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ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

ano V • n. 10 • maio 2012


ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

Domínios da Imagem Revista do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História (LEDI) do Departamento de História e vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina

Domínios da Imagem, Londrina, ano V, n. 10,

maio

2012


Universidade Estadual de Londrina REITORA: Nádina Aparecida Moreno VICE-REITORA: Berenice Quinzani Jordão DIRETORA DO CENTRO DE LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS: Mirian Donat CHEFE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA: Edméia Ribeiro COORDENADOR DO MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL: Silvia Cristina Martins de Souza EDITOR RESPONSÁVEL: Edméia Ribeiro – UEL • Alberto Gawryszewski – UEL COORDENADOR DO LEDI: Angelita Marques Visalli – UEL

CONSELHO CONSULTIVO Carlos Alberto Sampaio Barbosa – UNESP/Assis • Daniel Russo – Université de Borgnone • Darío Acevedo Carmona – Universidad Nacional de Colombia • Eddy Stols – Katholieke Universiteit Leuven – Bélgica • Francisco Alambert – USP • Mauro Guilherme Pinheiro Koury – UFPB • Patrice Olsen – Illinois State University • Renato Lemos – UFRJ • Rodrigo Patto Sá Motta – UFMG • Stella Maris Scatena Franco – UNIFESP • Terezinha Oliveira – UEM • Marcos González Pérez – Universidad Pedagógica Nacional, Bogotá CONSELHO EDITORIAL E CIENTÍFICO Adalberto Paranhos – UFU• Ailton José Morelli – UEM • Ana Maria Mauad – UFF • Annateresa Fabris – USP • Annie Duprat – Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines • Áureo Busetto – Unesp • Cláudia Musa Fay – PUC / RS • Kátia Paranhos – UFU• Luciene Lemkhul – UFU • Luis Felipe Viel Moreira – UEM • Luiz Guilherme Sodré Teixeira – Fundação Casa de Rui Barbosa / RJ • Manoel Dourado Bastos – UDESC • Maria Cristina Pereira – USP • Maria Paula Costa – UNICENTRO • Miriam Nogueira Seraphim – Unicamp • Jorge Luiz Bezerra Nóvoa – UFBA • Rejane Barreto Jardim – UFPEL • Renata Senna Garraffone – UFPR • Solange Lima Ferraz – Museu Paulista • Tânia Costa Garcia – UNESP/Franca • Vânia Carneiro Carvalho – Museu Paulista • Ana Cristina Teodoro da Silva – UEM• Miriam Paula Manini – UnB • Soleni Biscouto Fressato – UFBA

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Domínios da imagem / Universidade Estadual de Londrina. Centro de Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História. Programa de Pós-Graduação em História Social. Londrina, PR.

Ano I – n. 1 – nov. 2007 Semestral ISSN 1982-2766 (impresso) ISSN 2237-9126 (online)

1. Imagem – Estudos – Periódicos. 2. Imagem – História Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. II. Centro de Letras e Ciências Humanas. III. Programa de Pós-Graduação em História Social. CDU 2 Todos os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não cabendo qualquer responsabilidade legal sobre seu conteúdo à revista. Pede-se permuta • Pédese canje • On demande échange • We wask for exchange • Si richiedle lo scambio


Sumário

A composição visual da marcha mundial das mulheres (Brasil, 2000-2010).......................... 7 Alexandra Pingret O Rei 8 Veado, Garra de Jaguar: poder e culto à serpente emplumada nos espaços públicos da área mixteca durante o século XI d.C....................................................................................23 Alexandre Guida Navarro Click… ou bang? Imagens da morte na historiografia sobre fotografia.................................31 Ana Cristina Teodoro da Silva; Richard Gonçalves André Janelas do Olhar: minúcias oníricas em Chema Madoz............................................................43 André Gustavo de Paula Eduardo; Deborah Cunha Teodoro Uma Venda de Secos e Molhados no Século XIX Mineiro: análise de uma imagem fotográfica.......................................................................................................................................53 Cláudia Eliane P. Marques Martinez Uma Visão Psicanalítica dos Quadrinhos: o olhar sobre a mulher em All you need is love....63 Emília Teles da Silva Caricatura y Prensa, una Reflexión en torno a las Imágenes y su Importancia en la Investigación Histórica. El caso mexicano, siglos XIX-XX.........................................................73 Fausta Gantús Leitura de Imagens e Alfabetismo Visual: revendo alguns conceitos......................................89 Gustavo Cunha Araujo; Ana Arlinda Oliveira Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito.................................................97 Paula Cristina Somenzari Almozara

RESENHA

GAWRYSZEWSKI, Aberto. (Org.) Imagem em debate. Londrina: Eduel, 2011....................111 por Ana Luiza Coradi


Imagem da capa

A obra que ilustra a capa desse número da Revista Dominios da Imagem faz parte de uma série de desenhos a lápis da artista Silvana de Menezes. Natural de Belo Horizonte, fez sua graduação em Belas Artes na UFMG com habilitação em Cinema de Animação. Nesta imagem, Silvana realiza uma releitura dos principais personagens que se imortalizaram na literatura, inspirados nas xilogravuras do maior ilustrador de todos os tempos, o francês Gustave Doré, cuja obra cheia de riqueza de detalhes somados ao contraste dramático do preto e branco, se tornou uma referência para a artista encontrar seu caminho na ilustração. Dessa série fazem parte Blanche Dubois se deixando atropelar pelo farol de Um Bonde chamado Desejo, Gulliver, o gigante adormecido e impotente diante dos pequenos e Dom Quixote, que ultrapassa os limites da literatura e inaugura outros conceitos estéticos para a loucura, que vão da transgressão ao erotismo. Na ilustração da capa, o nosso herói sem nenhuma razão descansa sua fúria da eterna luta humana sobre um campo de girassóis, partido ao meio pela espada ereta. O desenho original tem um metro de altura por oitenta centímetros de largura. Tânia Costa Garcia


Apresentação

Leitores e leitoras da Revista Domínios da Imagem, Chegamos ao nosso quinto ano de existência com grande satisfação por estarmos agradando pesquisadores(as) e interessados(as) nas singularidades das imagens. Agora a nossa revista apresenta-se também na versão on-line e com todos os números disponíveis para acesso. Somos constantemente “visitados” por pessoas do Brasil e de outros países, o que demonstra que este periódico chama a atenção para os trabalhos que têm trazido desde as suas primeiras edições. A apresentação da “Domínios da Imagem” é bonita, colorida, agrada o olhar do leitor(a), os artigos são instigantes e, como foi dito, o acesso está democratizado, facilitando a pesquisa e o uso desse material pelos usuários da internet. Esta décima edição que apresentamos traz pesquisas de várias áreas do conhecimento e trabalhos com múltiplas fontes imagéticas. Entre os temas e materiais utilizados para as diversas pesquisas publicadas neste volume, destacamos o uso da fotografia em análises sobre a caricatura da imprensa periódica e o seu potencial como fonte documental para a história; a reflexão sobre a fotografia utilizada para a realização de retratos mortuários; um estudo da obra e estética do fotógrafo espanhol Chema Madoz e artigo que analisa a fotografia da venda “A Fidelidade”, de autoria do Sr. Jovelino de Souza Parreiras, retirada no final do século XIX. Encontraremos a representação da mulher na história em quadrinhos (All you need is love, de Fábio Moon) e, ainda sobre mulheres, um outro artigo apresentando algumas reflexões sobre a “Composição Visual da Marcha Mundial das Mulheres” (MMM). Imagens do culto à serpente emplumada, símbolo de uma importante divindade mesoamericana, e o governante da região da Mixteca, Oito Veado, Garra de Jaguar, durante o século XI d.C, através do Códice Nuttall; trata-se de outro trabalho utilizando fonte imagética que encontraremos neste volume. Em artigos que abordam aspectos particularmente conceituais, vamos encontrar um estudo que propõe analisar alguns conceitos sobre leituras de imagens propostos pelo historiador alemão Erwin Panofsky e outro refletindo sobre a natureza do desenho como elemento fundamental do processo artístico. A resenha que trazemos nesta edição é do livro “Imagem em Debate”, coletânea organizada com os textos das conferências e mesas redondas apresentadas no II Eneimagem, realizado no ano de 2009. Assim, esperamos mais uma vez contribuir e instigar estudiosos(as) e interessados(as) nos “domínios da imagem”... Edméia Ribeiro

