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LAURANN DOHNER
Fury S達o Paulo 2015
Fury / New Species Copyright © 2011 by Laurann Dohner © 2014 by Universo dos Livros Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
Diretor editorial: Luis Matos Editora-chefe: Marcia Batista Assistentes editoriais: Aline Graça, Letícia Nakamura e Rodolfo Santana Tradução: Flora Manzione Preparação: Cecília Berlim Revisão: Geisa Oliveira e Viviane Zeppelini Arte: Francine C. Silva e Valdinei Gomes Capa: Rebecca Barboza
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 D677f
Dohner, Laurann Fury / Laurann Dohner ; tradução de Flora Manzione. – São Paulo : Universo dos Livros, 2015. 368 p. (Novas espécies, v. 1) ISBN: 978-85-7930-778-2 Título original: Fury 1. Literatura americana 2. Romance Erótico I. Título II. Manzione, Flora
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CDD 813.6
Este livro contém cenas de sexo, violência e linguagem adulta.
Prologo
– Merda – murmurou Ellie, observando o homem preso contra a parede na sala ao lado. Aquilo a deprimia toda vez que ela se esgueirava para dentro da sala de observação, mas não conseguia se manter longe. Ela sabia que o homem não podia vê-la através do espelho falso, mas ainda assim ele parecia estar olhando-a diretamente. O olhar de Ellie deslizava por seu peito nu e pelos músculos tensionados de seu físico bem construído. Seus grandes bíceps inchavam quando ele puxava as correntes, a raiva evidente em suas feições ao lutar contra elas. Piedade e compaixão faziam-na lamentar por ele, cuja determinação se mostrava mesmo que sua liberdade e dignidade lhe tivessem sido tiradas. O preso sabia da inutilidade de suas ações, mas ainda assim lutava. A mão dela se moveu para tocar a moldura de madeira abaixo do espelho. Ela desejava poder acalmá-lo, mostrando a ele que havia alguém que se importava. Acima de tudo, queria tirá-lo daquela prisão infernal que o continha. Ele merecia ser livre. Um movimento no canto da sala desviou sua atenção para longe do homem que assombrava seus pensamentos dia e noite. O medo acelerou seu coração quando um técnico adentrou a sala. Jacob Alter certamente era um dos monstros mais frios e insensíveis que trabalhava para as Indústrias Mercile. Na verdade, aquele filho da
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mãe sentia prazer em infligir dor nas cobaias, e ele se dirigia àquela com especial crueldade. Um mês antes, o grande homem acorrentado contra a parede havia quebrado o nariz de Jacob quando este chegara demasiadamente perto de seu cotovelo. Ellie sabia que aquilo havia sido merecido. O hematoma ainda sombreava o rosto de Jacob quando ele deu um sorriso maléfico para sua vítima. Ele pretendia aplicar mais testes dolorosos nela. – Olá, 416 – Jacob deu uma risadinha, um som desagradável – Soube que você irritou o doutor Trent. Você sabe o que isso significa, não sabe? – Jacob colocou uma mala marrom, do tamanho de uma sacola de boliche, em cima da mesa de exames que havia no canto, provocando um baque alto – Significa que eu vou poder fazer uma coisa que quero há muito tempo. Hoje você vai sofrer. – ele olhou para a câmera de segurança no canto e, com a mão, fez um gesto de quem cortava o pescoço. – Merda, merda, merda – entoava Ellie suavemente, enquanto o pânico tomava conta. Ela havia ouvido falar sobre detentos que eram torturados quando deixavam um dos médicos bravo. Jacob obviamente não queria registrar o que quer que fosse de horrível que havia planejado para o 416. Certamente era algo muito ruim. Jacob inclinou a cabeça, continuou olhando para o canto e, então, sorriu antes de se virar e encarar o 416. – Agora a câmera está desligada, nada disso está sendo registrado. O que o doutor Trent não sabe é que você vai sofrer um terrível acidente, sua aberração. Você não devia ter me sacaneado. Avisei que ia acabar com você. – ele pegou a mala que havia levado para a sala – Ninguém quebra meu nariz e continua vivo. Eu sabia que era só uma questão de tempo até você ser castigado. Só estava esperando por uma oportunidade. – ele pegou uma seringa dentro da mala – Você vai morrer, seu desgraçado! Isso não pode estar acontecendo, pensou Ellie. Ela não havia passado por todo aquele pesadelo que sua vida se tornara nos últimos dois meses para perder o 416 agora. Vivera com medo constante de descobrirem que era uma espiã, mas testemunhar a contínua resistência de 416 lhe dera forças para continuar. Por ele, Ellie correra
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riscos para coletar evidências suficientes para libertar a ele e a outros prisioneiros. Na verdade, ela esperava que os seguranças fossem atrás dela a qualquer momento. Ellie havia entrado em um estado tão frenético para colher provas do que acontecera no local de pesquisa, que chegou a fazer uma artimanha insana meia hora antes: roubara um dos distintivos de médico para conseguir entrar em seu escritório e baixar arquivos do computador. Se a segurança visse as fitas de vigilância, ela seria pega. Eles a prenderiam imediatamente e seu Destiny seria tão sinistro quanto o do 416. Ambos estariam mortos no fim do dia. Ela oscilava entre fazer algo incrivelmente estúpido para salvá-lo ou seguir as ordens de seu verdadeiro chefe para que nunca interferisse. Ellie enfim obtivera evidências danosas para possivelmente libertar as cobaias. Tinha a oportunidade de contrabandear algo no fim de seu turno se apenas mantivesse a cabeça baixa, a boca fechada e não chamasse a atenção de ninguém. Isso significava nada fazer enquanto Jacob assassinava o homem preso à parede. Seu olhar se fixou no 416. De todos os prisioneiros, era ele quem mais desejava libertar. Aquele prisioneiro a havia mantido acordada por noites desde que ela fora transferida para as Indústrias Mercile, um centro de pesquisas de drogas ilegais. 416 se tornara a última imagem que ela via toda noite antes de cair no sono. Admitia que, às vezes, ele era até mesmo a figura central em seus sonhos. Sua decisão se fez rapidamente. Seria inaceitável apenas assistir a tudo aquilo, seu coração ficaria destroçado. Ela não conseguiria viver se nem ao menos tentasse salvá-lo. – Dessa vez você não vai poder me enfrentar. Você estará indefeso. Quero que saiba que você vai morrer. – a voz de Jacob se tornava áspera – Mas não antes de eu te ferir, seu animal. Ellie se virou, sem plano nenhum em mente, mas desesperada para salvar o 416. Deixou a sala, forçou-se a desacelerar quando pisou no corredor, ciente de que ali havia câmeras de segurança, e parou na sala de suprimentos para pegar um kit de testes. Seria suspeito se ela entrasse na cela sem um motivo válido. Puxou de
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um armário um recipiente plástico do tamanho de uma caixa e tentou não parecer tão agitada quando voltou para o corredor, porém sabia que precisava se apressar em direção à cela do 416 antes que Jacob fizesse algo horrível. – Ellie! Ela congelou, seus olhos se arregalaram, e então virou-se lentamente. Doutor Brennor, um homem alto e ruivo, saiu de uma das salas, segurando uma tabela. – Sim? – Você pegou a amostra da boca do 321? – Peguei. – ela continuou parada apesar de querer se virar e sair correndo. – Bom. Deixou-a no laboratório? – Claro. Com a mão que estava livre, esfregou a nuca. – Dia longo, não? Já não queria que fosse o fim de semana? Eu queria. Cale a boca, ela ordenou silenciosamente, para que eu possa ir. Ela balançou os ombros. – Gosto do trabalho. Por falar nisso, preciso retirar uma amostra de sangue. É uma ordem imediata. – Sim, claro. – seu olhar deslizou pelo corpo dela – Quer jantar comigo amanhã? Por um momento, ela ficou pasma com o convite. – Tenho namorado. – ela mentiu facilmente. A ideia de sair com alguém que trabalhava para Mercile a enojava – Mas obrigada por convidar. Ele apertou os lábios e o olhar amigável esfriou em seus olhos verdes. – Entendo. Tudo bem. Pode ir. Preciso atualizar uns relatórios. – ele se virou na direção oposta e saiu a passos largos – Faço muita papelada. – ele resmungou, antes de fazer uma curva e desaparecer. Há câmeras me observando, lembrou Ellie, resistindo à urgência de sair correndo. Ela foi caminhando calmamente até a cela do 416,
