Revista ateliê nº09

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ISSN 2177-4242 Rev. AteliĂŞ

Salvador

n. 9

p. 1-82

Novembro 2014


Expediente ATELIÊ é uma publicação impressa e organizada pela Equipe da

Editoração e do Departamento Cultural do Colégio Módulo.

Sócios-Diretores Francisco Mendonça Jayme Barros Diretora Geral Ana Cristina Calfa Coordenação da Revista Silvana Sarno Colaboradores Gabriela Rossi Projeto Gráfico Cláudia Santana Imagem da Capa Parte de obra de Caffaro Rore – Cappella del Sociale di via Arcivescovado Ilustrações André Barreto Revisão Cláudia Santana

Editoração Autor Visual Design Gráfico Endereço do Colégio Módulo Avenida Magalhães Neto, 1177 – Pituba CEP: 44.820-020 Salvador – Bahia Tel.: (71) 2102.1300 / 2102.1301 Fax.: (71) 2102.1314 E-mail dptcultural@portalmodulo.com.br Site www.portalmodulo.com.br Impressão – Gráfica do Colégio Módulo Júlio Pacheco Carlos Alberto Brito dos Santos Periodicidade Semestral Tiragem 500 exemplares

Departamento Cultural do Colégio. ATELIÊ, 2014. n. 9; 82 p.: il. ISSN 2177-4242 1. Revista do Colégio Módulo. 2. Ateliê. I. Título.

AS MATÉRIAS, ARTIGOS E COLUNAS aqui publicados são de responsabildade de seus respectivos autores. Suas opiniões não refletem, necessariamente, a opinião da revista.


Elizabeth Fernandes In Memoriam


ATELIÊ chega a seu número 9. Minhas primeiras palavras são de agradecimento aos articulistas, ao Departamento Cultural, a Cláudia Santana e ao Autor Visual. As páginas da Revista continuam abertas a todos aqueles que queiram compartilhar seus estudos, pesquisas e suas criações estéticas. Podem encaminhar seus artigos, suas criações literárias, visuais para dptcultural@ portalmodulo.com.br. Neste número 9, como nos anteriores, vemos pessoas profundamente antenadas com a contemporaneidade, pessoas que fazem de seu estar no mundo uma presença atuante de quem reflete criticamente sobre a realidade, questiona, posiciona-se, propõe caminhos novos. Vários artigos têm como tema central a educação, a escola. A análise da realidade não se esgota na crítica ao que existe. Implícita ou explicitamente, as propostas para construção de uma realidade nova são formuladas, “As cenas a que temos assistido nos bastidores da instituição escolar – indisciplina, agressão física, analfabetos funcionais – mostram a fragilidade de atuar apenas com o intelecto, de maneira restrita.” ...” A educação cresce, com grandes propostas e investimentos, entretanto sem coração.” “ Segundo Carl Rogers, “ a abordagem centrada na pessoa refere-se à capacidade de relacionar-se com o outro” ´É daí que surge a aprendizagem centrada no aluno. Ele nos convida a trabalhar a afetividade, a oportunizar a escuta e perceber o universo de cada aprendiz”.. Os artigos ressaltam, ainda, o papel fundamental que o professor desempenha neste processo. “Saliente-se a pertinência de perceber o professor por sua ação cotidiana e por seus posicionamentos frente a essa prática Deve-se, também, valorizá-lo enquanto um profissional reflexivo que constantemente reconstrói sua prática considerando suas experiências cotidianas.” Por isso a importância da formação continuada, por isso a importância de os programas de educação não serem

EDITORIAL

ATELIÊ é um espaço aberto, no qual os articulistas têm plena liberdade de expressar o que pensam, o que sentem. Sem censura.


EDITORIAL

impostos de cima para baixo, sem ouvir os professores, sem debatê-los e sem dar ao professor um preparo técnico e elementos de convicção que o levem a sentir-se participante da construção dos programas educacionais e, por isso mesmo, alguém que batalhará, com entusiasmo, para concretizá-los. Programas elaborados em gabinetes e impostos à escola, jamais terão êxito, porque faltam a ação e o entusiasmo daqueles que, cotidianamente, estão em sala de aula, em contacto diário com o alunado.. “Todo professor, antes de ser um docente, que tem sobre si a missão de incentivar e preparar o seu aluno para o exercício da cidadania, é um cidadão que precisa reconhecer, como qualquer outro membro da sociedade, a responsabilidade que tem de exercer a sua cidadania plenamente.” Mas a educação, apesar de seu lugar de relevância, não é a única preocupação dos tempos atuais. A entrevista e outros artigos abordam as redes sociais, a sua utilização Vale a pena refletir sobre o que é dito na entrevista com Camila Lima Santana e Santana e nos artigos de Bianca Serrão Orrico, Juliana A. Cunha e Ronald Carvalho. Nestas páginas, você se deliciará com belos poemas. Terá, ainda, um artigo ,, que é, praticamente, um roteiro para o estudo da Literatura Baiana no século XX e neste início do século XXI. Pare e contemple e, nessa contemplação, sinta o prazer estético ante as obras de Fernando Overlander, artista plástico baiano, além de editor que tem tido uma preocupação constante com a valorização do autor baiano. Jayme Costa Barros Sócio-Diretor do Módulo


SUMÁRIO

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DESBRAVANDO O UNIVERSO DIGITAL Entrevista com Camila Lima Santana e Santana

A RELAÇÃO ENTRE EDUCADOR E EDUCANDO Maria Dolores Fiúza

CIDADANIA E EDUCAÇÃO: O PROFESSOR E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA Robinson Moreira Tenório Alexssandro Campanha

POEMAS Francisco Nogueira

O QUE MAIS INCOMODA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA INTERNET? Bianca Serrão Orrico Juliana A. Cunha

SOLIDARIEDADE NAS REDES: UM OLHAR FILOSÓFICO Ronald Carvalho


SUMÁRIO

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DOSSIÊ TEMÁTICO POLÍTICA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO Lívia Almeida Figuerêdo Marcelo Silva de Souza Ribeiro

A EDUCAÇÃO NO BRASIL E NA BAHIA: UM PANORAMA COM ENFOQUE NO ENSINO FUNDAMENTAL II Carla Regina Nunes Costa

VISÃO RETROSPECTIVA DA LITERATURA BAIANA NO SÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULO XXI Jayme Costa Barros

GALERIA Fernando Oberlaender

A MORTE INVENTADA Adriana Capitanio Thiago Tavares Nunes de Oliveira


ENTREVISTA

DESBRAVANDO O UNIVERSO DIGITAL

Gabriela Rossi ( ) Jornalista e autora do livro “Paz na Escola – ações e reflexões para a vida social em harmonia”, lançamento da Secretaria de Cultura de Salvador, 2001. E-mail: gabriela8rossi@yahoo.com.br


O homem é um ser explorador por natureza. Assim, desbravou continentes, fez importantes descobertas e multiplicou os conhecimentos técnicos e científicos. Essa curiosidade nata encontra um terreno fértil para se expandir com as ilimitadas possibilidades das tecnologias de informação e de comunicação. Palestrante no último Seminário Pedagógico do Colégio Módulo, Camila Lima Santana e Santana, graduada em Pedagogia e mestre em Educação e Contemporaneidade pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB), abordou na ocasião os aspectos desafiantes que envolvem as relações com as redes virtuais. Com o doutorado em andamento na Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Camila está desenvolvendo a tese intitulada “Entre Orkut e o Twitter: construções contemporâneas em softwares de redes sociais na Internet”, integrante do GEC, Grupo de Pesquisa em Educação. Comunicação e Tecnologias da UFBA. Especializada no universo digital, ela aborda na entrevista a seguir questões instigantes relacionadas à necessidade de adequação da escola e do educador a uma geração cada vez mais ávida em explorar as ferramentas tecnológicas.

1- Por que as redes e espaços virtuais são tão atrativas para os adolescentes? Os espaços que a internet proporciona têm dois elementos muito fortes e que seduzem os adolescentes: a possibilidade de autoria, de produção, de dizer, falar, ser ouvido; e a possibilidade de conquistar popularidade e visibilidade. No fundo, todo o mundo quer ser reconhecido e valorizado, e a adolescência é essa etapa de afirmação e reafirmação. A internet e os sites de redes sociais, enquanto vitrines, permitem que os adolescentes possam se promover-se e projetar o que fazem para uma audiência muito maior do que o corredor da escola ou do condomínio.

2- Como é possível fazer a ponte entre o que é produzido nas redes digitais e o currículo escolar? Acredito que é preciso reinventar a escola. Tudo tem mudado muito e rapidamente: as formas de interação, os modos de produção e as relações sociais. Entretanto, mesmo com alterações e modificações, a escola ainda é conhecida como o espaço onde o sujeito vai aprender, o que pode significar, muitas vezes, que o indivíduo não sabe. E eles sabem. Obviamente que a função social e pedagógica da escola não pode nem será descartada, mas ela precisa ser recriada. Os alunos gostam cada vez menos da sala de aula. Mas adoram o espaço da escola, as possibilidades de interação, vínculos, construções. Existe um “currículo” que está na rede, nos corredores,

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ou seja, um conteúdo muito além dos muros da escola. A escola precisa, portanto, ouvir o que está além e se permitir mudar.

3- Em sua opinião, de que forma podem ser otimizados os recursos da tecnologia da informação na vida escolar? O contexto escolar é social, e as tecnologias digitais da informação e comunicação também o são. São produzidas por sujeitos, para sujeitos e têm o cunho da sociabilidade e da interação muito forte. Então, acredito que a educação envolve esse processo, pelo qual o sujeito aprende com o outro, conteúdos de natureza múltipla, em diversos espaços. É desta forma que podem ser otimizados os recursos tecnológicos: lidando com os artefatos que produzimos como fruto da nossa cultura, da nossa maneira de ver e de estar no mundo. Sabemos como utilizar pedagogicamente um recurso. É fácil pensar em transpor um conteúdo para uma ferramenta. Acho que o que falta é entendermos e discutirmos esses artefatos para além da “utilidade” desses instrumentos.

Os alunos gostam cada vez menos da sala de aula. Mas adoram o espaço da escola, as possibilidades de interação, vínculos, construções.


ATELIÊ - A Revista do Colégio Módulo ANO VII - Nº 09 - NOVEMBRO 2014

4- Como lidar com o uso excessivo pelos alunos dos meios e ferramentas tecnológicas? Essa relação deve ser limitada de alguma forma? Ainda estamos num contexto social e histórico em que tratamos artefatos como celulares, tablets, consoles e computadores, como algo “de fora”. Por mais que eles estejam se popularizando, parecem que são considerados ou como a tábua de salvação ou como elementos de manipulação. Como se esses artefatos tivessem vida própria e não fossem frutos da nossa própria criação. Lembro que houve determinado tempo em que os livros também foram demonizados. Ter acesso a eles era considerado um perigo. Hoje, dificilmente, vemos alguém preocupado porque fulano lê demais ou ama muito os livros. Então, penso que haverá um tempo em que esses artefatos estarão tão inseridos no contexto social, ainda mais do que hoje, que não pararemos para questionar o seu uso. Quando falamos de crianças e adolescentes, falamos de sujeitos em formação não que os adultos não estejam, mas a natureza de ambos é diferente. Portanto é importante ressaltar que temos muitos produtos culturais e que é importante interagir e conhecer todos eles. É importante conversar com o vizinho; praticar esporte; conviver com a natureza. Ou seja, a educação é um vetor de múltiplas interações. Do mesmo jeito que não é saudável alguém ficar trancado num cômodo entre livros e papéis, não é saudável quem vive sem obrigações, focado em contemplações. Para as tecnologias digitais, vale a mesma regra. Fazem parte do nosso contexto cultural, têm importância e são interessantes, mas não vivemos apenas por meio delas. O limite, acredito, entra neste sentido, em um primeiro momento, mas tem uma série de desdobramentos.

5- Como o professor pode aproveitar melhor os canais da web e estimular a produção de novos conteúdos?

6- Em sua avaliação, como têm sido utilizadas as tecnologias de informação na prática escolar?

Primeiro, permitindo que o aluno crie, se autorize e seja autor. Segundo, se aproximando e se apropriando de linguagens diversas. Nossa escola é a da linguagem oral e escrita – muito mais a escrita. A Internet é interessante porque junta tudo isso e muito mais, com um clique de imagem, vídeo, som e texto. Penso que permitir a inserção de tudo isso nas diferentes áreas é um ganho importante. Muitos dos nossos alunos produzem coisas interessantíssimas nos sites de redes sociais, nos canais de vídeo, podcasts e blogs. Não necessariamente têm o formato do texto dissertativo. Criações que têm um movimento próprio. Conversar sobre isso, interagir, conhecer e estimular a autoria do aluno são medidas importantes.

Em grande parte dos casos, a tecnologia tem sido utilizada como ferramenta para transposição de um conteúdo ou é apropriada para a lógica fechada da escola. Porém, há experiências diferenciadas. Utilizar o cotidiano e os artefatos culturais que já são comuns aos alunos, como games e celulares, por exemplo, pode agregar um valor altamente positivo. Linguagem, raciocínio lógico, conhecimentos sociais, científicos e artes não estão, apenas, nos livros didáticos – estão no que o homem produz. E, hoje, estão na rede. Certamente, hoje há na Internet pelo menos uma informação sobre qualquer coisa existente no mundo: um verbete, um link, um site, uma imagem. Lançar o olhar para essa constatação pode permitir que o docente ultrapasse os limites dos materiais didáticos produzidos para a disciplina X ou Y de forma limitada e engessada.

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7- Quais são os benefícios e desafios em relação à utilização dessas tecnologias na ação pedagógica? Quando se trata de tecnologias digitais da informação e comunicação, temos muitos benefícios e desafios. Acredito que o maior benefício é a possibilidade que a Internet tem de unir pessoas e ideias em qualquer lugar do planeta. A informação está muito mais acessível e, deste modo, as possibilidades de construção de saberes também. Essas tecnologias aproximam, unem, associam. A mobilidade é outro ponto importante. Com os dispositivos móveis, a notícia é “aqui e agora” e o conteúdo pode ser produzido por qualquer pessoa, a qualquer tempo, nas mais diversas linguagens. Tudo isso implica desafios, especialmente no contexto da educação. Como qualquer pessoa, a qualquer tempo, pode gerar um conteúdo, temos um volume gigantesco de material produzido. Então, temos de aprender a filtrar, identificar uma informação falsa e checar fontes. Isso é algo desafiante. Durante séculos, aprendemos que a verdade estava lá no livro, na enciclopédia. Era ter acesso a ela e pronto. Hoje, não. Temos um mundo de informação. Da mesma forma que isso requer cuidado na hora de selecionar e escolher um conteúdo exige que nos tornemos mais críticos, perspicazes e investigativos. Esse é o maior desafio da educação. Um grande e importante desafio a ser superado.

SAIBA MAIS SOBRE A EXPANSÃO DA WEB – Até o final deste ano, haverá quase 3 bilhões de usuários de Internet fixa e móvel, dos quais dois terços são oriundos de países em desenvolvimento, de acordo com levantamento divulgado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). – As projeções da UIT indicam que há muito espaço para crescer, pois ainda há 4 bilhões de pessoas no mundo que não a utilizam, 90% das quais estão em nações em desenvolvimento. – O Brasil é o quinto maior mercado do mundo para negócios na Internet, segundo relatório divulgado pela empresa americana Kleiner Perkins Caufield & Byers (KPCB). – As pesquisas indicam que o Brasil encerrou o ano de 2013 com 100 milhões de internautas, número 12% maior em comparação ao ano anterior. A estimativa é de que quase 50% da população brasileira está conectada. – De acordo com estudo divulgado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), chamado de TIC Kids Online Brasil, 79% das crianças e adolescentes brasileiros que usam Internet têm acesso às redes sociais.

Durante séculos, aprendemos que a verdade estava lá no livro, na enciclopédia. Era ter acesso a ela e pronto. Hoje, não. Temos um mundo de informação.

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A RELAÇÃO ENTRE

EDUCADOR E EDUCANDO Maria Dolores Fiúza ( ) Pedagoga, Psicopedagoga e Mestre em Educação E-mail: mdfiuza@ig.com.br

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Partindo do pressuposto de que os seres humanos são integrantes e se relacionam com o mundo, a vida só existe na relação do ser com o outro. As relações se estruturam por intermédio da interação das pessoas com instituições em diferentes contextos sociais, políticos e econômicos. Assim, a educação escolar ocorre na interconexão do educando e do educador com o mundo, como complementa o educador brasileiro Paulo Freire (1999, p. 47): “partimos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo, e que a educação se estrutura no respeito do outro e ao seu saber.” Diante deste contexto, o sentido da relação educador e educando se estrutura na abertura ao outro e na diversidade dos alunos de uma sala de aula. Relação inteira que provoca o encontro mútuo sem pressupostos anteriores. Notamos, nos dias atuais, que prevaleceu a experiência e a utilização de pessoas, conhecimentos e relações, fruto de uma ciência positivista que por anos estruturou o pensamento e os caminhos da humanidade. Ao estabelecermos um diálogo com o ambiente escolar, vemos que as relações entre educador e educando se formam na atitude “Eu e isso”,

isto é, ao educador cabe a tarefa de dar aulas, usar metodologias de ensino e critérios de avaliação para verificar a aprendizagem dos alunos. Aparentemente um processo simples e seguro: dar a matéria e verificar o aprendizado. Em contrapartida, as cenas a que temos assistido nos bastidores da instituição escolar: indisciplina, agressão física, analfabetos funcionais, mostram a fragilidade de atuar apenas com o intelecto, de maneira restrita. Trata-se, portanto, de buscar brechas na regulamentação do cotidiano escolar para vivenciar relações humanas e vivas, o que engendra a necessidade de abertura, de disponibilidade de dar a mão ao outro. Percebo, em minha prática de educanda e educadora, a reincidência da relação afetiva e prazerosa com uma disciplina interligada a laços afetivos criados com o educador, seja por um sorriso ou um acolhimento ou, ainda, um desafio. O oposto ocorre na relação de terror com a disciplina devido ao medo ou pânico causado por um professor. Segundo Freire, o que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, ou este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança. Sendo assim, o papel do educador na constituição das comunidades é fundamental.

Intencionalmente o professor educa com a sua vida, seus conhecimentos, desejos e desafios; nessa trajetória, o papel do educador se estrutura em ajudar a desvelar, junto com a comunidade escolar, as cobranças sociais exigidas e, em diversos momentos, aceitas com naturalidade. A dificuldade dos adultos em aprender a lidar com a diversidade nas entranhas da modernidade é grande. O conhecimento linear requer reflexão, compreensão para lidar com a incerteza, com o erro e o dife rente. Em outras palavras, os aspectos aqui citados refletem a criação de uma educação pautada em vínculos e parcerias. Os conflitos no ambiente escolar retratam esta dificuldade de lidar com a diversidade dos alunos. Portanto é preciso ter cuidado com o ser humano em sua totalidade, com o corpo, a mente, os sentimentos, as emoções. O sentido das relações centra-se no movimento de repensar a educação dialogando com o outro através de uma constituição de comunidade, ou seja, grupos interdisciplinares. Para tanto, deve existir uma escuta refinada, participação efetiva do educador. Conversar significa estar com, encontrar-se, religar-se, libertar-se. Não estou com isso buscando uma saída para a educação. Busco diversas saídas pautadas no contexto local dos educadores e educandos, em suas histórias de vida, vínculos grupais, e essa entrelinha potencializa a capacidade criadora de cada indivíduo. A essência está na convivência com as diferenças no labirinto da educação, na coexistência com o outro. Lidar com a diferença propicia refletir, mudar de opinião, ser coerente com a visão de mundo, abrir-se para o diferente e para o inédito da vida.

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Educar significa formar pessoas capazes de desejar um mundo melhor. Educar não significa letrar o aluno, fazer dele ambicioso a adentrar na academia e ansiar o diploma. Educar significa formar pessoas capazes de desejar um mundo melhor sendo melhores: respeitando, compreendendo, contribuindo na proliferação de sujeitos conscientes das suas potencialidades com afeto e disciplina. A educação não parte de um momento próximo, a inteligência se apresenta desde a formação do homem. E é bíblico o convite ao saber: no trecho “o verbo habitou entre nós” (João 1:1-2 e 14), trata-se de um convite a multiplicar de forma clara a inclusão e a partilha dos saberes. Temos como um bom exemplo o filósofo Sócrates, que tentava levar o conhecimento sobre as coisas do mundo e do ser humano através da palavra e do diálogo. Assim, um mestre deve admitir que também não é senhor e dono da verdade, deve apenas saber que se encontra como mediador entre o que se pode ser conhecido e quem quer conhecer. Ao passo que um aluno deve se mostrar aberto a questionar o que considera como verdade absoluta. Caso contrário, permanecerá na escuridão do falso conhecimento e assim será uma fonte de erro, sem a possibilidade de suprir a carência de sua alma perante a realidade.

maior preocupação é com um sujeito participativo dos movimentos que favorecem o seu bem-estar. Contudo, a educação cresce, com grandes propostas e investimentos, entretanto, sem coração; todos os conhecimentos, então, serão perdidos e retardarão a conquista de uma educação centrada no sujeito. Segundo Carl Rogers, “a abordagem centrada na pessoa refere-se à capacidade de relacionar-se com o outro.” É daí que surge a aprendizagem centrada no aluno. Ele nos convida a trabalhar a afetividade, a oportunizar a escuta e perceber o universo de cada aprendiz e suas frustrações; com essa interação, o sujeito se perceberá coparticipante dessa troca que é o saber e, por fim, irá se sentir participativo no progresso global. Enfim, a busca é por uma educação na qual exista o resgate do poder do sujeito em construir em grupo, respeitando o processo de cada um e contribuindo para os avanços coletivos. Tendo em vista o conturbado ambiente que envolve o processo de aprendizagem, inclusive com os graves problemas sociais por que passa o país, ter um diagnóstico com uma visão integral do sujeito, possibilita encarar o fracasso escolar com um olhar animador, que conduz o ser a uma gama de novas perspectivas que, se bem observadas, contribuirão para uma conduta mais equilibrada nas relações interpessoais.

A educação tradicional preocupava-se muito com Certamente, a educação também luta por uma o retorno avaliativo. Era a forma de reconhecer as poforma holística de educar, que atenda às necessidades tencialidades dos aprendizes, através de provas, testes; do homem integral, despertando nele seus poderes e entretanto, hoje se percebe que a avaliação, mesmo direitos enquanto homem criado para crescer e multiplisendo importante no ambiente escolar, não é mais a car saberes; entretanto, somente com a internalização do meta primordial de retorno do conheseu compromisso consigo, possibilita e cimento. O que importa atualmente capacita para esses cuidados. é levar os alunos a amadurecerem Uma educação que parte desse Deve-se ter como os conhecimentos aprendidos. Deprincípio de preparar o aprendiz, desobjetivo a formação ve-se ter como objetivo a formação pertando-o e cuidando dele como ser dos alunos como pessoas e levá-los dos alunos como humano, reconstruindo um univera terem um conhecimento real do pessoas e leváso muitas vezes fragmentado, é que conteúdo, ou seja, ajudá-los a aplicar possibilitará uma consciência ampla los a terem um no dia a dia. Com isto não se propõe para a sua contribuição e participação conhecimento real um abandono à educação tradicional, como multiplicador de uma espécie do conteúdo, ou mas se considerar também o procestão rica e completa: o homem. so de aprendizagem dos alunos, cuja seja, ajudá-los a

aplicar no dia a dia.