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p7

A composição visual da marcha mundial das mulheres (Brasil, 2000-2010)

Alexandra Pingret Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Graduada em Educação Artística e especialista em Arte-educação pela mesma instituição. Professora efetiva na rede de educação básica do Estado do Paraná.

Resumo

Este artigo tem como objetivo propor algumas reflexões e uma análise interpretativa sobre a Composição Visual da Marcha Mundial das Mulheres, que é um movimento social contemporâneo em forma de rede. Esse movimento construiu uma série de artefatos e materiais que são utilizados em eventos públicos, tanto promovidos pela Marcha como outros, tais como o Fórum Social Mundial. As fontes utilizadas são os próprios artefatos e materiais, todavia, os apresentamos nesse artigo, utilizando como suporte, as fotografias veiculadas nos meios de comunicação. Além da análise interpretativa das fontes, a leitura da bibliografia especializada possibilitou-nos conhecer e refletir sobre parte do contexto de criação e produção dessa composição visual, bem como sobre a utilização e a circulação dessas imagens. Palavras-chave: Composição visual. Marcha mundial das mulheres. Movimentos sociais.

Abstract

This article aims to propose some reflections and an interpretive analysis of the Visual Composition of the World March of Women, which is a contemporary social movement in a network. This movement has built a series of artifacts and materials that are used at public events, both sponsored by the march as others, such as the World Social Forum. The sources used are themselves artifacts and materials, however, those presented in this article, using as support the photographs circulated in the media virtual. In the interpretative analysis of the sources, reading the relevant literature enabled us to meet and reflect on some of the context of creation and production of visual composition, and the use and circulation of these images. Keywords: Visual composition. World march of women. Social movements.

Recebido em: 10/02/2012

Aprovado em: 05/04/2012

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A composição visual da marcha mundial das mulheres (Brasil, 2000-2010)*

Nesse artigo apresentamos uma proposta de análise interpretativa da composição visual da Marcha Mundial das Mulheres – MMM, que é um movimento social contemporâneo, em forma de rede. Esse movimento procura ter legitimidade em meio aos demais movimentos sociais, como entidades sindicais e partidárias, associações, Organizações Não-Governamentais (ONGs), dentre outros, buscando interagir dinamicamente com esses segmentos. A MMM também se propõe a apresentar à sociedade as diversas interlocuções presentes nos demais movimentos de mulheres.1 A fundação da MMM foi inspirada em uma manifestação pública feminista ocorrida em Quebéc, Canadá, em 1999, que teve como lema “pão e rosas”, aderindo à luta de resistência contra a pobreza e a violência. Quebec foi o palco dos três primeiros Encontros Internacionais da Marcha, e podemos encontrar no Canadá o maior número de grupos/instituições participantes – seiscentos e cinqüenta e quatro. No Brasil, encontra-se sua segunda maior organização quantitativa, com trezentos e quatro instituições, conforme as informações consultadas no site do movimento (MARCHA..., 2011).

Dentre as principais estratégias da MMM, estão aquelas que buscam provocar grande visibilidade, pois, de acordo com o formato em rede dos movimentos sociais contemporâneos, os encontros presenciais podem ser mais circunstanciais e espaçados. No caso da Marcha esses encontros ocorrem a cada cinco anos (as edições foram em 2000, 2005 e 2010) e constituem-se em marchas de grandes proporções, em locais públicos, Ilse Scherer-Werren (2006, p. 112) se refere a esse tipo de manifestação como: [...] fruto da articulação de atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos fóruns e redes de redes, mas buscam transcendê-los por meio de grandes manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes, com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido político-pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de pressão política [...] no espaço público contemporâneo.

A composição visual da MMM foi criada e produzida, primeiramente, no contexto do I Fórum Social Mundial – FSM, que aconteceu, em 2001, na cidade de Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. Esse evento influenciou imensamente o desenvolvimento da Marcha, tanto no Brasil como em outros países.

Este texto é uma adaptação do Terceiro Capítulo da dissertação de mestrado “A Marcha Mundial das Mulheres no contexto dos movimentos sociais e sua construção visual (Brasil, 2000-2010)”, sob a orientação da professora Dra. Isabel Aparecida Bilhão e defendida em 26/03/2012, no PPG em História Social da Universidade Estadual de Londrina. 1 A liderança da MMM baseia-se na organização do Secretariado Internacional, que é itinerante e, desde 2006, está sediado no Brasil, onde a SOF (Sempreviva Organização Feminista), uma ONG de abrangência nacional, com sede em São Paulo, é sua referência. Também está organizada nos Comitês Nacionais e Estaduais, no Brasil está presente em 17 estados – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Piauí, Pernambuco, Bahia, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Alagoas, Amapá, Ceará, Distrito Federal e Pará. *

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D i a n t e d a a m p l a d i ve rs i d a d e d e movimentos que compuseram o FSM, o secretariado internacional da Marcha contratou a artista plástica paulista Biba Rigo2, para produzir parte dos artefatos que foram utilizados durante a passeata de abertura, com a intenção de ampliar a visibilidade das mulheres diante de um público tão diversificado, e também apresentar a Marcha para a sociedade, que assistia a passeata de abertura do FSM. Conforme Mirian Nobre e Nalu Farias (2003, p. 628): Na passeata de abertura do FSM em 2003 nós da Marcha conseguimos expressar o processo de preparação que desencadeamos. Os estandartes de abertura foram concebidos e costurados em oficinas onde refletimos sobre nossas vidas, nossas visões para o futuro e o significado do Fórum para isso.

Nesse artigo, utilizaremos parte da composição visual da segunda e terceira edições da MMM, que aconteceram no Estado de São Paulo, e tiveram início no dia 08 de março, dia Internacional da Mulher. A segunda edição ocorreu em 2005, com uma grande manifestação pública que reuniu mulheres representantes de vários Estados brasileiros e também de outros países, além de um grande número de entidades. A visualidade dessa segunda edição foi organizada a partir de uma rica composição, na qual as técnicas de costura, bordado e aplique foram predominantes, principalmente na confecção dos artefatos, como faixas e estandartes. Essas técnicas remetem a algumas das ocupações culturalmente aceitas como pertencentes ao cotidiano feminino, bem como, às primeiras inserções femininas no mundo do trabalho, como se pode observar em vários textos e imagens

históricas. Portanto, pautar esse aspecto do feminino, envolve sua historicidade, tocando os imaginários das mulheres, principalmente das que participaram desse evento. Sobre a forma como os imaginários sociais são tocados Bronislaw Baczko (1985, p. 310) escreve que: [...] qualquer instituição social, designadamente as instituições políticas, participa assim de um universo simbólico que a envolve e constitui o seu quadro de funcionamento. [...] Os signos investidos pelo imaginário correspondem a outros tantos símbolos. E assim que os imaginários sociais assentam num simbolismo que é, simultaneamente, obra e instrumento.