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como se não estivesse preocupada. Pelo menos, era a impressão que esperava passar. Deus, orou silenciosamente, deixe-me alcançá-lo a tempo! Seus dedos tremiam enquanto ela batia nas teclas da fechadura eletrônica. A porta fez um barulho ao reconhecer os números e as barras de aço emitiram um som característico ao se abrirem, permitindo que ela abrisse a porta. Ellie rapidamente adentrou a sala. Forçou um sorriso. – Estou aqui para colher uma amostra de sangue. A porta se fechou automaticamente atrás dela, os pinos da tranca se cerraram, deixando-a trancada na cela, e um barulhinho rápido e agudo fez-se para enfatizar o fato. Ela olhou para aquela cena e se espantou com o puro horror que testemunhou. 416 não estava mais acorrentado à parede mas, esticado sobre o chão gelado de concreto, de bruços. As correntes nos seus pulsos haviam sido presas ao pinos cimentados no chão, forçando seus braços acima da cabeça, enquanto suas pernas se encontravam algemadas à parede. Jacob havia tirado a calça do preso, e ela agora formava um emaranhado branco no chão. Ele estava de joelhos entre as coxas do 416 que, pela forma como fora amarrado, haviam sido afastadas à força. Em segundos, ela entendeu a coisa horrível que havia interrompido. Jacob se sentou nos calcanhares, imóvel, também chocado com a aparição repentina de Ellie, mas se recobrou mais rápido do que ela. O homem largou no chão de concreto o instrumento de tortura, que parecia ser o cassetete de um dos guardas, e tentou se levantar. Pegou em sua calça aberta, tentando fechá-la e xingou. Ellie reagiu. – Seu doente desgraçado! A mulher se pôs em ação sem pensar, com a caixa de plástico duro tão firme em sua mão que até machucava, e a balançou com toda a força que conseguiu juntar. A caixa afundou no rosto de Jacob. Ele cambaleou, deu um grito, e Ellie não parou quando o homem caiu no chão. Jogou-se em cima dele, montou sobre sua barriga, seu corpo segurando o dele, e pegou a caixa com as duas mãos. Raiva pura
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a levou a espancá-lo com o objeto. Jacob tentou proteger o rosto após alguns golpes, mas suas mãos caíram no chão. – Seu monstro – ela ofegava. Bateu nele de novo, e daí percebeu como o rosto dele estava ensanguentado. Ela parou, com o corpo inteiro tremendo, e olhou com horror para o técnico. O olhar de Ellie se distanciou do nariz e da boca esmagados e pousou no kit. O lado que ela havia usado para golpeá-lo repetidamente estava ensopado de sangue. Em choque, ela o largou no chão e saiu de cima do homem abatido. O peito dele não se mexia. – Meu Deus – ela arfava. Pôs a mão na garganta dele, um gemido rasgou seus lábios, e ela tentou encontrar pulso. Não havia – Meu Deus, meu Deus, meu Deus – entoava, certa de que o havia matado. Ela se virou e olhou para o 416, ao lembrar-se dele. O prisioneiro a encarava com os olhos abertos, seu rosto contra o concreto, e piscou. Ele vira o que Ellie havia feito. Ela olhou rapidamente para as próprias mãos, que tremiam. Acabei de matar Jacob. Seu olhar se voltou à visão terrível do monstro que ela atacara em um acesso de pura raiva. Ele mereceu. Ela tentava aliviar sua mente apavorada. Pense. Eles virão aqui e o encontrarão. Vão saber que o matei. Vão me arrastar daqui, me torturar para descobrir por que interferi e vão me matar. A evidência jamais chegará ao meu chefe. Droga, Ellie, pense! Ela olhou para a câmera à procura de algo. Normalmente havia uma luz vermelha que piscava, mas não naquela. Não estava ligada. O guarda havia seguido as instruções de Jacob. Ninguém, a não ser o 416, testemunhara o acontecido. Ela não fazia ideia de quanto tempo aquelas câmeras permaneceriam desligadas, mas presumia que ficariam assim até que Jacob ordenasse que voltassem a monitorar o prisioneiro. Ela engoliu seco e se pôs de joelhos. Toda a sua atenção se voltou ao homem que a observava atentamente, desamparado no chão. – Vai ficar tudo bem – ela murmurou para ele. As cobaias eram perigosas. Ela fora avisada de que, às vezes, as correntes que as prendiam quebravam. De alguma forma, as Indústrias Mercile haviam, ilegalmente, modificado seres humanos com genética animal, deixando-os mais fortes que humanos nor-
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mais, e até mesmo suas aparências haviam mudado. Assistentes do centro de testes e alguns médicos foram mortos por pessoas que eles ajudaram a criar. Ellie havia comemorado esses fatos silenciosamente; ela odiava todos que trabalhavam naquele centro secreto fazendo testes ilegais. As Indústrias Mercile eram uma empresa de pesquisa e desenvolvimento de drogas que faria qualquer coisa por dinheiro. Ellie observava o 416 com cautela, enquanto permitia que seu olhar deslizasse pelo corpo nu. A respiração dele fazia as costas se elevarem e descerem mas, além de piscar, ele não se mexia. Ela notou uma marca vermelha em seu lado. Como os braços dele estavam esticados acima da cabeça, ela podia vê-la com nitidez. Ellie hesitou. Ele poderia matá-la se quebrasse uma corrente. Vale a pena salvá-lo. Ela repetiu aquela entoação silenciosa algumas vezes enquanto se preparava para se aproximar de seu corpo abatido. Ela já havia decidido arriscar a vida quando aceitou trabalhar disfarçada, entendendo a real possibilidade de que poderia não sobreviver. Muitas vidas se perderam em nome da ciência. Essa empresa só se importava com o dinheiro e precisava ser detida. – Não vou machucar você – ela prometeu a ele. Sua mão roçou próxima à marca e a raiva se agitou. Jacob havia espetado-o com uma agulha com força suficiente para deixar uma lesão do tamanho de uma moeda. Seu olhar se voltou ao rosto dele – Ele o drogou? O homem não respondeu, mas ela não esperava que ele o fizesse. Ela sabia que a cobaia podia falar, já ouvira alguns deles xingarem e ameaçarem a equipe enquanto colhia sangue, mas 416 nunca havia falado com ela. Nas vezes em que entrara em sua cela, ele nem mesmo rosnara. Silenciosamente, o prisioneiro a observava se aproximar, de vez em quando a fungava, mas seus olhos castanho-escuros sempre se fixavam nos movimentos dela. Ellie engoliu de novo, percebendo sua pele quente, e se perguntou se ele não estaria doente. Ela o sentia febril. – Vai ficar tudo bem. Ele está morto, não pode mais machucá-lo. Sua mão o abandonou e ela chegou mais para baixo de seu corpo. Ela se contraiu ao ver o que Jacob havia feito a ele. Seu traseiro