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CIDADANIA E EDUCAÇÃO:

O PROFESSOR E A FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA Robinson Moreira Tenório ( ) Doutor em Educação, USP (1996) Pós-doutorado em Filosofia e História das Ciências, Université de Paris 7 (1999-2000) Professor Associado UFBA E-mail: robinson.tenorio@uol.com.br

Alexssandro Campanha ( ) Mestre em Educação, UFBA (2008) Professor Assistente, UESB E-mail: alexssandrocampanha@yahoo.com.br


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1. CIDADANIA: UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA A cidadania sempre foi palco de grandes debates. No Brasil, especificamente, ela voltou a ser discutida e impulsionada pelos movimentos populares que contribuíram para a queda do regime militar. Ela tem estado presente na fala daqueles que detêm o poder político e econômico e aparece, também, no meio acadêmico, na produção intelectual, na mídia e no discurso de determinados setores da sociedade que se encontram desprivilegiados de direitos. Por essa razão, é possível delinear diferentes concepções a respeito de cidadania, inclusive opostas (CERQUIER-MANZINI, 2010, p. 9). Desde quando os gregos e romanos formularam suas primeiras noções de cidadania, na Antiguidade, baseada na participação, passando pelos iluministas, no século XVIII, que reivindicaram para si uma cidadania pautada nos ideais de liberdade e igualdade, e pelo período que se seguiu à Revolução Francesa, quando a sua compreensão passou a estar vinculada aos ideais de nacionalidade, ela vem agregando novos direitos, como resultado das lutas de pessoas e grupos em busca da realização de seus interesses, representando os períodos e momentos do mundo na medida em que este foi, também, sofrendo mudanças. Aquela visão que por muito tempo restringiu a cidadania à nacionalidade e à tutela do Estado tem exigido, na velocidade das transformações humanas, um novo olhar para a cidadania, uma cidadania ampliada, solidária, global, cosmopolita e multicultural, baseada mais em ideais universais do que em ideais locais ou nacionais (BOBBIO, 2004, p. 18 e 30). Odete Maria de Oliveira (2002, p. 523) observa que as mudanças recentes ocorridas na sociedade humana e provocadas pelo desenvolvimento econômico, científico e tecnológico das últimas décadas, sobretudo da informação, levaram a humanidade a um intenso processo de interação em nível mundial, contribuindo enormemente com essa concepção ampliada de cidadania. Todavia o

que seria positivo para a cidadania, por um lado, trouxe, por outro, graves consequências e implicações, pois na mesma intensidade com que as mudanças provocadas pela modernidade atingiram a sociedade humana, fazendo com que a compreensão de cidadania se ampliasse para além das fronteiras do Estado, este mesmo Estado também sofreu inúmeras mudanças, muito mais negativas do que positivas e em detrimento da própria efetivação da cidadania (BEDIN, 2001, p. 149). Capela (2002, p. 259) explica isto dizendo que, com o mundo cada vez mais globalizado, os Estados acabaram se adequando ao novo contexto econômico mundial neoliberal, passando a representar cada vez mais os interesses financeiros e econômicos de grupos hegemônicos. Diversas medidas internas seriam adotadas, então, por meio de cortes nos gastos públicos, da privatização de empresas estatais, da desregulamentação da economia e da implementação de reformas econômicas e fiscais que pudessem minimizar os impactos negativos ocorridos em seus balanços de pagamento. O importante era promover a adequação do Estado ao novo cenário econômico, nem que para isso fosse necessário sacrificar determinados direitos da população por meio do esvaziamento das políticas públicas de bem-estar social que se intensificaram após a Segunda Guerra Mundial, das quais dependia (e ainda depende) uma imensa quantidade de pessoas (CARVALHO, 2002, p. 13).

Aquela visão que por muito tempo restringiu a cidadania à nacionalidade e à tutela do Estado tem exigido, na velocidade das transformações humanas, um novo olhar para a cidadania, uma cidadania ampliada, solidária, global, cosmopolita e multicultural, baseada mais em ideais universais do que em ideais locais ou nacionais (BOBBIO, 2004, p. 18 e 30).

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Diante desses aspectos que envolvem uma compreensão mais ampliada sobre cidadania e sobre o processo de adequação do Estado ao novo modelo econômico mundial, a postura assumida pelo cidadão passou a ser encarada como um importante instrumento de transformação (ou de manutenção) da realidade existente e talvez por isso o exercício da cidadania guarda em si uma extraordinária complexidade que envolve, por exemplo, a real assimilação do cidadão sobre a relação entre o exercício de seus direitos e o cumprimento de seus deveres (CERQUIER-MANZINI, 2010, p. 11). Mas muito mais do que isso, a cidadania guarda tamanha complexidade por envolver, também, o compromisso do cidadão de lutar para fazer valer os seus direitos, em questionar as estruturas existentes e não se calar diante das diferentes formas de desigualdade e exclusão social, portando-se, sempre, como um autêntico fomentador de direitos. Adela Cortina complementa esta reflexão ao chamar a atenção para o fato de que a cidadania assume, acima de qualquer coisa, uma “relação política” entre um indivíduo e a comunidade da qual é membro de pleno direito e que a ela deve lealdade permanente. Para que o exercício da reivindicação e do enfrentamento político produza resultados em favor da justiça social e contra a desigualdade e a exclusão é imprescindível que o homem se sinta participante de sua comunidade, ou seja, que ele se sinta cidadão. Esse “sentir-se cidadão” está intimamente relacionado ao sentimento de “pertencimento” do sujeito a uma comunidade e quando isso não ocorre, é provável que o indivíduo tenha dificuldades para agir em defesa da coletividade e do interesse comum ou para reivindicar ações do poder público que minimizem os fatores determinantes da desigualdade e exclusão, principalmente quando estes fatores o beneficiam de alguma maneira (2005, p. 31). Robles (2005, p. 123 e 124), por sua vez, tem uma visão diferente. Segundo o autor, “a dignidade do ser humano não consiste em cada um exigir seus direitos e que tudo lhe pareça pouco para afirmar sua personalidade”. A dignidade humana vai consistir, sobretudo, em cada um assumir seus deveres. “Com isso se cai em outra contradição, a mais grave de nosso tempo no terreno ético: a contradição que surge da combinação da exigência exaltada dos direitos com o esquecimento dos deveres”. Jaime Pinsky (2003, p. 19) vai reforçar isso dizendo que, diante de situações que prejudicam o conjunto da sociedade, temos sempre uma atitude dúbia, ou seja, reclamamos em altos brados quando somos diretamente atingidos, mas nos calamos ou nos omi-

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timos quando o assunto não tem relação conosco. “Exigir direitos é parte da cidadania”, defende Pinsky, mas respeitar os contratos sociais e assumir os deveres é a sua contrapartida. Se isto não ocorre, instala-se, assim, o que Maria Victoria Benevides (1994, p. 8) define como “crise da cidadania”, na medida em que uma imensa maioria, na condição de cidadãos, não consegue exercer a sua cidadania plenamente. Se a desigualdade e a exclusão social ainda existem, e provavelmente nunca deixarão de existir, uma parcela significativa dessa situação é de responsabilidade da própria sociedade que, ao sofrer um tratamento desigual, excludente e preconceituoso, permite, calada e passivamente, a condição de ser tratada assim. A reflexão que se propõe trazer por meio desta provocação tem por objetivo apontar alguns dos fatores que têm influenciado a permanência e a reprodução da desigualdade e da exclusão social através da história.

2. CIDADANIA E EDUCAÇÃO: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA Para Pedro Demo (1995, p. 2), um dos maiores e mais complexos desafios do homem na atualidade é muito mais do que tentar minimizar os impactos causados pela desigualdade e exclusão social, mas, sim, o de tentar resolver, primeiramente, o problema da “pobreza política” que tem a sua raiz na “ignorância da sociedade” e que, segundo Bueno (2001, p. 69), “é ainda pior que a pobreza material”.


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Nilda Ferreira (1993, p. 221) vai interpretar esta “ignorância” tratada por Demo como “ingenuidade”, na medida em que o indivíduo ingênuo pode ser manipulado facilmente por aqueles que ocupam o poder. Percorrendo a esfera das crenças e opiniões, esse indivíduo não consegue perceber o campo de dominação e acaba concordando com o discurso hegemônico do interesse geral formado pelo consenso. Ultrapassar essa ingenuidade passa a ser um desafio para a educação, e o conhecimento surge como a base para o exercício qualificado da cidadania, “o instrumento básico para o salto qualitativo entre consciência ingênua e consciência crítica”, destaca Ferreira. Muitas vezes, a luta pela dignidade humana, pela igualdade de condições e oportunidades, pelo respeito e tolerância às diferenças ou por uma melhor atuação do Estado em setores essenciais da vida como saúde, educação, moradia, segurança, emprego e justiça, por exemplo, pode ter a sua eficácia ou os seus resultados comprometidos a depender do nível de educação e conhecimento do cidadão, conhecimento este que não se resume unicamente ao intelectual (aquele que se aprende nas escolas ou universidades), mas também àquele conhecimento que faz o indivíduo tomar consciência da marginalização e discriminação que lhe é imposta por uma minoria e que o qualifica a conceber uma história alternativa e organizar-se politicamente para isso (DEMO, 1995, p. 2). Para combater a pobreza, é indispensável que o pobre chegue à convicção de que é injustamente feito e mantido pobre. Ler a realidade há de significar, antes de mais nada, esse processo, através do qual o sujeito se alfabetiza para aprender a decifrar a realidade, sobretudo naquilo que tem de manhosamente oculto. Em seguida, ler a realidade implica saber intervir, usando como base instrumental o conhecimento reconstruído, e como base ética a capacidade de redirecionar a história, sendo dela sujeito (DEMO, 1999, p. 66).

Esse sujeito histórico tratado por Demo e que Patrice Canivez vai chamar de “cidadão ativo”, se diferenciará do “cidadão passivo” pelo modo como ele participa do debate político que envolve a realidade onde está inserido. Para Canivez, ser um cidadão ativo é poder participar da formação e expressão da opinião pública; é propor projetos que vão além dos interesses privados e particulares e dos valores que lhe pareçam importantes moralmente; é pensar os problemas que envolvem a sua nação e a sua comunidade “independentemente de qualquer militantismo”, tentando imaginar, em dada situação, como é possível conciliar “as exigências da eficácia com as da justiça, as necessidades técnicas com os imperativos morais, os interesses e direitos das diferentes partes da comunidade com os valores que poderiam ser objeto de consenso” (1991, p. 152-156). Patrice Canivez adverte, entretanto, que o desenvolvimento desta postura ativa de cidadão “supõe uma competência”, competência esta que se adquire durante toda a vida, por meio dos diferentes saberes, conhecimentos, experiências e processos educativos. Sem essa competência tratada pelo autor, que torna o homem capaz de posicionar-se criticamente diante do que o cerca e que exige um mínimo de familiaridade com o mundo, e sem a aptidão para elaborar a própria experiência em conceitos universalmente válidos e comunicáveis, não há como o cidadão ter uma posição propriamente política. Nesse caso

existirão apenas “reações epidérmicas”, que acabam traindo as características sociais ou psicológicas do indivíduo ou, quem sabe, “reações de uma sensibilidade moral”, que “traduzem uma concepção de vida, das relações entre indivíduos, entre os sexos, entre ricos e pobres, nativos e estrangeiros, sem uma ligação direta com os problemas políticos e sociais”, observa Canivez (1991, p. 60). Quando o homem nasce, ele não traz consigo de forma espontânea e completa essa “competência” de que fala Patrice Canivez. Quando o homem nasce, no mesmo instante em que nasce livre e igual, ele

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também nasce social e cultural e, por isso, um ser incompleto em sua formação. Surge, a partir daí, a necessidade de ser preparado para essa vida social e cultural, mas não uma preparação restrita ao recebimento de informação ou instrução, que permita a esse homem, enquanto indivíduo governado, ter apenas a compreensão de seus direitos e deveres “para a eles conformar-se com escrúpulo e inteligência” (CANIVEZ, 1991, p. 31). É ser preparado, muito além do intelecto, para se posicionar ativa, sensata e criticamente diante da realidade política, social, econômica e cultural em que está inserido. É, então, por meio da educação que o homem potencializa o aprimoramento do seu pensamento, de sua fala, de suas escolhas e do conjunto das informações pertinentes aos seus direitos e deveres, dos mecanismos para efetivá-los e do nível de organização individual e coletivo para fazer valer cada direito. Por meio da educação é possível manter contato com os princípios da reflexão matemática e da explicação científica e compreender as coordenadas espaciais e temporais que organizam a percepção do mundo, condições estas minimamente necessárias para que se acesse a totalidade dos recursos culturais e econômicos relevantes. Por meio da educação é possível,

também, manter contato com novas formas e estruturas de pensamento, desenvolvendo a capacidade de análise, síntese e abstração, elementos essenciais para a reflexão crítica e consciente da realidade. A educação assume, assim, uma importância significativa para a cidadania na medida em que habilita o homem para o exercício de seus direitos, dotando-o das condições que lhe permitam compreender os contextos históricos, sociais e econômicos de que faz parte e preparando-o para conhecer, construir e reconstruir, quando for o caso, as regras de uma boa e equilibrada convivência pautada em valores como liberdade, igualdade, respeito, integração, participação, autonomia, reivindicação e responsabilidade. O acesso à educação em todas as suas formas e, num primeiro momento, o acesso a uma educação sistemática através da boa aprendizagem da leitura e da escrita, além de ser um importante instrumento para o exercício de uma parcela significativa de direitos, facilita o contato com novas formas e estruturas do pensamento, desenvolvendo a capacidade de análise, síntese e abstração, elementos essenciais para a reflexão e o posicionamento crítico sobre a realidade, especialmente aquela realidade marcada pela desigualdade e exclusão social, como observa Rivero (1989 apud GHANEM, 2004, p. 3).

É, então, por meio da educação que o homem potencializa o aprimoramento do seu pensamento, de sua fala, de suas escolhas e do conjunto das informações pertinentes aos seus direitos e deveres, dos mecanismos para efetivá-los e do nível de organização individual e coletivo para fazer valer cada direito.

3. FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA: UMA EXIGÊNCIA PARA O PROFESSOR Quando a Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, deveria ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, ela deixou claro que a educação, além de visar ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua qualificação para o trabalho, deveria, também, preparar o indivíduo para o exercício da cidadania. Do mesmo modo, caberia à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal 9.394/1996), um pouco mais tarde, estabelecer como finalidade da educação, inspirada no princípio da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, o preparo do educando para o exercício da cidadania.

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É importante ressaltar, entretanto, que a preparação para a cidadania também se faz pelo incentivo ao seu exercício; e mais do que isso, pelo exemplo dado por todos aqueles que têm sobre si a missão de educar. A escola, neste sentido, é um lugar possível para a efetivação da cidadania no qual a aprendizagem de competênicas e saberes deve favorecer, necessariamente, a inserção do aluno no cotidiano das questões sociais em um ambiente cultural, social e econômico cada vez mais complexo (BRASIL, 1998, p. 37 e 38).

É importante ressaltar, entretanto, que a preparação para a cidadania também se faz pelo incentivo ao seu exercício; e mais do que isso, pelo exemplo dado por todos aqueles que têm sobre si a missão de educar.

Quando a escola nega a possibilidade de que seus alunos exercitem a cidadania, ela está disseminando, ao contrário do que se pensa, a passividade, a indiferença e a obediência cega à estrutura política, econômica e cultural existente, elementos fundamentais para a manutenção da desigualdade e exclusão social e para o distanciamento do ser humano de uma vida mais livre, igual, justa e solidária. Mas, pelo que sabemos, a escola não existe por si só. Ela é resultado de um trabalho conjunto e continuado que envolve poder público, sua estrutura física, administrativa e pedagógica, como também o seu corpo docente, a saber, o professor. Quando Reis (1988, p. 9 e 10) discorre que uma educação que tenha por finalidade a formação para a cidadania deve “procurar o desenvolvimento integral do homem”, fazendo com que ele cultive todas as suas potencialidades de modo que a sua personalidade se afirme e se projete nas mais diferentes dimensões, a importância do professor nesse processo de desenvolvimento inte-

gral do indivíduo ganha uma enorme significação. Isto porque o processo de formação do educando encontra na formação do professor um importante alicerce, pois como preparar o aluno para o exercício da cidadania quando nem mesmo o próprio professor se sente suficientemente preparado para exercê-la? Querer que a educação seja encarada como condição para o exercício da cidadania levanta uma discussão crucial quanto à formação dos professores e educadores e a sua condição como cidadãos, colocando em questão a coerência do discurso educativo, pois como incentivar no educando a vivência e o exercício da cidadania, se quem tem a missão de educar para a cidadania muitas vezes não vive nem exercita (ou não sabe viver ou exercer) a sua própria cidadania? É necessário que cada professor incentive a prática da cidadania em seus alunos, mas é necessário, sobretudo, que, primeiramente, cada um deles desenvolva uma visão crítica de sua própria realidade e esteja consciente do papel que precisa desempenhar não apenas como profissional da educação, mas como sujeito participante do processo de construção da cidadania e do reconhecimento e exercício dos direitos e deveres de cidadão (BRASIL, 1998, p. 31-38). Todo professor, antes de ser um docente, que tem sobre si a missão de incentivar e preparar o seu aluno para o exercício da cidadania, é um cidadão que precisa reconhecer, como qualquer outro membro da sociedade a responsabilidade que tem de exercer a sua cidadania plenamente. O que adianta o incentivo a valores de cidadania como a liberdade, a igualdade, o respeito, a integração, a participação, a autonomia, a reivindicação e a responsabilidade quando o próprio professor não consegue viver ou praticar essas coisas? O discurso pelo discurso dentro de sala de aula não é suficiente e exige do professor um cuidado com suas atitudes e ações, e estas estarão diretamente ligadas à sua formação, não uma formação focada no âmbito da instrução ou do intelecto, mas que abranja todas as fases, perspectivas e capacidades da personalidade humana desse professor.

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Mas quais fatores nesse processo de formação do professor devem ser considerados? O que o professor precisa desenvolver em sua formação como cidadão para que possa, assim, promover o incentivo de seus alunos quanto ao exercício da cidadania? Ao tratar deste processo de formação para a cidadania, os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998, p. 25 e 26) evidenciam algumas capacidades que precisam ser consideradas neste processo formação do professor para o exercício da cidadania. São elas: • quanto à capacidade cognitiva: está relacionada com a postura do professor em relação às metas que deseja atingir nas mais diferentes situações de sua vida. Vincula-se ao uso de formas de representação e comunicação, envolvendo a resolução de problemas de maneira consciente e a “aquisição progressiva de códigos de representação e a possibilidade de operar com eles interfere diretamente na aprendizagem da língua, da matemática, da representação espacial, temporal e gráfica e na leitura de imagens”; • quanto à capacidade física: envolve o autoconhecimento do corpo na expressão de emoções, na superação de estereotipias de movimentos, nos jogos, no deslocamento com segurança; • quanto à capacidade afetiva: refere-se às motivações, à autoestima, à sensibilidade e à adequação de atitudes no convívio social, estando vinculada à valorização do resultado dos trabalhos produzidos e das atividades realizadas, levando o indivíduo a compreender a si mesmo e aos outros; • quanto à capacidade ética: refere-se à possibilidade de “reger as próprias ações e tomadas de decisão por um sistema de princípios segundo o qual se analisam, nas diferentes situações da vida, os valores e opções que envolvem”. A construção interna e pessoal, assim como a construção de princípios considerados válidos para si e para os demais, implica considerar-se como um sujeito em meio a outros sujeitos. O desenvolvimento da capacidade ética permite considerar e buscar compreender razões, nuanças, condicionantes, consequências e intenções. Permite a superação da rigidez moral, no julgamento e na atuação pessoal, na relação interpessoal e na compreensão das relações sociais. A educação vai contribuir afirmando os princípios éticos, incentivando a reflexão e análise crítica de valores, atitudes e tomadas de decisão, possibilitando o conhecimento de que a formulação de tais sistemas é fruto de relações humanas, historicamente situadas;

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• quanto à capacidade estética: permite produzir arte e apreciar as diferentes produções artísticas em diferentes culturas e momentos históricos; • quanto à capacidade interpessoal: envolve o compreender, o conviver e o produzir com os outros, “percebendo distinções entre as pessoas, contrastes de temperamento, de intenções e de estados de ânimo”. O desenvolvimento dessa relação com os outros permitirá ao professor se colocar no ponto de vista do outro e refletir sobre seus próprios pensamentos. Está diretamente relacionada à capacidade afetiva; e • quanto à capacidade de inserção social: se refere à possibilidade de o professor perceber-se como parte de uma comunidade, de uma classe, de um ou vários grupos sociais e de comprometer-se pessoalmente com questões que considere relevantes para a vida coletiva. Ela é fundamental no exercício da cidadania, “pois seu desenvolvimento é necessário para que se possa superar o individualismo e atuar no cotidiano ou na vida política levando em conta a dimensão coletiva”. O aprendizado de diferentes formas e possibilidades de participação social é essencial.

O desenvolvimento da capacidade ética permite considerar e buscar compreender razões, nuanças, condicionantes, consequências e intenções.


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Acontece que, tradicionalmente, a formação dos professores no Brasil não tem contemplado a dimensão da cidadania nem o tratamento aprofundado de questões que envolvam a realidade social. Como reflexo disso, a sala de aula acaba se transformando num ambiente transmissivo de informações e conteúdos e de neutralidade do conhecimento, inibindo a reflexão crítica da realidade e a criatividade dos educandos. Sem o devido preparo para o exercício pleno da cidadania, o professor vai para frente da sala para apenas ensinar, envolvido de uma autoridade incontestável e imune a qualquer avaliação, e na plateia cativa fica o aluno, cuja função é somente ouvir, copiar e reproduzir (DEMO, 2003, p. 83). Desta maneira, intencionalmente ou não, o professor acaba contribuindo para que o seu aluno se torne um indivíduo incapaz de analisar situações criticamente, de estabelecer relações entre fatos e de debater sobre o cotidiano da vida numa perspectiva coletiva, cidadã e muito além de si mesmo. “É num tempo como este que nós, educadores e educadoras, nos vemos moralmente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais e vitais sobre nosso trabalho e nossas responsabilidades, a fim de respondê-las com propostas e ações coerentes e eficazes (FERREIRA, 2006, p. 104).

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PO EM A S POEMAS Francisco Nogueira ( ) E-mail: franciscojcnogueira@hotmail.com

Amar...vivendo Viver... ousando Ousar... sabendo Saber... sonhando Sonhar... querendo Querer... lutando Lutar... amando


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Bom mesmo é desfazer o nó cego dentro da garganta.

Palavra... como te desejo (in)tento decifrá-la nunca esgotá-la.

Pode cair o maior temporal em consonância com a previsão... continuarei escrevendo, juntando consoante e vogal. Posso até enrouquecer o que não pode é faltar mão. Escrever é o que importa mesmo que na linha certa, a palavra esteja torta. Se me algemarem os punhos, assim mesmo, escreverei em rascunhos

O filhote de canguru sabe o valor da bolsa.

Se você tirar a vida para dançar e o passo errar... dançou!

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A última esperança não morre.

Estou de volta, Como num sonho, o menino. Mãos afoitas soltando arraias, cachelos e piriquitos Para alguns, brinquedos esquisitos. As frutas maduras, sempre foram minhas, Jaca, mamão, sapoti, cajá, manga e pinha Eu brincava nos quintais. Sinto que meus pés fincaram raízes.

A maior frustração da fruta madura, apodrecer sem ser comida.

Hoje cedo barulho na janela do quarto como pedrinha jogada que bate, mas não quebra. Era o amanhecer querendo te ver.

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O QUE MAIS INCOMODA

CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA INTERNET?

