando passou da sua Dunlop Maxply McEnroe para a Dunlop Max 200G, o que lhe permitiu recuperar o seu título de Wimbledon em 1983 e rubricar a melhor temporada de sempre no registo vitórias/derrotas em 1984. Martina Navratilova também adoptou uma raqueta de grafite Yonex midplus no início da década de 80 que a ajudou a dominar o circuito, enquanto Chris Evert protagonizou um ressurgimento na sua carreira e logrou quebrar o domínio da sua rival com a mudança
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Michael Freitag
para a Wilson Pro Staff que a ajudou a bater Navratilova nas finais de Roland Garros em 1985 e 1986. Na década de 90, Michael Chang conseguiu manter-se sempre muito perto do topo ao compensar a sua baixa estatura com uma raqueta ligeiramente mais comprida, recurso empregue actualmente por David Ferrer e Marion Bartoli. O reverso da medalha: Thomas Muster também adoptou uma raquete um pouco mais comprida que o ajudou a obter melhores resultados em pisos rápidos, mas admitiu que essa transição lhe retirou as habituais sensações na terra batida.
Já em Hamburgo, Federer promoveu o torneio com a antiga raqueta
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Armas de uma nova geração Roger Federer sempre descreveu o jogo de Rafael Nadal como sendo “incómodo” – ou mesmo “estranho” e “esquisito”. E, contra um Rafael Nadal em forma, tanto o suíço como qualquer outro (e em especial em terra batida) precisam de toda a ajuda que puderem. Desde muito cedo nos confrontos entre ambos, e logo a partir do embate inauguram em 2004, que se notou que os efeitos extremos de bola do esquerdino Nadal afectavam a execução de Federer, não só no fundo do court mas também à rede e na resposta ao serviço. Armado com a sua raqueta de 100 polegadas quadradas e uma corda 100 por cento de monofilamento, pode dizer-se que o jogo do maiorquino foi moldado e potenciado pela nova tecnologia – a raqueta de aro grande dá-lhe margem para erro mesmo com as suas pegas extremas e topspin radical com o plano da cabeça fechado quando bate as suas “direitaças” com a bola a rolar a 4.800 rotações por minuto. Andy Murray chegou a dizer que, diante do espanhol, “é muito difícil encontrar o meio da raqueta porque ele mete tanto spin na bola”. A raqueta de Roger sempre pareceu mais pequena ainda em terra batida, especialmente quando Rafa lhe envia bolas altas e “spinadas” sobre a esquerda. Tal como a raqueta de Sampras parecia pequena nas suas campanhas na terra batida parisiense. Já se sabe que o tamanho da raqueta é relativo e que a esmagadora maioria dos profissionais opta pelo controlo em detrimento da potência – porque eles próprios têm a capacidade de gerar essa potência –, mas uma raqueta adequada tem muito a ver com o estilo, a técnica e o tipo de jogo de um tenista.
Com uma raqueta um pouco maior, o suíço procura ter mais facilidades de aceleração e no seu jogo defensivo
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Entretanto, Rafael Nadal já não é o único arqui-rival de Roger Federer. Novak Djokovic e Andy Murray, que batem com muito menos efeito, estão aí para durar e também ajudaram a estabelecer novos padrões de atleticismo no ténis. Armado com uma raqueta um pouco maior, o suíço poderá ter mais facilidades de aceleração e no seu jogo defensivo, ganhando a confiança que perdeu no seu jogo de rede; mas, mais do que tudo, o sucesso da transição para uma nova ferramenta é muito psicológico e vai depender de muitos factores e até de resultados. No próximo US Open se verá com que utensílio Roger Federer irá aparecer, porque até lá ainda poderá mudar de ideias e alternar entre a raqueta tradicional e aquela com que jogou em Hamburgo e Gstaad. Mas, mesmo que considere pessoalmente que a (eventual) mudança tenha surgido um pouco tarde demais, gosto de ver um campeoníssimo contrariar o apego ao passado e tentar algo de novo… e espero que tenha sucesso, porque é importante para o ténis que um jogador com as suas características técnico-tácticas continue a lutar pelos principais títulos.