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estava vermelho em razão dos golpes de cassetete. Jacob o usara para bater em suas nádegas, na parte de dentro das coxas e de trás das pernas. Ela cerrou os dentes. Não chegara a tempo de impedir também outro horror. O sangue perto do reto lhe dava certeza de que Jacob fez exatamente o que ela imaginou. Ele usara o cassetete para abusar sexualmente de 416. A raiva tomou conta dela de novo, enquanto lançava um olhar assassino na direção do homem morto. Suas calças ainda estavam abertas e seu pênis mole estava para fora, coberto com um preservativo. Ela não viu sangue nele. O pequeno alívio de que ela havia chegado antes de ele estuprar a vítima ajudava um pouco. 416 emitiu um rosnado. – Calma – murmurou ela – Você está sangrando. Deixe-me ver, sou enfermeira. Ela nem pegou luvas no armário do canto. Não estava certa de quanto tempo tinha. Com apenas uma leve hesitação, passou a perna por cima da coxa grossa e musculosa do preso para ter uma visão melhor, e examinou seu traseiro redondo e carnudo. Suas mãos o tocaram suavemente, afastando as nádegas o bastante para conferir o dano, que era mínimo, levando tudo em conta. – Sinto muito pelo que ele fez. Aparentemente ele não... – sua voz sumiu. Dizer que Jacob não o havia estuprado muito ou que ele não havia penetrado tão fundo era horrível demais. Isso simplesmente não deveria ter acontecido. – Você vai ficar bem, “pelo menos fisicamente” – ela emendou. Suas mãos soltaram o traseiro dele. Ela saiu do meio de suas coxas, se pôs próxima ao seu corpo e se inclinou para examinar suas feições. Ele a observava e ela não perdia de vista seu olhar de raiva. Seus lábios semiabertos revelavam afiadas presas. Ele rosnou, um pouco mais alto que antes. Seu corpo, porém, não se mexia. Meu Deus, ele tem caninos. Ela podia ver os dentes mais afiados bem de perto. Como os de um cachorro, ou talvez de um vampiro. Ela imaginou que provavelmente se tratava de alguma espécie de criação canina. Isso explicava o terrível rosnado que irrompia de sua garganta e de forma sinistra lembrava um cão selvagem. Ela
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hesitou, com medo de que ele pudesse abocanhá-la com aqueles dentes afiados, caso ela se aproximasse demais. – Calma – exclamou novamente – Não vou machucá-lo. Ao examinar seus olhos, ela descobriu algumas coisas. As pupilas estavam anormalmente grandes e ele parecia um pouco confuso. Jacob obviamente o havia drogado, mas ela não fazia ideia do que usara. O poderoso homem esparramado no chão provavelmente não conseguia se mexer, senão ele teria lutado quando Jacob o atacou. Ele se encontrava submisso ao lado dela, mas seus olhos estavam cheios de vida e outro rosnado irrompeu de seus lábios semicerrados. Ela tentou não estremecer ao ver suas presas afiadas. – Ele fez mais alguma coisa com você? Mencionou que droga usou? 416 parou de rosnar, mas nada disse. Ela se perguntou se ele podia falar. Talvez a droga estivesse impedindo-o de fazer qualquer coisa além de emitir sons guturais. Ellie sabia que precisava examiná-lo com rapidez e pensar em um jeito de sair daquele caos que ela criara ao correr até a cela dele. As câmeras de segurança deviam tê-la gravado entrando na sala. Ela abriu a tranca de metal cimentada no chão para libertá-lo das correntes que o prendiam ao solo, e deu um grunhido ao virar aquele homem enorme para deixá-lo de costas. Ele era muito alto e devia pesar uns 120 quilos. Ela se esforçou para não pasmar olhando para seu peito ou com o fato de que ele não vestia nenhuma roupa. Ellie notou como ele parecia bronzeado, e chegou à conclusão de que era a cor natural de sua pele, já que o mantinham no subsolo. Sua coloração nunca mudava. Devido ao seu cabelo castanho-escuro e aos seus olhos cor de chocolate, ela achou que uma boa parte dele vinha de nativos norte-americanos. Ele era bem maior do que qualquer nativo que já havia visto e imaginou que teria também alguma ascendência germânica ou qualquer outra alta e robusta. 416 não era bonito de um jeito convencional. As maçãs de seu rosto eram tão salientes, que lhe davam um ar rude. Talvez alguns não o considerassem bonito, mas ele tinha uma grande
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beleza exótica. Ela imaginou que aquela estrutura óssea viera de alguma modificação genética. Ele parecia humano, mas não inteiramente. O olhar cheio de ódio e a mandíbula tensa faziam parecer que ele rosnava, e foi exatamente o que fez no momento em que Ellie chegou um pouco mais perto. O rosnado profundo a fez parar, o coração batendo forte, e o medo tomou conta dela. Ele parecia intensamente masculino e bruto, mostrando o quão perigoso poderia ser. O fato de ela o achar extremamente atraente a incomodava. Ela não podia negar que seu corpo musculoso e o intenso magnetismo masculino a atraíam. Se ele recobrasse os movimentos, ela morreria. Ela sabia disso e ele provavelmente desejava pôr as mãos nela. Ellie olhou de relance para o outro lado da sala e fixou os olhos na tinta descascada no chão, perto da porta, que atravessava a sala. A equipe a chamava de linha da morte. Cada membro das cobaias era algemado e, apesar de elas serem fortes o bastante para, de vez em quando, quebrarem correntes, nenhuma havia quebrado as quatro de uma vez. Elas só precisavam de um membro livre para matar. Ellie se sentou dentro da zona de morte com um macho enorme e raivoso, cujos braços estavam acorrentados, mas não mais conectados a nada. Ao perceber aquilo ela quis sair de perto dele, mas resistiu. Vale a pena salvá-lo. Ela balançou a cabeça. Ele precisa de ajuda. Examine-o, faça o que puder por ele e reze para que ninguém entre aqui. Isso. Ela esperava que o efeito das drogas não passasse de imediato. Ele provavelmente abocanharia seu pescoço antes que ela pudesse implorar por sua vida. Ele devia odiar todos que trabalhavam para a Mercile, e ele tinha uma boa razão. O olhar dela pousou no corpo morto de Jacob, ela cerrou os dentes e forçou-se a olhar de volta para o 416. Veja como ele está ferido. Marcas vermelhas manchavam a barriga. Os dedos dela procuravam provas de que Jacob o havia socado. Ela sentiu suas costelas, nas quais havia mais marcas. Não notou nenhum osso quebrado. O abdômen tinha músculos duros e firmes mesmo enquanto ele estava solto ali, mas ela não sentiu nada que sugerisse um sangramento interno. Tentou manter-se profissional, mas as pontas de
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seus dedos demoravam um pouco demais enquanto ela as passava por um intrincado padrão de grupos musculares. Era inegável que tocá-lo a afetava como mulher. Ele era proibido, perigoso e sexy. Seus olhos desceram até a região pélvica, não conseguindo deixar de olhar para o macho que ela achava tão atraente, e suspirou. Ela se mexeu sem pensar, agarrou o pênis dele levemente inchado e começou a mexer nas dolorosas ataduras na base. Ela tentou ser delicada, mas Jacob havia amarrado um grosso pedaço de elástico e dado algumas voltas. Ela conseguiu soltá-lo e jogou aquela coisa ofensiva para longe assim que a tirou. Seus dedos massagearam delicadamente a pele avermelhada, e ela logo notou como aquilo era inapropriado. Seu olhar se demorou ali e percebeu que, mesmo mole, era impressionante. O fluxo de sangue havia sido dolorosamente obstruído e impedido de chegar. – Aquele filho da puta – ela murmurou, xingando Jacob por ter feito algo tão horrível e selvagem. Sua face se aqueceu ao perceber o que havia feito. Mais vergonha a atingiu ao notar que seu corpo respondia ao tocá-lo, até mesmo para remover o ofensivo instrumento de tortura. Ela estava mexendo em seu pau. 416 rosnou. O olhar dela se dirigiu rapidamente ao rosto dele. Ele a observava com olhos escuros e furiosos. Ela percebeu que ainda o aconchegava na palma de sua mão e rapidamente o soltou. – Desculpe-me! Eu precisava remover aquilo. Ela olhou para o membro e viu que a marca deixada pelo elástico ainda estava vermelha e dolorosa. – Tenho certeza de que ficará bem. Era o que ela esperava. Obviamente, Jacob havia feito aquilo para machucar 416. Se fosse mantido por muito tempo, a obstrução do fluxo de sangue teria causado sérios danos, mas é claro que aquele cretino planejara matá-lo. Seria um crime horrível desfigurar um cara tão atraente. Esse pensamento a fez querer gemer, e deixou-a mais ciente de que seu corpo respondia ao homem nu esparramado na frente dela. Ela afastou tal pensamento; não poderia ir até lá e precisava parar de olhar para o corpo nu.