Bianca Serrão Orrico ( ) Psicóloga graduada pela Universidade Salvador (UNIFACS) e com formação em Psicanálise. Atua como psicóloga no canal de ajuda e orientação psicológica online sobre o uso seguro e responsável da Internet desenvolvido pela Safernet Brasil. Tem experiência no acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social. Realizou pesquisas sobre adolescentes, redes sociais e tribos urbanas. E-mail: biancaorrico@safernet.org.br

Juliana A. Cunha ( ) Psicóloga, Mestre Cultura e Sociedade (2007) pela Faculdade de Comunicação da UFBA. Psicanalista membro da Associação Científica Campo Psicanalítico. Formação Clínica da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. Foi professora do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (2005-2008), e atualmente é professora de Universidade Salvador (UNIFACS), responsável pelo Estágio Básico em “Psicologia e Novas Tecnologias”. Na SaferNet, é a coordenadora psicossocial do HelpLine Brasil, primeiro canal online de ajuda e orientação psicológica sobre o uso seguro e responsável da Internet no Brasil, credenciado pelo Conselho Federal de Psicologia: www.canaldeajuda.org.br. E-mail: julianacunha@safernet.org.br

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Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2013), o Brasil é o quarto país com maior número de nativos digitais, jovens de 15 a 24 anos que usam a Internet há pelo menos cinco anos. Estima-se hoje que o Brasil tenha mais de 105 milhões de usuários de Internet (IBOPE Media, 2013). Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011) sobre acesso a Internet, se constatou que 16,9% dos usuários têm idade entre 10 e 17 anos, ou seja, são aproximadamente 17 milhões de crianças e adolescentes frequentando (do próprio quarto, do celular, da escola ou da Lan House) este novo, gigante e global espaço público chamado ciberespaço, na maior parte das vezes, sem mediação e orientação adequadas. Costuma-se definir a Internet como uma rede mundial de computadores, mas se exclui desta definição um aspecto importante: a Internet é uma rede de pessoas conectadas a computadores, ou seja, é necessário deslocar o foco para o modo como as pessoas interagem nessa rede. Além disso, a Internet não pertence a um mundo paralelo, onde tudo é permitido e não há lei, nem regras. O que vivenciamos online faz parte de nossa vida offline e vice-versa, com os mesmos direitos e deveres. O Marco Civil da Internet, que entrou em vigor recentemente, representa um esforço no sentido de garantir neste ambiente os direitos e deveres dos cidadãos, governo e empresas. Atualmente, a Internet é o principal espaço de convívio entre crianças e adolescentes, assim como em outras épocas foram às praças e ruas. Redes sociais, games, blogs e sites de vídeos são ambientes para compartilhamento de interesses, lazer, pesquisa e interação social. Com isso, as crianças, representantes de uma importante categoria geracional, parte fundamental da estruturação social, não estão indiferentes a estes novos modelos ou modos de interação, vivenciando nesses espaços experiências relacionadas à aprendizagem, à comunicação e à criatividade. Mas como todo espaço público, a Internet oferece inúmeras oportunidades, mas também alguns riscos. De acordo com Livingstone (2009), a Internet permite diferentes possibilidades e experimentações, onde crianças e adolescentes podem expressar suas subjetividades e rebeldias, bem como identificar aspectos das relações sociais estabelecidas entre seus pares. Porém, neste contexto, assim como em outros ambientes, é possível haver contatos, situações ou conteúdos que incomodem ou causem sofrimento aos usuários, que por sua vez podem apresentar dificuldades para lidar com essa exposição.

O que vivenciamos online faz parte de nossa vida offline e vice-versa, com os mesmos direitos e deveres. O Marco Civil da Internet, que entrou em vigor recentemente, representa um esforço no sentido de garantir neste ambiente os direitos e deveres dos cidadãos, governo e empresas.

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ALGUNS NÚMEROS Para conhecer os hábitos de uso da Internet de crianças e adolescentes, o Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação (CETIC, 2012) buscou mapear as oportunidades e riscos associados ao uso da Internet, bem como entender a percepção das crianças e adolescentes de 9 a 16 anos a respeito do que vivenciam na rede. De acordo com os dados da pesquisa, 21% dos internautas navegam por celulares e 70% usam sites de redes sociais, sendo que 45% dos usuários entre 11 e 16 anos não sabem configurar privacidade nos perfis e 59% não sabem comparar sites para avaliar a veracidade das informações de riscos online. 23% dos entrevistados afirmaram que já encontraram pessoalmente alguém que conheceram através da Internet. Já 22% afirmaram que passaram por alguma situação ofensiva ou que os chateou nos últimos 12 meses. Em contrapartida, a proporção de pais/responsáveis que acreditam que o(a) filho(a) não tenha passado por alguma situação de incômodo ou constrangimento ao utilizar a Internet, no mesmo período, foi de 89%. Este último número, aponta para um gap (lacuna) geracional entre pais e filhos, indicando que a maioria dos pais não consegue acompanhar o que os filhos vivenciam na Internet. Para Livingstone (2011), existe uma deficiência social para auxiliar a infância em relação a suas aptidões e habilidades com as novas tecnologias. Isto pode ocorrer devido aos aspectos geracionais que envolvem a utilização e compreensão acerca desses dispositivos e serviços. A autora afirma que “as demandas da interface computacional são significativas, relegando muitos pais à condição de dinossauros na era da informação em que habitam seus filhos. Mas, principalmente, a atenção a essas demandas nos cega para o verdadeiro desafio da utilização das mídias digitais, nomeadamente o potencial para a vinculação a conteúdo informativo e educativo, e para a participação em atividades online, redes e comunidades (p. 12, 2009).”

A partir disso, um ponto importante a ser ressaltado é que os pais ou responsáveis não precisam ser experts em informática para educar os filhos para o acesso a Internet, mas sim, necessitam orientar crianças e adolescentes para além das habilidades técnicas, acompanhando suas atividades online e esclarecendo possíveis dúvidas sobre como realizar este uso de forma segura e responsável. Um outro alerta importante sobre a diferença geracional diz respeito à preocupação que os pais costumam ter quando seus filhos estão na Internet e o que mais incomoda crianças e adolescentes online. A principal fonte de preocupação dos pais é o contato com adultos estranhos, geralmente associado com a figura do pedófilo, medo muito intensificado por reportagens veiculadas pela mídia. Porém, os números mostram que nem de longe este é o principal risco vivido por crianças na rede. É importante salientar que não se trata de minimizar este risco, já que ele é o que pode provocar mais danos ao desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. Porém, do ponto de vista das crianças, o que mais elas mencionam como incômodos são conteúdos de extrema violência compartilhados na rede e condutas violentas, como o ciberbullying, por exemplo.

A partir disso, um ponto importante a ser ressaltado é que os pais ou responsáveis não precisam ser experts em informática para educar os filhos para o acesso a Internet, mas sim, necessitam orientar crianças e adolescentes para além das habilidades técnicas...

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Em 2013, foi desenvolvida uma pesquisa como parte do projeto EU Kids Online (European Union Kids Online), que é uma rede multinacional de pesquisa que visa aumentar o conhecimento sobre as oportunidades, riscos e segurança online de crianças europeias, na qual Livingstone e colaboradores buscaram identificar, através das palavras dos próprios participantes (cerca de 10.000 crianças entre nove e dezesseis anos), o que os incomodava online. Para 55% dos entrevistados, existem situações online que podem incomodar pessoas da sua idade, sendo que 12% das crianças informaram que algo desagradável aconteceu no último ano, 22% identificaram como incômodos conteúdos de pornografia, violência, indesejados etc. De acordo com a fala de um adolescente entrevistado, “sites como o YouTube que mostram sexo ou violência, não deveria ser permitido fazer o upload desses conteúdos na Internet, ou também vídeos de adolescentes humilhando colegas ou realizando bullying contra eles” (Menino, 15 anos, Itália). A partir dos resultados da pesquisa, foi possível identificar que alguns riscos que preocupam os adultos raramente foram mencionados por crianças. Menos de 1% citou, por exemplo, conteúdos de automutilação, jogos ou o perigo de compartilhar informações pessoais, embora algumas crianças e adolescentes fiquem preocupados com danos à reputação ou outras violações de privacidade. Para Barra e Sarmento (2002): À ideia da criança sujeitada ao domínio do tecnológico e dos poderes da rede cede lugar uma mais complexa e densa constatação: as crianças intervêm na rede, fazem e refazem as suas interacções e os seus saberes, nas condições propiciadas e constrangidas pelo meio, mas acrescentando-lhe a sua dimensão de sujeitos activos e de actores sociais (p. 3, 2002).

Isso reforça a importância de escutar mais as crianças e adolescentes, estimulando que eles participem ativamente das discussões e forneçam subsídios para formação de uma rede de proteção mais próxima das suas necessidades reais.

PARA QUAIS SITUAÇÕES NA INTERNET AS CRIANÇAS PEDEM AJUDA? Para escutar ativamente crianças e adolescentes sobre suas experiências online, a SaferNet Brasil, organização não governamental fundada na Bahia, oferece um serviço de orientação psicológica através de chat e e-mail, para crianças, adolescentes, pais e educadores sobre o uso ético e responsável da Internet, o HelpLine Brasil. Trata-se de um canal de comunicação direta com crianças e jovens, um espaço aberto, com uma equipe treinada, para que de forma dialogada e sem julgamentos, eles possam buscar informação, apoio e orientação para situações

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vividas na Internet, tais como: sexting, cyberbullying, stalker, assédio e aliciamento online, exposição inadvertida a conteúdos adultos e/ou violentos, abuso e exploração sexual, dentre outros. De acordo com indicadores do Helpline BR3, 24,5% dos usuários buscam ajuda para situações relacionadas ao ciberbullying (bullying virtual). Nessa modalidade de bullying, as ferramentas tecnológicas e as redes sociais são usadas para produzir, veicular e disseminar conteúdos de insulto, humi-


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lhação, intimidação e violência psicológica. Por ter um efeito multiplicador e de grandes proporções quando acontece, esta prática parece causar bastante incômodo e sofrimento para quem a vivencia. Dos 1861 atendimentos realizados de janeiro de 2012 até junho de 2014, 454 foram pedidos envolvendo ciberbullying. É interessante notar que uma das principais fontes de incômodo dos adolescentes é o que as outras pessoas de sua idade falam sobre eles na Internet. Entende-se a adolescência como um momento em que as relações de amizades se tornam mais importantes que as relações familiares, tornando mais compreensível por que eles sofrem tanto quando são alvos de ofensas e intimidações nas redes sociais. Outro dado que chama a atenção sobre os pedidos de ajuda feitos ao serviço é o relacionado ao fenômeno sexting, uma manifestação recente da sexualidade, especialmente na adolescência, que usa

os dispositivos móveis, aplicativos e redes sociais para produzir e compartilhar fotos, vídeos e mensagens de caráter erótico e sexual. De acordo com dados da Safernet Brasil, o número de vítimas dobrou nos últimos dois anos, foram 48 pedidos de ajuda em 2012, e 101 casos em 2013. Somente no primeiro semestre 2014, já foram 108 casos relatados, o que indica uma tendência de crescimento ainda maior neste ano. A pesquisa realizada pela SaferNet e GVT, em 2013, com 2834 jovens brasileiros, revelou que 24% diz já ter namorado ao menos uma vez pela Internet e, dentre estes, 44% já o fez mais de 2 vezes. Já 20% dos entrevistados afirmaram que já receberam conteúdos de sexting e selfie com nudez e 6% reenviou estas imagens a outras pessoas. 68% dos participantes afirmaram ter ao menos 1 amigo que só conhece pela Internet, o que aumenta ainda mais as chances do conteúdo erótico ou de nudez chegar para pessoas mal intencionadas.

É possível identificar que crianças e adolescentes possuem dificuldade em perceber a dimensão pública da Internet. É preciso discutir e esclarecer questões relacionadas à sexualidade, ao conhecimento do próprio corpo e curiosidades acerca do tema, sempre respeitando cada etapa do desenvolvimento. Mesmo sendo um assunto complexo, momentos como estes podem ser importantes para conscientizá-los sobre os possíveis riscos, para que eles possam ser orientados sobre como expressar sua sexualidade de forma segura e responsável. Por ser a Internet ser um espaço público com proporções planetárias, para que as crianças saibam utilizá-lo com segurança, é necessário que elas sejam orientadas sobre como se prevenir e se proteger assim como nos ambientes offline. Sabemos que especialmente na adolescência há muitos fatores que estimulam comportamentos de risco e que não

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basta ter a informação para mudar de atitude. Com isso, o canal de ajuda da SaferNet Brasil busca consolidar metodologias de orientação e aconselhamento com enfoque na promoção do auto-cuidado e não da repressão, tendo os jovens como protagonistas de mudanças individuais e coletivas mais perenes no âmbito da prevenção. Entendemos que as tecnologias podem ser usadas para proteção e em favor de crianças e adolescentes, incentivando o diálogo, participação direta e o seu empoderamento para o uso seguro da rede. A educação para o uso ético e responsável da Internet no Brasil tem sido um programa desenvolvido pela Safernet Brasil de alcance nacional e o envolvimento dos mais diversos atores: crianças, adolescentes, jovens, educadores, agentes do Sistema de Garantias de Direitos, pais, profissionais de saúde, segurança pública e demais interessados. A mediação e acompanhamento de pais e educadores são fundamentais para a educação digital de crianças e adolescentes. Para isto, é preciso que a escola e os responsáveis busquem se preparar para orientá-los sobre as melhores oportunidades, os conteúdos mais adequados para cada faixa etária e as situações de risco e violência que se encontram no ciberespaço. O desafio da educação para o uso seguro da Internet é promover o desenvolvimento de hábitos a atitudes saudáveis para potencializar as oportunidades que a Internet oferece e poder se esquivar dos riscos.

A mediação e acompanhamento de pais e educadores são fundamentais para a educação digital de crianças e adolescentes.

RECOMENDAÇÕES Para a educação da garotada a regra continua sendo diálogo e confiança. Converse com seus filhos sobre o que eles fazem na Internet e quem são seus amigos. Você não precisa ser um expert em tecnologia para acompanhar a vida deles online, navegue junto, aprenda com ele e esteja por perto e disponível para uma boa conversa. Seus filhos podem aprender sozinhos a usar os equipamentos digitais com muita facilidade, mas ética e cidadania não aprenderão se os pais e as escolas não promoverem esta oportunidade. Cuidado para não confundir capacidade técnica de uso com maturidade e capacidade crítica de seus filhos quando estão conectados.

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Veja algumas dicas que podem ser interessantes para iniciar esse diálogo, negociando as regras e o uso com seus filhos: – Alerte para o fato de que a webcam coloca qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo dentro da casa de vocês. Ninguém convida estranhos para entrar em casa. A mesma regra deve valer na Internet. – Mostre como a Internet é um espaço público como a praça, a rua, a praia... Ninguém divulga fotos íntimas no mural da escola, na praça de alimentação de um shopping, no clube ou distribui nas ruas. Pode-se perder o controle sobre o que será feito com elas. – Não se pode ter certeza de quem está por trás do perfil, do e-mail ou “nickname” (as pessoas podem mentir e fantasiar). – Alertar que a Internet não é um espaço sem lei e do anonimato. A polícia pode encontrar criminosos e práticas ilegais para tomar providências, mesmo em comunicações privadas; – Orientar para jamais fornecer dados pessoais a estranhos (senhas, endereço, telefones, nome de escola...); – Pedir informações sobre os amigos virtuais (quantos são, como conheceram, o que fazem juntos...), além de orientar para que qualquer encontro presencial seja feito com supervisão; – Não fazer download de arquivos enviados por desconhecidos. – Esclarecer que todas as leis e regras de civilidade e boa educação devem valer também na Internet, ou seja, é fundamental respeitar os outros online. No site www.netica.org.br, pais e educadores podem encontrar mais informações e recursos pedagógicos com linguagem adequada para diferentes faixas etárias, tais como, cartilhas, histórias em quadrinhos, fichas pedagógicas etc. Se tiver dúvidas e quiser esclarecimentos sobre a melhor maneira de acompanhar a vida online de filhos e alunos, acesse www.canaldeajuda.org.br e converse em tempo real com nossa equipe.

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SOBRE A SAFERNET BRASIL É a organização não governamental sem fins lucrativos, responsável pela Central Nacional de Denúncias de Crimes e Violações contra os Direitos Humanos na Internet, operada em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público. Além de apoiar as autoridades no combate às violações de direitos humanos na rede, a SaferNet trabalha fortemente em educação para boas escolhas online. Escolhas que protejam o usuário, que defendem a liberdade de expressão, a privacidade, a neutralidade de rede e os direitos humanos universalmente reconhecidos, e que devem ser respeitados nos ambientes online e offline. Produz materiais, realiza eventos e palestras em escolas pública e privadas, desenvolve cartilhas e projetos em parceria com a iniciativa privada, e é a principal fonte da imprensa quando o assunto é equilibrar as preocupações com segurança e liberdade na Internet. A SaferNet é também responsável pela coordenação do Dia Mundial da Internet Segura no Brasil e coopera com as Secretarias de Educação de todo o Brasil para incluir o uso cidadão, ético e seguro na agenda das escolas e nas políticas públicas voltadas à inclusão digital. Disponibiliza, também, um serviço gratuito para esclarecer dúvidas, ensinar formas seguras de uso da Internet e, também, orientar crianças, adolescentes, pais e educadores sobre situações de violência online como humilhações, intimidações, chantagem, tentativa de violência sexual ou exposição forçada em fotos ou filmes sensuais. O HelpLine Brasil faz parte da rede global de canais de ajuda e orientação Child Helpline Internacional, presente em 133 países.

Além de apoiar as autoridades no combate às violações de direitos humanos na rede, a SaferNet trabalha fortemente em educação para boas escolhas online.

REFERÊNCIAS: BARBOSA, A. F. (Coord.). TIC Kids Online Brasil 2012. São Paulo: 2013. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/kidsonline/2012/ index.htm>. Acessado em: 14 julho de 2014. BARRA, Sandra Marlene e SARMENTO, Manuel Jacinto. Child knowdlegde and web interactions. Comunicação ao Congresso Toys, Games and Media. Institute of Education of London, 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional por amostra de domicílio. Disponível em <http://www. ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2011/default_sintese.shtm>, Acessado em: novembro de 2013. LIVINGSTONE, S. e HADDON, L. (Coord.). Kids Online: Oportunities and risks for children. Bristol: Policy, 2009. LIVINGSTONE, S. Internet literacy: a negociação dos jovens com as novas oportunidades online. In: Revista Matrizes, São Paulo, ano 4, n. 2, jan./jun. 2011. LIVINGSTONE, S.; KIRWIL, L.; PONTE, C.; STAKSRUD, E. In their own words: what bothers children online? with the EU Kids Online Network. EU Kids Online, London School of Economics & Political Science, London, UK, 2013. Disponível em: <http://va.mu/2gGT> Acesso em: 11 de julho de 2014.

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SOLIDARIEDADE NAS REDES:

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UM OLHAR FILOSÓFICO

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA PPGE / FACED / MESTRADO FILOSOFIA, LINGUAGEM E PRÁXIS Ronald Carvalho ( ) Graduado em História (UFBA); Extensão em Filosofia Clássica (OINA); Mestrando em Filosofia, Linguagem e Práxis (PPGE/UFBA); Professor de Filosofia da rede particular de ensino de Salvador. E-mail: rcfilosofia@gmail.com

RESUMO Este artigo propõe uma reflexão filosófica, de bases humanistas, acerca da Solidariedade e sua práxis nas Redes Sociais Virtuais, tendo em vista que a problematização deste tema pode provocar o reencontro com sentidos mais profundos das relações humanas, que se desvaneceram em função da aceleração do ritmo de vida e da competitividade engendrados nos tempos modernos. Palavras-chave: Filosofia. Solidariedade. Redes sociais virtuais.


INTRODUÇÃO Desde que o Universo foi criado, ou se autocriou, que tudo nele se move conectadamente. O movimento é, portanto, a Lei que rege todo o Existente, permitindo que as suas infinitas partes interajam entre si através de conexões dinamicamente integradas e imbuídas de sentidos e significados. Desde que o Mundo foi criado pelo Universo, que tudo nele se move e se conecta simbioticamente, em harmonia com o seu próprio criador. E desde que o Homem foi criado pelo Mundo (ou no Mundo), que tudo nele se move espiritual, psicológica e fisicamente – na direção de possíveis conexões com o Mundo e com o Universo. Porém, o Homem é um animal social [ARISTÓTELES, 2002] e, como tal, nada parece lhe fascinar mais que a irresistível conexão com o seu semelhante. Em última instância, é ela vital para a realização da condição humana, da qual nascem a Solidariedade social e a própria sociedade. Este pressuposto pode parecer uma mera divagação filosófica, mas o seu objetivo é, antes, apontar para o seguinte dilema: se os homens na atualidade, através do desenvolvimento de toda uma “parafernália” tecnológica de comunicação, ampliaram imensamente suas possibilidades de interagir entre si, é porque dela necessitam hoje para a realização desta irresistível conexão. De fato, o surgimento das TIC (Tecnologias Informacionais e Comunicacionais) e da Internet – que desdobraram a dimensão espaço-tempo, e dela fizeram emergir as Redes Sociais Virtuais – indicam não só uma maior abrangência no campo da comunicação entre os homens, como também sugerem maior proximidade entre os mesmos. Nada mais óbvio, não fosse o paradoxo de vivermos numa sociedade de valores individualistas, em que o sentimento de desconfiança mútua é quase uma via de regra nas relações interpessoais – sintoma inequívoco da fragmentação da vida moderna, que tanto compromete a qualidade dos nossos laços sociais. Neste sentido, decorre desta análise introdutória a seguinte questão: sendo a Solidariedade um valor intrínseco à condição humana, como a sua práxis, através da Internet e das Redes Sociais Virtuais, tem sido legítima, em tempos de exacerbado individualismo?

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Este artigo propõe uma reflexão filosófica, de bases humanistas, acerca desta questão, tendo em vista que a sua problematização pode provocar o reencontro, com sentidos mais profundos, das relações humanas, que se desvaneceram em função da aceleração do ritmo de vida e da competitividade engendrados nos tempos modernos. Para tanto, procurei me guiar por alguns tratados das filosofias clássicas – tanto nas suas fontes do Oriente quanto do Ocidente –, para os quais a Solidariedade é um valor essencial para a realização da condição humana, bem como por autores contemporâneos que discutem os processos de interação humana via Redes Sociais Virtuais.

UM BREVE HISTÓRICO DAS NOÇÕES DE SOLIDARIEDADE HUMANA: “DA HUMANIDADE COMO UNIDADE À SOCIEDADE COMO ORGANISMO” Se revisitarmos “Clio” 1 em suas matrizes Ideais, desta vez nos esforçando por compreendê-la filosoficamente – depurando um pouco dos nossos apriorismos racional-cientificistas –, perceberemos que todas as sociedades humanas, embora diferentes em seus aspectos simbólico-culturais de representação, compartilharam a visão transcendental na qual todos os homens foram criados numa mesma gênese, e que o sentido potencial de suas existências, em última instância, estaria em evoluir conjuntamente na direção do reencontro com esta Unidade Criadora. Os antigos, em geral, acreditavam que a evolução 1 Clio é uma das nove musas, filha de Zeus com Mnemosine, “a memória”. É a musa da História e da Criatividade.