E ainda, sobre a importância da visualidade Ulpiano Bezerra de Meneses (2003, p.11) considera que é preciso fazer “um tratamento mais abrangente da visualidade como uma dimensão importante da vida social e dos processos sociais.” Refletindo sobre a função político-pedagógica da composição visual da Marcha, observamos que essa produção foi feita tanto para o público externo, como para o público interno, com o objetivo de gerar identificação entre o movimento e as mulheres que o compõe. Assim, percebemos a preocupação das lideranças da MMM em construir uma composição visual que identificasse o movimento, representando seu ideário, tanto para as mulheres que a compõe quanto para o público da sociedade em geral. A terceira edição, em 2010, foi organizada em um formato diferente das anteriores, pois a Marcha, por se tratar de um movimento em forma de rede, nesse período já havia ampliado a sua representatividade dentro dos movimentos sociais, tanto os de mulheres, como os mistos. Assim, foi primeiramente

Membro fundadora do Ateliê Funilaria e Pintura- Espaço voltado à produção e estudo de arte e educação Dedica-se à pintura, xilogravura, desenho, ilustração e afins. Procura imagens que representam condições e afetos da natureza e do homem. Participa de ações nas cidades, por vezes com propostas coletivas (BIBA RIGO, 2010).

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organizada nos comitês Estaduais da MMM – compostos de vários movimentos e entidades – para que estes mobilizassem pessoas para participarem da marcha de dez dias, cujo percurso era da cidade de Campinas a São Paulo, encerrando o evento com um grande ato na praça Charles Miller, no Pacaembu. Durante a última edição – em 2010 – foram utilizados os artefatos da segunda edição e acrescentados outros materiais, industrializados, que fizeram parte da composição visual em 2010, conforme citaremos mais adiante. Compreender que a produção cultural dos movimentos sociais possui uma historicidade, serve para ampliar a dimensão desses estudos. Por isso, interessanos as considerações de Peter Burke, que escreve sobre as várias tentativas de traduzir: [...] em linguagem visual os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade, por exemplo, era simbolizada pelo boné vermelho [...] associado na época clássica com a libertação dos escravos. A Igualdade era mostrada em gravuras revolucionárias como uma mulher segurando duas balanças, como a imagem tradicional da justiça, porém sem a venda (BURKE, 2004, p. 76).

No mesmo sentido, Burke aponta os murais de Diego Rivera, que foram encomendados pelo governo mexicano pósrevolucionário, a partir da década de 1920. Para Burke (2004, p. 81), esses murais foram considerados pelos artistas como “uma arte educativa, de luta, uma arte para o povo que traz mensagens tais como a dignidade dos índios, os males do capitalismo e a importância do trabalho” No Brasil, existe uma produção acadêmica considerável sobre a produção cultural dos movimentos sociais. Por exemplo, Marcelo Ridenti (2007, p. 135), quando se refere ao período da ditadura cívico-militar, escreve que a 10

[...] rebeldia contra a ordem e revolução social por uma nova ordem mantinham diálogo tenso e criativo, interpenetrando-se em diferentes medidas na prática dos movimentos sociais, expressas também em manifestações artísticas.

A partir dessas considerações, na seqüência, apresentaremos a análise da composição visual da Marcha, pensando-a como fonte de pesquisa histórica. Entretanto, não temos a pretensão de compará-la aos exemplos citados, mesmo porque se tratam de conjunturas diferentes. Nosso intuito foi demonstrar que existem percursos, já trilhados, pelos movimentos sociais, que consideram os aspectos culturais como estratégicos para realização de seus ideários. Análise dos artefatos e materiais da composição visual da Marcha Mundial das Mulheres A composição visual da MMM foi analisada a partir da escolha de várias fotografias veiculadas nos meios virtuais de comunicação. Considerando a abundância de fontes, optamos por organizar e apresentar a maioria das imagens escolhidas em séries, tendo em vista as palavras de Peter Burke (2004, p. 237), que tem o seguinte entendimento: “uma série de imagens oferece testemunho mais confiável do que imagens individuais”. Também de acordo com Ulpiano Bezerra de Meneses (2003, p. 27-28) é com séries que se deve procurar trabalhar, ainda que se possam ter imagens singulares que funcionem como um ponto de condensação das séries ideais.

As fontes analisadas foram fotografadas e divulgadas tanto nos sites da Marcha como em outros endereços eletrônicos. Para analisarmos a composição visual utilizamos

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imagens fotográficas que apresentam os artefatos. Essas imagens fotográficas foram divididas em séries, com variações nas quantidades de fotografias. Assim, na série número 1 é apresentada a Colcha de Retalhos da Solidariedade Global – 2005, na série 2 são apresentados os estandartes – 2005, na série 3 as Caminhantes – 2010, na série 4 apresentamos as faixas – 2005 e em 2010 e na série 5 apresentamos os materiais diversos utilizados em 2010. Nessa perspectiva, iniciamos nossa análise apresentando a imagem da série número 1, que se refere a Colcha de Retalhos da Solidariedade Global. A Colcha de Retalhos da Solidariedade Global foi produzida durante os meses de março a outubro de 2005, partindo dos princípios contidos na Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade, que são: igualdade, liberdade, solidariedade, justiça e paz. A MMM propôs que cada país elaborasse

um retalho, com o formato quadrado, para a montagem de uma colcha de retalhos. Dessa forma, participaram da confecção dessa colcha entidades de sessenta e quatro países e territórios. Cada retalho tem um percurso e uma origem, alguns foram pensados e produzidos coletivamente, outros foram elaborados em grupo, mas produzidos por artistas ou artesãos. Porém, em todos eles percebemos a intenção de abordar a temática proposta pela carta e ao mesmo tempo, demonstrar a cultura de seu país. Para isso, foram utilizadas cores e formas, texturas e materiais típicos dos países. Ou seja, a Carta Mundial das Mulheres para a Humanidade foi ilustrada pela Colcha de Retalhos da Solidariedade Global. Assim, cada país utilizou uma técnica artística, como a pintura, colagem, aplique, bordado, desenho, assemblage, sendo que em alguns casos foram utilizadas técnicas mistas.

Figura 1. Colcha de Retalhos da Solidariedade Global – 2005.