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Ela mordeu os lábios, pensando em como tirá-los da confusão em que estavam metidos. Ela precisava estar livre para sair do trabalho após seu turno e pegar os dados que havia roubado para o chefe. Ela dirigiu o olhar rapidamente para o cara morto mais uma vez. Ele estava caído ali, ensanguentado, onde ela o havia deixado, sendo a causa da morte, o traumatismo provocado pelos golpes com o kit. Ela havia sentido muita raiva para fazer aquele estrago. Aquilo podia ser confundido com um dano causado por um punho. Suas entranhas se contorceram. – Merda. Só consigo pensar em uma solução para isso. – ela encontrou o olhar zangado de 416 – Desculpe-me por isso. Não tenho escolha. Hesitou, quis dizer a ele quem realmente era, por que precisava fazer algo tão horrível a ele, mas não ousou. E se ele contar a eles? Ele poderia. Não tem motivo algum para confiar em qualquer um que trabalhe aqui. Corro menos risco se eu apenas fizer com que ele assuma o pior. 416 estava seguro de que Ellie não lhe faria mal. O pânico correu pelo seu corpo quando ela se desculpou pela intenção. Ele tentou se mexer, porém seu corpo se recusava. Ele podia mover os olhos, piscar e engolir. Alguns rosnados surgiram, mas ele não conseguia falar. Agora ela está planejando me matar? Então por que ela apagou o técnico que me atacou? Qualquer um, menos ela, pensava 416 freneticamente, preocupado em morrer indefeso ali, no chão de sua cela. Ele inalou o perfume limpo da mulher que nunca falhava em excitar seu corpo. Ellie sempre ia até ele de forma doce, seu toque era delicado e seu olhar era gentil quando ela recolhia amostras dele. Ela era o único humano que ele conhecera que lhe dava sorrisos calorosos e honestos, e ele até mesmo ansiava pelos momentos em que ela entrava em seu local. Confiava que não o machucaria. Ela era a única pessoa que entrava em sua cela sem deixá-lo tenso por antecipação por conta do sofrimento, da dor ou da humilhação. Ele via o medo oculto em seu lindo olhar azul, enquanto ela o observava, o que fazia seu coração se torcer de leve. Ele proposita-
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damente nunca a ameaçara ou rosnara para ela, como fazia quando outros técnicos se aproximavam. Até hoje. A ideia de assustá-la o fez se arrepender. Isso teria acabado com os sorrisos que ele aprendera a apreciar quando ela começou a trabalhar lá. Não fazia muito tempo. Ele não tinha ideia de tempo, mas ela não fazia parte de sua vida até recentemente. Seu corpo começou a responder à presença dela quando seu pênis se contraiu. Isso fez com que sofresse de dor, latejando por conta do que quer que o homem lhe havia feito, mas o movimento que sentia lhe dava esperanças de que o resto de seu corpo se recuperaria em breve. Ellie fez coisas a ele, deixou-o com vontade de tocar seus cabelos loiros e afundar o nariz em seu pescoço para inalar aquele perfume maravilhoso. Às vezes ele sonhava com ela debaixo dele, nua, com ele livre das correntes. Ele desejava tocá-la e sentir o gosto de cada centímetro de seu corpo, ouvir sua voz e saber de tudo sobre a mulher que o fascinava de todas as maneiras. O som da voz dela sempre soava como música para seus ouvidos. Ele queria vê-la sorrir, conhecer sua risada e sua cabeça estava cheia de perguntas que ele gostaria de fazer à mulher que havia capturado sua alma. Sua pele parecia inacreditavelmente macia e tinha um cheiro bom, bom demais. Entretanto, ela havia determinado que planejava feri-lo. O pior tipo de crueldade e de traição bradava dentro dele. Ele também sentia vergonha pelo que ela havia testemunhado. Ela o salvara de ser estuprado pelo homem morto, mas sabia do sofrimento pelo qual ele havia passado, a indignidade da crueldade humana. Doía saber que ela nunca mais o olharia sem ter aquela imagem em algum lugar de sua memória. Isso o machucava em todos os sentidos e deixava-o com raiva. Eles haviam acabado até mesmo com a fantasia que tinha de que ela poderia vê-lo como um macho sexual. Ele rosnou de novo numa tentativa de assustá-la, de impedi-la de fazer o que quer que estivesse planejando. Seu corpo se recusava a funcionar, seus membros não respondiam, mas ele sabia que não a mataria mesmo que conseguisse se libertar. Ele apenas a
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empurraria para uma distância segura, além da linha, para prevenir a tentação de fazer o que seus instintos mandavam. Ele a desejava de maneiras que sabia serem impossíveis para um prisioneiro e seu captor. Ele a viu se levantar e sair de seu campo de visão. Quando ela o virou de costas no chão, sua visão do morto foi bloqueada. Tentou virar a cabeça, mas não conseguiu. No entanto, ele a ouvia, sentia o cheiro de seu cabelo e ouvia barulhos estranhos. O que ela está fazendo? Ele não fazia ideia, mas temeu. Todos os humanos eram cruéis, eles não tinham piedade. Contudo, ainda estava impressionado com o fato de ela ter matado seu agressor, por duas razões. A primeira era porque ela fizera aquilo para interromper o ataque, e a segunda era porque ela não era uma mulher grande. Ela havia abatido um homem. Talvez ele a tivesse julgado mal. Acreditava que fosse gentil e delicada, mas ela havia atacado um enorme homem de uma forma selvagem e brutal. Seu coração disparou. Ele tentou desesperadamente mover seus membros, mas eles continuaram sem responder. – Você é um cretino imprestável. Odeio você e quero que você saiba disso – Ellie chiou. A mente dele aceitou aquelas palavras, a dor o tomou, mas ele não estava surpreso. Ele sabia que todos que trabalhavam no centro de testes o consideravam nada mais do que um pedaço de carne a ser abusado e que respirava. Achar que ela era diferente fora um erro. Estúpida e imperdoável. A fúria o tomou e seu dedo se contraiu. Ele mexeu a boca, um rosnado silencioso preso em sua garganta, e jurou que ficaria quite com a mulher que o enganou e o fez acreditar que ela era diferente. – Você é um cretino imprestável. Odeio você e quero que você saiba disso. – Ellie esperava que, aonde quer que Jacob tivesse ido após sua morte, ele ainda poderia ouvi-la. Ela queria que ele soubesse o que achava dele. Ela não se sentia mal por tê-lo matado.