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das suas “humanidades” até os patamares Ideais que, em cada uma delas, o próprio desenvolvimento permitiu conceber, dependia necessariamente do esforço de cada homem em ajudar os seus pares a também evoluir. Esta “constante antropológica”, presente nas simbologias e nos sistemas de conhecimento de antigas Tradições do Oriente e do Ocidente, sugere, portanto, que a Solidariedade na antiguidade sempre foi a virtude precípua para se alcançarem “degraus mais elevados” desta escalada evolutiva rumo ao Excelso, independente dos diferentes nomes que Este recebeu nas diversas civilizações. Das obras clássicas das Tradições do Oriente podemos extrair uma infinidade de ensinamentos sagrados acerca do valor da Solidariedade Humana. Em todas elas, o Ideal de Unidade prevalece e é constantemente evocado. A Tradição Budista, no Dhammapada (apud Livraga, 2008), ou Livro dos Ensinamentos Morais, considera que um dos laços que mais dificultam a libertação do homem é o sentido de separatividade, o acreditar-se isolado e independente e não sentir-se como parte de um Todo harmônico. Logicamente, quem se conforma com sua “parte” não aspira a converter-se no Todo, a chegar ao Nirvana. (2008, p. 68)

Na obra clássica da Tradição Chinesa, Os Analetos ou Os Ensinamentos, do sábio chinês Confúcio (apud Livraga, 2008), encontra-se a seguinte passagem: Certa vez um discípulo perguntou a Confúcio: –“Mestre, qual é a forma mais idônea de servir aos Deuses?”– O Mestre respondeu: – “Antes de servir aos Deuses, preocupa-te em servir aos homens que te rodeiam, de fazê-los nobres, valorosos, honrados, justos e virtuosos. Tendo realizado isso, dedica-te aos Deuses”. (2008, p. 99)

Podemos ainda encontrar verdadeiras “pérolas de sabedoria” no Livro dos Preceitos de Ouro, da Tradição milenar do Tibete – traduzido parcialmente no Ocidente com o título A Voz do Silêncio, por Blavatsky (2005) –, tais como: (...) fecha por completo teus sentidos, discípulo, à grande e espantosa Heresia da Separatividade que te afasta dos demais. (2005, p. 73)

Certa vez um discípulo perguntou a Confúcio: –“Mestre, qual é a forma mais idônea de servir aos Deuses?” – O Mestre respondeu: – “Antes de servir aos Deuses, preocupa-te em servir aos homens que te rodeiam, de fazê-los nobres, valorosos, honrados, justos e virtuosos. Tendo realizado isso, dedica-te aos Deuses”. (2008, p. 99)

(...) deixa que as escaldantes lágrimas humanas caiam uma a uma em teu coração e nele permaneçam, sem enxugá‐las, enquanto durar a dor que as produziu. (2005, p. 74)

No que concerne às nossas raízes clássicas do Ocidente, tomemos como exemplo as lições acerca do valor da Solidariedade, de Sócrates, Platão e Aristóteles. Na obra A República, de Platão (apud

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AVELINO, 2005), num dos trechos do diálogo travado entre Sócrates e Glauco, encontra-se a seguinte conclusão socrática:

Corroborando com este ponto de vista, Almeida (2007) diz textualmente em seu ensaio intitulado Antropologia da Solidariedade :

Nossos cidadãos participarão, pois, em comum dos interesses de cada indivíduo particular, interesses que considerarão como seus próprios, e, em virtude desta união, todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores. (2005, p. 234)

Ultrapassando o senso comum e este uso instrumentalizado da solidariedade, encontramos algumas indicações mais lúcidas do conceito que aponta na direção de uma superação do individualismo moderno. Parece que nas sociedades tribais e no monolitismo político-cultural da Idade Média havia pouco espaço para a subjetividade. A sociedade era um corpo sólido. Neste sentido poderíamos identificar aí uma espécie de solidariedade cultural. Se voltássemos à filosofia grega clássica, encontraríamos a humanidade compreendida cosmologicamente. O ser humano, portanto, fazia corpo sólido com o cosmos. Era literalmente “humano”; porção humanizada da Terra. Estes valores cosmológicos e culturais parecem entrar em crise com o advento da modernidade e com a descoberta cartesiana do sujeito. As instituições que permaneciam como receptáculos da solidificação social começam, aos poucos, a entrar em crise. Ultimamente podemos perceber, sem muitas pesquisas, esta crise chegando a instituições aparentemente sólidas como é o caso da família, ou mesmo do Estado, sem falar das religiões. (2007, p. 1)

Podemos perceber claramente que Platão apontava com objetividade para a Solidariedade como a virtude que asseguraria uma convivência social justa e harmoniosa. Seguindo o mesmo caminho do seu Mestre, em A Política, Aristóteles pondera que “o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e outros animais que vivem juntos” (ibidem, p. 235). Vale ressaltar que, segundo a teoria aristotélica, o Estado seria o primeiro objeto a que se propôs a Natureza, uma vez que o todo existe necessariamente antes da parte. Nesse sentido, afirma Aristóteles (ibidem, 2005): As sociedades domésticas em que os indivíduos não são senão as partes integrantes da cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade. (2005, p. 236)

Na Idade Média, a Solidariedade esteve imbricada ao predomínio da Fé Cristã e aos laços nobiliárquicos e de dependência entre os distintos estamentos que compunham o quadro social dessa época.

Não que o sentido de Solidariedade como Valor fundamental para a vida em sociedade tenha sido abandonado na Modernidade. O que houve foi que, no transcurso desta época, sob o crivo do racionalismo cartesiano do Penso, Logo Existo, ela “elevou-se” do estatuto de “Valor Universal” para o de “Valor Sociológico”, notadamente após as conclusões de Émile Durkheim, em sua Da Divisão Social do Trabalho. Nesta obra, “o pai da Sociologia”, ao investigar a sociedade industrial do século XIX, desenvolve o conceito de “Solidariedade Orgânica”, que define o processo de individualização dos membros da sociedade moderna, os quais assumem funções específicas dentro de uma divisão social do trabalho.

Saltando para a Modernidade, podemos deduzir que, neste contexto histórico de intensa racionalização e fragmentação da compreensão humana em áreas especializadas de conhecimento, a noção de Solidariedade foi desencantada e desprovida de seu nexo cosmológico natural, adquirindo contornos mais funcionalistas e utilitaristas.

Segundo a teoria sociológica de Durkheim, a sociedade seria um todo estruturado, externo e independente do indivíduo, que ocupa uma dimensão concreta capaz de moldar o comportamento social. Neste sentido, é ela quem determina a ação comum, o compartilhamento de hábitos, costumes, normas morais, sentimentos de apoio e proteção

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mútuos – enfim, sentimentos e valores que, segundo o autor, são derivados do meio social em que nasce e vive o indivíduo. Por fim, o nascimento do pensamento sociológico influenciou decisivamente a nossa compreensão moderna acerca de “o que é a Sociedade”, bem como do seu sentido de “vida em coletividade”. Por conta disso, os processos de interação humana, próprios da vida em coletividade, até pouco tempo atrás, eram significados a partir da sua maior ou menor capacidade em promover o bom funcionamento do tecido social. Em outras palavras, desenvolvemos uma compreensão sociológica de base positivista e nos acostumamos a pensar que as relações sociais funcionam organicamente a partir de uma suposta ordem social que lhes é intrínseca. Mas aí veio a Internet...

A SOLIDARIEDADE NAS REDES: “ADAPTAÇÃO E POTENCIALIDADES” O nosso mundo vive atualmente um processo de transformação estrutural em que as realizações da Razão têm superado muito as expectativas, mesmo daqueles que viveram há poucas décadas. Esse processo envolve mudanças multidimensionais e está associado à emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que difundiram e popularizaram globalmente a Rede Mundial de Computadores, mais conhecida como Internet. Criada inicialmente para fins militares-governamentais norte-americanos, em meados da década de 60 do século passado, a Internet migrou para as universidades – o que impulsionou o seu aprimoramento – e destas para o mercado de consumo doméstico, tornando-se em pouco tempo o maior conglomerado de comunicações em rede do mundo. Segundo, CASTELLS (1999) Redes constituem a nova morfologia social de nossa sociedade, e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos (...) de experiência, poder e cultura. Embora a forma de organização social

em redes tenha existido em outros tempos e espaços, o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para

sua expressão penetrante em toda a estrutura social. (1999, p. 497)

Destarte, nestes tempos de modificações que aceleram a vida cotidiana, o valor Solidariedade vem se adaptando ao frenesi de um modo de vida cada vez mais virtualizado e dependente desta ferramenta de comunicação em rede. Potencialmente, a Internet tornou-se, na sociedade atual, a principal porta de entrada para engajamentos, discussões e ações solidárias, fenômeno quantitativamente sem precedentes na história da humanidade. Entretanto, muito da dinâmica de expansão deste “solidarismo virtual” pode ser atribuído a uma surpreendente inovação da própria Internet: as “Redes Sociais Virtuais”. Segundo Machado e Tijiboy (2005) Com o desenvolvimento das ferramentas tecnológicas, principalmente aquelas promovidas pelo advento da Internet, emergem em nossa sociedade novas formas de relação, comunicação e organização das atividades humanas; entre elas, merece destaque o estudo de redes sociais virtuais. As redes sociais apoiadas por computadores utilizam-se de diferentes recursos, entre eles: e-mails, fóruns, listas de discussão, sistemas de boletins eletrônicos (BBSs), grupos de notícias, Chats, Softwares Sociais como Orkut, Muvuca etc. (2005, p. 2)

Aguiar (2007) acrescenta ainda que A expressão “redes sociais na Internet” vem sendo utilizada, tanto na mídia quanto em estudos acadêmicos, para se referir indistintamente a tipos de relações sociais e de sociabilidades virtuais que se diferenciam em dinâmicas e propósitos. (2007, p. 2)

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Com base nessas definições, vale aqui apresentar algumas considerações acerca do papel social que elas têm assumido atualmente, bem como algumas incongruências que estão imbricadas neste processo. Em primeiro lugar, é possível afirmar que as Redes Sociais Virtuais, cada vez mais presentes na vida cotidiana de milhões de pessoas, são territórios democráticos de coesão social que sugerem processos de interação humana convergentes, em escala local e global. Ademais, segundo Serradourada e Rincón (2011): [elas] podem potencialmente passar a ser de vital importância para atenuar os problemas da sub-representação política e de desagregação social, desempenhando um papel fundamental no processo de interconexão entre indivíduos e grupos de ação coletiva que se encontram territorialmente dispersos, uma vez que, tal como o cita Eisenberg (1999, p. 9), é capaz de expandir as redes de interação social para fora das “unidades políticas territorialmente definidas pela organização do Estado moderno (2011, p. 3)

Em segundo lugar, as Redes Sociais Virtuais, quanto às discussões e ações promovidas no seu âmbito, parecem cada vez mais substituir os convencionais espaços da vida pública. Com suas “virtualidades” e inovações tecnológicas comunicacionais, que possibilitam trocas instantâneas de informações e interlocuções mais abrangentes em tempo real, elas se têm tornado as verdadeiras “ágoras” da nossa sociedade. É preciso salientar, contudo, que a sua popularização e expansão não se devem apenas às potencialidades que trazem consigo. Um outro vetor, simultaneamente, tem contribuído para o crescimento de sua utilização: a fragilização dos laços sociais de natureza “concreta”, decorrente das incertezas, inseguranças e desconfianças mútuas nutridas e compartilhadas pelas pessoas cotidianamente. Em outras palavras, por força de uma configuração social pouco coesa, consciente ou inconscientemente, as pessoas procuram compensar virtualmente as incongruências engendradas pelo individualismo do seu comportamento no âmbito “concreto“ das relações sociais. Neste sentido, lançam-se “virtualmente” como no movimento de retorno do pêndulo, em relacionamentos amorosos, causas políticas,

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projetos sociais ou campanhas solidárias de todos os tipos, pois, em matéria de desdobramento do real, a proximidade entre as pessoas não exige mais a contiguidade física; em contrapartida, a contiguidade física não determina mais a proximidade entre as mesmas (Baumann, 2001). Este autor, porém, não deixa de ressaltar criticamente que não dividir o mesmo espaço “concreto”, evitando o contato direto e os conflitos inerentes a esta modalidade de convívio social corpo a corpo, sugere um nível de comprometimento humano fluido, e, portanto, mais fácil de ser rompido. Para melhor entender este processo de adaptação do valor Solidariedade, ao meio virtual, observemos as seguintes “manchetes” de matérias jornalísticas, publicadas em diferentes sites de notícias: “Os velhos pedidos de carona ganharam o mundo virtual: estudantes criam numa rede social, uma página solidária para estimular a oferta e os pedidos de carona nas universidades brasileiras”. (Último Segundo, 12/07/2010) “Solidariedade: numa rede social, tetraplégico consegue arrecadar R$ 104 mil para tratamento médico nos EUA”. (Estadão, 12/10/2010)

Estas campanhas de solidariedade poderiam ser apenas mais umas dentre tantas noticiadas no Brasil recentemente. Porém, pelo impacto que causaram, em termos de mobilização de pessoas, podemos avaliar a capacidade que as Redes Sociais Virtuais têm de difundir “causas” e convergir interesses solidários, revelando-se como um meio muito adequado de divulgação de campanhas e movimentos de Solidariedade. Com efeito, tornaram-se um eficiente aporte para as iniciativas de fomento à Solidariedade, promovidas por organizações da Sociedade Civil e por algumas instituições religiosas. Até o Papa, regularmente, se tem utilizado delas para sensibilizar e mobilizar os católicos em torno de ações solidárias: “O papa Francisco pediu hoje (23) em sua página no Facebook que católicos sejam “cidadãos digitais” construtivos ao usarem a Internet, que definiu como um “dom de Deus”, para manifestar solidariedade”. (Agência Brasil EBC, 23/01/2014)


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Nos últimos anos, porém, o que tem mais chamado atenção são as iniciativas de pessoas comuns que utilizam as Redes Sociais Virtuais para fins solidários, de forma livre e em cumprimento com os ditames de suas próprias consciências. Esta é uma tendência que deverá crescer ainda mais nos próximos anos, pois não são poucas as pessoas que buscam ajudar outras por meio da utilização de suas páginas. Além disso, nesta trama de conexões digitais, o “Solidarismo Virtual” aparece como um segmento autônomo, descentralizado e bastante diversificado no que tange à promoção de campanhas e movimentos em torno da Solidariedade, abarcando tanto causas específicas quanto universais. Com o advento da Web 2.0, que transformou a Internet numa “plataforma” capaz de abrigar inúmeros softwares, este segmento teve grande impulso, tornando-se um dos mais populares no meio virtual. Hoje, até mesmo o Facebook criou um software exclusivo para práticas solidárias: o Causes e, mais recentemente, o Jumo, uma rede social para conectar ativistas com organizações sem fins lucrativos e instituições de caridade. Outrossim, as Redes Sociais Virtuais estão dando um grande impulso na “onda” do conhecimento livre compartilhado e do colaboracionismo através da adesão de muitos interagentes ao movimento conhecido como Software Livre 2. No entanto, as redes sociais virtuais podem não ser o espaço ideal de expressão da Solidariedade humana, já que os seus aportes nunca serão suficientemente capazes de produzir com profundidade as instâncias espirituais, cognitivas e afetivas de que necessitam as pessoas para se tornarem melhores como seres humanos. Estas instâncias são da ordem da significação existencial dos seres humanos como seres sociais, cujos mistérios só podem ser minimamente acessados no encontro corpo a corpo. Mas em tempos de individualismo e competitividade, engendrados pelas nossas desventuras ao longo da 2 Segundo a Free Software Foundation (Fundação para o Software Livre), é considerado livre qualquer programa que pode ser copiado, usado, modificado e redistribuído de acordo com as necessidades de cada usuário. Em outras palavras, o Software é considerado livre quando atende a esses quatro tipos de liberdades definidas pela fundação.

história, o que tem mais estimulado hoje a busca do vínculo social? O que mais tem contribuído hoje para a ressolidificação dos laços da nossa sociedade globalizada, carente de senso de Unidade? O que tem mais proporcionado hoje experiências que revelam a força da interdependência humana e da ação coletiva? Por tudo isso, a legitimidade da práxis solidária no âmbito das Redes Sociais Virtuais deve estar ancorada na utilização das mesmas de maneira cada vez mais ética e responsável, uma vez que estes aportes tecnológicos de comunicação estão sujeitos a contradições capazes de enfraquecer as suas potencialidades gregárias.

No entanto, as redes sociais virtuais podem não ser o espaço ideal de expressão da Solidariedade humana, já que os seus aportes nunca serão suficientemente capazes de produzir com profundidade as instâncias espirituais, cognitivas e afetivas de que necessitam as pessoas para se tornarem melhores como seres humanos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos concluir, a partir deste breve retrospecto histórico que, seja por meio do acatamento das Leis da Natureza, da Fé, da Razão Social ou das Tecnologias de Comunicação, a Humanidade sempre buscou a sua Unidade pela Solidariedade. E hoje, apesar do tempo transcorrido, este nobre Valor, tão sagradamente evocado nas obras clássicas dos chineses, tibetanos, gregos e cristãos; tão conceituado nos sistemas filosóficos e científicos modernos, continua tendo validade no mundo atual das Redes Sociais Virtuais. Com efeito, estamos diante de algo que, na visão de Jung (2000), é considerado um dos quatro Arquétipos fundamentais da condição humana e, como tal, a sua pertinência ultrapassa totalmente os limites espaciais e temporais da própria história. Vivemos hoje num momento histórico de profundos valores materialistas e, consequentemente, nos habituamos a compreender as coisas e os fenômenos que compõem a nossa realidade sob a ótica cientificista moderna. Sendo assim, desprovidos de uma visão filosófica que nos permitiria ver “por detrás das aparências”, construímos e acomodamos “conceitos” sobre a Humanidade, tendentes a serem superados logo que outros “mais científicos” sejam criados e estabelecidos. Para além destas conceituações relativistas modernas, a Humanidade continua evoluindo ciclicamente e, em sua marcha de avanços e retrocessos, demonstra ser uma Unidade Atemporal, cujas partes estão conectadas – como elos de uma grande corrente – por profundos laços de Solidariedade, que lhe dão força, sentido e perpetuação. Com efeito, o complexo e caleidoscópico processo de desenvolvimento humano ao longo da história – sempre marcado por contradições, conflitos e rupturas de todos os tipos – tem-nos levado, por vezes, a sugerir o contrário e, a depender do enviesamento teórico, a afirmar até mesmo que a história da Humanidade se constituiu através de uma luta de “todos contra todos”, em definitivo. Porém, se cairmos nesta armadilha psicológica, lembremos pelo menos que um dia a Terra foi “o centro do Universo”, dentre outras razões porque, todos os dias, é o Sol que parece girar sobre ela.

REFERÊNCIAS AGUIAR, S. Redes Sociais na Internet: desafios à pesquisa. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação / XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Santos, 2007, pág. 2. Disponível em: http://www.ciseco.org.br/index.php/ artigos/105-redes-sociais-na-internet-desafios-a-pesquisa Acessado em 29/01/2014. ALMEIDA, João Carlos. Antropologia da Solidariedade. CEMOrOCFeusp/ IJI – Univ. do Porto, 2007, pág. 1. Disponível em: www.hottopos. com/notand14/joao.pdf, Acessado em 05/02/2014 ARISTÓTELES. A política. Traduzido por Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. AVELINO, Pedro Buck. Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n.º 53, out/dez, São Paulo: 2005, p.235 – 236. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2001. BLAVATSKY, H. B. A Voz do Silêncio. Traduzido por José Carlos Fernandez. 1º Edição, Porto, 2005, pág 73 – 74. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura, vol. 3, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1999, pág. 497. JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Obras Completas. Vol. IX/I. Petrópolis. Ed. Vozes. 2000. MACHADO, J. R.; TIJIBOY, A. V. Redes Sociais Virtuais: um espaço para efetivação da aprendizagem cooperativa. CINTED-UFRGS na, Porto http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/13798 SERRADOURADA, R. N.; RINCÓN, A. C. L. Redes Sociais Digitais: Novo Centro de Poder. PPGG / UnB, Brasília, 2011, pág. 3. Disponível em: http://www.egal2013.pe/wp-content/uploads/2013/07/Tra_Renata-Nasser-Serradourada-Ana-Cevely-Leon.pdf. Acessado em 30/01/2014.

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DOSSIÊ TEMÁTICO

POLÍTICA E GESTÃO DA EDUCAÇÃO SIGNIFICADOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL: A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES DIANTE DA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO

Lívia Almeida Figuerêdo ( )

Psicóloga. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco-Univasf. Trata-se do Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado pela autora à Universidade Federal do Vale do São Francisco como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Psicologia. Membro do Grupo de Pesquisa: Educação, Política, Indivíduo e Sociedade (Epis). Integrante do Grupo de Trabalho em Psicologia e Educação do Conselho Regional de Psicologia 3ª Região e do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (Núcleo Bahia). Psicóloga no Complexo Cidade da Luz onde realiza trabalho voluntário no Núcleo de Psicologia Pablo Duran e na Escola Municipal Carlos Murion. E-mail: figueredo.livia@gmail.com

Marcelo Silva de Souza Ribeiro ( )

Doutor em Ciências da Educação pela Université du Québec à Chicoutimi (Uqam). Mestre em Ciências da Educação pela Université du Québec à Chicoutimi (Uqam). Especialista em Educação Especial pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Especialista em Educação a Distância pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Graduado em Psicologia pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió - Cesmac. Grupo de Pesquisa em Representações Sociais, Imaginário e Educação Contemporânea e em Políticas Públicas, Formação de Professores e Educação Contemporânea (pelo Laboratório de Estudos e Práticas Interdisciplinares - Letrans). Professor da Universidade Federal do Vale do Francisco (Univasf). Professor-orientador da pesquisa. E-mails: marcelo.ribeiro@univasf.edu.br / mribeiro27@gmail.com

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RESUMO O presente artigo reflete sobre os significados atribuídos pelos professores à educação integral diante do contexto de implantação do Programa Mais Educação (PME). Considera-se que a experiência dos professores em contato diário com o PME é um importante constituidor dos significados atribuídos por eles à educação integral. Tais significados, por sua vez, norteiam, em um movimento cíclico e dialógico, os comprometimentos dos professores com a adoção do modelo integral de educação. Utilizando-se da abordagem etnográfica, foram realizadas entrevistas semiestruturadas e observação participante com professores-colaboradores pertencentes ao quadro efetivo de um colégio estadual do município de Juazeiro-BA. De modo geral, percebeu-se na fala dos professores-colaboradores um conhecimento incipiente sobre a educação integral. Além disso, observou-se desarticulação e estranhamento entre os professores da escola e os monitores do PME. Sugere-se, então, que seja dada maior atenção às experiências que têm se desenrolado cotidianamente nos contextos escolares a partir da implantação do PME, incentivando o comprometimento dos professores com o programa e com a adoção do modelo integral de educação. Salienta-se ainda a urgência de serem mobilizadas estratégias formativas em educação integral para profissionais da educação básica. Palavras-chave: Educação integral. Experiência. Políticas públicas. Prática pedagógica. Significados.

ABSTRACT This paper aim to think about the meanings assigned by the teachers to the integrated education in the context of the consolidation of the Programa Mais Educação - PME (Plus Education Program). It is considered that the experience of the teachers in daily contact with PME is an important linking to the meanings assigned to the whole education. Those meanings by itself shows the dialogical and cyclic movement of the commitment of teachers with the whole educational public politics. We used the ethnographic approach to interview teachers with semi structured questions and we also used the participant-observation with teachers-collaborators pertaining to the effective staff of a school in the city of Juazeiro-BA. As a general conclusion, it was perceived in the speech of the teachers-collaborators an incipient knowledge about both the integrated education and the PME, it was also noted a dislocation and estrangement between teachers and monitors. So it is suggested that considerations have to be given to the experiences that have unfolded daily basis in school from the implementation of PME, encouraging teachers’ commitment to the program and the adoption of the integrated model of education. We emphasizes also the urgency of training strategies, mobilized by education for professionals in basic education. Keywords: Experience. Integrated education. Meanings. Pedagogical practice. Public policies.