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Entretanto, não foi possível realizar uma abordagem das cores apresentadas nas composições dos retalhos de cada país, pois, segundo Michel Pastoureau (1997) seria preciso um imenso esforço, bem como a ampliação da pesquisa para tentar limitar e reconstruir aquilo que foi o universo da cor para cada uma das sociedades ali representadas, e ainda, seria preciso levar em conta os diversos componentes desse contexto. Desta maneira, fizemos outros tipos de análise e interpretações que consideramos pertinentes. A Colcha de Retalhos da Solidariedade Global está cobrindo a parede da oficina que a MMM tem em Sudáfrica3, mas em todos os Encontros Internacionais da Marcha a colcha é enviada, enquanto representação artística da visão coletiva das mulheres. Ao observarmos pelas primeiras vezes a colcha, logo nos indagamos qual é o retalho do nosso país, ou como o Brasil foi representado e por quem. Essas questões existem pela necessidade que temos, como receptores, de pertencermos a essa ação, que engloba sínteses diversas que, em nome da solidariedade global, toca e mobiliza o imaginário feminino. Assim, é possível considerar a proposição de Baczko (1985, p. 309) de que: O imaginário social elaborado e consolidado por uma colectividade é uma das respostas que esta dá aos seus conflitos, divisões e violências reais ou potenciais. Todas as colectividades têm os seus modos de funcionamento específicos a este tipo de representações. Nomeadamente, elaboram os meios da sua difusão e formam os seus guardiões e gestores, em suma, o seu ‘pessoal’.

O retalho maior, quase ao centro da colcha, cujo fundo é cor de laranja e possui 3

o logotipo da MMM, foi por onde a colcha começou a ser costurada. O retalho ao lado direito superior com o fundo basicamente nas cores laranja e azul, é o retalho do Brasil, que, possivelmente, foi o primeiro a ser costurado, tendo em vista que a Marcha começou nesse país. Em vários retalhos observamos imagens e palavras, em alguns há só imagens e em outros há a predominância das palavras. No contorno da colcha vemos um tecido na cor azul que tem como figura a repetição das cinco mulheres coloridas, de mãos dadas, que fazem parte do centro do círculo do logotipo da Marcha. Na série número 2 são apresentadas quatro figuras dos estandartes. Eles foram encomendados pela coordenação nacional da MMM, para a passeata de abertura do FSM, em 2001. A artista Biba Rigo confeccionou três deles e, diante do sucesso que fizeram, ela foi convidada para ministrar uma oficina na Marcha, no FSM, de 2003. Assim foram confeccionados vários estandartes, que aparecem na Figura 2B, durante a segunda edição da MMM, em 2005. Os estandartes aparecem em terceiro plano nessa imagem, no primeiro vemos a faixa de abertura, no segundo algumas mulheres durante a manifestação e logo em seguida os estandartes, juntos, praticamente um ao lado do outro. Os estandartes foram confeccionados utilizando, como suporte, um tecido grosso, alguns na cor laranja e muitos na cor vermelha. A técnica utilizada é a costura, a pintura e o aplique que consiste em sobrepor outros tecidos e materiais diversos no suporte. No caso dos estandartes foram utilizados vários tipos de tecidos com diversas texturas e cores. O tamanho médio é de aproximadamente

É um país Africano situado na ponta sul da África. Seu nome oficial é República da África.

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1,20 X 0,80 cm e a maioria segue o padrão da figura 2A, trazem abaixo uma faixa na qual está escrito “Marcha Mundial das Mulheres”, porém ela não está presente em todos os estandartes. A figura representada em todos eles é a mulher de diferentes etnias, culturas e estilos. As mulheres são representadas

de forma estilizada e sua posição é frontal, com um semblante sério e na proporção de busto e acima, possivelmente para que a composição da figura e fundo se torne proporcional e também para que pela amplitude da Marcha, ela possa ser vista e lida em distâncias consideráveis.

Figura 2. Série 2 – Estandartes – 2005.

Há também na composição dos estandartes, na parte superior, acima da mulher, uma palavra que no início eram os princípios da MMM, como por exemplo a liberdade. Mas com o passar do tempo e a pessoa que o confeccionava, foram sendo utilizadas outras palavras, tais como as que podemos ler nas figuras 2A e 2B, respectivamente fantasia e rebeldia, sempre escritas em letras maiúsculas para confirmar a relação da palavra com a figura. Sobre o uso das palavras aliadas às imagens, Martine Joly (1996, p. 133) escreve que [...] as palavras e as imagens revezam-se, interagem, completam-se e esclarecem-se

com uma energia revitalizante. Longe de se excluir, as palavras e as imagens nutrem-se e exaltam-se umas às outras.

Nesse caso, tal observação parece ser totalmente pertinente. A associação da palavra à imagem propõe uma combinação entre ambas e podemos entender a partir desta perspectiva a mulher como sinônimo e também como protagonistas da fantasia, da rebeldia, da liberdade, da transformação, do respeito, do movimento, dentre muitas outras expressões que exaltam valores. Se olharmos pelo que escreve Baczko (1985, p. 310), tal atitude tenta “modelar os comportamentos individuais e colectivos

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e indicar as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos.” Conforme o mesmo autor: É assim que, através dos seus imaginários sociais, uma colectividade designa a sua identidade; elabora uma certa representação d e s i [ . . . ] ex p r i m e e i m p õ e c re n ç a s comuns; [delimitando] o seu ‘território’ e as suas relações com o meio ambiente e, designadamente, com os ‘outros’; e corresponde ainda a formar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc. (BACZKO, 1995, p. 309).

A maneira como os estandartes são apresentados podem variar muito, conforme a ocasião. Nas manifestações de rua eles são carregados como “pirulitos”, conforme a figura 2B, para se destacarem, também podem ser usados no pescoço, ou apenas segurados, como na figura 2C. Um aspecto interessante é que, nessas manifestações, geralmente eles são apresentados juntos, que nos remete à várias hipóteses com o objetivo de mostrar os estandartes em série, para que sejam contempladas as várias palavras e ao mesmo tempo a representação de mulheres de diversas etnias, culturas e estilos. Esta forma contribui para demonstrar parte do patrimônio cultural da MMM à sociedade e às próprias manifestantes, engrandecendo o movimento. Esses estandartes foram reproduzidos nos estados4. E em todas as atividades, sejam das mulheres da Marcha ou de outros movimentos, nos quais a Marcha está presente, esses estandartes são expostos. O uso do estandarte também possui uma historicidade – embora não seja nossa

intenção dissertar sobre isso, todavia, para acrescentar informações sobre esse objeto, citaremos um trecho de uma matéria apresentada no site, sobre estandartes. O estandarte é um artigo bastante usado em eventos comemorativos, culturais e religiosos. Funciona como uma espécie de bandeira, pendurada por um mastro, a ser segurada pela comissão de frente do grupo que irá fazer a manifestação, esta podendo ser de temática diversa. Vemos os estandartes constantemente em carnavais, onde os blocos usam o espaço para colocar o nome do grupo ou seu símbolo oficial, ou frases motivadoras (ARTESANATO CULTURAMIX, 2011).

A importância de um estandarte na cultura operária, por exemplo, pode ser medido pelos estandartes utilizados durante as comemorações do Primeiro de Maio. Conforme Isabel Bilhão (2008, p. 230), no Brasil, ao longo da Primeira República, ocorriam os festejos de Batismos de Estandarte das entidades. O estandarte, nas palavras da autora: É um símbolo privilegiado para a demonstração dos sentimentos da solidariedade, força, honorabilidade e aspirações futuras de uma associação operária, da mesma forma, em desfile de Primeiro de Maio, demonstra, ao mesmo tempo, o reconhecimento das peculiaridades de cada ofício e a necessidade do estabelecimento de solidariedades que reforçam a importância do operariado em sua totalidade, ação fundamental na construção de uma identidade coletiva.