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Aquilo mexera com sua cabeça, mas compreendeu que logo superaria. Ele não merecia seus sentimentos de culpa. Ellie limpou o kit, examinou-o e não encontrou nenhum sinal do sangue de Jacob. A caixa estava amassada, mas ela duvidava que alguém notasse logo. Escondeu os lenços ensanguentados que usara para limpar na parte de dentro do kit. E fez caretas ao puxar sua calça mais para baixo para expor totalmente a camisinha que ele havia colocado, para não deixar dúvidas sobre sua intenção. Ellie tentou apaziguar o pânico que crescia dentro de si. Seu olhar rolou até o 416 no chão. Felizmente ele não havia se movido um centímetro sequer, e ela ainda estava viva por tal fato. Ela só podia rezar para que seu plano funcionasse e para que o que haviam lhe dito fosse verdade. Ele era valioso demais para matar. Os médicos e a equipe abusavam dele, mas Jacob havia planejado matá-lo, contrariando as ordens do doutor Trent. Ele vai ficar bem. Tenho que acreditar nisso. Ela retirou outro lenço do kit e limpou um pouco de sangue que havia no chão. Virou-se e olhou para 416. Ele vai me odiar por fazer isso. Provavelmente. Mas ela não tinha escolha. Jamais deixariam que saísse do subsolo se suspeitassem que era a responsável pela morte de Jacob. Ela nem mesmo ousou contar ao 416 o que planejava fazer. Se ele contasse a alguém, eles a prenderiam, exigiriam respostas e ela nunca chegaria à superfície. Ela precisava evitar todas as suspeitas e salvar 416 e todas as outras cobaias. Ela encontrou a agulha que Jacob usara. Por sorte, ele a havia tampado de novo depois de usá-la em 416. Ela odiava arriscar que 416 fosse infectado, mas não havia outra escolha a não ser reusar a agulha. Ela esperava que Jacob não a tivesse deixado encostar em nada antes de tampá-la novamente. Ellie hesitou. Uma vez feito, não haveria como voltar atrás. Ela se mexeu antes que mudasse de ideia. Agachou-se ao lado de 416 e passou o lenço ensanguentado em suas juntas e mãos, sujando-as com o sangue de Jacob. Ela se recusava a encará-lo enquanto o incriminava por assassinato. Ela simplesmente não conseguia.
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Eles não o matariam. Aqueles homens às vezes matavam técnicos. Ela ouvira falar muito a respeito, e ainda assim eles estavam vivos. Eles não matam cobaias. Elas são valiosas demais. Ele vai ficar bem, entoava Ellie em sua cabeça. Ela se levantou, jogou o que restava de evidência do sangue, tirou a seringa de onde a havia colocado dentro da caixa e se virou. Ela odiava machucá-lo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele estava ali, indefeso. Ela queria abraçá-lo, mesmo que ele desejasse sua morte. Alguém devia demonstrar-lhe compaixão, mas aquele não era o momento. Alguém tinha que levar a culpa pela morte de Jacob para garantir que ela pudesse entregar aqueles dados ao chefe sem ser incomodada. Assim que houvessem provas suficientes, um juiz expediria mandados de busca. O centro de testes seria vasculhado, as cobaias seriam descobertas e as Indústrias Mercile teriam seus segredos imundos expostos ao mundo. Ela se agachou sobre 416. Seus lindos, porém, raivosos olhos se fixaram nela. A raiva queimava em seu olhar intenso. Ela engoliu a bílis que lhe subiu pelo que ela teria que fazer com ele em seguida. – Sinto muito. De verdade. Preciso fazer isso com você. – Eu vou matar você – esganiçou ele. Sua mão caiu no chão perto dela. – Eu juro! – sua garganta funcionava – Vou matá-la com minhas próprias mãos. Ela foi tomada pelo medo. Ele, obviamente, começava a retomar o controle do corpo. Ela olhou para baixo, procurando o local em que Jacob havia aplicado a injeção. Ela socou a agulha nele, o êmbolo já pressionado da injeção anterior, e então se levantou rapidamente, sem olhar para 416, mesmo enquanto ele rosnava por conta da dor que ela acabara de lhe infligir. Ela pegou o kit, correu em direção à parede ao lado da porta e virou o rosto no último segundo antes de batê-lo nela. A dor explodiu em sua face. Suas pernas se enfraqueceram e sua boca se encheu de gosto de sangue. Ela não tinha um espelho, mas se lembrou da sala de observação. E se alguém tivesse entrado lá e visto tudo o que havia acontecido? Ela pensou que, se fosse o caso, os seguranças já teriam corrido até a cela para prendê-la.
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Ela esperava que seu rosto estivesse o mais horrível possível. Seus dedos tremiam enquanto ela socava o código na tranca. Ouviu-se o ruído, as barras de aço dentro da porta correram, e a porta se abriu enquanto ela a empurrava desesperadamente. Ellie cambaleou para fora da sala, a porta se fechou automaticamente atrás dela, e o barulho confirmou que fora trancada. Ela caiu de joelhos no corredor, virou a cabeça para localizar a câmera de segurança e gritou. – Socorro! Meu Deus, socorro! Alguns segundos se passaram, e já fazia mais de um minuto quando o som de botas correndo chegou aos seus ouvidos. Quatro seguranças apareceram no corredor, vindo o mais rápido possível. Os homens ofegavam quando diminuíram o passo e olharam confusos para ela. – Eu entrei na sala para colher uma amostra de sangue – ela soluçou – Jacob estava estuprando a cobaia. Ele me atacou. – ela levou a mão à área ferida de seu rosto – Acho que desmaiei e, quando acordei, vi o 416 soltar as correntes de seu braço. Jacob o golpeou com uma agulha, mas o que ele lhe deu não fez efeito rápido o suficiente. Acho que ele está morto! Acho que aquela coisa o matou antes de ele cair no chão. Deus me perdoe, orou ela silenciosamente ao terminar de falar. Os seguranças pegaram suas armas de choque, um deles se atrapalhou digitando o código para abrir a porta, e então correram para dentro da cela do 416. A porta se fechou atrás deles. Outra equipe de segurança chegou, junto de alguns médicos. O doutor Brennor cuidou dela na sala de um dos funcionários. Ele tinha algo de sinistro ao limpar a boca dela. – Você vai ficar bem. Ela balançou a cabeça. – O que eles vão fazer com o 416? Não acredito que Jacob estava fazendo aquilo. É errado. A raiva fez o médico de cabelos ruivos apertar a boca ao franzir a testa.