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1. EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL: A MODIFICAÇÃO EM CURSO A prática pedagógica centrada no modelo tradicional de pedagogia desenvolvida na maioria das escolas públicas brasileiras tem-se mostrado extremamente ineficaz ao processo de aprendizagem. A dissociação promovida entre a vida e a escola, além da forma isolada como a prática educativa ocorre, não tem conseguido formar o cidadão com as competências e habilidades que a nossa contemporaneidade exige. Nesta perspectiva, políticas públicas e ações governamentais têm sido operacionalizadas no sentido de adotarmos gradativamente o modelo de educação integral como forma de aproximar a vida e a escolarização, ressignificando, portanto, a prática educativa. Essas políticas e ações buscam ainda fortalecer a prática pedagógica coletiva, promovendo a co-responsabilização entre escola, família, setores sociais e comunidade local sobre o ato de educar (MOOL, 2012). A prática pedagógica realizada no Brasil, se comparada à desenvolvida em outros países como Estados Unidos, Inglaterra e Itália, encontra-se num patamar bastante atrasado, tendo em vista que, nestes países, as possibilidades e fronteiras entre a vida e a educação apontadas acima já vêm sendo objeto de pesquisas e intervenções há bastante tempo, vislumbrando uma prática pedagógica que contemple a visão do ser humano enquanto ser integral, possuidor de variadas dimensões aptas ao desenvolvimento (CAVALIERE, 2002). Estas múltiplas dimensões precisam ser contempladas na formação escolar pelo desempenho de práticas que visem possibilitar, aos alunos, a reconstrução de suas experiências cotidianas durante o processo de ensino-aprendizagem.

A prática pedagógica centrada no modelo tradicional de pedagogia desenvolvida na maioria das escolas públicas brasileiras tem-se mostrado extremamente ineficaz ao processo de aprendizagem.

Assim, unindo esforços em prol dos objetivos apontados anteriormente, os legados de Anísio Teixeira (1930; 1984) e de Paulo Freire (1987; 2001) têm contribuído significativamente para o repensar da prática pedagógica e dos espaços educativos no Brasil. Para além das utopias que ainda hoje são horizontes desejados pela educação brasileira, esses dois pensadores da educação, militantes pelo direito e pela qualificação da educação pública, mobilizaram e continuam a inspirar iniciativas de planejamento e operacionalização de políticas públicas em prol de aprendizagens significativas, de uma educação integral, em tempo integral e que preze pela qualidade e efetividade da prática pedagógica ao alcance de todos. Desde então, várias ações estratégicas de mobilização de políticas públicas têm sido pensadas e implantadas nas escolas brasileiras. Como exemplo contemporâneo, trazemos o Programa Mais Educação1 (PME), que se caracteriza enquanto uma das várias estratégias adotadas em busca da ampliação gradativa da jornada escolar a caminho da indução de 1 O Programa Mais Educação foi instituído através da Portaria Interministerial nº 17, em 24 de abril de 2007. Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas educacionais e sociais que visa contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens. (BRASIL, 2009a).

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uma política de Educação Integral. O PME integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) estabelecido pelo Decreto nº 6.253/2007 e propõe a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas, como forma de qualificar a aprendizagem do sujeito. Este, valorizado em todas as suas dimensões, desenvolveria, de forma mais adequada, suas potencialidades (BRASIL, 2009b). O PME aponta para uma tarefa educativa compartilhada entre a escola e os profissionais de outras áreas da conjuntura social, viabilizada por meio de práticas intersetoriais, incluindo também o apoio das famílias e agentes comunitários, no sentindo de, juntos, promoverem ações pedagógicas (BRASIL, 2009c). Para educar integralmente torna-se fundamental perceber a cidade como espaço pedagógico, no qual os educandos podem utilizar seus territórios formais (creches, escolas e universidades) e informais (praças, museus, igrejas e clubes) como mediadores das aprendizagens. Aos diversos atores escolares e sociais cabe mobilizar estratégias de articulação, ressignificação e fortalecimento desta proposta “de modo que a própria cidade se constitua como espaço de formação humana” (MOLL, 2012, p. 133).

Junto a esse movimento prematuro de transição por uma escola de educação integral em tempo integral, sugere-se que: A formação dos educadores associados à proposta de Educação Integral é tarefa a ser construída, tanto pelos cursos de formação inicial e continuada quanto pelos sistemas e pelas próprias escolas levando-se em conta, essencialmente, uma reestruturação na formação e valorização dos educadores, na organização das escolas e dos sistemas de ensino, na democratização e na eficiência da gestão. (PACHECO, 2008 p. 7).

Ressalta-se que a efetiva operacionalização das práticas pedagógicas desempenhadas no sistema público de educação (que hoje são marcadas pela dissociação entre a vida e a escola, além do alto índice de reprovação e evasão que ilustra a ineficácia do nosso atual modelo educativo) dependerá, principalmente, da capacidade de articular os estudos teóricos realizados e a análise das significações surgidas dos embates diários no espaço escolar, vivenciadas especialmente, pelos professores (principais agentes educativos que, por ocuparem tal função, necessitam ser envolvidos na operacionalização de qualquer reconfiguração educacional que se pretenda eficaz).

2. POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES Construir uma política pública em educação integral exige que seus idealizadores busquem compreender os significados atribuídos pelos professores à sua formulação e estratégias de implantação, tendo em vista que estes, em parceria com outros atores escolares, são os agentes diários capazes de efetivar ou negligenciar a real necessidade de tal política. A inclusão de estratégias de implementação de políticas educacionais, por meio de Programas, a exemplo do Mais Educação, interferem no desenvolvimento da prática pedagógica do professor, por inserir no contexto escolar novos sentidos e tecnologias que exigem transformações diretas na prática docente para as quais, na maioria das vezes, os professores não possuem as habilidades e competências, ou não foram devidamente capacitados de forma a colaborar com sua efetivação. Essa problemática exige uma ampla reflexão sobre os modos de apropriação particulares que tais programas têm assumido no cotidiano escolar. Posto o anterior, Souza (2006) afirma que o fato de a implantação das políticas educacionais ocorrer na maioria das vezes de forma hierarquizada, sem uma consulta à experiência dos agentes diários da ação escolar, tem gerado várias formas de resistência, questionamentos, descontentamento e de descompromisso do professor com o seu trabalho.

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Ao analisarmos a história da política educacional brasileira é fácil identificar estratégias e programas marcados pela descontinuidade administrativa e política que, em consequência disso, se tornaram ineficazes à qualificação da educação. Neste sentido, a experiência dos professores em contato com os programas oficiais deixou marcas que comprometem negativamente a credibilidade depositada na implantação das políticas educacionais. Considerando a política educacional da qual o PME é parte constitutiva, exposta no PDE/2007, salientamos que o cumprimento das metas de desenvolvimento educacional, no caso brasileiro, ao longo de décadas, tem estado a critério de organismos internacionais. Esta especificidade tem permitido a imposição, nas escolas públicas, de estratégias políticas imediatistas que objetivam superar problemáticas que impedem o bom desempenho do Brasil nas avaliações internacionais. Assim, evidencia-se a urgência de implantação de políticas educacionais que, diferentemente das observadas em décadas anteriores, marcadas negativamente na memória dos professores, possam garantir modificações duradouras na prática educativa que resultem em avanços consistentes na qualificação da educação brasileira. Logo, a busca pela superação das deficiências do sistema público educacional deve ser efetivada por meio de ações permanentes e sustentáveis. Nesse sentido, as políticas públicas se deparam com o desafio de pensar para além do imediatismo desenvolvimentista imposto pelo mercado internacio-

nal e construir propostas que garantam financiamento permanente e substancial para a prática educativa capaz de garantir melhorias na estrutura física das escolas, além de avanços na formação, remuneração e valorização da profissão docente. Ilustrado o quadro acima, o sugerido é que as experiências cotidianas ocorridas a partir da implantação de políticas e programas oficiais nos contextos escolares devem ser objeto de estudo entre pesquisadores da área educacional, sobretudo no que diz respeito às atribuições de significados que marcam, indelevelmente, o desempenho da prática pedagógica do professor em nosso país. Tratando especificamente das estratégias de indução da política de Educação Integral no Brasil, observadas no cenário educativo atual, destaca-se, neste estudo, o Programa Mais Educação (PME) enquanto um contexto pertinente à investigação dos significados atribuídos pelos professores à educação integral. É importante ressaltar que este programa tem ocupado lugar de destaque entre os programas nos moldes da educação integral implantados em nosso país. Neste sentido, o objetivo da pesquisa foi compreender os significados atribuídos pelos professores à educação integral diante do processo de implantação do Programa Mais Educação. Para atingir tal objetivo, procurou-se identificar a compreensão dos professores sobre a educação integral e relacioná-la às experiências vivenciadas no contexto escolar, a partir da implantação do PME.

EDUCAÇÃO BRASILEIRA

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3. A CONSTITUIÇÃO DOS SIGNIFICADOS A constituição dos significados ocorre em meio às vivências diárias estabelecidas nos contextos nos quais estamos inseridos, espaços nos quais se descortinam a história, as ações, os engajamentos e as decisões que estão imbricadas na produção dos significados que atribuímos (AMATUZZI, 2001). Logo, a compreensão dos significados atribuídos a determinada política educacional implantada no contexto escolar torna-se possível por meio da contemplação investigativa, seguida da interpretação dos modos pelos quais as políticas públicas estão sendo apropriadas no espaço escolar e transformadas em atividade pedagógica, em prática docente, em práticas institucionais e, portanto, em prática política (SOUZA 2006). Amatuzzi (2001) afirma que a atribuição de significados2 é caracterizada como algo que mobiliza o sujeito no aqui e agora, delineando seus comprometimentos e sua vivência atual, cujo mecanismo de desvelamento encontra-se no relato da experiência individual. Neste sentido, torna-se necessário à investigação científica, o reconhecimento da experiência do sujeito relatada por ele mesmo, enquanto principal mecanismo de expressão dos significados que mobilizam a sua ação. Sobre o conceito de experiência tratado acima, Ribeiro (2007, p. 104) afirma: Pode-se dizer que a experiência implica vivência e implica um imbricamento dos parceiros. Assim, o sujeito experimenta ser professor na vivência, vivendo, atuando e na relação com o outro, que pode ser os seus alunos, os seus pares, ou na preparação de uma aula, ou na própria reflexão de ser professor.

Deste modo, é atribuída à prática pedagógica do professor e à sua produção de significados uma característica de temporalidade espacial e identitária, na qual a experiência do professor acontece em determinado tempo e contexto, participante de determinada política. 2 Amatuzzi (2001) utiliza o termo sentido, entretanto se adotará o termo significado ao longo da escrita objetivando maior linearidade textual.

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Corroborando com a ideia anterior, Freire (2001, p. 40) afirma: “Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte.” Logo, a prática pedagógica do professor tem espaço e expressão permitida pela interação com outros agentes escolares e é marcada também pelos delineamentos político-sociais que encontram nas políticas oficiais, fortes implicadoras de sua atribuição de significados e tão logo de sua prática pedagógica. Assim, propomos o direcionamento do olhar para as questões envolvidas no exercício diário da prática pedagógica, ou seja, sugere-se nortear a formação e as pesquisas educacionais para o estudo da prática diária do professor, problematizada por situações que exigem sua ação imediata, analisando os significados que atribui a tal experiência. Salienta-se a pertinência de perceber o professor por sua ação prática cotidiana e por seus posicionamentos frente a essa prática. Deve-se também, valorizá-lo enquanto um profissional reflexivo que constantemente reconstrói sua prática considerando as experiências cotidianas (SCHÖN 2000). Deste modo, é pertinente promover a valorização das experiências vivenciadas pelos professores no cotidiano escolar, a partir da implantação de políticas educacionais, enquanto potencialmente fundantes da atribuição de significados que passam a nortear a prática pedagógica. Assim, consideramos essencial compreender os significados atribuídos pelos professores à educação integral diante da implantação do Programa Mais Educação, como forma de desvelar o comprometimento e as formas de enfrentamento assumidas pelos professores perante as problemáticas vividas cotidianamente em sua prática pedagógica.

Salienta-se a pertinência de perceber o professor por sua ação prática cotidiana e por seus posicionamentos frente a essa prática.


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Em tempo, frisamos que a atribuição de significados e a experiência vivenciada cotidianamente na prática pedagógica se autoinfluenciam num movimento contínuo e circular, que tem no solo das relações com outros parceiros escolares o espaço de construção simbólica. Este espaço se desvela por meio da expressão e pode ser apreendido pela fala do sujeito e pela observação de sua experiência prática em contexto de interação (MOREIRA, 1995).

A observação participante, caracterizada pela sua profundidade, ocorreu por meio de observações livres de situações cotidianas vivenciadas pelos professores-colaboradores da pesquisa. Foram focalizadas as relações institucionais vividas no espaço escolar a partir da implantação do PME, tendo como objeto o engajamento dos professores-colaboradores. Foram observados, dentre vários momentos de interação, os seguintes elementos: a vida diária escolar, as formas, as maneiras, as estratégias e os processos que constituem o dia a dia da escola e suas relações. Todas as observações foram registradas em diário de campo.

4. O CAMINHO TRILHADO

A observação participante foi possível em função do Estágio Profissionalizante3 realizado pela estagiária-pesquisadora na escola. As principais atividades compreendiam a participação em reuniões pedagógicas, intervenção nas práticas de ensino-aprendizagem, articulação do Programa Pibin/Mais Educação4, realização de oficinas, colaboração em curso de formação docente, além de observações e entrevistas realizadas ao longo do período de estágio.

A pesquisa de caráter qualitativo buscou interpretar os significados atribuídos pelos sujeitos-colaboradores, identificando-se com a abordagem de características etnográficas. Efetuamos observação participante e entrevistas semiestruturadas com três professores-colaboradores de uma escola pública estadual localizada no município de Juazeiro, Bahia, na qual o Programa Mais Educação havia sido implantado no ano de 2011. A abordagem etnográfica foi escolhida por possibilitar descrever e compreender as situações vivenciadas cotidianamente pelos sujeitos-colaboradores no espaço escolar, e assim, revelar os múltiplos significados atribuídos à experiência (FAZENDA, 2006). Inicialmente foram selecionados três professores pertencentes ao quadro permanente da referida escola. Esses foram escolhidos por ministrarem aulas em turmas do ensino fundamental nas quais havia alunos que participavam das atividades do PME. Tendo sido abordados de forma livre no ambiente escolar, os professores puderam optar por participar ou não da pesquisa. Após aceitação dos três professores, iniciamos o processo de observação participante e prosseguimos com o agendamento das entrevistas semiestruturadas.

As entrevistas individuais semiestruturadas foram realizadas com os três professores selecionados. Esses possuem formação superior e faziam parte do quadro efetivo da referida escola há mais de 5 anos. Dois dos professores ministravam aulas no ensino fundamental, em turmas nas quais os alunos frequentavam as atividades do PME e o terceiro professor-colaborador ocupava, na época, o cargo de gestor escolar (direção), tendo contato próximo com o PME na escola. O procedimento, nas três entrevistas foi iniciado com o auxílio de uma questão norteadora: o que você compreende por educação integral? No decorrer da entrevista, essa questão podia ou não dispor de outras duas questões (Como você percebe a implantação do PME na escola? O que você acha mais significativo na substituição do modelo pedagógico tradicional pelo integral?). 3 Estágio realizado como requisito das disciplinas Estágio Profissionalizante I e II cujas atividades foram desenvolvidas de maio a dezembro de 2011. 4 O Pibin-Mais Educação foi um Programa de integração idealizado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Objetivou colaborar com a implantação do PME na referida escola por meio do fortalecimento das ações em educação integral.

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O recurso da entrevista semiestruturada sugere maior aprofundamento e pretende abarcar a dimensão subjetiva da vivência dos sujeitos. Essa dimensão foi buscada por meio da escuta dos relatos de experiências significativas abordadas pelos professores, utilizando a escuta clínica. Ao utilizá-la, estávamos à procura do escondido, dos significados potenciais, tendo em vista que “É diante de uma indagação que o vivido se manifesta” (AMATUZZI, 2001, p. 53). As entrevistas foram registradas em um portátil gravador de voz e, posteriormente, foram transcritas, literalizadas e devolvidas aos professores-colaboradores para confrontação. Essa devolução teve o intuito de questionar da forma mais compreensível possível, sobre até que ponto eles se reconheciam na descrição realizada sobre os seus relatos. Esta iniciativa caracteriza-se como forma de obter a confirmação dos significados nomeados por eles à sua experiência (AMATUZZI, 2003).

A análise dos dados foi inspirada na análise de conteúdo (BARDIN, 2004), que consiste em articular os momentos de descrição, inferência e interpretação, implicando na apresentação da significação do conteúdo expresso pelos professores-colaboradores que foram aqui nomeados como núcleos de sentido. Salienta-se que os núcleos de sentido foram estruturados considerando a presença de seus conteúdos, em detrimento de outros, no discurso dos colaboradores. Sendo assim, tendo como suporte o referencial teórico adotado, sugere-se tratar das experiências mais significativas dos professores em contato com o PME, contexto de significação da educação integral e, por esta razão, devem ser compreendidos como disparadores importantes para a explanação dos resultados e discussão.

5. VOZES DESVELADAS: OS SIGNIFICADOS DA EDUCAÇÃO INTEGRAL PARA OS PROFESSORES Utilizando o discurso dos professores-colaboradores foram delineados dois núcleos de sentido. Esses foram dispostos da seguinte forma: 1) Compreensões sobre a educação integral; 2) A experiência dos professores no contato com o Programa Mais Educação – abrangendo os subnúcleos: a implantação; os monitores do PME; e o espaço físico da escola. A seguir, apresentaremos as discussões acerca de cada um dos núcleos: 1) Compreensões sobre a educação integral Ao ser questionado sobre sua compreensão de educação integral, o professor nos traz a seguinte definição: É a educação que a gente chama de holística, integral, conjunta. Promove além da formação tradicional do conteúdo, a formação cultural, esportiva e a socialização da criança. [...] Os alunos ficariam durante todo o dia na escola onde deve haver técnicos em educação como psicólogos, assistentes sociais, médicos e dentistas. (Professor-colaborador B).

No relato acima é possível perceber a presença de alguns elementos e objetivos previstos pela educação integral como a contemplação de várias dimensões formativas do sujeito e a ideia de formação cultural, esportiva e social. Entretanto, o professor ainda ratifica a ideia de fechamento da tarefa educativa no ambiente escolar, inclusive assinala o deslocamento de profissionais de outras áreas para dentro da escola. Sobre isso, infere-se que as práticas de educação integral não devem ser limitadas ao espaço escolar, ao contrário, trata-se de abrir os portões das escolas para a saída dos alunos em direção ao diálogo com outros espaços da cidade, posto que a prática interdisciplinar e intersetorial que a educação integral exige está implicada na noção de territórios educativos. E esses vão além dos muros da escola, envolvendo diversos atores da conjuntura social, na co-responsabilização pela educação (BRASIL 2009c).

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Outra colaboradora, falando sobre a sua compreensão de educação integral nos traz: “[...] a educação integral contribui para a formação moral e de personalidade, do que é certo, do que é errado” e prossegue ilustrando como seria para ela a prática pedagógica no modelo integral. Eu não posso deixar um aluno meu fazer o que ele tem vontade dentro da sala de aula, sentar da forma que quer sentar, bocejar e outras coisinhas piores que eles fazem. Poxa, a gente tem que falar! Existem momentos nos quais uma sala de aula precisa de uma conversa de formação, de uma orientação sobre o certo, o errado, o respeito e a responsabilidade do aluno. (Professora-colaboradora C).

Evidencia-se, na fala acima, uma visão equivocada sobre a prática pedagógica da educação integral. Ao relatar sua compreensão, a professora aborda elementos normativos e moralistas, que sugerem uma espécie de disciplina dos corpos em ambiente escolar. Como percebido, tais elementos interferem, ainda hoje, nas experiências pedagógicas dos professores. Salienta-se que o papel da educação integral é justamente se contrapor ao modelo normativo e discursivo que reduz o aluno à condição de ouvinte. A educação integral é baseada no contato dialógico entre professores e alunos. Contato aqui retratado não como simples momentos de conversas espontâneas, mas como ideal de um ambiente educativo que preze por aprendizagens significativas. Aprendizagens nas quais os alunos possam se colocar ativamente no processo educativo (FREIRE, 1987). As compreensões equivocadas percebidas no discurso dos professores-colaboradores demonstram um conhecimento incipiente sobre o tema e a operacionalização da educação integral. Em função disso, sugere-se a realização de investimentos direcionados para a formação de professores sobre educação integral, tendo em vista ser este modelo pedagógico uma realidade iminente na educação pública brasileira e serem os professores, figuras importantes na sua operacionalização. 2) A experiência dos professores no contato com o Programa Mais Educação: a implantação Questionado sobre o processo de implantação do PME vivenciado na escola, um dos professores nos relatou: “Eu fui obrigada a aceitar. Minha escola tinha sido ‘privilegiada’ com o Mais Educação porque o Ideb dela estava baixo, de 2,1. De início eu não queria o Mais Educação aqui na escola.” (Professora-colaboradora A). O trecho acima, no qual a professora, em tom de ironia, ressalta que a escola foi “privilegiada” em função do Ideb baixo para receber o PME, prossegue com o seguinte relato: “Quando temos dúvidas,

problemas e precisamos de ajuda, ligamos para a Secretaria de Educação e ninguém sabe nos orientar.” (Professora-colaboradora A). Os relatos da professora tornam evidente o seu descontentamento com os modos de implantação do programa e denunciam a ausência de formação e suporte técnico para os professores que possam auxiliá-los no enfrentamento das problemáticas cotidianas. Tais vivências permitiram à professora-colaboradora A caracterizar o PME como “muito desorganizado” do qual ela não espera efetividade no contexto educativo. Sublinhamos que muitas das ações de desenvolvimento da educação no Brasil têm-se limitado à implantação de medidas paliativas, marcadas pela descontinuidade administrativa e política. Tais experiências podem estar motivando a descrença dos professores na efetividade do PME. De acordo com os colaboradores, a implantação do PME na escola aconteceu de forma desorganizada, com pouca divulgação e sem envolver os professores no processo de construção e operacionalização do projeto particular construído pela instituição.

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Faltou uma divulgação melhor, um trabalho com os professores, com os diretores, uma análise das condições físicas de cada escola. Tenho medo quando as coisas são jogadas desta forma, sem uma análise, sem um diagnóstico real, porque assim termina morrendo, caindo no descaso, naquilo que não funciona, não serve para nada. (Professora-colaboradora C).

Como já sinalizado por Souza (2006), o fato de os professores não se integrarem durante a prática cotidiana no ambiente escolar ao PME, mantendo-se distantes física e simbolicamente dos agentes educativos ligados ao programa, só tende a fortalecer o sentimento de estranheza e a falta de comprometimento dos professores com a efetivação do programa e da educação integral na escola.