Feitas essas considerações, partimos para a análise das caminhantes, que compõe a série de número 3, apresentada a seguir.

No Paraná, a reprodução foi feita por uma artesã, de Curitiba.

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Figura 3. As caminhantes – 2010

A s s i m c o m o o s e s t a n d a r t e s, a s caminhantes têm a pretensão de colocar a mulher em evidência, tanto na aparência e dimensão como utilizando referenciais culturalmente atribuídos ao feminino. As caminhantes são bonecas/marionetes gigantes associadas, também ao universo feminino. Elas aparecem na terceira edição da Marcha, em 2010, em frente a faixa de abertura da Marcha. As roupas das caminhantes foram confeccionadas em uma oficina ministrada ao longo de dois dias, durante a terceira ação em 2010, pela artista Biba Rigo. Sobre a escolha das mulheres que iriam participar dessa oficina, provavelmente foi feita pela coordenação da ação, que convidaram vinte mulheres, vindas de movimentos sociais, do campo e da cidade, diferentes,

conforme podemos observar na figura 3B com variadas idades e de Estados distintos. Essas oficinas foram planejadas e realizadas em vários países como na Argentina, Bélgica, Filipinas, Galícia, Porto Rico, Portugal, Suíça e Canadá, conforme informações encontradas no site da Marcha (JORNAL MARCHA DAS MULHERES, 2010). Nessa mesma fonte é mencionada a função das caminhantes, que consiste em tornar a MMM mais visível durante as manifestações e ainda contribuir para animar ainda mais essas ações. Sobre as duas formas de utilização das caminhantes, apresentadas nas figuras da série 3, a principal é a de abrir caminho para a manifestação e, ao final compor a visualidade do caminhão – figura 3C – no qual foram feitos os discursos das lideranças dos diversos movimentos e da MMM.

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O suporte das caminhantes é feito em madeira e foi utilizada a pintura para fazer o rosto, o cabelo, o pescoço e as mãos. A roupa é de tecido, na qual são colocados símbolos e formas diversas, utilizando moldes, principalmente na saia, nas mangas e no barrado da blusa. Quanto à altura, pode-se estimar pela proporção observada na figura 3A, que medem, aproximadamente, três metros. Na representação das mulheres através das caminhantes, foi utilizado o estereótipo de mulheres vaidosas, bem maquiadas e com flores de tecido no cabelo. Uma delas tem também uma gargantilha no pescoço. Refletindo sobre a apresentação e uso de estereótipos, utilizamos uma passagem de Burke (2004, p. 155) que escreve: O estereótipo pode não ser completamente falso, mas freqüentemente exagera alguns traços da realidade e omite outros. O estereótipo pode ser mais ou menos tosco, mais ou menos violento.

Partindo dessa perspectiva, questiona-se essa representação de mulher, produzida no Brasil, corresponde ao nosso imaginário feminino e se não fosse assim, como seria? As características das mulheres militantes em suas diversidades, estão contemplados nessas caminhantes? A série de número 4 é composta por faixas que foram utilizadas na segunda e na terceira edição, 2005 e 2010. As faixas utilizadas na Segunda Edição da Marcha, em 2005, foram confeccionadas com a preocupação de representar mulheres de várias idades, etnias e culturas. É possível que a apresentação das mulheres de mãos

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dadas pretendesse buscar a representação da união entre as mulheres para obter visibilidade e almejar conquistas. Essas faixas foram feitas em tecido, com uma base de cor única, na qual foram feitos apliques representando mulheres e também flores. Na Figura 4B, a composição é feita com mulheres em um tamanho bem maior que a das outras faixas e, nessas mulheres não foram pintados os rostos assim, podemos supor que, não importa a aparência ou raça, mas que são mulheres, ou que os rostos seriam os das mulheres que carregavam a faixa a cada momento. As roupas são diversas e contemplam vários estilos de vestimentas utilizadas pelas diferentes e singulares mulheres. Na faixa 4C, as mulheres são menores, em proporção às da faixa 4B, mas estão de mãos dadas e pisam num caminho de flores, com muita semelhança à composição da faixa de abertura dessa segunda edição. Nessas três faixas observamos que a técnica de pintura, costura e aplique foram predominantes. Todavia, em 2010, na terceira edição, houve a predominância de materiais industrializados como a faixa de abertura e os demais materiais da série 5. A coordenação da terceira edição solicitou aos estados que trouxessem faixas das suas entidades e movimentos. Atendendo à solicitação, as mulheres do Estado do Piauí – Figura 4E – confeccionaram uma faixa utilizando a proposta da segunda edição, usando a técnica da costura e aplique. Dessa maneira, observamos algumas mulheres ligadas por um cordão e há uma identificação através da frase “Mulheres do Piauí em Marcha na MMM”.

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Figura 4 – Faixas

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O palco para a finalização da Marcha, nessa última edição, era um caminhão próprio para esses eventos. Na Figura 4F, observamos que ele estava composto por faixas ao centro (a faixa de 2010) e ao lado direito e ao lado esquerdo as duas faixas de 2005. Não podemos deixar de mencionar,

as caminhantes que foram posicionadas em um dos extremos do caminhão, que desenvolveram um importante papel durante o percurso, anunciando a chegada da marcha. Por fim, a série de número 5, que apresenta os materiais diversos produzidos e utilizados na Terceira Edição.

Figura 5. Materiais Diversos – 2010 Fonte: Sempreviva Organização Feminista

Na Figura 5A, o que predomina são as bandeiras e a cor roxa em várias tonalidades, pelo uso da mochila e da camiseta. Muitas pessoas questionam o porquê da predominância da cor roxa na Marcha em 2010. Em Pastoureau (1997) encontramos uma reflexão acerca da distinção entre o azul

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e o vermelho (que formam o roxo). Este autor nos diz que há uma diferença relativamente antiga da cultura ocidental, na qual o azul é masculino o vermelho feminino. Com efeito, esta oposição dos sexos segundo o azul e o vermelho começa a ser utilizada no final da Idade Média [...] e desenvolve-se na época moderna. (PASTOUREAU, 1997, p. 41).

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Na mistura dessas duas cores temos o roxo. Nesse sentido, a cor roxa também é muito utilizada nos encontros dos grupos que discutem gênero, pois contemplam tanto o gênero feminino como o masculino. Na Figura 5B, observamos uma mochila, uma garrafa, e uma camiseta e o Guia da Caminhante, material este utilizado na Marcha. Em todos os materiais nota-se o logotipo da MMM, sendo que camiseta também foi colocado o desenho do cartaz da Terceira Edição. Na capa do Guia da Caminhante foi reproduzido o desenho do cartaz e no verso a logo da Marcha Mundial das Mulheres como realizadora do evento. Como apoiadores constam o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Governo Federal, o CESE e o ACTIONAID. Não sabemos exatamente de que forma se deu esse apoio, questão que poderá motivar investigações posteriores. Na imagem 5C, aparece a bandeira da MMM, que utiliza apenas o logotipo da MMM no centro. Entretanto, considerando a reflexão de Pastoureau (1997, p. 39), observaremos que as bandeiras são: [...] objectos simbólicos, imagem emblemática, alegoria personificada, sinal e memória, ao mesmo tempo presente, passado e futuro, a bandeira sobre todas as manipulações rituais próprias dos signos demasiadamente fortes, dos que transcendem de maneira exponencial a sua mensagem e a sua função.