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– Eu sei. Nós fizemos essas coisas para encontrar curas para doenças às quais os animais são naturalmente imunes ou resistentes, e para impedir que doenças nunca mais sejam passadas de animais para humanos. Você sabe quanto dinheiro nos custou criálos? A equipe devia usar prostitutas para transar, e não cobaias caras. Ellie precisou segurar a boca e baixar o olhar para não mostrar como ficava enojada, horrorizada e possessa com sua fria insensibilidade com pessoas de carne e osso. – Agora estamos ganhando uma grana preta testando neles drogas que inventamos para bombar os militares e os malucos por fitness. – ele se virou para tirar as luvas – Você viu como eles ficaram grandes e fortes? Nós os treinamos para lutar só para mostrar o que é possível fazer com humanos e quanto estrago eles aguentam com o novo lote de remédios que curam rápido. Sabe quantos bilhões em contrato estamos esperando? Quanto dinheiro já ganhamos? Eles são nossos protótipos. Mostrar o que podemos fazer com eles, o quão rápidos, fortes e letais eles são, será a pesquisa que fará a Mercile acabar com os concorrentes. Todo mundo vai querer comprar o que fizermos. Aquele idiota do Jacob podia ter acabado com um dos nossos melhores. Ele é valioso demais para correr riscos. Ela fechou os olhos para conter as lágrimas. Eles não matariam o 416. Ela havia feito a coisa certa. Ele podia odiá-la por incriminá-lo por homicídio, mas ele continuaria vivo. Agora ela só precisava ir embora no fim do turno, entregar a evidência que havia roubado e salvá-lo da única maneira que podia. Ela ajudaria a levar as Indústrias Mercile à justiça. – Escute – doutor Brennor suspirou –, desculpe. Estou aqui falando de dinheiro e você acabou de sobreviver a uma experiência traumática. Por que não vai para casa? Você devia tirar o resto do dia para descansar. Ligue amanhã e diga que não está bem, que se dane. Ela abriu os olhos e encarou-o, escondendo o quanto ela o odiava. – Obrigada. – sua voz tremeu – Eu estava com medo. Ele agarrou seu braço, acariciou-o e sorriu.
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– Eu posso passar na sua casa mais tarde para ver como você está. – seus olhos se dirigiram aos peitos dela – Você não devia ficar sozinha. – Tenho namorado – mentiu novamente. Ele a soltou. – Tudo bem. Pode ir. Vou falar aos seguranças que liberei você mais cedo. Ele se virou e foi até o telefone. Ellie o observava. Ela esperava que ele passasse o resto da vida na cadeia. Era o que ele merecia.
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Capitulo um
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Sul da Califórnia. Onze meses depois. Ellie suspirou e ajustou seus fones de ouvidos para ficarem mais confortáveis. Uma música heavy metal era despejada do aparelho de MP3 que ela havia colocado no bolso da frente de sua calça capri. A temperatura quente a fazia suar mesmo às onze da noite, apesar da leve brisa que ventilava sua pele. Ela olhou para a janela aberta. O ar-condicionado do dormitório tinha quebrado de novo. O pessoal da manutenção ainda estava tentando consertar as falhas técnicas do prédio recém-construído. Ela se aproximou da porta do terraço, abriu-a e saiu para aproveitar a brisa gostosa e refrescar seu corpo quente. Deu um gole na água gelada da garrafinha que pegou do frigobar quando entrara no apartamento. Apoiou-se na balaustrada para observar Homeland do terceiro andar. Havia acabado de fazer seus exercícios noturnos. A brisa em sua pele era maravilhosa. Sua atenção se voltou aos muros de segurança a cerca de quarenta e cinco metros dali. Eles tinham nove metros de altura, e guardas patrulhavam o perímetro nas passarelas acima. Abaixo dela havia grama e algumas árvores cuja disposição lembrava um parque, entre o prédio de apartamentos e o muro externo. A nova Homeland de cinco mil acres acabara de ser completada e Ellie passara seu segundo dia ali. Ninguém passava pela calçada que se torcia entre a grama e as árvores. O prédio excessivamente silencioso a incomodava um pouco, porém haviam lhe alertado sobre isso. A maioria das mulheres ainda não havia mudado para os apartamentos mas, assim que acontecesse, Ellie esperava que tudo corresse calmamente. Ela queria muito ter certeza de que Homeland funcionava de acordo com o planejado. Aquele lugar acolheria os sobreviventes das Indústrias Mercile, um oásis à parte do mundo, onde poderiam viver e se ajustar à liberdade em uma comunidade segura. Eles precisavam de um porto seguro. Ela conheceu apenas um centro ilegal de testes das Indústrias Mercile, porém, depois de invadido, outros três foram descobertos. Ela fechou os olhos, ainda mal por conta do número de vítimas en-
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volvidas noticiado nos meses anteriores. Aqueles centros de testes tinham sido invadidos pelo governo e por órgãos de segurança pública. As vítimas foram libertadas, mas nem todas sobreviveram a tempo do resgate. Houve centenas de cobaias mortas e esses números partiam seu coração. Ellie abriu os olhos. Dois anos antes, ela trabalhava no prédio administrativo da Mercile, quando o oficial Victor Helio a procurou. Ele explicara que havia rumores sobre um centro de pesquisas secreto que forçava humanos a serem cobaias para testes de drogas ilegais. A polícia havia tentado mandar agentes infiltrados para dentro da Mercile, mas a indústria se recusava a contratar qualquer um de fora. Por já ser uma funcionária da empresa, ela não levantou suspeitas quando pediu para ser transferida para um dos centros de testes de pesquisa e desenvolvimento. Ela ficara tão horrorizada com a ideia de haver humanos sofrendo, que aceitou trabalhar como espiã. Foram necessários seis meses para que o pedido fosse aceito, e ainda outros para que ela ganhasse acesso aos andares do subsolo do prédio de pesquisas, e então ela conheceu 416 e outros que viviam no inferno. Ela ficara orgulhosa por acabar com o centro original de testes. Havia arriscado a vida para roubar aqueles arquivos, mas eram provas suficientes para que um juiz expedisse mandados de busca que resultaram em um ataque ao centro. Ela suspirou. “Informação sigilosa” e “políticas de proteção à vítima” eram os termos que ela ouvia sempre que perguntava sobre ele. Ela sabia que algumas cobaias não haviam sobrevivido ao resgate no centro de testes. Elas haviam sido mortas antes que a segurança pública chegasse às áreas subterrâneas mais seguras, nas quais muitas das vítimas eram mantidas. Pelo que ela supunha, 416 havia morrido nos andares abaixo da superfície, trancado em sua cela, sem nunca saber que o socorro tentou chegar até ele. Considerar essa possibilidade deixava seu coração em pedaços. Ellie arrancou os fones, desligou o MP3 e o deixou na escrivaninha, lutando contra a angústia que sentia sempre que pensava em 416. Ela queria ter estado lá quando os mandados foram expedidos, para ficar de guarda em sua porta para protegê-lo. Ela devia a ele aquilo