6. OS MONITORES DO PME Ao analisar a relação entre os monitores do programa e os professores do quadro efetivo da escola, foram percebidas dificuldades de convivência entre esses dois atores educativos. Mesmo marcados pela proximidade física, eles não se comunicam, o que tem colaborado para a manutenção de visões equivocadas dos professores em relação aos monitores. Durante as falas, os três professores-colaboradores relataram discordar da imposição de serem pessoas da comunidade os monitores do PME. Eles acrescentam que tal premissa tem alimentado o pouco envolvimento dos professores do quadro efetivo da escola com a operacionalização das ações. Um dos colaboradores justificou seu posicionamento afirmando: “Um Programa temporário, um professor temporário. Não traz compromisso!” (Professor-colaborador B).

Você continua com duas escolas paralelas, de um lado a escola tradicional na qual os alunos têm os conteúdos e do outro lado temos os alunos do Mais Educação que eu considero quase que estranhos ao horário. Para mim são pessoas estranhas ao meu turno. [...] estão aqui, mas eu não sei quem são e nem o que fazem. (Professor-colaborador B).

Observamos, ao longo de nosso contato com a escola, um descrédito por parte dos professores em relação à competência dos monitores do PME, retratados por um dos colaboradores da seguinte forma: “Falam que são estudantes, estagiários. A gente vê uma qualificação, uma apresentação tão... Meu Deus, tão carente de mudança. [...] não se consegue coisa muito boa porque se paga muito pouco.” (Professora-colaboradora C). A remuneração ofertada aos monitores do PME, cujo valor é inferior ao salário mínimo vigente, denuncia a precariedade do investimento financeiro destinado ao desenvolvimento da educação no país. Educação que há tempos é marcada por carências na formação, remuneração e valorização da profissão docente.

A contratação temporária de pessoas da comunidade e/ou estagiários como monitores do programa, apesar de demarcar o desejo pela comunicação entre a escola e a comunidade local, pode dificultar a permanência e sustentabilidade da prática pedagógica integral nas escolas. Sem investir prioritariamente na formação dos professores do quadro efetivo, torna-se impertinente esperar que eles sejam capazes de dominar os princípios e as ferramentas necessárias para o desempenho da educação integral.

Continuando a linha de pensamento anterior, a professora-colaboradora C, ao falar do cotidiano do PME na escola afirma: “[...] não funciona. O menino fica solto dentro do horário de sala de aula, perturbando nas portas e correndo.” Logo, o PME tem sido percebido pelos professores como algo que não funciona, onde as atividades não têm um propósito definido nem acompanhamento adequado dos monitores. Em função disso, é caracterizado pela colaboradora como algo que perturba as atividades do turno normal de aula.

Assim, os professores seguem distantes e em descompasso com as práticas do PME ocorridas no espaço escolar, sendo possível a contemplação de tais vivências no seguinte fragmento:

Em relação ao mencionado anteriormente, relembramos que o PME pressupõe atividades práticas, que abarquem experiências extraclasse voltadas para o desenvolvimento das diversas di-

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mensões do desenvolvimento do sujeito (BRASIL, 2009b). Entretanto deve-se tomar o devido cuidado para que as ações do PME não se transformem em sinônimo de falta de conteúdo, planejamento e/ou desordem no espaço escolar. De acordo com o trazido nos relatos, os professores têm feito uma relação entre os problemas enfrentados pelo PME e o fato de serem os monitores membros da comunidade. Segundo os colaboradores, há um despreparo dos monitores para lidar com os alunos, já que aqueles não possuem uma formação específica. Sobre isso, Moll (2012) salienta ser preciso assumir uma postura de abertura em relação aos potenciais educativos presentes na comunidade e perceber seus diversos agentes profissionais como co-responsáveis pela tarefa do educar e colaborar para a qualificação e eficiência da tarefa educativa de forma integral.

7. O ESPAÇO FÍSICO DA ESCOLA Dialogando com as impressões do subnúcleo anterior, os professores dão pistas de que as dificuldades e o distanciamento vivenciado entre eles, monitores e alunos, devem-se também à inadequação do espaço físico para receber o PME. Para os professores-colaboradores, o espaço físico da escola deveria ter passado por modificações e melhorias na sua estrutura de salas, refeitório, auditório e quadra, pois, assim, teriam garantido a recepção adequada à proposta de educação integral presente no PME. Assim foi revelado: “Hoje, os meninos do Mais Educação estão fechados em uma sala para realizar as atividades e essa não é a proposta.” (Professora-colaboradora A); e “a escola quer implantar uma educação integral, mas ela não tem um espaço apropriado. Eu acho que faltou principalmente, o preparo físico da escola.” (Professora-colaboradora C). Moll (2012) afirma que o direito de aprender está relacionado a outros domínios e não apenas aos da escola, e acrescenta a ideia de “cidade educadora” na qual todos os espaços existentes na cidade, sejam eles de educação formal ou não, devem contribuir para a promoção da educação integral. Essa ideia retrata a necessidade de um esforço coletivo pela educação integral que é oferecida além dos muros da escola. Logo independe de grandes modificações na sua estrutura física para acontecer, tendo em vista que os espaços utilizados não seriam somente os da escola, e sim os diversos espaços educativos existentes por toda a cidade. Em suma, os relatos sobre o espaço físico das escolas nos levam a perceber as dificuldades vivenciadas diariamente pelos educadores devido às deficiências na estrutura física do espaço escolar. Retratam a inadequação do espaço físico para receber os alunos durante o dia inteiro na escola. Neste sentido, mesmo a favor da ampliação dos espaços educativos para além da instituição escolar, como pressupõe o PME, acreditamos que se faz urgente a promoção de adequações, ainda que mínimas, na estrutura física das escolas para garantir uma educação integral.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado possibilitou, através da observação e análise da realidade de uma escola pública estadual localizada no município de Juazeiro-BA, compreender os atravessamentos simbólicos experimentados cotidianamente pelos atores escolares em contato com o PME e como esses podem interferir no comprometimento dos professores com a prática da educação integral. De modo geral, se percebeu nos discursos dos professores-colaboradores um conhecimento incipiente em relação à prática pedagógica no modelo integral de educação. Além disso, constatou-se desarticulação e estranhamento entre os professores efetivos da escola e os monitores do PME. Tais vivências têm motivado a dissociação entre as práticas desenvolvidas pelos monitores do programa e as desenvolvidas pelos professores efetivos. Em relação aos significados da educação integral atribuídos pelos professores diante da implantação do PME aqui abordados, é preciso problematizar algumas questões: Em outros contextos escolares têm ocorrido experiências e significados similares? Quais têm sido as estratégias mobilizadas nas escolas a fim de aproximar os professores do quadro efetivo da operacionalização do PME? Que contribuições tais estratégias tem ofertado para a modificação da rotina escolar a caminho da prática pedagógica no modelo integral? Espera-se, com o artigo finalizado, contribuir para o manejo sensível dos significados aqui apresentados e fortalecimento de espaços de diálogo e formação sobre o tema educação integral junto aos professores e toda a comunidade educativa nas esferas municipais, estaduais e federais. Defende-se, em prol da sustentabilidade da prática educativa integral, a formação imediata dos profissionais da educação básica. Ao potencializar tais espaços formativos, estaríamos facilitando a apropriação e o comprometimento dos professores e demais atores educativos com a prática da educação integral.

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL E NA BAHIA:

UM PANORAMA COM ENFOQUE NO ENSINO FUNDAMENTAL II Carla Regina Nunes Costa ( ) Licenciada em Biologia. Especialista em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Mestre em Geoquímica e Meio Ambiente. E-mail: carlacostabiologa@gmail.com


É senso comum que nenhuma sociedade evolui sem educação de qualidade. Hoje o Brasil investe 5% do seu Produto Interno Bruto nacional na intenção de ofertar uma escola pública de qualidade para todos os brasileiros (BRASIL, 2013). Existe um grande esforço em disponibilizar vagas em universidades e promover cursos de capacitação presenciais ou a distância para os professores, como a Plataforma Freire. Entretanto, embora melhoras sejam reconhecidas, o panorama da Educação no Brasil ainda deixa muito a desejar. A crise da educação pública brasileira é real e todos têm consciência de que muitas mudanças serão necessárias para transformar essa situação. Analisando os dados obtidos através das avaliações do Instituto Nacional de Estudos Pesquisas em Educação Anísio Teixeira, o INEP, observa-se que na Bahia, assim como em todo Nordeste do Brasil, os índices estão abaixo dos nacionais, embora dentro das metas estabelecidas pelo Governo do Estado. Se as metas estão sendo alcançadas, então por que os professores reclamam que os alunos ingressam no 6º ano do Ensino Fundamental sem domínio das quatro operações, da escrita, verdadeiros analfabetos funcionais? Qual seria o motivo das elevadas taxas de conservação dessa etapa escolar? Quais as dificuldades enfrentadas pelos alunos? Cada dia que passa o mercado de trabalho se torna mais exigente e profissões que outrora eram ocupadas sem obrigatoriedade de qualquer nível de escolarização, atualmente cobram qualificação, que vão muitas vezes além do currículo formal das escolas. É necessário acompanhar os avanços tecnológicos, as novas mídias que otimizam o trabalho e ao mesmo tempo ter a capacidade de se relacionar bem com os colegas, através do trabalho em equipe. A educação precisa atender as novas tendências de mercado, sem esquecer que o aluno é, antes de tudo, um ser humano, plural e diverso. A educação é direito fundamental e essencial do ser humano e diversos são os documentos que corroboram com tal afirmação. A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, afirma que “é direito de todo ser humano o acesso à educação básica”, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece que “toda pessoa tem direito à educação”. De acordo com pesquisas realizadas pela Unesco, constatou-se que milhões de pessoas ainda não têm acesso à educação,“ (...) mais de 100 milhões de crianças, das quais 60 milhões são meninas, não tem acesso ao ensino primário e (...) o analfabetismo funcional é um problema significativo em todos os países industrializados ou em desenvolvimento.” (UNESCO, 1998). Historicamente não houve época em que a escola pública atendeu a tantos brasileiros quanto agora. Não há dúvidas do aumento ao acesso à educação pública no ensino fundamental e médio. Entretanto alguns dados ainda preocupam muito. Segundo dados do INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas em Educação, órgão do MEC, as taxas de reprovação no ensino fundamental continuaram aumentando desde 1998, tendo estagnado apenas em 2005 em compara-

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ção com 2004 em 13%. Em 2009, essa taxa mostrou melhora e atingiu 11%, que, ainda, é considerada alta. Esses índices ruins são fruto de má execução orçamentária, desvios de verbas e descaso do poder público. O Brasil é um grande investidor na educação, embora não consiga fazer isso refletir nos seus dados de qualidade. Segundo a Revista Exame (09/2012), o Brasil é o 15º país que mais investe o PIB na área, na lista da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Os últimos do ranking foram Indonésia (investimento de 3% do PIB), Índia (investimento de 3,5%), Japão (3,8%), Eslováquia (4,1%) e República Tcheca (4,4%).

A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, afirma que “é direito de todo ser humano o acesso à educação básica”, assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece que “toda pessoa tem direito à educação”.


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A tabela abaixo relaciona investimento à taxa de qualidade na educação: Tabela 1: Relação entre investimento e educação Ranking

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

Gasto com Posição educação no Pisa Islândia 7,80% 16º lugar Noruega 7,30% 12º lugar Suécia 7,30% 19º lugar Nova Zelândia 7,20% 7º lugar Finlândia 6,80% 3º lugar Bélgica 6,60% 11º lugar Irlanda 6,50% 21º lugar Estônia 6,10% 13º lugar Argentina 6% 58º lugar Áustria 6% 39º lugar Holanda 5,90% 10º lugar França 5,90% 22º lugar Israel 5,80% 37º lugar Portugal 5,80% 27º lugar Brasil 5,70% 53º lugar Eslovênia 5,70% 31º lugar Reino Unido 5,60% 25º lugar Suíça 5,50% 14º lugar Estados Unidos 5,50% 17º lugar México 5,30% 48º lugar País

Fonte: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/os-gastos-do-brasil-com-educacao-em-relacao-ao-mundo

A reprovação não é novidade na história da humanidade. Há 2200 anos antes de Cristo, os imperadores chineses examinavam seus soldados com a finalidade de promovê-los ou demiti-los. Com o passar do tempo, a reprovação ganhou um novo perfil e um caráter excludente, estando ligado às divisões de classes sociais (MOURA e SILVA, 2013). O tema reprovação já vem sendo discutido no Brasil e muitas são as pesquisas a fim de descobrir as causas do fracasso escolar nas escolas públicas brasileiras. A concepção semântica do termo reprovação está aliada à rejeição, condenação, incapacidade, em

uma abordagem complexa e muito delicada, que nega o ideal de sucesso, angustiando todos os envolvidos no processo (ARAÚJO, 2005). Segundo Vasconcelos (2005), a reprovação escolar deve ser superada pelos seguintes motivos: é fator de discriminação e seleção social; é fator de distorção do sentido de avaliação; pedagogicamente não é a melhor solução; não é justo o aluno pagar por deficiências do ensino; tem um elevado custo social; toda criança é capaz de aprender. Ainda de acordo com esse autor, o problema da reprovação só será resolvido através de qualidade do ensino, compromisso com a aprendizagem por parte dos educadores e envolvimento da família neste processo. Uma análise da escola brasileira em termos de atendimento e desempenho dos alunos nas avaliações externas permite ver o contorno do mapa educacional, porém não necessariamente a complexidade das práticas que produzem tal realidade. Pois, se por um lado pode-se falar em uma escola brasileira de educação básica com características gerais que se apresentam ao conjunto das escolas públicas, por outro, cada rede de ensino compõe-se de particularidades que não são menos importantes para compreender as dinâmicas do processo educacional (JACOMINI, 2009).

Segundo Vasconcelos (2005), a reprovação escolar deve ser superada pelos seguintes motivos: é fator de discriminação e seleção social; é fator de distorção do sentido de avaliação; pedagogicamente não é a melhor solução; não é justo o aluno pagar por deficiências do ensino; tem um elevado custo social; toda criança é capaz de aprender.

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A história da reprovação está relacionada com a escola tradicional e a seriação dos estudos. Os conteúdos são divididos por série e, ao final de cada ano letivo, o estudante que não conseguisse comprovar que assimilou aqueles temas, estaria reprovado e deveria no ano letivo seguinte novamente estudar aquela série. A escola moderna está evoluindo, mas, infelizmente ou felizmente, os professores são resistentes à progressão automática, e as mudanças ficam restritas à chamada dependência e recuperação paralela. A dependência foi criada para amenizar a reprovação. Antes dela, o estudante que perdesse em até três matérias deveria repetir novamente o ciclo. Atualmente o aluno repete essas matérias em turno oposto ao que estuda a série para a qual foi promovido. Já a recuperação paralela é realizada durante a unidade pedagógica, visando recuperar os conteúdos não apreendidos em momento especial, uma nova oportunidade de aprendizado. Ambos estão previsto na LDB de 1996. De uma forma ou de outra, o concreto mesmo são as altas taxas de conservação e jovens que se “arrastam” para concluir o Fundamental II.

REFERÊNCIAS ARAÚJO. Carlos Henrique. Para Superar o Fracasso Escolar: Artigo publicado no Jornal de Brasília. Edição de 03/10/2005. INEP. http://www.inep.gov.br/basica/censo, capturado em 20/05/2013. JACOMINI, Maria Aparecida. Educar sem reprovar: desafio de uma escola para todos. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 557-572, set./dez. 2009. MOURA, Elisabete Martins & SILVA, João Carlos. Reprovação Escolar: Discutindo Mitos e Realidade. Artigo Científico disponível em: http://www.unioeste.br/cursos/cascavel/pedagogia/eventos/2007/Simp%C3%B3sio%20Academico%202007/Trabalhos%20Completos/ Trabalhos/PDF/76%20Joao.pdf. Acesso em 05 de julho de 2013. Revista Exame. Os gastos do Brasil com educação em relação ao mundo. Amanda Previdelli. 17/09/2012. Disponível em http://exame. abril.com.br/brasil/noticias/os-gastos-do-brasil-com-educacao-em-relacao-ao-mundo. Acesso em 1/7/2013. TODOS PELA EDUCAÇÃO. Falta quase tudo nas escolas brasileiras. Educação na mídia. 10 de junho de 2013. Disponível em http://www. todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/27179/falta-quase-tudo-nas-escolas-brasileiras/. Acesso em 18/7/2013.
VASCONCELLOS – Celso dos S. Avaliação: Concepção Dialética Libertadora do Processo de Avaliação Escolar – 15. ed. São Paulo: Sibertad, 2005.

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VISÃO RETROSPECTIVA DA LITERATURA BAIANA NO SÉCULO XX E INÍCIO DO SÉCULO XXI Jayme Costa Barros ( ) Professor. E-mail: jaymepaz@uol.com.br

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1. DO FINAL DO SÉCULO XIX À DÉCADA DE 1920 1.1 Contextualização É verdade que, nos primeiros anos do século XX, se observam, em Salvador, alguns sinais da modernização que abalava o Rio de Janeiro, os Estados Unidos e países da Europa. O bonde elétrico começa a substituir os veículos de tração animal, surge o primeiro automóvel (1901), aparece o cinema e instalam-se salas de projeção, que, no entanto, mantêm a distinção entre as classes sociais. De 1912 a 1916 e, depois, de 1920 a 1924, Seabra opera reformas urbanas. Diz Fonseca “o antigo centro da cidade transformou-se num grande canteiro de obras” (2002, p. 32). Mas a Bahia não tinha mais a importância político-econômica do Rio, São Paulo e Minas. A Bahia não se modernizara, não atualizara o seu processo de industrialização. A sociedade baiana se revelava conservadora e preconceituosa. As reformas de Seabra geravam polêmicas. O cinema, pela influência que exercia nos hábitos, costumes, comportamentos e vestes, era visto por muitos como “mensageiro do diabo”, pelo “impudor e perversão moral”, pois “masculinizava as mulheres e feminilizava os homens”, “destruía o teatro”. (FONSECA, 2002, p. 179-195). O negro era visto como causa de atraso. Dizia-se que era preciso “desafricanizar a Bahia”, transformar a “velha mulata” em “mademoiselle”. O remédio para o atraso da Bahia era o incentivo à imigração europeia. (FONSECA, 2002, p. 35)

1.2 A literatura Na Poesia Baiana, no início do século XX, predominam o Simbolismo e Parnasianismo. Várias revistas reuniam os nossos intelectuais e literatos. Em torno da revista NOVA CRUZADA estão os nossos simbolistas. Todavia o requinte e o refinamento dominantes na época fazem que muitos simbolistas recuem para o Parnasianismo. É interessante notar, contudo, que, apesar do Parnasianismo, nossos poetas, intelectuais e romancistas têm uma ativa participação política, ora assumindo um tom ufanista romântico na abordagem dos temas patrióticos, ora atuando no jornalismo político, ora como deputados estaduais e federais, ora participando de causas sociais e políticas. Na prosa literária, o regionalismo realista-naturalista, com influências românticas, aborda os temas que serão marcantes no Modernismo da década de 1930 em diante: a temática urbana, a postura crítica no enfoque dos problemas sociais, políticos e econômicos, a mostragem da discriminação e preconceitos religiosos dos católicos brancos contra as religiões de origem africana, as mudanças de costumes e comportamentos, os temas ligados ao sertão, ao garimpo, às mudanças sociais e morais provindas da riqueza trazida pelo garimpo, o cacau, o mar, a vida dos pescadores e savereiros.

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Na prosa não literária, a figura maior é Rui Barbosa, com uma militância política e inserção ativa em outros campos da cultura baiana e brasileira. Em 1917, Arlindo Fragoso funda a ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA, que persiste até hoje, funcionando, atualmente, em sede própria, no bairro de Nazaré. PRINCIPAIS POETAS: Artur de Sales, Pethion de Vilar, Francisco Mangabeira, Pedro Kilkerry, Álvaro Reis, Domingues de Almeida, Galdino de Castro, Durval de Morais, José Maria Leôni, Astério de Campos, Euricles de Matos. DESTAQUES NA POESIA Francisco Mangabeira (1879-1904), formado em Medicina. Ainda estudante, participa como voluntário da Guerra de Canudos, que ele “considera o mais lamentável erro político.” Escreveu sobre Canudos a Tragédia Épica, publicada dois antes de Os Sertões, de Euclides da Cunha. “F. Mangabeira vingou os sertanejos”, “relatando as atrocidades de Canudos; tornou-se persona non grata ao Governo baiano e federal e à sociedade”. Segundo a historiadora Consuelo Novais Sampaio “os seus versos, descrevendo a sangrenta guerra, causaram forte impacto na conservadora sociedade local. A reação a seguir foi drástica: deportação” (SAMPAIO,


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2012). Vai para São Luís, depois para o Amazonas e, por fim, para o Acre. Luta com os revolucionários de Plácido de Castro pela libertação do Acre e sua incorporação ao Brasil. Compõe o hino do Acre. Adquire doença, morre, entre Belém e São Luís, no navio S. Salvador, ao tentar retornar à Bahia. (Assis Brasil, 1999, p. 41). Em 2010, o poeta e ficcionista baiano Aleilton Fonseca, em edição da Academia Brasileira de Letras, republica a Tragédia Épica. Pedro Kilkerry (1885-1917), o mais inovador entre os simbolistas baianos, o mais modernizante. Surpreendentes são alguns trechos do poeta no Jornal Moderno, em 1913: “Olhos novos para o novo! Tudo é outro ou tende para outro!” “O metro é livre: vivamo-lo. ...as harmonias individuais, os caracteres não podem ser velhos como os senadores de Roma ou os sete sábios que cofiaram longas barbas na velha Grécia. Não se arrastam passos, braços não tremem; na existência do século não se titubeia.” Ele se torna precursor do que, em São Paulo, após a Semana de Arte Moderna, dirá o intrépido voyer Oswald de Andrade – “Ver com olhos livres” (SEIXAS, 1996, p. 58.) “(...) Kilkerry não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente – mais tarde supervalorizado pelo Surrealismo – como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética”. (CAMPOS, 1985 p. 28-30) PRINCIPAIS ROMANCISTAS: Xavier Marques, Afrânio Peixoto e Lindolfo Rocha. DESTAQUE NO ROMANCE: Xavier Marques (1861-1942). Xavier Marques. Jornalista, historiador e romancista. Marques deixou uma obra de ficção que não pode ficar sem registro, ao menos no âmbito regional. Livros como O Feiticeiro e Jana e Joel, por exemplo. O Feiticeiro é um retrato “realista”, sob certos aspectos admirável, da sociedade oiticentista baiana, captando práticas, valores e costumes de nossa gente – do estrato intermediário da hierarquia social, sobretudo – nas mais variadas circunstâncias, entre as

décadas de 70 e 80 do século XIX: “os concursos de luxo” em festas religiosas; os “oitavários estrondosos do Bonfim”; a cadeira de arruar e o escravo fingido. A repressão policial ao Candomblé e ao clube republicano; os comerciantes estrangeiros; a fraude eleitoral; “a sensualidade crioula” e as batucadas boêmias; os dobrados, a capoeira, os ternos da Lapinha, os bailes pastoris no Maciel de Baixo, a dança da “burrinha” no Pelourinho; os “capadócios gaiatos” tomando conta das praças; negros carreando água de chafarizes; o culto das aparências; os preconceitos sociais e raciais. Em suma, é a Cidade da Bahia, “mulata velha”, mostrando suas muitas faces. Há ainda um outro aspecto, especialmente importante. A “feitiçaria nagô” atravessa o romance. É o despacho de Exu, a pedra de raio de Xangô, o culto da gameleira sagrada, o amplo circuito de babalôs e ialorixás, de atabaques e iaôs, de ogãs e de alabês, de gente mascando obi e aviando ebós. Enfim, O Feiticeiro marca o ingresso do romance brasileiro no mundo dos orixás – da “alma nagô”, como diz o próprio Xavier Marques. Dele descende o Jubiabá de Jorge Amado, por exemplo, e as peripécias de orixás e iaôs em Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo. Além disso, pode-se dizer que Marques é, ainda, a matriz da ficção praieira de Amado. De Jane e Joel novela que focaliza em modo romântico a vida comunitária e ilhas e praias da Bahia de Todos os Santos, descende uma narrativa como a de Mar Morto – e Mar Morto é, também, uma das matrizes básicas de Viva o Povo Brasileiro. O que nos permite divisar, portanto, uma conexão Xavier Marques – Jorge Amado – João Ubaldo, Xavier é pai de Jorge. E avô de Ubaldo. (RISÉRIO, 2004, p. 409-410 )

O Feiticeiro marca o ingresso do romance brasileiro no mundo dos orixás – da “alma nagô”, como diz o próprio Xavier Marques.