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EMPREENDEDORISMO EM
FORMATO DE RAQUETE
Juntar ténis, padel e squash num só evento e convidar as empresas a aderir, numa acção de team building, é uma nova e excelente forma de promoção das três modalidades Miguel Viterbo Dias O empreendedorismo também existe nas modalidades de raquetes. Filipa Mendonça, Nuno Mendonça e Helena Medeiros são três exemplos disso. Três praticantes de ténis, padel e squash juntaram-se e criaram uma nova forma de promoção das três modalidades, que teve o seu ponto alto com a realização do Torneio de Raquetes para Empresas, realizado no Lisboa Racket Centre no passado dia 29 de Junho. Filipa Mendonça é actualmente jogadora da selecção nacional de padel e Helena Medeiros, uma das mais reputadas jogadoras da modalidade em Portugal e actual seleccionadora nacional, o que levou a que esta fosse a modalidade mais representada neste evento. Se a um conjunto de pessoas interessadas em promover as modalidades de raquete, juntarmos mais de uma centena de “viciados” em jogar ténis, padel e squash, está criado o ecossistema ideal para este torneio de raquetes que tem na vertente empresarial um dos seus grandes trunfos. A grande inovação deste torneio de raquetes está no modo competitivo, disputado num estilo semelhante à Taça Davis e juntando três modalidades com uma componente social diferente. Sendo assim, na variante de padel inscreveram-se cerca de 117 atletas, divididos por 24 equipas, um número bastante superior à variante de ténis que contou com 27 atletas em oito equipas. O squash foi a modalidade com menos aderentes, contando com 18 jogadores separados por seis equipas. Ao todo eram mais
Inscreveram-se cerca de 117 atletas, divididos por 24 equipas
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de 160 atletas que durante o dia 29 encheram todos os espaços do Lisboa Racket Center, num dia em que as raquetes foram verdadeiramente as grandes protagonistas (http://www.youtube. com/watch?v=HByOJf-p87U&feature=youtu.be). Entre as equipas inscritas, contavam-se diversas entidades de prestígio nacional e internacional como o Banco de Portugal, a Caixa Geral Depósitos, o Crédito Agrícola, a Remax, a Nestlé, a Oracle, entre muitas outras. Obviamente que todo este “hype” à volta do acontecimento facilitou também na angariação de patrocinadores que proporcionaram assim um evento com um nível superior. Filipa Mendonça revelou que “os apoios foram surgindo com o desenrolar da fase de divulgação e com a adesão de empresas que pretendiam formar equipa e apoiar o evento, pela ideia inovadora e publicidade gratuita que obtinham”, e destacou e agradeceu aos patrocinadores, que permitiram que “a única preocupação dos intervenientes fosse a prática desportiva, o confronto entre equipas ao nível desejado, assegurando um bom ambiente e condições do agrado de todos dentro e fora dos courts” Para a história ficam os grandes vencedores desta primeira edição: a equipa da Portugal Squash & Racketball na variante de squash e a equipa do Clube PT na modalidade de ténis. Em padel, devido à existência de tantos participantes e também tendo em conta os diferentes níveis de jogo, a organização dividiu as equipas em dois grupos, sagrando-se a equipa da Crédito Agrícola a vencedora do nível 2 e a do Banco de Portugal A a campeã de nível 1. Hugo Rechena, capitão da equipa Clube PT e também n.º 21 do ranking nacional de +35 anos, fez um balanço muito positivo deste evento e acrescentou ainda que o torneio possibilitou
É ainda importante não esquecer a vertente solidária deste evento, que contribuiu para o projecto “Academia dos Champs”
um “grande convívio, competição saudável, e a possibilidade de conhecer pessoas de outras empresas, que têm em comum o gosto pelo desporto”. Da Caixa Agrícola Seguros, Ana Simões, que é também “top ten” de +45 a nível nacional, justificou a participação com o facto de “desde a fundação da empresa que fazemos questão de patrocinar eventos de team building, de alinhamento e de reforço de laços pessoais entre colegas de trabalho”, sendo esta uma boa oportunidade para fomentar esses mesmos laços.