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e muito mais. Havia implorado para que o oficial Helio permitisse, mas ele recusou. Ela não era da segurança pública e havia sido claramente avisada de que eles não arriscariam uma informante de cujos testemunhos eles precisavam para acusar a Mercile. – Merda – reclamou ela. Ellie não conseguia esquecer aqueles olhos escuros, o olhar de 416 quando ela o abandonou aquele dia na cela, ou quando ele rosnara para ela. Ela só queria salvar a vida dele, mas ele não tinha como saber por que o havia feito levar a culpa pela morte daquele técnico. 416 deve tê-la achado monstruosa e cruel. Lágrimas quentes a cegaram, mas ela piscou rapidamente para contê-las. Já havia chorado muitas delas desde aquele dia terrível em que ela o deixou no chão. O telefone de Homeland tocou, assustando-a. Seu celular era o único meio de contato com o mundo lá fora, mas ninguém ligava para ela. Ellie havia se distanciado dos amigos e da família. Tudo em sua vida mudara enquanto trabalhava para o centro de testes durante aqueles meses. Não tolerava mais seus pais divorciados usando-a como uma arma um contra o outro, ou atacando-a por causa de seu próprio divórcio. Havia problemas reais no mundo e seu tempo podia ser gasto fazendo alguma diferença. Agora ela se concentrava em ajudar as Novas Espécies e, para ela, fazer algo para consertar uma injustiça valia a pena. – Ellie Brower. – Senhorita Brower, aqui é Cody Parks, da segurança. Estou ligando para informá-la de que um transporte tardio está chegando com quatro mulheres. Elas estavam expostas no hotel e acabamos de ser notificados de que estão aqui. – Estou indo até a porta agora – ela desligou. Droga. A mídia deve ter descoberto que quatro das mulheres resgatadas estão na área. O protocolo determinava que, se um voo chegasse à noite, as vítimas deveriam ser abrigadas com guardas em um hotel, para depois serem transferidas até Homeland à luz do dia. A segurança julgara ser mais fácil protegê-las durante o trânsito àquela hora, mas esconder os sobreviventes em um hotel não havia sido tão inteligente como pensavam. Ela só podia esperar que as
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mulheres não estivessem muito traumatizadas com o que quer que tivesse ocorrido. Para aqueles pobres sobreviventes, o mundo real já podia ser amedrontador o bastante sem aqueles urubus da mídia em volta deles, gritando perguntas e disparando flashes. Ela só precisou de alguns segundos para calçar os sapatos e pegar o cartão de segurança. Ellie saiu de seu quarto e propositadamente evitou o elevador, que era lento demais para sua paciência. Correu escada abaixo até a entrada. Era possível enxergar através das janelas, mas elas eram feitas de um vidro forte o suficiente para resistirem aos piores abusos. Do lado de fora, ela viu quatro mulheres se aproximando da entrada com dois guardas atrás, carregando quatro malas. Ela apertou o passo. Cody Parks, o homem da segurança a quem se dirigir, a saudou com um sorriso. – Boa noite, senhorita Brower. Desculpe pela chegada tardia das nossas novas residentes. Ellie sorriu. Ela dirigiu sua atenção às mulheres com jeito de amazonas. A mais baixa delas tinha pelo menos 1,80 metro de altura. Já havia dez mulheres morando nos dormitórios e todas eram daquele tipo, altas e musculosas. Ellie se sentiu baixinha perto delas. Seu sorriso crescia conforme olhava para cada uma delas, mas nenhuma retribuiu o gesto. Pareciam cansadas, bravas e mal-humoradas. Compaixão jorrou dentro de Ellie. – Bem-vindas à sua nova casa – disse Ellie gentilmente – Sei que vocês passaram por muita coisa, mas aqui estão a salvo. Sou Ellie, sua governanta. Duas das mulheres franziram a testa. Uma delas, a maior e que parecia ser a mais durona do pequeno grupo, fixou os olhos nela. A quarta, uma loira, falou. – Nossa o quê? – Sua governanta. É apenas um título – explicou Ellie rapidamente – Não estou tentando de fato ser isso. É a mim que vocês devem vir se tiverem problemas, dúvidas, ou se precisarem de algo. Estou aqui para ajudar de qualquer forma possível. Vocês podem falar comigo sobre qualquer coisa, que vou ouvir.
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– Uma médica de cabeça – rosnou a mais baixa, de cabelos escuros. Ela mostrou seus dentes afiados a Ellie. – Não – corrigiu Ellie – Sei um pouco de enfermagem, mas não sou médica. Sei que vocês tiveram que passar por terapeutas. Eu mesma precisei passar por alguns e odiei. – ela lhes deu um sorriso piedoso – Vou mostrar os quartos de vocês, rapidamente o entorno dos dormitórios e vocês irão se instalar. Eu... – Senhorita Brower – interrompeu Cody Parks. Ellie se virou para ele enquanto as mulheres passavam pelas portas. Elas olhavam em volta da grande entrada à frente da área dos quartos. Ela sabia que precisavam de alguns minutos para se localizarem. – Sim? – Uma reunião foi convocada para daqui a vinte minutos. Eles querem que a senhorita participe, já que está responsável pelo alojamento feminino. O diretor do novo conselho exigiu ser informado de tudo sobre Homeland. Ele quer ter certeza de que seu povo não está sendo maltratado. Ele acabou de assumir a posição e precisa ser t ranquilizado. Ellie ficou consternada. – Mas está muito tarde. Eu queria ajudá-las a se instalarem e vai demorar. – Eu entendo, mas ele apareceu com elas e afirmou que era importante. – o olhar do homem segurou o de Ellie – É imperativo que eles saibam que estamos com eles para tornar tudo mais fácil, para que a transferência ocorra com normalidade. Ele está preocupado. Ela hesitou. As Novas Espécies haviam sido separadas e enviadas a diferentes locais seguros depois de serem libertadas, até que Homeland finalmente ficou pronta para recebê-las. Aquele seria seu lar permanente para o futuro previsível. Ele tinha motivos válidos para se preocupar com a segurança e o bem-estar de seu povo. – É claro. Deixe-me tomar conta delas e já vou. A reunião será na sala de conferências do escritório principal? Ele fez que sim com a cabeça. Ellie fechou a porta atrás deles. O alarme soou instantaneamente, assegurando-a de que as travas au-
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tomáticas estavam funcionando. Apesar de forte, a segurança nunca era rigorosa o suficiente, não depois do jeito que a mídia havia se voltado para os sobreviventes daqueles centros de testes. Estavam constantemente tentando romper o perímetro para obter fotos das vítimas, agora que havia um local fixo para algumas delas. O governo havia começado o processo para implementar leis que proibiam a mídia de revelar fotografias, para que as Novas Espécies fi cassem protegidas. Elas eram vítimas que tinham o direito de ficar protegidas da imprensa. Havia também grupos de ódio que achavam que as Novas Espécies não deveriam ser consideradas humanos com direitos iguais, opunham-se a elas ficarem em Homeland e se juntavam em frente aos portões para protestar. Ela se apressou, movimentando-se automaticamente, enquanto fazia um pequeno tour no andar de baixo do dormitório. Ele abrigava uma sala de conferências para reuniões, duas grandes salas de estar, uma cozinha aconchegante, uma sala de jantar com capacidade para cinquenta pessoas, um grande banheiro com quatro cabines e uma biblioteca completa. O segundo e o terceiro andares abrigavam m iniapartamentos, e cada um tinha um pequeno quarto, uma sala, um banheiro privativo e uma copa. Ellie levou as mulheres aos seus quartos, um ao lado do outro e à frente um do outro, no segundo andar. Ela havia aprendido a fazer aquilo nos dois dias em que estivera cuidando das mulheres que chegavam. Elas estavam com medo. Não que admitissem, mas queriam ficar perto umas das outras. Ellie sabia que algumas delas haviam passado por horrores indescritíveis, e agora havia outro muito diferente lançado a elas, algo totalmente estranho. A liberdade podia ser uma experiência amedrontadora depois de uma vida inteira sendo espécime para testes. – Se sentirem fome, há bebidas geladas e comida nas caixas metálicas perto da pia. – ela não as chamou de refrigeradores. Aprendera logo que eles não sabiam o que era – Há outras dez mulheres no segundo andar, então, se ouvirem barulhos, não se assustem. Elas são de lugares diferentes.