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2. A LITERATURA BAIANA NA DÉCADA DE 1920 2.1 Contextualização literária Em 1922, culminando ações revolucionárias que vinham desenvolvendo-se sobretudo por autores paulistas e cariocas, aconteceu a SEMANA DE ARTE MODERNA, no Teatro Municipal de São Paulo. Foi uma grande mostra, escandalizadora e polêmica, do que se produzia de moderno na pintura, na escultura, na arquitetura, na música, na literatura. É um momento de afirmação e de ruptura. Enquanto isso, em Salvador, predominavam o Simbolismo e o Parnasianismo e as artes visuais continuavam presas a formas do passado. Foram pontuais e sem repercussão as afirmações citadas de Kilkerry e a tradução do Manifesto Futurista de Marinetti que, em 1909, Almáquio Dinis publicara em jornal baiano, mesmo ano do manifesto publicado em Paris.

Ainda em 1928, surge a revista ARCO & FLEXA que, pela história literária “oficial”, é colocada como o início do Modernismo na Bahia. Era a revista da elite intelectual baiana. Seus autores falam de um “tradicionismo dinâmico”, valorizando a cultura e as tradições da Bahia. Eugênio Gomes e Carvalho Filho publicam, neste ano de 1928, as suas primeiras obras modernistas: MOEMA (Eugênio Gomes) e RONDAS (Carvalho Filho). Ainda em 1928, surge a Academia dos Rebeldes que combate às estruturas conservadoras da sociedade e da Academia Brasileira. Os “rebeldes” tiveram duas revistas: MERIDIANO (1929) e, na década de 1930, MOMENTO que fala de uma atitude de “rebeldia e inconformismo contra o marasmo e o passadismo.” Colocam-se contra os autores de ARCO & FLEXA. Jorge Amado surge para a literatura ligado à Academia dos Rebeldes.

Jorge Amado surge para a literatura ligado à Academia dos Rebeldes.

2.2 Primeiras manifestações de modernismo na Literatura Baiana Em 1925, aparecem no jornal A TARDE os primeiros poemas modernistas do poeta feirense Godofredo Filho. Ainda em 1925, forma-se o Grupo da Baixinha, liderado pelo Guarda Civil 85, Samuel de Brito Filho. Esse grupo é significativo não pelos poemas que produz, ainda parnasianos, mas por ser um grupo formado por jovens que não pertencem à elite socioliterária baiana. O nome provém do fato de o grupo reuni-se no Café Progresso, situado na parte baixa que liga as ladeiras do Pelourinho, Carmo e Passos, ligando, também, o Tabuão à Baixa dos Sapateiros. O grupo irá publicar, em 1928, a revista SAMBA e, mais adiante, os semanários PERIQUITO E GAVIÃO. Para Cid Seixas, é nesses semanários que o grupo “mais se aproxima da iconoclastia demolidora de 22” (SEIXAS, 1996, p.77) pelos poemas irônico-humorísticos que publica.

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Na literatura, temos, na Bahia, os primeiros sinais de Modernismo na década de 1920. Mas as artes visuais continuam limitadas à pintura acadêmica da Escola de Belas Artes e do prestigiado Presciliano Silva. No mesmo ano de 1928, o pintor José Guimarães é premiado, vai para Paris, retornando, faz, em 1932, uma exposição de pintura que não bem é recebida, não gerando mudança alguma nas artes visuais baianas. Ficou como um fato isolado. PRINCIPAIS AUTORES: Bráulio Xavier, Nonato Marques, Elpídio Bastos, do grupo da Baixinha, liderado por Samuel Brito Filho, o Guarda Civil 85. Godofredo Filho, Carvalho Filho, Eugênio Gomes, Hélio Simões, Eurico Alves, do Grupo Arco&Flexa, liderado por Carlos Chiacchio. Valter da Silveira, Jorge Amado, Édison Carneiro, Clóvis Amorim, da Academia do Rebeldes, liderada por Pinheiro Viegas.


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3. A LITERATURA BAIANA NA DÉCADA DE 1930 3.1 Contextualização A década de 1930, que poderíamos prolongar até 1945, no Brasil e no mundo, se caracteriza por certa radicalização ideológica. Nazismo, Fascismo, Comunismo, Socialismo, Liberalismo, Capitalismo geram conflitos político-ideológicos que se agravam e vão desembocar na Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a Aliança Liberal, o Partido Comunista e a Ação Integralista, a Ação Nacional Libertadora têm forte atuação política. Getúlio Vargas, que assume o governo após a Revolução de 30, vai, pouco a pouco, afirmando-se no governo, até chegar ao Estado Novo. Ditador, nomeia interventores para os Estados, instaura a censura prévia, suprime as liberdades individuais, prende inimigos ou supostos inimigos políticos. Os partidos políticos são dissolvidos. Na Literatura Brasileira, esfria a postura iconoclasta, demolidora da Primeira Geração Modernista, a geração de 1922, mas tanto a poesia como a prosa se revelam integradas na realidade nacional. A poesia sociopolítica tem sua expressão maior na obra de Carlos Drummond de Andrade que, além de inserido nos grandes problemas nacionais, canta, também, a fraternidade, a solidariedade, o medo dentro de um mundo em guerra que assiste à supressão da liberdade e convive com as constantes ameaças à vida. Na ficção, com A Bagaceira (1928), de José Américo de Almeida, afirma-se o Romance Regionalista Moderno, iniciado em Recife, 1926, sob a liderança de Gilberto Freire. Na década de 1930, o Regionalismo expressa-se, principalmente na ficção nordestina de Raquel de Queirós, de José Lins do Rego, de Graciliano Ramos, na ficção baiana de Jorge Amado, na ficção gaúcha de Érico Veríssimo. Quase sempre politicamente engajada, é, em muitos autores, ideologicamente influenciada pelo marxismo e pelo Partido Comunista. No Regionalis-

mo Moderno, a centralidade é o homem mostrado como determinado pelas estruturas sociopolítico-econômico-regionais que o degradam, fazendo-o viver em condições subumanas de existência. Mas essa visão determinista não leva nossos regionalistas ao pessimismo e negativismo. Há, na quase totalidade dos autores regionalistas, um engajamento político, que os faz acreditar na possibilidade de mudanças. Suas obras são instrumentos que servirão à causa política de busca de mudanças. Jorge Amado dizia, então: “Escrever é um ato de militância”. E no ideal de produzir obras “para libertar o homem”, o comprometimento político, às vezes, se excede, e o tom panfletário prejudica o estético.

2.2 A Literatura Baiana No início da década de 30, continuam presentes as influências dos grupos da Baixinha dos Rebeldes, e os principais poetas de Arco & Flexa, Carvalho Filho, Hélio Simões, Eurico Alves, Eugênio Gomes, Godofredo Filho continuam produzindo. Inclusive Carlos Chiacchio, em 1937, lidera um outro grupo: o ALA. Os Salões de ALA (Ala das Letras e das Artes – 1937 a 1948), promovem recitais; desses Salões já participavam vários arquitetos, pintores e escultores modernos. (Scaldaferri,1997, p. 61). Na literatura, as mais importantes expressões baianas na década de 1930 são: Sosígenes Costa, na poesia, e Jorge Amado, no romance. Entre as várias produções poéticas de Sosígenes Costa destaca-se o poema IARARANA. Escrito nos primeiros anos de 1930, embora não integralmente publicado nesta década, Iararana é uma bela epopeia que, definindo a identidade do povo grapiúna, está, metonimicamente, definindo a identidade brasileira. De fato, ao contar a origem do cacau, de seu povo e de sua cultura, é a história da raça brasileira que relata em seus elementos formadores. É o branco impondo seus valores. “Iararana é a odisseia cabocla, que conta a origem da cultura do cacau, usada como metonímia da cultura brasileira”. (SEIXAS, 1996, p. 47) Sosígenes Costa mistura mitos

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greco-romanos e outros elementos europeus aos mitos do folclore do sul da Bahia.

O cavaleiro da Esperança (1942) e um guia para conhecer Salvador, Bahia de Todos os Santos.

Na década de 1930, Jorge Amado lança as bases daquilo que vem a ser seu romace. Publica nessa década: O País do Carnaval, Cacau, Suor, Jubiabá, Mar Morto, Capitães de Areia. E se nos prolongarmos até 1945, temos: ABC de Castro Alves, Terras do Sem Fim, São Jorge dos Ilhéus. Nesses romances estão os principais temas amadianos: Salvador, o negro, as classes populares, o cacau, a disputa pela terra, os coronéis e os pistoleiros. as mudanças sociais trazidas pela riqueza: “Do cacau nasce até bispo.” Além desses romances, publica uma obra de poesia A estrada do mar (1938), a biografia de Luís Carlos Prestes,

Em novembro de 1938, o interventor Antônio Fernandes Dantas manda queimar, no pátio da Escola de Aprendizes de Marinheiros, obras de Jorge Amado e de outros regionalistas, inclusive a obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire. Foi proibida, também, a comercialização de tais obras. (TAVARES, 2001, p. 422) Além de Jorge Amado, temos o romance de Clóvis de Amorim, Herman Lima, Nestor Duarte. Este se projetou, posteriormente, na política e no ensino universitário.

4. DÉCADAS DE 1940 E 1950 – MUDANÇA DA MENTALIDADE BAIANA 4.1. Contextualização: a cultura e a literatura na bahia de 40 e 50 fatores diversos irão marcar as décadas de 1940 e 1950 como momentos de profundas e significativas mudanças na mentalidade e na arte baiana. a) A atuação individual e em grupo de artistas plásticos inovadores. De início, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Mário Cravo, no dizer de Jorge Amado “o esquadrão da vanguarda“. Em 1944, ocorre uma exposição coletiva, organizada por Jorge Amado, Odorico Tavares e Manoel Martins, na Biblioteca Pública, que ficava na Praça Municipal. Mais tarde, Caribé, Jenner Augusto, Lygia da Silva Sampaio, Olga de Carvalho Pedreira, Maria Célia Amado, Rubem Valentim, Mirabeau, Diógenes Rebouças, além do fotógrafo Pierre Verger, em exposições individuais e em grupo, sintonizam a pintura, a escultura, a arquitetura e a fotografia baianas com o que se fazia de moderno. Provocavam escândalo e reações. A “Exposição de Arte Ultramoderna” (9 de outubro de 1944), organizada por Wilson Lins, Lafaiete Spínola, Walfrido Morais e outros, reage, caricaturalmente, à Exposição de Arte Moderna, de agosto de 1944. “Não se impressione não. Eu também não entendi nada. Isto é pintura moderna”. Em 1949, em exposição realizada na Biblioteca Pública, Carlos Bastos teve quadros cortados à gilete. b) Universidade Federal da Bahia – Reitor Edgard Santos (1946-1961). Fundada em 1946, a Universidade Federal da Bahia, nos quinze anos do reitorado de Edgard Santos, revolucionou a cultura e a arte baianas. Traz autores nacionais e estrangeiros, além de valorizar autores baianos. Teatro, música, dança, cinema e todos os segmentos da arte e da cultura baianas merecem a atenção do Reitor. E se atualizam. Tornam-se contemporâneos. Cria o Museu de Arte Sacra, sob a direção de D. Clemente da Silva Nigra, no Convento de Santa Tereza. c) Governo de Otávio Mangabeira (1947-1951). Secretário de Educação e Cultura Anísio Teixeira. Anísio não só revoluciona a educação baiana, como, também, participa ativamente de todo o processo cultural, promovendo exposições, trazendo para expor na Bahia artistas modernos brasileiros. Conferências sobre arte moderna também são promovidas. Traz à Bahia a Exposição coordenada pelo escritor Marques Rebelo, com pintores de renome nacional. As conferências de Marques Rebelo tiveram uma grande presença de estudantes.

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d) Boite e Galeria Anjo Azul (1948). José Pedreira abre a boite Anjo Azul, na qual Carlos Bastos pinta um mural, e Mário Cravo faz escultura em metal. A Anjo Azul se torna o ponto de encontro dos intelectuais baianos, embora seja mal vista pela sociedade baiana conservadora. e) A comemoração do Quarto Centenário de Salvador (1949) provoca uma série de manifestações artísticas e poemas, muitos deles em tom ufanista. f) Galeria Oxumaré, Carlos Eduardo Rocha (1951-1961) – primeira tentativa de comercialização das artes plásticas em Salvador. g) Grupo Cadernos da Bahia (1948 -1951), revista dirigida por Cláudio Tuiuti e Vasconcelos Maia, teve atuação literária, artística e política. Promoveu edições de livros, exposições de arte de vanguarda, criação de galerias de arte e atuação na música (Paulo Jatobá) e cinema (Válter da Silveira). Entre outros, participantes e colaboradores, além dos autores citados, podemos lembrar Luís Henrique Tavares, Pedro Moacir, Camilo de Jesus Lima, Jacinta Passos, Edna Savaget, José Calasans, Jair Gramacho. h) Revista ÂNGULOS, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da UFBA. Embora seu objetivo principal sejam os artigos jurídicos, participa do movimento literário. Autores principais: Eurico Mata, Machado Neto, Navarro de Brito, Neméso Sales. i) Geração MAPA (1957 -1959), geração que se forma em torno de Gláuber Rocha, no Colégio da

Bahia (o Central). Entre outros, citamos: Florisvaldo Matos, Fernando Rocha Peres, Paulo Gil, João Carlos Teixeira Gomes, Carlos Anísio Melhor, Myriam Fraga, Afonso Manta, José de Oliveira Falcon, Adelmo Oliveira. O grupo criou as “jogralescas”, espetáculos que eram apresentados no Colégio da Bahia, “poemas eram teatralizados para popularizar a nova poesia e facilitar a sua compreensão... Hoje pode-se dizer que, num certo sentido, as “Jogralescas” estiveram muito próximas dos “happenings” e “performances.” (SCALDAFERRI, 1997, p. 83-84). Convém ressaltar que, além dos autores citados, poetas e romancistas que começaram a publicar nas décadas de 1920 e 1930 continuam produzindo. O romance regionalista ou não se renova na obra de Herberto Sales, Adonias Filho, Euclides Neto, James Amado, entre outros. Essa conjunção de fatos, tanto na esfera pública, como na privada, marca as décadas de 1940 e 1950, agita e abala o conservadorismo baiano e sintoniza a Bahia com o que vinha acontecendo no Brasil, nas várias linguagens estéticas. Em 1960, foi criado, no governo do General Juracy Magalhães, sob a direção da arquiteta Lina Bo Bordi, o Museu de Arte Moderna da Bahia, primeiramente instalado no Teatro Castro Alves e, depois, no Solar do Unhão. Lembre-se a poesia Camilo de Jesus Lima, Wilson Rocha, Jacinta Passos, Firmino Rocha, poeta de Itabuna que tem um poema gravado em bronze na sede da ONU.

5. DA DÉCADA DE 1960 A NOSSOS DIAS 5.1 Contextualização Os primeiros anos da década de 1960 assistem à agitação político-social do governo Jango, na busca de mudanças. A UNE (União Nacional dos Estudantes) e o CPC (Centro Popular de Cultural) tiveram forte presença. Publicam-se antologias de poemas, intituladas Violão de Rua. A agitação estanca com o golpe militar de 1964, que inaugura novo momento de repressão que se vai endurecendo, no final da década de 60 e na década de 1970. No período, a música popular brasileira se afirma quer na música de protesto, quer na música dos festivais, quer na Jovem Guarda, quer no Tropicalismo. Nomes como Nara Leão, Chico Buarque, Gonzaguinha,

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Geraldo Vandré, Roberto e Erasmo Carlos, Caetano e Gil, entre muitos outros, se afirmam neste período. 1985 marca a redemocratização. A partir daí, vivemos o governo Sarney, a promulgação da Constituição Cidadã (1988), o governo e o impeachment de Collor de Melo, os governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, e os governos do PT, Lula e, atualmente, Dilma.

5.2 A Literatura Baiana iniciamos a década de 1960, ainda sob o impulso das inovações trazidas pela Universidade Federal da Bahia. O seu Reitor, Edgard Santos, como vimos, tem presença marcante na cultura baiana desde final da década de 1940. Música, Teatro, Dança, Cinema, Pintura, Literatura respiram um clima de modernidade e renovação na Bahia. Nas décadas de 1960 e 1970, as revistas Serial, Hera e Revista da Bahia, congregam os principais nomes da literatura baiana: Cyro de Mattos, Ildásioeitar os melhores poetas da Bahia, ora aparecendo na Revista da Bahia, ora na revista Serial, com Ildte em Salvador) alguns poe Tavares, José Carlos Capinam, Ruy Espinheira Filho, Fernando Batinga de Mendonça, Juraci Dórea, Maria da Conceição Paranhos, , Cid Seixas, Claudius Portugal, Antônio Risério e Antônio Brasileiro, este responsável pela criação de Serial, Hera, e das Edições de Cordel. “Nesse período, a Revista da Bahia assume uma postura de vanguarda estética e política, diferente da postura conservadora que tivera na década de 30” (Assis Brasil, 1999, p.22). Na Revista da Bahia, “foram lançados vários nomes que passaram a ocupar os primeiros lugares no cenário intelectual: João Ubaldo Ribeiro, Marcos Santarrita, Miriam Fraga, Florisvaldo Mattos, Davi Sales, Carlos Nelson Coutinho, Ciro de Matos, Remi de Sousa, Sônia Coutinho e outros. (COUTINHO, 2001, p. 1366) Da década de 1970 e, sobretudo da década 1980 para cá, principalmente com Helena Parente Cunha e Sônia Coutinho, aprofunda-se na literatura baiana a discussão sobre o problema da mulher na sociedade brasileira e baiana, em sua luta por libertar-se não só dos preconceitos tradicionais da cultura machista falocrática, como também por afirmar-se na sociedade no plano social, econômico e político. No final da década de 1970 e em toda a década de 1980, Geraldo Maia, Antônio Short Ametista Nunes, Eduardo Teles, Douglas Almeida e outros desenvolvem o movimento POETAS DA PRAÇA. Na Praça da Piedade, eles recitam poemas, como uma forma de romper as barreiras da publicação de literatura na Bahia. Os meios acadêmicos, de um modo geral, não reconheceram o movimento, considerando-o subliteratura. Assis Brasil, ao falar do que ele chama Geração 80, lembra os poetas Roberto Pereyr, Washington Queiros, Wilson Pereira de Jesus, Luís Antônio Cajazeira Ramos, Marcos Ribeiro, Mirella Márcia, Rubens A. Pereira e Elieser César, Anne Cerqueira (1999, p. 22-23).

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No artigo A LITERATURA BAIANA CONTEMPORÂNEA, Gerana Damulakis comenta: “A verdade é que hoje não se tem conhecimento nos outros estados do que se vem fazendo de literatura da mais alta qualidade na Bahia. Principalmente nos últimos anos tem havido uma intensa atividade literária com vasta produção de livros, inclusive de novos autores que, infelizmente, por circunstâncias de distribuição, não chegam às livrarias do país.” E cita: Antônio Torres, João Ubaldo Ribeiro (este faleceu em julho deste ano de 2014), Sonia Coutinho (falecida em agosto de 2013) e Helena Parente Cunha, moradores do Rio de Janeiro”. Mas cita “autores que permaneceram na terra” como Ruy Espinheira Filho, Florisvaldo Matos, Myriam Fraga, Maria da Conceição Paranhos Ildásio Tavares, Fernando da Rocha Peres, Luís Antônio Cajazeira Ramos. E lembra, ainda: Aramis Ribeiro Costa, Guido Guerra, Gláucia Lemos, Cyro de Mattos, João Carlos Teixeira Gomes, Aleilton Fonseca e Carlos Ribeiro, Hélio Pólvora. (DAMULAKIS, 2007). E acrescentamos os nomes de Aninha Franco, Cleise Mendes, Neide Cortizzo, Cássia Lopes, Karina Rabinovitz.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS:

Desta rápida Visão Retrospectiva, constata-se que:

AMADO, Jorge. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.

1. Na Bahia, o Modernismo se manisfesta na literatura antes de manifestar-se nas artes visuais. 2. As décadas de 1940 e 1950, pela co-ocorrência da ação de órgãos públicos, federal (UFBA: reitorado de Edgard Santos) e estadual (Governo do Estado Otávio Mangabeira, sobretudo através de seu Secretário de Educação e Cultura, Anísio Teixeira) e da atuação de artistas modernos, atuação quer individual, quer em grupo, mudam significativamente a arte, a cultura e a mentalidade baianas. 3. Durante todo o século XX, é a grande o número de grupos, revistas e periódicos, que se tornam pontos de encontro de literatos e intelectuais e favorecem sua atuação estética (literatura, artes visuais, música, dança, cinema) e política. 4. “Ao final dos anos 90” surge a revista Iararana, como uma revista de autores da geração 80.... no momento em que eles chegam à maturidade”.... “Iararana considera que a multiplicidade, o diálogo e a síntese são características fundamentais da literatura atualmente.” (IARARANA nº3, p. 3) 5. Em A TARDE de 04/1/2002, Carlos Ribeiro entrevistando Aramis Ribeiro Costa, Gerana Damulakis, Luís Antônio Cajazeiras e Aleilton Fonseca sobre os novos rumos da literatura, há certo consenso de que “tanto em quantidade quanto em qualidade, a produção baiana contemporânea é ótima”. O problema do “isolamento” dos autores baianos contemporâneos está na publicação, divulgação e distribuição. Aleilton chega a propor que, no currículo do Curso de Letras, haja a disciplina Literatura Baiana, para que os professores se tornem divulgadores dos autores baianos.

ARAÚJO, Jorge Souza. Floração de imaginários – O romance baiano no século 20. Itabuna/Ilhéus: Via Litterarum, 2008. Bento, Maria Aparecida Siva. CIDADANIA EM PRETO E BRANCO.2 ED. São Paulo: Ática. 1999. CAMPOS, Augusto de. Revisão de Kilkerry. São Paulo: Brasiliense, 1985. COUTINHO, Afrânio e SOUSA, J.Galante(direção). Enciclopédia de literatura Brasileira. V1 e 2. Sâo Paulo: Global, Minc.Fundação Biblioteca Nacional, Academia Brasileira de Letras, 2001. DAMULAKIS, Gerana. www.carlosribeiroescritor.com.br/literario_literatura.html leituracritica. blogspot.com/2007/11/literatura-baianacontemporanea-contemporanea.html Capturados em 02/08/2014 FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. Fazendo fita: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897- 1930. Salvador: EDUFBA, 2002. IARARANA, nº 3. Salvador, maio 2000. MANGABEIRA, Francisco. Tragédia Épica (Guerra de Canudos) Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010. RISÉRIO, Antônio. História as Cidade da Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2004. SAMPAIO, Consule N. consunovaisblogspot.com/./Francisco-mangabeira-poeta-da-guerra-de Capturado em 06/08/2014 SANTANA, Valdomiro. Literatura Baiana 1920-1980. Rio de Janeiro: Philobiblion; Brasília; Instituto Nacional do Livro, 1986. SCALDAFERRI, Sante. Os Primórdios da Arte Moderna na Bahia: depoimentos, textos e considerações em torno de José Tertuliano Guimarães e outros artistas. Salvador. Fundação Casa de Jorge Amado, FCEBA, Museu de Arte da Bahia, 1997. SEIXAS, Cid. Triste Bahia, Oh! quão dessemelhante. Salvador: EGBA, 1996. SENA, Consuelo Pondé de. Salvador, 457 Anos. Jornal A Tarde Cultural. 18/03/2006. p.5. TAVARES, Luís Henrique. História da Bahia. 10 ed. SP: UNESP, Salvador: Eufba, 2001 VASCONCELOS, Pedro de Almeirda. Salvador Transformações e Permanências 1549-1999). Ilhéus: Editus, 2002.