Vertente solidária É ainda importante não esquecer a vertente solidária deste evento, que contribuiu para o projecto “Academia dos Champs”, um projecto social que tem como objectivo colocar os mais desfavorecidos a jogar ténis. No final do evento, as sobras de alguns dos produtos provenientes de patrocinadores deste Torneio de Raquetes para Empresas foram ainda distribuídos por
“Grande convívio, competição saudável, e a possibilidade de conhecer pessoas de outras empresas, que
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A próxima edição está prevista para Outubro, mantendo-se no Lisboa Racket Centre
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instituições de solidariedade social. No global, os organizadores fazem também um balanço muito positivo, não tendo esperado tanta adesão por parte de jogadores e empresas. O triunvirato que organizou este Torneio de Raquetes diz que o modelo do evento acabou por “sofrer alterações e melhorias à medida que íamos avançando na organização e paralelamente fomos ouvindo o feedback dos potenciais interessados em participar no evento e patrocinadores incorporando algumas dicas e ideias que nos foram aparecendo”, acabando com mais de 160 jogadores inscritos, um número considerado “de valor para as modalidades, jogadores e empresas envolvidas”. A próxima edição está prevista para Outubro, mantendo-se no Lisboa Racket Centre, clube com condições ideais para um evento deste tipo: nove courts de ténis, três courts de padel e três courts de squash. Para os três empreendedores “atrair novas empresas e participantes e garantir a participação das equipas e pessoas que nos apoiaram e acompanham desde o primeiro evento” é o principal objectivo.
ARBITRAGEM
Sem árbitro de cadeira
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Embora o circuito profissional nos habitue à presença de equipas completas de arbitragem, a verdade é que grande parte dos encontros de JORGE CARDOSO Árbitro ténis que se disputam pelo mundo fora, são jogados sem árbitro de cadeira. Nestas circunstâncias, os jogadores devem observar determinados princípios básicos: • Cada jogador é responsável por todas as chamadas no seu lado do campo • Todas as chamadas deverão ser feitas imediatamente e em voz suficientemente alta para que o adversário as oiça. • Em caso de dúvida, o jogador deve dar o benefício da dúvida ao adversário • Se um jogador chama a bola fora e em seguida dá-se conta de que a mesma era boa, deverá repetir o ponto, a não ser que a jogada interrompida tenha sido um “winner”, ou seja, um ponto ganhante. • Antes de cada primeiro serviço, o servidor deve anunciar em voz alta o resultado de maneira que o seu adversário oiça. • Se um jogador está desagrado com as atitudes ou decisões do adversário poderá chamar o Juiz Árbitro ou seu ajudante. Estes procedimentos deverão ser seguidos em todos os
pisos. No entanto, em terra batida (o único onde são permitidas inspecções de marca), deverão ser seguidos alguns procedimentos adicionais: • Uma inspecção de marca poderá ser feita após terminar o ponto ganhante, ou quando um jogador interrompe a partida para o efeito, (é permitida uma devolução de reflexo, mas o atleta deve parar o ponto imediatamente) • Se um jogador tem dúvidas sobre a marca do adversário, pode inspeccionar a mesma. Não deve no entanto entrar pelo campo do adversário de forma desabrida. • Se um jogador apaga a marca está a conceder o ponto ao adversário • Existindo um desacordo sobre a marca, deverá ser chamado o Juiz Árbitro ou seu ajudante, para decidir sobre a mesma. • Se um jogador chama a bola fora, deverá em condições normais indicar a marca da bola. • Se um atleta chamar uma bola fora e depois se der conta que a mesma era boa, perde o ponto. Devido à existência de uma prova (a marca da bola), o procedimento é diferente em relação aos outros pisos. Os jogadores que não respeitem estes procedimentos estão sujeitos à regra do “Estorvo” (regra 26) e sujeitos à violação do código de conduta (conduta antidesportiva).
