Fascínio

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Fascínio

São Paulo 2014

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São Paulo 2014

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Copyright © Love Conquers All, Inc., 2012 All rights reserved. No part of this book may be reproduced, scanned, or distributed in any printed or eletronic form without permission. Please do not participate in or encourage piracy of copyrighted materials in violation of the author’s right. Purchase only authorized editions. All rights reserved including the right of reproduction in whole or in part in any form. This edition published by arrangement with NAL Signet, a member of Penguin Group (USA) Inc. © 2014 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 W259f

Ward, J. R.

Fascínio / J. R. Ward; [tradução de Felipe CF Vieira]. – São Paulo : Universo dos Livros, 2014. 472 p. (The Fallen Angels, 4)

ISBN: 978-85-7930-698-3 Título original: Rapture 14-0083

1. Ficção 2. Anjos e demônios 3. Literatura erótica I. Título II. Vieira, Felipe CF III. Série CDD 813.6

Universo dos Livros Editora Ltda. Rua do Bosque, 1589 - Bloco 2 - Conj. 603/606 Barra Funda - São Paulo/SP - CEP 01136-001 Telefone/Fax: (11) 3392-3336 www.universodoslivros.com.br e-mail: editor@universodoslivros.com.br Siga-nos no Twitter: @univdoslivros

Diretor editorial Luis Matos Editora-chefe Marcia Batista Assistentes editoriais Cássio Yamamura Nathália Fernandes Raíça Augusto Tradução Felipe CF Vieira Preparação Bárbara Prince Revisão Rodolfo Santana Viviane Zeppelini Arte e capa Francine C. Silva Valdinei Gomes Foto da capa captblack76/ThinkStock


Para a nossa Rachel, que não só coloca nosso “coração” em Heartland, mas também me apresentou a Fi fi da vida real.



Agradecimentos

Um enorme obrigado aos leitores! E, como sempre, com amor para o Team Waud, vocês sabem quem são. E muito obrigada ao Steve Axelrod, Kara Welsh, Leslie Gelbman e Claire Zion. Nada disso seria possível sem a minha família, toda ela. E também, é claro, WriterDog.



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Capítulo

Sepultura. Como na lápide e na terra recém-cavada, como em um corpo lá em baixo, como das cinzas às cinzas e do pó ao pó. Matthias estava nu em uma sepultura. Em meio a um cemitério que se estendia até onde seus olhos podiam enxergar. A primeira coisa que surgiu em sua mente foi a tatuagem que fizera seus homens usarem nas costas, com o desenho do Ceifeiro da Morte pairando sobre um campo de lápides e tumbas. Que irônico – talvez estivesse prestes a ser cortado por uma foice a qualquer momento. Tente repetir isso três vezes, bem rápido. Piscou os olhos tentando clarear a vista, juntou os braços para se aquecer e esperou que o cenário voltasse à realidade. Quando nada mudou, ele se perguntou aonde teria ido aquele muro em que estivera preso para toda a eternidade. Será que finalmente estava livre daquela tortura nojenta e superlotada? Teria escapado do Inferno? Soltando um grunhido, tentou se erguer, mas até levantar a cabeça estava difícil. Afinal, descobrir em primeira mão que aqueles lunáticos religiosos estavam certos sobre uma porção de coisas realmente faz você querer tirar um cochilo: de fato, os pecadores iam lá para baixo, e não para o Sul, e, uma vez lá, o sofrimento faz todas as coisas de que você reclamava em vida parecerem um passeio no Universal Studios. O Demônio existia. E sua sala de estar era uma merda.

