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Katty Xiomara
Katty Xiomara dispensa apresentações! É uma referência na moda nacional e internacional e, para além disso, possui uma longa ligação ao MODATEX. Tudo começou em 1997 como formanda, frequentando o curso de Design de Moda no ainda CITEX, no qual se formou, e depois como formadora, lecionando atualmente a formação de Streetwear. A estilista conversou com a Revista Vestir e partilhou quais são, para si, as oportunidades e os desafios que se colocam ao ensino da Moda e às profissões ligadas ao ITV.
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© MODATEX
Como é que surge o MODATEX na vida da Katty Xiomara?
Vim para Portugal com 18 anos e tinha algumas ideias sobre o que poderia estudar. Uma delas era a moda, embora não a encarasse, na altura, como uma profissão. Também me interessava a arquitetura e o design gráfico. Já tinha ouvido falar do MODATEX, que na altura era CITEX. Dizia-se que o processo de candidatura era um pouco complexo, mas mesmo assim arrisquei e, com alguma surpresa, acabei por entrar. Na altura o curso era diferente. Tínhamos um mês intensivo de confeção. O mês da desmotivação. Quem conseguisse sobreviver estava preparado para o curso. O certo é que acabou por ser uma ótima base e depois foi uma aventura fantástica. Comecei a dar formação no ainda CITEX e depois no MODATEX, alguns anos depois de ter terminado o curso. Foi um desafio interessante. No início achei que não ia ser capaz, já que sou uma pessoa muito tímida, mas fui-me desafiando. Na altura as disciplinas que lecionava eram diferentes e estavam mais ligadas ao design gráfico - “Logotipos e Etiquetas”, “Vestuário Infantil” e “Vestuário Feminino”. Entretanto fui evoluindo para “Streetwear”, que contém um conteúdo algo histórico que sempre me interessou muito.
Quais é que considera serem as principais dificuldades e facilidades com que os alunos se deparam hoje?
Acho que as facilidades também colocam as próprias dificuldades. É contraditório, mas faz todo o sentido. Neste momento, o acesso à informação é muitíssimo mais célere. Anteriormente passávamos por um processo de investigação longo e moroso. Atualmente a realização dos projetos também se torna muitíssimo mais rápida e não tem um custo tão elevado. Na altura, se não quiséssemos destruir revistas tínhamos de fotocopiá-las para cortar, fazer uma colagem e depois fotocopiar essa colagem para não se notarem imperfeições. Não havia entregas de trabalhos digitais. Investíamos imenso na embalagem do projeto. O projeto físico tinha uma importância enorme. Tínhamos de tornar a capa do livro, assim como o conteúdo, enriquecedores. Hoje em dia, embora se possa pedir projetos físicos, a maioria é digital. Todas estas facilidades também lhes colocam alguns entraves.
Há cada vez mais alunos nesta área do design de moda?
Acho que sim. Também porque há cada vez mais cursos e mais profissionais formados. Para além disso, é muito mais fácil aceder e comunicar a informação. Quando se tem uma marca nova é mais fácil obter algum palco, mas, por outro lado, também há muito mais concorrência. O palco tem de ser constantemente alimentado e financiado. No início os industriais não acreditavam muito nas nossas capacidades técnicas e criativas. Existia algum preconceito, com empresários a preferirem contratar designers espanhóis. Havia já muitos nomes com alguma relevância, mas para o setor fabril era muito difícil traduzir nos seus produtos a criatividade que se via nas passerelles. Aliar a simplicidade à criatividade é o mais difícil. Mas é possível e o MODATEX trabalha muito nesse sentido: tenta puxar ao máximo a criatividade dos formandos, mas, ao mesmo tempo, mostra-lhe que pode chegar a um lado mais comercial. Hoje em dia, acho que já encontramos maior credibilidade e há maior abertura por parte dos decisores para contratar designers nacionais.
Os alunos quando chegam ao MODATEX já têm uma noção concreta do que querem fazer?