Considerações Finais Nesse estudo procedemos a análise interpretativa das fontes e a leitura da bibliografia especializada o que nos possibilitou conhecer e refletir sobre parte do contexto de criação e produção dessa composição visual, bem como a utilização e a circulação dessas imagens.

A composição visual da MMM contribui em vários aspectos para a identificação, expansão e organização desse movimento. Pautando-nos em Joly (1996), entendemos que ao buscar a função da produção e da utilização das imagens ou objetos, é necessário, considerar duas funções a explícita e a implícita. Nessa perspectiva, a função explícita da composição visual da MMM é ampliar a visibilidade do movimento, tanto para o um público da Marcha, quanto para o público da sociedade em geral. E como função implícita essa composição visual visa acionar os imaginários femininos e culturais das mulheres, possibilitando a construção identitária e a coesão do movimento em suas características multifacetadas. Observamos que tanto as técnicas de costura utilizada como as mulheres representadas nos estandartes, caminhantes e faixas, nos remeteram ao universo culturalmente reconhecido como feminino. Em 2010, a uniformidade da cor roxa, talvez não tenha cumprido sua função implícita, a que nos referimos, considerando que a composição visual nessa edição foi a própria marcha e as marchantes, com os materiais diversos, como podemos observar na Figura 6. Em 2010, houve um diferencial no formato da Marcha, que fez um percurso de aproximadamente cento e vinte quilômetros em onze dias. Nesse evento, as demandas de alimentação, saúde, alojamentos e formação política foram priorizadas, o que entendemos como necessário nessas circunstâncias. Mas a transformação que observamos na concepção e na produção da composição visual da MMM, nas duas últimas edições – 2005 e 2010 – foi brusca, sobretudo na passagem da produção artesanal, que privilegiava o trabalho manual/artesanal tomado convencionalmente como feminino, para a produção industrializada, útil e prática, porém sem a expressão e o envolvimento característicos da produção artesanal.

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Figura 6. Parte do percurso da Terceira edição da MMM, 2010 Fonte: Sempreviva Organização Feminista, 2012. Foto: João Zinclar

Por fim, a leitura que fizemos da transformação ou ampliação da Composição Visual da Marcha, devido ao seu formato em 2010, ocorreu diante das possibilidades e dos contextos nos quais a MMM estava inserida, sendo necessário, naquele momento, uma adaptação que passou de uma produção artesanal para a produção industrial, na qual o uso das tecnologias disponíveis contribuiu para a confecção de uma grande quantidade de materiais. Referências ARTESANATO CULTURAMIX. Estandates e artesanatos. 2011. Disponível em: <http:// artesanato.culturamix.com/tecido/estandartes-eartesanato>. Acesso em: 22 fev. 2012. BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (Org.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. p. 296-332.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p23

O Rei 8 Veado, Garra de Jaguar: poder e culto à serpente emplumada nos espaços públicos da área mixteca durante o século XI d.C. Alexandre Guida Navarro Doutor em Arqueologia pela Universidad Nacional Autônoma de México (UNAM). Atualmente é professor de História da América do Departamento de História da Universidade Federal do Maranhão (DEHIS/ UFMA). Ao longo da formação acadêmica tem se dedicado aos estudos da cultura material na América Pré-Colombiana, em especial a civilização maia. Participou de escavações arqueológicas em cidades maias, como Calakmul, Chichén Itzá e seu porto comercial, Ilha Cerritos. Além da Mesoamérica, também pesquisa a arqueologia do estado do Maranhão.

Resumo

Este texto trata das relações existentes entre o culto à serpente emplumada, símbolo de uma importante divindade mesoamericana, e o governante da região da Mixteca, Oito Veado, Garra de Jaguar, durante o século XI d.C. Imagens do culto aparecem em um registro escrito, o Códice Nuttall, e evidencia narrativas pictoglíficas associadas ao culto à serpente emplumada em espaços públicos na Mixteca. O governante Oito Veado, Garra de Jaguar, aparece em algumas delas, o que leva a inferir que o culto legitimava o poder do rei. Palavras-chave: Códice, cultura material, imagética, Mixteca, Mesoamérica.

Abstract

This paper aims the relationship between the cult of the feathered serpent, a symbol of an important Mesoamerican deity and the ruler of the Mixteca region, Eight Deer, Jaguar Claw, during the eleventh century AD. The cult images appear on a written record, the Codex Nuttall, and highlights pictoglyph narratives associated with the cult of the feathered Serpent in public spaces in the Mixteca. The ruler Eight Deer, Jaguar Claw, appears in some of them, which leads to the inference that the worship legitimized the king’s power. Keywords: Codex, material culture, imagery, Mixtec Area, Mesoamerica.

Recebido em: 10/03/2012

Aprovado em: 15/04/2012

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O Rei 8 Veado, Garra de Jaguar: poder e culto à serpente emplumada nos espaços públicos da área mixteca durante o século XI d.C.

Introdução Na Mesoamérica os espaços públicos estão associados à concepção de arquitetura espacial como mensagem simbólica da cultura que a construiu. Neste sentido, a arquitetura compreende e expressa certos princípios de ordem e classificação. Assim sendo, como meio cultural construído, o espaço pertence ao contexto em que determinada sociedade realiza atividades específicas ao longo do tempo. Deste modo, a mensagem simbólica que o espaço adquire está diretamente relacionada com as práticas sociais das comunidades que a criaram (NORBERGSCHULZ, 1980; RAPOPORT, 1990; PARKER PEARSON, RICHARDS, 1994). Neste sentido, os meios espaciais, i.e., os lugares públicos, são cuidadosamente planejados antes de ser construídos, pois formam parte de uma cognição que tem como função dar a eles significados sociais. Para Parker Pearson e Richards (1994) e NorbergSchulz (1980), o espaço arquitetônico pode ser definido como a concretização do espaço existencial, ou seja, os elementos da paisagem são elaborados culturalmente e transformados dentro de seus contextos materiais, e, por extensão, são parte de um sistema cultural dos grupos humanos que o criaram. É d e n t ro d e s t a p e rs p e c t i va q u e entendemos os espaços públicos, como um meio de construção da paisagem social, que, mediante os dispositivos artificiais, 24

domestica o mundo através da arquitetura e o organiza dentro de referências culturais, gerando, assim, a percepção do entorno por parte dos indivíduos inseridos neste processo (RAPPOPORT, 1990; PEARSON, RICHARDS, 1994; NAVARRO, 2007). A serpente emplumada A serpente emplumada é um dos mais importantes símbolos não somente da área maia, mas de toda a Mesoamérica (PIÑA CHÁN, 1980; RINGLE et al. 1998; NAVARRO, 2007). Este símbolo enquadrase numa categoria de religião ou mito de núcleo duro, assim definido por Lópes Austin (1999), já que parece ser que a maioria das etnias pré-hispânicas mesoamericanas fez menção a um de seus diversos significados ou atributos. Sendo assim, parece ser que um dos seus principais significados é o religioso. É comum, portanto, imagens de serpentes emplumadas aparecem associadas em contextos funerários representando à viagem do morto ao inframundo ou sua associação com os ancestrais (SCHELE, FREIDEL, 1999). A serpente com plumas é a metáfora de diversas concepções ideológicas (religiosas, políticas, guerreiras) mesoamericanas. Esteve associada à fertilidade em Teotihuacán, em que imagens deste ser podem ser encontradas em contextos aquáticos e associadas com elementos da água, como é o caso das conchas (SUGYUAMA, 1991). Na mesma cidade, este símbolo também