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Mas os religiosos não sabiam de toda a história. Acontece que Satã não possuía chifres ou uma calda. Também não havia nada de tridente e pés de bode. Bom, era mesmo metade bicho – se você considerar que o bicho em questão seja uma vaca. E usa muito vermelho. Afinal, morenas ficam bem com essa cor – ao menos, era isso que ela dizia a si mesma. Com seu olho esquerdo, que ainda funcionava, Matthias piscou novamente, preparando-se para retornar para a densa e ardente escuridão, com os gritos dos condenados ecoando em seus ouvidos e sua própria dor rasgando pela garganta e explodindo pelos lábios rachados… Mas nada disso aconteceu. Ele ainda estava em uma sepultura. Ainda estava em um cemitério. Completamente pelado. Concentrando-se, enxergou, com seu único olho bom, uma paisagem cheia de túmulos de mármore branco, sepulturas de famílias marcadas com anjos e fantasmagóricas estátuas da Virgem Maria – embora as lápides simples fossem bem mais numerosas, como se os plebeus tivessem tomado conta do lugar. Pinheiros e carvalhos projetavam sombras através de gramados desalinhados e bancos de metal. As lâmpadas dos postes emitiam um brilho alaranjado, como velas num bolo de aniversário, e as passarelas estreitas poderiam até ser românticas se estivessem em outro lugar. Mas ali, com certeza, não eram. Não naquele contexto de morte… De repente, cenas de sua vida passaram por sua mente, fazendo-o se perguntar se estaria experimentando a morte pela segunda vez. Ou pela terceira, como seria o caso. Não havia alegria nessa retrospectiva. Nada de esposa amorosa, nem filhos bonitos, nem uma casinha aconchegante. Apenas cadáveres, dezenas, centenas de cadáveres, todos mortos por ele próprio ou por ordem sua. Matthias havia feito muito mal, o verdadeiro mal, durante sua vida. Forçou-se a sentar na terra úmida. Seu corpo parecia um quebra-cabeça cujas peças não encaixavam direito: seus membros se uniam em juntas que pareciam folgadas em alguns lugares e apertadas em outros.

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Mas isso é o que acontece quando você se despedaça e tudo o que tem para se recompor são as habilidades limitadas de cura e medicina. Ele direcionou seu olho para a lápide e franziu a testa. James Heron. Meu Deus, James Heron… Ignorando o tremor de suas mãos, ele traçou as letras gravadas na pedra – a ponta de seus dedos percorreu o texto esculpido no granito cinzento. Soltou um suspiro áspero, como se a dor repentina atrás de suas costelas tivesse forçado o ar para fora dos pulmões. Matthias nunca soubera que realmente havia uma recompensa eterna após a morte, que suas ações eram de fato levadas em conta, que havia um julgamento ao final da última batida de seu coração. Mas a dor não era por causa disso. Era porque sabia que, mesmo se tivesse conhecimento do que o esperava, ele não seria capaz de fazer nada diferente. – Sinto muito – falou, se perguntando para quem realmente dizia aquilo. – Porra, sinto muito mesmo… Nenhuma resposta. Olhou para o céu. – Sinto muito. De novo, nada de resposta, mas tudo bem. De qualquer forma, os arrependimentos estavam se acumulando em sua mente e não havia muito espaço para contribuições de terceiros. Enquanto se esforçava para levantar, seu tronco tombou e precisou se apoiar na lápide para retomar o equilíbrio. Deus, ele estava acabado. Suas coxas estavam cobertas de cicatrizes, sua barriga cheia de lesões, uma panturrilha quase despida de carne. Os médicos realizaram um verdadeiro milagre com seus parafusos e hastes, mas, comparado com o jeito como nascera, Matthias parecia um brinquedo quebrado remendado com fita adesiva e supercola. E o suicídio deveria ter funcionado. Mas Jim Heron foi a razão de ele ter sobrevivido por outros dois anos. Até que a morte o encontrou e o levou, provando que a Terra apenas pegava as almas emprestado – o outro lado é que realmente as possuía.