Acho que a grande maioria não sabe. Como em qualquer área criativa existem sempre dúvidas quanto às capacidades e ao que se vai encontrar no ensino. Penso que muitos alunos vão para o curso para criarem uma marca própria e tornarem-se designers de autor. Contudo, ao longo do percurso, deparam-se com outras realidades e desafios que os fazem arriscar noutras áreas. Algo que o MODATEX tem tentado fazer, e que considero ser o futuro do ensino, é a especialização. Ramificar as saídas e a profissão. Muitos deles acabam por descobrir durante o curso que têm mais vocação para a área comercial, outros para um conteúdo mais artístico, outros para a cenografia, outros sentem-se mais à vontade no merchandising, no pensamento logístico e comercial…Tudo faz parte da moda. Por outro lado, temos as áreas técnicas que infelizmente foram descuradas. Nós como sociedade não temos tido a capacidade de as valorizar. Neste momento, o setor sente uma enorme dificuldade em encontrar pessoas da área técnica, desde a modelação, ao corte, à confeção. É algo que se tem vindo a perder, porque não são profissões cativantes e sedutoras. Temos de conseguir mudar!
Como é que se tornam as áreas técnicas mais atrativas?
Passa essencialmente pela comunicação que as escolas fazem. A tendência é direcionar as crianças para as mesmas profissões e quando elas fazem outras escolhas são muitas vezes questionadas. E isto tem de mudar. Temos de desmistificar estas profissões consideradas “menores”. Existem imensos jovens que não sabem o que querem. Têm de ser acompanhados. Estas áreas nunca são faladas. Raramente olham para a indústria têxtil que tem um grande impacto na nossa economia. Faz por isso sentido que a repensemos, que não a descuremos, que não deixemos os profissionais escaparem. Por outro lado, as empresas não podem funcionar exclusivamente em linha, para que os funcionários não tenham apenas uma função. Eu percebo que isto poderá ter pequenas nuances na produção da empresa, mas será que não vale a pena? Eu acho que faz toda a diferença, sobretudo a longo prazo. Estas pequenas coisas fazem com que as pessoas fiquem mais motivadas. Têm de ser incutidas algumas diferenças nestes processos de trabalho. Se não são feitas por opção das próprias empresas, então devemos pensar em tentar legislar a situação para torná-la mais clara.
Como avalia o ensino da moda em Portugal?
Acho que se tem expandido muitíssimo. Existem muitos mais cursos do que na minha altura. Mas quantidade não é qualidade. Existe uma repetição muito grande dos conteúdos, em vez de uma especialização e ramificação da formação. O que tenho sentido ao nível dos estagiários que recebo, é que o MODATEX tem conseguido uma maior abrangência. No MODATEX consegue-se ter uma noção da generalidade do setor. Tenho recebido muitos estagiários que não conseguem fazer um molde de raiz, apesar de terem acabado de sair do curso. No MODATEX os alunos conseguem ter uma noção da criação de uma peça, desde o embrião.
Que balanço faria dos 10 anos de atividade do Modatex? Acha que o centro conseguiu acompanhar as mudanças do mercado?
Acho que conseguiu e vai conseguir fazer ainda mais. Pela simples razão de que nesta área nunca podemos estagnar. De facto, o curso tem de estar em constante evolução. Tem conseguido focar-se nas questões atualmente relevantes, como a sustentabilidade ou a área digital. Tem havido o cuidado de conseguir encontrar profissionais que consigam passar as mensagens aos formandos de uma forma eficaz. Temos de constantemente inovar, criar novos desafios, dar mais aos formandos e permitir que não fiquem apenas por uma única formação.
Uma mensagem para o MODATEX
Parabéns! Uma década é muito e é pouco. Não consigo desprender-me do que já foi e do Citex que fez parte da minha realidade. Pensar que já passaram 10 anos desta junção é incrível. Passou muito rápido e isso é um bom sinal. Estão de facto de parabéns.
Entrevista integral (YouTube)
© MODATEX