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esteve associado à guerra, calendário e sacrifício já que num dos principais edifícios do centro urbano, a Pirâmide das Serpentes Emplumadas, foram sacrificadas 260 pessoas, grande parte delas teve suas mãos amarradas com sogas. A pesar de se considerar que o culto à serpente emplumada teria começado em Teotihuacán, muitas imagens deste ser mítico já aparecia na área maia, inclusive em cidades do Pré-Clássico como Mirador e Calakmul (HANSEN, 1989). As imagens de serpente emplumada adquirem grande repercussão no chamado Epiclássico e Clássico Terminal na área maia (ca. 800-1000 d.C.). A maioria das pinturas ou esculturas estão associadas à cenas de entronização do governante, marcando um forte ruptura no seu significado, além da continuidade de temas antes já mencionados, como a fertilidade. Uma grande quantidade de serpentes emplumadas associadas à contexto bélico vêm desse período também, como é o caso da região Mixteca. Exemplos são os murais de Bonampak, os baixorrelevos dos templos de Xochicalco, estas duas cidades localizadas no Altiplano mexicano; as esculturas e baixorrelevos de El Tajín na Costa do Golfo também mostram imagens de serpentes emplumadas associadas à entronização; em Uxmal, num dos principais espaços arquitetônicos da cidade, há a decoração do ser mítico e, por fim, em Chichén Itzá as imagens simplesmente dobram, sendo esta cidade, até agora, a que mais apresenta iconografia deste animal, em diversos contextos e em vários edifícios (PIÑA CHÁN, 1977, 1980; RINGLE et al. 1998; NAVARRO 2007, 2009). Em nossa

tese de doutorado, conseguimos catalogar 167 imagens de serpentes emplumadas espalhadas ao longo deste centro urbano (NAVARRO, 2007). O personagem 8 Veado, Garra de Jaguar 8 Veado foi um dos principais governantes da região conhecida como Mixteca, no sul do atual México, durante o século XI d.C. Garra de Jaguar é seu sobrenome, uma prática mixteca que associava ao nome algumas características peculiares do indivíduo, como gostos pessoais, nomes de animais, plantas e topônimos. Garra de Jaguar é um epíteto associado às suas proezas guerreiras e militares. Já o nome 8 Veado refere-se ao seu dia de nascimento, portanto, uma atribuição calendárica, um importante mecanismo de identidade social e religiosa mesoamericana (SCHELE, FREIDEL, 1999; LIBURA, 2007) (Figura 1). A época em que 8 Veado viveu, a região da Mixteca era povoada por uma série de cacicados que criavam alianças em alguns momentos de ameaça e que estavam constantemente em guerra. Esteve envolvido em uma série de campanhas militares cujos objetivos era unificar as cidades da Mixteca Alta sob seu comando, com sede na cidade de Tilantongo (JOYCE, MUELLER, 1997; OTTERBEIN, 2009). Este personagem ganhou um grande destaque nos principais códices, i.e, livros feitos de papel ou pele de veado e em forma de biombo, cujas cenas e pictografias dão ênfase aos diversos momentos de sua vida e suas realizações como governante ou rei (LIBURA, 2005).

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Figura 1. Mapa extraído de http://fotosdeculturas.blogspot.com/2009/09/mapa-de-la-cultura-mixteca.html

O principal destes livros é o códice Zouche Nuttall, cujo lado 1, que narra a vida de 8 Veado, contém 47 páginas, sendo 44 lâminas dedicadas à sua vida. Estes livros são importantes porque relatam a genealogia e os acontecimentos políticos, sociais e religiosos dos povos mesoamericanos. Atualmente, o códice Nuttall, que possui 11,41 metros e confeccionado com pele de veado, se encontra no Museu Britânico de Londres, com o código Add. MS. 39671 (Lejarazu, 2007). Neste texto examinaremos os possíveis espaços públicos em que o governante possivelmente participou de rituais envolvendo o culto à serpente emplumada a partir das imagens do lado 1 do códice Nuttall. Espaços públicos, serpente emplumada e 8 Veado As lâminas do códice Nuttal em que 8 Veado aparece associado à serpente emplumada são a 75, 76-A, 79 e 82. As 26

descrições destas imagens serão baseadas no estudo realizado por Lejarazu (2007), quem comentou todo o códice em uma publicação especial da revista Arqueología Mexicana. A lâmina 75 não trata especificamente de uma cena pública, mas a imagem da serpente emplumada é emblemática (figura 2). A iconografia trata de uma expedição guerreira liderada por 8 Veado, juntamente com outros governantes mixtecas, neste caso, 9 Água e 4 Jaguar. Estes personagens estão sobre canoas e parecem dirigir-se a uma ilha. Devido aos animais representados no meio aquático, como os crocodilos, é possível inferir que os governantes navegam no mar ou em uma região de estuário, tipo manguezal. Como a ilha apresenta o signo da flecha, isso significa que esta expedição teve como objetivo conquistar os povos que nela habitavam. A serpente emplumada aparece no meio aquático. Ela tem plumas em forma de gancho, que, segundo nossas pesquisas em Chichén Itzá, sítio arqueológico maia

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localizado na Península do Iucatã, este tipo plumário está associado ao poder dos governantes. A imagem de três governantes na pintura mural corrobora esta hipótese. Além disso, a serpente emplumada em questão também está associada a um contexto guerreiro, já que os três governantes

estão armados. De fato, durante o Epiclássico, período que corresponde ao auge da civilização mixteca, a maioria das serpentes emplumadas representadas em afrescos estão associadas a contextos bélicos. Em uma pintura mural de Chichén Itzá, também em contexto guerreiro e marítimo, aparece uma serpente emplumada e seu templo.

Figura 2. Lâmina 75 do Códice Nuttall. Arqueología Mexicana, p. 83.

A lâmina 76-A trata de algumas campanhas militares realizadas por 8 Veado, além de alguns lugares associados ao lugar onde nasce o Sol. Para Lejarazu (2007), a iconografia refere-se a uma geografia sagrada como parte da cosmovisão mixteca. No dia 12 Morte, 8 Veado chega à Montanha de Yahui, em cujo topo existe uma serpente emplumada. Este exemplar tem as plumas em forma de triângulo isósceles, e, segundo nossas pesquisas na área maia, está associada

à guerra (figura 3). De fato, neste lugar ocorrem batalhas e um guerreiro chamado 9 Flor, Olho de Pedra, acaba morrendo (na Mesoamérica quando se queria representar o morto, ele era desenhado com os olhos fechados). A batalha se prolonga por vários dias e 8 Veado acaba saindo vitorioso. Como era comum em toda a Mesoamérica, estes combates eram ritualizados em espaços públicos e envolviam exposição de símbolos de poder.

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Figura 3. Lâmina 76-A do Códide Nuttall. Arqueología Mexicana, p. 85.