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Por força do hábito, olhou ao redor procurando sua bengala, mas então se concentrou naquilo que seria mais provável encontrar: sombras que o perseguiam, fossem aquelas criaturas ardilosas do Inferno ou meros humanos. De um jeito ou de outro, ele estava ferrado: como ex-chefe da organização secreta que eles chamavam de Operações Extraoficiais, Matthias tinha mais inimigos do que um ditador do Terceiro Mundo, e todos eles possuíam armas e podiam contratar quem as tivesse. E, como fugitivo do parquinho do diabo, nem era preciso mencionar que ele não escapara de graça da prisão. Mais cedo ou mais tarde, alguém viria atrás dele. E, apesar de Matthias não possuir nada pelo que valesse a pena viver, seu ego era razão suficiente para lutar e se defender. Ou pelo menos fazer de si um alvo menos fácil. Começou a caminhar mancando e continuou com a graça de um espantalho – seu corpo sacudia com espasmos que culminavam numa marcha que doía como o diabo. Para conservar o calor, tentou abraçar a si mesmo, mas isso não durou muito. Precisava usar os braços para manter o equilíbrio. Com movimentos de zumbi e a cabeça completamente confusa, ele continuou a caminhada, atravessando a grama desalinhada, passando pelas lápides, sentindo o toque da fria brisa que cortava sua pele. Não tinha a menor ideia de como conseguira escapar. Não sabia para onde iria. Que dia, mês, ano seria. Roupas. Abrigo. Comida. Armas. Assim que tivesse assegurado o básico, ele se preocuparia com o resto. Isso se não fosse abatido antes – afinal, um predador ferido se torna uma presa rapidamente. É a lei da selva. Pensou ter encontrado mais uma sepultura ao se aproximar de uma construção de pedra com ornamentos de ferro fundido. Mas o nome “Cemitério Pine Grove” gravado no topo da fachada e a grande fechadura na porta frontal sugeriam que era uma instalação dos funcionários. Felizmente, alguém deixara aberta uma fresta da janela dos fundos. Mas é claro, a janela estava emperrada naquela posição.

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Ele pegou um galho caído, o colocou na fresta e forçou até a madeira curvar. A janela começou a ceder, soltando um chiado agudo. Matthias congelou. Pânico, uma sensação pouco familiar, que foi aprendida da maneira difícil, o fez girar e procurar as sombras. Conhecia aquele som. Era o barulho que os lacaios do demônio faziam quando estavam atrás de você… Nada. Apenas túmulos e postes de luz que, não importa o quanto sua adrenalina sugerisse o contrário, não se transformavam em nada. Praguejando, ele voltou ao trabalho. Usou o galho como alavanca até abrir espaço suficiente para poder se espremer e passar. Erguer o corpo foi um sacrifício, mas, assim que seus ombros passaram, ele deixou a gravidade cuidar do resto. O chão de concreto no qual aterrissou parecia uma grade de ferro, e ele precisou de um tempo enquanto seu fôlego escapava da garganta, seu estômago embrulhava e dores surgiam em mais lugares do que ele conseguia contar. No teto, luzes fluorescentes piscaram e depois acenderam de vez, cegando-o. Malditos sensores de movimento. O lado bom era que, assim que seus olhos se ajustaram, ele teve uma clara visão de todo tipo de ferramenta de jardinagem. O lado ruim? Ele era um diamante em uma vitrine, pronto para ser capturado. Pendurados em ganchos na parede, como se fossem peles de animais mortos, havia vários conjuntos de macacões impermeáveis, esperando para serem usados. Ele prontamente vestiu uma parte de baixo e uma parte de cima. Essas roupas foram feitas para ficar folgadas, mas em seu corpo pareciam grandes velas de um barco. Melhor assim. Melhor com as roupas, mesmo elas cheirando a fertilizante, e mesmo com o atrito, que logo se tornaria um problema. Havia um boné do Boston Red Sox em um dos cantos, e Matthias o vestiu para ajudar a conservar o calor do corpo; então olhou ao redor procurando qualquer coisa que pudesse servir como bengala. As pás eram muito pesadas para ser eficientes, e os rastelos também não ajudariam.