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Fernando Oberlaender ( )


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Oberlaender é um artista intuitivo para quem a pintura é mais do que o uso contínuo das tintas em atraentes técnicas. Ele faz do envolvimento genético com a pintura aprimorado vida afora, o meio de expressar visualmente o seu sentimento do mundo, que dá vida á sua imaginária. Meio visionário e meio poeta de temperamento, deixa fluir na sua pintura os pensamentos, aplicando estratégias semelhantes à do escritor que afina o ouvido ao som e ao ritmo das palavras, para traduzir em imagens o que passa na sua mente, regido pela emoção. A sua pintura nasce da sua emoção. Se as mulheres imantaram a atenção do jovem pintor, passados alguns anos as injustiças da desigualdade social delinearam sua imaginária, traçada nas séries Cabeça de Nêgo e Os Excluídos. Matilde Matos

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PERFIL Fernando Oberlaender atua em várias áreas artísticas, indo da literatura às esculturas e instalações. Dono de traço ágil e enxuto, o artista plástico Fernando Oberlaender pinta telas nas quais figuras enigmáticas aparecem em ambientações que remontam à ancestralidade. Esta, na verdade, é apenas uma das facetas do realizador carioca, radicado na Bahia, que não gosta de rótulos e circula à vontade por várias áreas das artes. Apure-se a vista para as manifestações plásticas, música e literatura baianas e ele estará lá. “Faço muita coisa”, reconhece risonho o dono desta caixa de ferramentas, que ainda encontrou tempo para montar uma editora a Caramurê Publicações. Como artista, ele desenha, pinta telas, faz esculturas e instalações, ilustra capas de discos e livros. Também editor, ele era um dos mentores do jornal impresso Soterópolis. Foi responsável, em 2010, pela idealização do livro 50 anos de Arte na Bahia, escrito pela crítica de arte e curadora Matilde Matos. A autora da publicação reconhece que a obra só saiu por teimosia do idealizador: “Ele é de uma resistência no trabalho impressionante. O livro foi feito por causa dele, pois eu perguntava, depois de anos escrevendo sobre artes plásticas, se haveria interesse pela publicação. E ele acabou me convencendo”. A crítica de arte chama de maravilhoso um dos trabalhos do artista, a instalação “Brasileira”, montada na Cinelândia, Rio de Janeiro, como parte do Projeto Brasilidade na Rua, desenvolvido pelo Ministério da Cultura, no final de 2010.

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Coincidiu que a “Brasileira”, uma Nossa Senhora Aparecida com três metros de altura, centralizada em uma tenda, fosse visitada pelos cariocas em pleno dia de ocupação do Morro do Alemão. Como fruto do momento, o público atendeu ao pedido de manifestação, pedindo bênção e paz. Na avaliação de Dênisson de Oliveira, da galeria Prova do Artista, Fernando sempre apresenta surpresas, pela qualidade da obra e por estar sempre renovando o trabalho, a pintura, a técnica e as temáticas. “Isso é muito legal neste perfil dele, que está sempre junto, acompanhando, trocando figurinhas, sendo companheiro”. O marco inicial da vida profissional do criador foi a primeira exposição, em 1987, na galeria Arte Viva, de Aldemar Galvão. Dois anos depois, Fernando foi convidado por Dênisson de Oliveira para expor na Prova do Artista. Hoje ele já realizou mais de cinquenta exposições individuais e coletivas. “Sou autodidata e não gosto de definir esta coisa de estilo” “Ele é uma pessoa admirável, de grande sensibilidade, incentivadora de talentos”, diz o escritor Aleilton Fonseca, que teve livros ilustrados graciosamente pelo artista. “Ele vê a arte como uma dádiva coletiva”, celebra.


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Nº 1 – Algas conchas e bjouterias, 2007, acrílica s/tela 60X80cm

Nº 2 - A pobreza do pensamento da humanidade contemporânea – 2013, acrílica s/tela – 80x100cm – 2010

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Nº 3 – S/título, 2010, acrílica s/tela 80X80cm

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Nº 4 – Uma Globalização Perversa (Série por uma outra globalização), 2007, acrílica s/tela 100X110cm

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Nº 5 – O Rio São Francisco uma visão primitiva, 2007, acrílica s/tela 150X200cm

Nº 6 - Pássaros no galhos da árvore seca, 2007, acrílica s/tela 150X150cm

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Nº 7 – Duas mulheres minimalistas, 2007 acrílica s/tela 80X80cm

Nº 8 – Série Flor da Bahia – Manda chamar, 2010 acrílica s/tela 160X50cm

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O M A RTE INVENTADA UM ESTUDO EXPLORATÓRIO SOBRE ALIENAÇÃO PARENTAL MOTIVADA POR FALSAS IMPUTAÇÕES DE ABUSO SEXUAL E SUA INFLUÊNCIA NO JULGAMENTO DE CASOS DE DIVÓRCIO LITIGIOSO NO BRASIL

Adriana Capitanio (

)

Thiago Tavares Nunes de Oliveira (

)

Graduanda em Direito pela Universidade Católica do Salvador. E-mail: adrianacapitanio@hotmail.com

Professor Assistente III da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador E-mail: thiagotavares@gmail.com


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RESUMO Inspirado no longa-metragem “A Morte Inventada – Alienação Parental”, o presente trabalho faz uma análise sobre a Síndrome da Alienação Parental (SAP), decorrente das imputações de falsas memórias de abuso sexual na criança, por um dos genitores, no âmbito dos divórcios litigiosos no Brasil. O objetivo deste estudo é demonstrar como os desentendimentos da separação, bem como a dificuldade de aceitação do término do relacionamento, podem desencadear conflitos complexos ao âmbito familiar. Atitudes egoístas que caminham para um só fim, denominado em 1985, por Richard Garder, de Síndrome da Alienação Parental.

ABSTRACT

Palavras-chave: Síndrome da Alienação Parental. Falsas Imputações de Abuso Sexual. Divórcio Litigioso. Conflitos de Guarda dos Filhos.

Keywords: Syndrome of Parental Alienation, Sexual Abuse of Children, Divorce Litigation, Conflicts in Child Custody.

Inspired by the film “The Invented Death – Parental Alienation”, this paper makes an analysis on the Parental Alienation Syndrome (SAP), arising from charges of false memories of sexual abuse of children by parents under the Brazilian litigated divorces in the Court. The objective of this exploratory study is to demonstrate how the misunderstandings of separation as well as the difficulty in accepting the end of the relationship, can trigger complex conflicts within the family. Selfish attitudes that usually have one single end, exposed in 1985 by Richard Garder as Syndrome of Parental Alienation.

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INTRODUÇÃO O presente artigo justifica-se pela relevância social e jurídica envolvendo a Alienação Parental e os conflitos ocasionados na esfera dos divórcios litigiosos no Brasil. Um comportamento egoísta que pode acarretar marcas profundas na vida dos envolvidos, afetando o desenvolvimento psicossocial da vítima e de todos os envolvidos na condição. Os desentendimentos do divórcio costumam ser um ponto de partida para destruição, desmoralização do ex-cônjuge. Dentro de um jogo de manipulação, todas as armas podem ser usadas, e quando o desejo de morte fala mais alto, utiliza-se a falsa imputação de abuso sexual. Nos caso de Alienação Parental, um dos genitores procura utilizar alguma espécie de artifício contra o outro a fim de desmoralizá-lo, podendo chegar a um dos pontos mais críticos, que é a imputação de falsas memórias de abuso sexual. Este é o meio mais cruel, pois a capacidade da criança de defender-se de tal imputação é muito limitada e manipulável. O longa-metragem “A Morte Inventada – Alienação Parental”, de Alan Minas, faz exatamente essa comparação da Alienação Parental e as estratégias utilizadas para o “falecimento” do genitor alienado, estimulando a discussão dessa nomenclatura pouco

conhecida entre nós, mas que reflete um comportamento bastante comum. Os estudos pesquisados evidenciam que, infelizmente, na maioria dos casos em que os genitores praticam alienação parental na forma de falsas memórias de abuso sexual, estes costumam obter êxito. Essa também é a evidência constante nos relatos de especialistas ouvidos durante a pesquisa. Não obstante o rompimento total dos vínculos entre o alienante e o alienado acaba por produzir um efeito psicológico comparado à morte, em vida, de um dos genitores. Durante a pesquisa, constatou-se que é comum no Poder Judiciário Brasileiro, em suas respectivas varas de família, em casos de separações litigiosas, os filhos serem utilizados como instrumento de chantagem e disputa. Essa violência deixará marcas profundas na vida dos envolvidos, gerando um sentimento de morte, de falecimento dos vínculos afetivos. No Brasil, após o surgimento da Lei 12.318/2010, que disciplinou a Alienação Parental, os olhos dos operadores do Direito estão voltados ao presente tema, buscando compreender melhor o fenômeno, já que os tribunais vêm identificando, cada vez mais, sua existência, e tanto a doutrina quanto a jurisprudência ainda se encontram em fases embrionárias de desenvolvimento.

SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Histórico da Alienação Parental e Evolução da Família Para se entender a origem da Síndrome da Alienação Parental (SAP), é necessário compreender a evolução da família. Durante muito tempo, o conceito de família era restrito a regras dogmaticamente elaboradas que conformam modelos de comportamento, onde cada membro tinha seu lugar bem definido (DIAS, 2005, p. 23)1. É necessário nos situarmos, cronologicamente, no tempo em que vivemos. A sociedade mudou muito, e o conceito de família também. Antigamente as pessoas eram muito conservadoras. Segundo Maria Berenice Dias, os vínculos afetivos mereciam aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio (DIAS, 2005, p. 24)2. Acredita-se que o grande marco divisor da evolução da família foi a separação do Estado da Igreja, e o fortalecimento da noção de Estado laico. 1 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 2 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

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A figura do pai na sociedade antiga ocupava o papel de sustento, e a mulher de criação dos filhos e cuidado com a casa. O marco histórico que colocou a mulher no mercado trabalho foi a Revolução Industrial, quando se necessitou aumentar a mão de obra, deixando o homem de ser a única fonte de sustento da família (DIAS, 2005, p. 24)3. Iniciou-se, então, uma nova gestão familiar, que colocou ambos os genitores no mesmo patamar.

damente, o que os psicólogos chamam de “luto da separação”, gerando em si sentimentos de abandono, traição, entre outros. Esse transtorno emocional desencadeia uma espécie de ataque do genitor alienante ao observar o interesse do outro genitor em manter os vínculos afetivos com o filho. O desencadear deste conflito conduz à Alienação Parental, que comumente se traduz em uma espécie de campanha para desmoralizar o ex-cônjuge.

O Código Civil de 1916 apresentava uma visão de família ainda estreita; a dissolução do casamento era proibida. Com a transformação da sociedade, vemos mudanças legislativas acontecerem para refletir os novos paradigmas civilizatórios (DIAS, 2005, p. 27)4. A evolução da família contemporânea é o melhor exemplo. A Lei do Divórcio (lei 6.515/77) veio como marco histórico para o direito de família e para sociedade também, pois acabou com a indissolubilidade que antes existia. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a igualdade entre homens e mulheres, assim como outros inúmeros direitos referentes à família, como o reconhecimento de filhos adotivos, a união estável etc. Portanto, nos dias de hoje, é impossível estabelecer um modelo de família como no passado. O conceito de família dissociou-se do “casamento” em sentido estrito, passando a ter como base o afeto que une as pessoas.

A Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida pela sigla em inglês PAS, é o termo proposto por Richard Gardner, em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro genitor (GARDNER, 1985)5. Em outras palavras, a Alienação Parental é um processo que consiste em programar uma criança para odiar um de seus genitores (TRINDADE, 2010, p. 196)6. As táticas utilizadas pelos genitores são inúmeras, conforme leciona Jorge Trindade (TRINDADE, 2007, p. 23)7: As estratégias de Alienação Parental são múltiplas e tão variadas quanto a mente humana pode conhecer, mas a síndrome possui um denominador comum que se organiza em torno de avaliações prejudiciais, negativas, desqualificadoras e injuriosas em relação ao outro genitor, interferência na relação com os filhos, e, notadamente, obstaculização do direito de visita do alienado. Esse amplo quadro de desconstrução da imagem do outro, pode incluir, por exemplo, falsas denúncias de abuso sexual, ou de maus-tratos, invocados para impedir o contato dos filhos com o genitor odiado, programando o(a) filho(a) de forma contundente, até que ele(a) mesmo(a) passe a acreditar que o fato narrado realmente aconteceu.

Foi exatamente com a possibilidade de separação judicial que surgiram os conflitos de guarda dos filhos resultantes do casamento. Nos casos de divórcio, o Código Civil diz que a guarda sempre que possível será compartilhada, mas as decisões judiciais tendem ainda pela guarda unilateral e com preferência pela mãe, restando ao outro cônjuge a função de reivindicar judicialmente para ter mais contato com seu filho. Contudo, neste processo de separação, alguns genitores sentem dificuldade em elaborar, adequa-

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Gardner R. Parental Alienation Syndrome vs. Parental Alienation: Which Diagnosis Should Evaluators Use in Child-Custody Disputes? American Journal of Family Therapy. March 2002;30(2):93-115. Acesso em 08/04/2014 em: http://www.alienacaoparental.com.br/o-que-e; tradução oferecida pelo site.

3 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

6 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2010, pág.196.

4 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

7 TRINDADE, Jorge. Incesto e Alienação Parental/ coordenação: Maria Berenice Dias – São Paulo, Editora dos Tribunais, 2007, pag:23.

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Como podemos perceber, qualquer que seja a estratégia utilizada pela Alienação Parental, todas deságuam no denominador comum, que são as sequelas psicológicas que ficarão marcadas na vida de todos os envolvidos na situação.

Diferença entre Alienação Parental e SAP É importante sabermos a diferença entre Alienação Parental e a SAP (Síndrome da Alienação Parental). Basicamente uma é complemento/consequência da outra. A Alienação Parental trata da desconstituição da figura parental de um dos genitores para com a criança. É uma campanha de desmoralização do genitor, a fim de causar afastamento do convívio com a família. Já a SAP (Síndrome de Alienação Parental) diz respeito aos efeitos emocionais e as condutas comportamentais que são desencadeadas na criança que é ou foi vítima desse processo, ou seja, a sequela deixada pela Alienação Parental. Portanto, quando falamos em SAP, significa dizer que o “fenômeno”, do qual estamos tratando neste artigo, está acontecendo ou já aconteceu. Os psicólogos apontam que os sintomas da SAP, nos casos apresentados até os dias atuais, tendem a se manifestar após uma separação traumática, litigiosa, complicada, pois é quando os conflitos de guarda começam a desencadear-se.

Separações judiciais litigiosas e as discussões acerca da guarda dos filhos Quando há uma ruptura de um casamento, geralmente os cônjuges buscam dividir, de forma igual, tudo que construíram juntos. Mas, e quando se tem filhos fruto do relacionamento? Como dividir um filho? Ousaria afirmar que até os dias de hoje é uma tarefa impossível, até porque se dividem coisas, e não vidas. Além da figura filho, estamos falando de uma vida, de um ser humano, que deve ser respeitado como tal. A SAP aparece quase sempre no contexto de disputas de custódia dos filhos, ou seja, nos conflitos de guarda. Não há dúvidas de que as separações judiciais litigiosas são estreitamente responsáveis pelos

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A Alienação Parental trata da desconstituição da figura parental de um dos genitores para com a criança. É uma campanha de desmoralização do genitor, a fim de causar afastamento do convívio com a família.

conflitos de guarda existentes no Poder Judiciário. São as complicadas separações, o ponto de partida da Alienação Parental. Na briga de egos, ninguém quer perder, e a melhor forma, ou a mais eficaz, é mostrar superioridade ao outro genitor, transformando até a própria consciência dos seus filhos, que, por se tratarem, na maioria dos casos, de crianças não conseguem ou não sabem expressar seus sentimentos. As estratégias são as mais variadas, mas predomina o desejo de romper o vínculo da criança com o outro genitor. Segundo Jorge Trindade (TRINDADE, 2007, p. 112)8: “Dessa maneira, podemos dizer que o alienador educa seus filhos no ódio contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir, que eles, de modo próprio, levem a cabo esse rechaço”. Entretanto os estudos realizados até hoje sobre a Alienação Parental apontam que os casos mais frequentes estão ligados a rupturas matrimoniais, conjugais, litigiosas, pois existe uma tendência vingativa maior nessas separações do que quando amigáveis. Vale reforçar que a psicologia forense aponta como a principal causa a dificuldade de elaboração do luto da separação, e o filho é visto como instrumento eficaz de agressividade em relação ao ex-cônjuge. 8 TRINDADE, Jorge. Incesto e Alienação Parental/ coordenação: Maria Berenice Dias – São Paulo, Editora dos Tribunais, 2007, pag.112.


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IDENTIFICAÇÃO DA SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL Aspectos sobre a identificação da Síndrome Alienação Parental A identificação da SAP é um pouco complexa. Segundo Jorge Trindade, sua detecção costuma ser difícil e demorada. As sequelas protagonizadas pela SAP variam de acordo com idade, personalidade, vínculo com seus genitores anterior à separação, dentre outras. O ser humano costuma utilizar-se das patologias do corpo para expressar os conflitos emocionais, portanto o comportamento da criança alienada costuma ser fundamental na identificação da SAP (TRINDADE, 2007, p. 24)9. A manifestação preliminar da SAP é a campanha difamatória contra um dos genitores, a fim de criar sentimentos de ódio e afastamento, sem justificativas. A Síndrome Alienação Parental é uma condição psicológica que necessita de tratamento especial e intervenção imediata, variando de acordo com as condições em que a patologia se apresenta. Importante destacar que o tratamento deve ser realizado pelo alienado e o genitor que está no papel de alienador, ou seja, todos os envolvidos na situação. É importante que seja detectada o quanto antes, para que as devidas intervenções jurídicas e psicológicas sejam realizadas, para que seus efeitos sejam cessados (TRINDADE, 2007, p. 25)10·. Características e Condutas do alienador são importantes para identificação de aspectos da SAP. Jorge Trindade defende que, dentre as características, alguns tipos de comportamento e traços de personalidade são comuns de alienação, São estes: 9 TRINDADE, Jorge. Incesto e Alienação Parental/ coordenação: Maria Berenice Dias – São Paulo, Editora dos Tribunais, 2007, pag.24. 10 TRINDADE, Jorge. Incesto e Alienação Parental/ coordenação: Maria Berenice Dias – São Paulo, Editora dos Tribunais, 2007, pag.25.

A Síndrome Alienação Parental é uma condição psicológica que necessita de tratamento especial e intervenção imediata, variando de acordo com as condições em que a patologia se apresenta.

dependência, baixa autoestima, manipulação, entre outras. As condutas mais comuns entre os casos são: desvalorização do cônjuge perante terceiros, impedir visitação, ligações, dentre outras. (TRINDADE, 2007, p. 25)11. Psicólogos e Juristas apontam que os efeitos da SAP é uma forma de maus-tratos e abuso psicológico, cujas sequelas podem durar o resto da vida.

A PSICOLOGIA FORENSE E OS NOVOS DESAFIOS DO PODER JUDICIÁRIO A Síndrome da Alienação Parental como um todo, sempre se depara primeiramente com operadores de Direito, seja nos Tribunais, Delegacias, Escritórios de Advocacia etc. 11 TRINDADE, Jorge. Incesto e Alienação Parental/ coordenação: Maria Berenice Dias – São Paulo, Editora dos Tribunais, 2007, pag.25

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A verdade é que a união da Ciência Jurídica e da Psicologia é extremamente importante para melhor compreensão e uma solução adequada para o caso. Pois, o profissional da área da Psicologia terá como detectar de forma precisa a síndrome e elaborar um tratamento adequado, em parceria com o Poder Judiciário, para “todos” os envolvidos na alienação. A importância da avaliação bem feita, com métodos sérios e profissionais competentes, traz maior chance de a criança e de o genitor acusado refazerem suas vidas a tempo. O ideal seria que os tribunais, assim que detectassem indícios da Alienação Parental, tivessem apoio da Psicologia Forense. Mas, no Brasil, nem todos os Tribunais de Justiça dispõem de projetos assistencia-

listas para as famílias. Ou seja, além de o tema ser novo, novos desafios precisam ser traçados. Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia inaugurou um projeto piloto no Balcão de Justiça e Cidadania, firmado em parceria com a Associação Brasileira Criança Feliz (ABCF). O projeto consiste na realização de atendimentos, todas as terças-feiras pela manhã, aos pais que estão em situação de alienação parental, uma espécie de mediação. A pretensão é que o atendimento seja ampliado para as outras unidades do Balcão de Justiça, servindo de exemplo para os outros estados. Além disso, também está nos planos a inclusão de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais nos encontros, cujo objetivo primordial é restaurar os laços entre pais e filhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, a Alienação Parental ainda é algo muito novo, mesmo tratando-se de uma conduta bastante comum. A SAP (Síndrome da Alienação Parental) costuma desencadear-se no contexto de disputas de custódia dos filhos, ou seja, nos conflitos de guarda. Sua manifestação preliminar é a campanha difamatória contra um dos genitores, a fim de criar sentimentos de ódio e afastamento. Acima de tudo, temos que encarar a SAP como uma forma de violência grave, pois se trata de um verdadeiro abuso psicológico, cruel, seja qual for sua forma. É uma forma de mau-trato e abuso psicológico intenso, doloroso, cujas sequelas podem durar o resto da vida. A família é responsável pela integridade física e psicológica de seus filhos. Importante também é a conscientização. A SAP é uma patologia e precisa ser tratada com todo o cuidado. Todos os envolvidos na situação da alienação devem buscar ajuda para que as marcas deste jogo não se propaguem em suas vida, pois ninguém merece ter um um dos pais “mortos” em vida. Matar a imagem de um dos genitores que está vivo é muito complicado de se superar. Que o Poder Judiciário Brasileiro consiga evoluir em suas decisões, para que as falsas denúncias de abuso sexual sejam apuradas antes do afastamento definitivo do genitor alienado, pois todo pai tem direito de abraçar seu filho, e, como Gardner, diz: “A perda de uma criança nesta situação pode ser mais dolorosa e psicologicamente devastadora para o pai-vítima do que a própria morte da criança, pois a morte é um fim, sem esperança ou possibilidade para reconciliação, mas os filhos da Alienação parental estão vivos e, consequentemente, a aceitação e renúncia a perda são infinitamente mais dolorosa e difícil, praticamente impossível, e, para alguns pais, “a dor continua no coração e é semelhante à morte viva”.

Como diz Rodolfo Pamplona Filho: “Quando filhos viram moeda, só se paga o preço do rancor” (PAMPLONA, 2013).

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