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Centro de testes, ela pensou. – Mas são o seu povo. O prédio está seguro, então ninguém que não deva estar aqui pode entrar. Vocês estão totalmente a salvo. As mulheres que estavam no corredor a examinavam como se ela fosse um inseto. Ellie suspirou, infelizmente acostumada a tal situação. Eles não confiavam em outros, e os outros eram qualquer um que não tivesse sido criado como um experimento. – Estarei no terceiro andar quando voltar da reunião a que preciso ir. O número do meu quarto está na parede perto do elevador. Podem me procurar para qualquer coisa que precisarem ou se tiverem dúvidas. Estou aqui para ajudá-las e quero fazê-lo. Vocês têm alguma pergunta antes de eu ir? Nenhuma das quatro mulheres falou. A mais alta seguiu para um dos quartos que Ellie acabara de mostrar. As outras três fizeram o mesmo, e a porta bateu com força, com Ellie do outro lado. Nenhuma delas parecia querer algo com ela, e ela esperava que isso mudasse com o tempo. Ellie olhou para sua roupa: tênis de corrida, a calça capri preta e uma regata azul-claro. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo. Ela sabia que provavelmente deveria vestir algo mais profissional, mas uma conferida no relógio disse que não havia tempo. Ela precisava correr para a reunião. Ellie se lançou à escada. Os escritórios principais ficavam perto da entrada de Homeland. Cada dormitório e prédio tinha um carrinho de golfe. Ellie dirigiu o seu até as vagas e desligou o motor. Olhou novamente para o relógio com uma leve irritação, certa de que estaria atrasada. Cody não havia lhe dado uma hora exata, mas vinte minutos havia se passado. Ela correu até a porta da frente, e desacelerou quando viu um segurança armado a postos no prédio. Ela ainda não o conhecia. – Olá, sou Ellie Brower, governanta do alojamento feminino. Cody Parks disse que está tendo uma reunião da qual preciso participar. O homem ficou tenso e sua mão pegou na arma em sua cintura, enquanto mantinha os olhos fixos nela. Ellie pôs devagar a mão no bolso da calça para pegar seu cartão de segurança. Ele não só abria
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portas, como também tinha sua foto para identificá-la como funcionária. Ela se aproximou para ele poder conferi-lo. O guarda pegou o cartão, examinou-o com cuidado e o devolveu. – Vá até a sala de conferências à esquerda. Sabe onde fica, senhorita Brower? – Sim, obrigada. Ellie passou devagar pelo homem e entrou no escritório principal. Apressou-se pelo corredor em direção à porta dupla, em que não havia guardas a postos. Agarrou a maçaneta, virou-a para abrir a pesada porta e entrou. A escuridão da sala a surpreendeu. As luzes de cima estavam apagadas, apenas candeeiros iluminavam fracamente as paredes. Ela não enxergava direito, porém o rumor suave de várias vozes a assegurou de que a sala estava cheia de gente. Dois seguranças se viraram instantaneamente e pegaram suas armas. Ela sorriu para seus rostos alarmados. Suas mãos se afastaram do corpo para mostrar a eles que não carregava nada ameaçador, apenas o cartão de segurança. A sala ficou completamente em silêncio. Ela não ousou desviar a atenção para longe dos dois homens com as mãos em volta de suas armas. – Sou Ellie Brower, governanta do alojamento feminino, e venho em paz. Nenhum dos guardas riu da piada. Um deles continuou com a mão na arma na cintura, enquanto o outro chegou à frente e arrancou o cartão da mão dela. Ela não se mexeu enquanto ele o examinava e, então, ele balançou a cabeça. – Sente-se. Você está atrasada. – ele devolveu o cartão. Ellie pegou seu cartão e o pôs de volta no bolso. Precisava dar a volta no guarda, já que ele decidira ficar ali, bloqueando seu caminho. Ela deu alguns passos além dele e olhou para as pessoas que estavam na sala. Darren Artino, chefe da segurança de Homeland, e o diretor Boris também estavam presentes. O diretor franziu a testa ao diminuir a distância entre eles. Ela se encolheu quando ele olhou para sua vestimenta, comunicando sua desaprovação ao que ela vestia.
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– Não tive tempo de me trocar – ela explicou – Eu precisava instalar quatro mulheres e tinha menos de vinte minutos para o fazer antes de vir para cá. Só me avisaram da chegada delas quando já estavam na porta. As linhas tensas em volta da boca do diretor Boris se desfizeram. – Tudo bem, Ellie. Da próxima vez, vista-se adequadamente. Parece que você acabou de sair da academia. – Quase isso – ela admitiu – Quer que eu acenda as luzes? Está escuro aqui. – Não – o diretor Boris suspirou – Alguns membros do conselho preferem assim. Ellie entendeu imediatamente. Ela fora avisada de que alguns sobreviventes haviam passado anos trancados em celas escuras, o que resultou em hipersensibilidade à luz. Ela arrumara alguns dos apartamentos pensando nas mulheres sobreviventes, havia até mesmo comprado óculos escuros para deixá-los nos quartos, para que elas os usassem nas áreas comuns, e colocara em alguns quartos interruptores que regulam a luz. Ela passara muito tempo levando em conta os sentimentos e as necessidades das Novas Espécies para fazer seu trabalho, algo que se tornara quase uma obsessão. Ela reconheceu mais alguns rostos ao olhar em volta. Sorriu para Mike Torres, do alojamento masculino, quando ele acenou para ela. Ele parecia ser um cara legal de uns trinta e poucos anos, e havia flertado com ela durante a primeira reunião, no dia em que chegara. O funcionário que passara a Ellie a lista de suas obrigações como governanta estava ao lado dele. Dominic Zort balançou de leve a cabeça. Em geral, seu trabalho parecia ser o de fazer os departamentos cooperarem, e ele fazia a maioria das contratações. Um movimento no canto de seu olho chamou sua atenção. Ela se virou. Alguém se moveu em sua direção, vindo do outro lado da sala, mas ser a menor pessoa no meio de um grupo de homens altos impediu que identificasse quem se aproximava. – Ellie? – o diretor Boris a chamou de volta – Vamos nos sentar ali. – Claro. Ela o seguiu. – Você – rosnou asperamente uma voz masculina atrás dela. Ellie tentou se virar para ver de quem era aquela voz assustadora, mas alguém pegou sua mão. Ela emitiu um som, uma mistura de grunhido e arquejo, e então seu corpo se levantou do chão. Braços fortes a giraram no ar. A dor
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atravessou suas costas e o ar foi arrancado de seus pulm천es. Seus olhos se arregalaram ao olhar para o rosto de um raivoso... 416.
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