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Dane-se. Sua missão imediata era se afastar das luzes que banhavam o show de horrores do seu corpo. Saiu da mesma maneira que entrou, forçando-se através da janela e aterrissando duramente no chão. Não tinha tempo para reclamar do impacto desta vez; precisava continuar se movendo. Antes de morrer e ir para o Inferno, Matthias sempre fora o perseguidor. Caramba, durante sua vida inteira ele fora o caçador, aquele que espreitava, encurralava e destruía. Mas agora, retornando à escuridão daquelas sepulturas, todas as intangibilidades da noite eram perigosas até que se provasse o contrário. Esperava que estivesse de volta em Caldwell. Se estivesse, tudo o que precisava fazer era manter-se discreto e seguir para Nova York, onde possuía um abrigo com mantimentos. Sim, rezava para que fosse Caldwell. Quarenta e cinco minutos ao sul pela estrada era tudo o que precisaria. Já acabara de arrombar e invadir um lugar; fazer uma ligação direta em um carro velho era outra habilidade que poderia ressuscitar. Uma vida depois, ou pelo menos o que pareceu ser uma vida depois, ele chegou até o portão de ferro que cercava todo o terreno daqueles que descansam em paz. A coisa tinha uns três metros de altura, e as grades tinham pontas que poderiam ter sido facas em outra encarnação. Encarando as barras que o mantinham do lado dos mortos, Matthias as agarrou e sentiu o frio do metal agarrá-lo de volta. Olhando para cima, concentrou-se no céu. As estrelas realmente cintilavam. Engraçado, ele sempre pensou que isso fosse apenas um modo de dizer. Respirando fundo, puxou ar puro e limpo para os pulmões e percebeu que tinha se acostumado com o fedor do Inferno. No começo, aquilo era o que mais detestava, aquele cheiro nauseante de ovo podre impregnado nas vias aéreas e que invadia a garganta e viajava até envenenar suas entranhas: mais do que um cheiro ruim, era uma infecção que entrava pelo nariz e conquistava todos os territórios que tocasse. Mas ele se habituara. Com o tempo, e em meio ao sofrimento, ele se acostumara ao horror, ao desespero, à dor. Seu olho ruim, o que não conseguia usar, encheu-se de lágrimas.

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Nunca conseguiria alcançar aquelas estrelas. E essa pausa no sofrimento servia apenas para aumentar a tortura. Afinal, não existe nada como um período de alívio para revitalizar um pesadelo. Quando você retorna para a merda, o contraste aumenta tudo, eliminando a aclimatação e fazendo voltar o choque inicial. Eles voltariam a persegui-lo. Afinal, era exatamente isso que ele merecia. Mas, seja lá quanto tempo tivesse, lutaria contra o inevitável – não com a esperança de se livrar do Inferno, não pela possibilidade de um adiamento, mas simplesmente porque essa era uma função automática, que fazia parte do seu ser. Matthias lutava pela mesma razão que cometera o mal. Aquilo era simplesmente o que ele fazia. Impulsionando a si mesmo para longe do chão, colocou contra as barras o pé que funcionava melhor e jogou seu peso para cima. Fez isso novamente. E de novo. O topo parecia estar a quilômetros de distância, o que apenas o fez concentrar-se mais em seu objetivo. Uma eternidade depois, sua palma agarrou uma das pontas e seu braço enlaçou a perigosa lâmina. Sangue escorreu rapidamente quando Matthias jogou a perna por cima do portão e uma das pontas cortou um pedaço de sua coxa. Mas não havia motivo para voltar. Havia se comprometido, e de um jeito ou de outro a gravidade venceria e o puxaria para a terra – então era melhor que isso acontecesse lá fora do que dentro do cemitério. Quando começou a cair, seus olhos focaram as estrelas. Ele chegou até a estender uma das mãos naquela direção. O fato de que elas estavam cada vez mais distantes parecia apropriado.

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