MEDICAL TIMEOUT
Cuidado: piso escorregadio
JOSÉ PEDRO CORREIA Fisioterapeuta
O número de quedas na última edição de Wimbledon não deixou ninguém no mundo do ténis indiferente. Rapidamente se propuseram diversas explicações mais ou menos verosímeis: o atraso na preparação dos courts ditada pelos Jogos Olímpicos no ano anterior; o novo responsável pela superfície de jogo do All England Club; o calçado usado pelos atletas; uma alteração na altura da relva. Os responsáveis de Wimbledon negaram qualquer diferença na relva relativamente aos anos anteriores e as justificações para as quedas foram, de uma forma geral, mais ou menos rebatidas. O facto é que o número de atletas a escorregar/cair de forma perigosa e, sobretudo, a ter que sair do torneio foi efectivamente anormal. Coincidência? Talvez; estes episódios em Wimbledon podem servir, contudo, para um olhar mais detalhado sobre a ligação entre a prevalência de lesões e as características das superfícies, que será objecto de análise futura nesta secção. Para já, e independentemente de quem ou o que estará na base destes acontecimentos, é importante reconhecer que a época de relva é extremamente curta, o que reduz drasticamente o tempo de adaptação às diferenças significativas entre a terra batida e a relva. O facto de não se terem registado grandes incidentes em Halle, ‘s-Hertogenbosch e Queen’s não invalida que esta transição deve ser alvo de cuidados específicos. Para finalizar, mais do que encontrar responsáveis, é importante reconhecer as diferenças entre as superfícies e planear a adaptação de acordo com essas diferenças. Numa próxima edição, serão explicados mais pormenorizadamente estas diferenças e a sua relação com os padrões de lesão no ténis.
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BOLA NA TELA
Hal Ashby
Shampoo João Carlos Silva
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Ela aparece vestida de branco e com um lenço meio esquisito na cabeça, mas ainda faltavam dois anos para ser a princesa Leia Organa em Guerra das Estrelas. Aqui era Lorna, filha de uma cliente do cabeleireiro George, conhecido por dormir com a sua clientela abastada do Sul da Califórnia. George é Warren Beatty, o Conquistador, no seu auge. Nesta comédia adulta, andam à volta de Beatty uma namorada (Goldie Hawn), uma ex-namorada (Julie Christie), uma amante (Lee Grant) e a filha da amante (Carrie Fisher). Sim, Shampoo marcou a estreia de Carrie Fisher no cinema – e este apontamento é mais sobre isso, na verdade, do que sobre ténis. O facto é que ela surge já uns bons 40 minutos depois do início, a receber lições de ténis de um profissional, no court que existe nas traseiras da sua casa. O modelo Lacoste de meados dos anos 70 que ela veste é fantástico e a raqueta branca de madeira Jack Kramer ainda mais. Fisher faz muito bem de ninfeta – veja-se o diálogo com Beatty (http://www. youtube.com/watch?v=6XbZxBbfwvo). Só tinha 17/18 anos nesta altura, mas a idade pode iludir: a jovem actriz visitava o psiquiatra desde os 15, vinha de um
Shampoo, 1975 Realizador: Hal Ashby Oscar para a melhor actriz secundária (Lee Grant)
ano e meio a estudar representação em Londres e já estava a começar uma fase de séria dependência de álcool e de drogas. Se se tivesse dedicado ao ténis podia ter evitado isso...