A lâmina 79 novamente menciona a conquista da Montanha de Yahui, em que aparece a serpente com plumas em forma de triângulo isósceles. No entanto, o diferencial nesta imagem, é que no interior da montanha existe um colar de jade, parecido ao que porta 8 Veado e 4 Jaguar. É muito provável que os combates que se realizaram nesta região requereram um teor simbólico e que artefatos associados a este simbolismo foram utilizados em cerimônias de natureza pública. Sabemos que, entre os mixtecos, era muito comum a troca de presente entre os governantes, mesmo quando estes eram submetidos por meio da guerra. Por exemplo, a lâmina 80 mostra um claro exemplo de trocas de presentes, em contexto religioso, sendo realizadas entre 8 Veado e 4 Jaguar.

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Ambos estão trocando artefatos de ouro de jade dentro de uma quadra de jogo de bola. Neste sentido, o colar de jade pode ser uma referência ao bem de luxo ou prestígio que 8 Veado recebeu por parte do governantes ou governantes conquistados na região da Montanha de Yahui. A última imagem se serpente emplumada aparece na lâmina 82. É um exemplar que possui pequenas plumas no corpo e plumas longas na cauda, um tipo plumário que classificamos como associado ao poder do governante (figura 4). De fato, a cena narra a incursão de 8 Veado ao local em que estavam sendo realizadas as cerimônias mortuárias do governante 12 Movimento, seu meio irmão. Esse ritual, possivelmente de caráter público, contou com a presença de vários sacerdotes e governantes de cidades mixtecas.

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Figura 4. Lâmina 82 do Códice Nuttal. Arqueología Mexicana, p. 99.

Conclusões Este texto realizou algumas relações entre o mais importante governante da Mixteca, 8 Veado, Garra de Jaguar, com sua presença em espaços públicos associados à representação de serpentes emplumadas. A serpente emplumada é um importante signo religioso que esteve associado a diversos significados sociais ao longo da história da Mesoamérica. Embora o códice Nuttall apresente algumas imagens de cenas que possivelmente se relacionem à divindade Quetzalcóatl (serpente emplumada em língua asteca), preferimos trabalhar somente com a representação do seu signo principal, já que a divindade apresenta outros atributos iconográficos. Nosso texto mostrou que em alguns contextos específicos, 8 Veado aparece relacionado a este símbolo: o do poder em si, evidenciado pela serpente com

plumas em forma de gancho e com a guerra, representado pelas serpentes com plumas em forma de triângulo isósceles. É muito provável que alguns rituais realizados por 8 Veado utilizaram a serpente emplumada como signo de poder político e guerreiro, um padrão que se repete em diversas cidades do Epiclássico ou Clássico Terminal (ca. 800-1100 d.C.), como em Chichén Itzá, na área maia; Cholula, Xochicalco e Cacaxtla no altiplano e El Tajín, no Golfo do México. Isso corrobora para o entendimento de que a serpente emplumada é um símbolo real compartilhado entre as elites mesoamericanas, principalmente durante o período relatado. Agradecimentos Agradeço à organização do Seminário de Pesquisa Religiosidades da UFMA e ao colega Manuel Hermann Lejarazu (CIESAS/México).

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p31

Click… ou bang? Imagens da morte na historiografia sobre fotografia Ana Cristina Teodoro da Silva Doutora em História e professora do Departamento de Fundamentos da Educação na Universidade Estadual de Maringá. Atua na área de Metodologia da Pesquisa e no curso de Comunicação e Multimeios. Pesquisa as interfaces entre comunicação e educação, a partir da premissa de que necessitamos pensar o pensamento e questionar as dicotomias.

Richard Gonçalves André Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista. Atualmente, é professor do Departamento de Fundamentos da Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Ao longo da formação acadêmica, tem desenvolvido pesquisas sobre fontes imagéticas e artefatos da cultura material, desde fotografias a túmulos, compreendidas como indícios para a análise de diferentes tipos de representações, incluindo-se a morte.

Resumo

Desde o século XIX, a fotografia foi articulada a um imaginário de modernidade, na medida em que seria um artefato mecânico capaz de reproduzir a realidade. Paralelamente, o artefato fotográfico foi utilizado para a realização de retratos mortuários, dando vazão à crença da captura da alma, ânimos e espíritos, experiências não condizentes com as luzes de uma certa razão. Essas articulações não passaram despercebidas pelos principais teóricos da imagem fotográfica ao longo dos séculos XX e XXI, como Susan Sontag, Philippe Dubois, Roland Barthes e Boris Kossoy. Tendo em vista essas discussões, pretende-se, neste artigo, dialogar com a historiografia sobre as relações entre a fotografia, a morte e a vida. Essas reflexões são parte de uma pesquisa docente em andamento na Universidade Estadual de Maringá. Palavras-chave: Fotografia; morte; imagens; historiografia.

Abstract

Since the nineteenth century, photography has been articulated to an imaginary of modernity, insofar it would be a mechanical device capable of reproducing reality. In parallel, the photographic artifact was used to perform mortuary portraits, carrying out to the belief of the capture of the soul, animus and spirits, experiences not consistent to the lights of a certain reason. These articulations were perceived by the main theorists of the photographic image throughout twentieth and twentieth one centuries, as Susan Sontag, Phillipe Dubois, Roland Barthes and Boris Kossoy. Since those discussions, it paper intends to dialogue with the historiography on the relationship between photography, death and life. These reflections are part of an ongoing professor research at the Universidade Estadual de Maringá. Keywords: Photography; death; images; historiography.

Recebido em: 01/02/2012

Aprovado em: 25/04/2012

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Todos os equipamentos que produzem imagens que poderiam ser consideradas fotográficas, dos daguerreótipos nas primeiras décadas do século XIX às atuais digital single lens reflex (DSLR) ou simplesmente reflex digitais, são baseados na chamada câmera escura, utilizada desde os pintores durante o Renascimento (MACHADO, 1984). De maneira simples, tratam-se de caixas escuras que permitem a entrada de forma controlada da luz por determinado orifício. Refletida sobre os objetos do mundo exterior, a luminosidade penetra nesse mecanismo e incide sobre materiais previamente sensibilizados, que podem ser chapas de metal no caso da daguerreotipia, filmes nas câmeras analógicas e, atualmente, sensores digitais que transformam as características luminosas em informações que podem ser decodificadas e reproduzidas em computadores. De qualquer forma, em termos óticos e mecânicos, o processo que leva à constituição da imagem fotográfica é fundamentado num jogo de negativo e positivo, luz e escuridão. Não é coincidência que, pelo menos no Ocidente, vida e morte são associadas a práticas e imagens luminosas. O início e a pujança da vida, com os bebês, são imaginados envoltos em roupas e acessórios sempre claros. O sol, ao clarear o dia, nasce; ao anunciar a noite, morre. A luz é associada a uma valoração da vida. Para os cristãos, o paraíso celeste é iluminado, claro, com campos abertos, os anjos são seres de luz. Já

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as atribulações dos infernos são escuras, com morros e cavernas angulosas e misteriosas, beirando precipícios insondáveis e pouco iluminados. A racionalidade é cercada de metáforas de luzes, como o fizeram os filósofos Voltaire e Rousseau, iluministas dos séculos XVII e XVIII. A ignorância seria um lugar de trevas. Tal dicotomia é cara aos medievalistas, pois a modernidade procurou impor-se como renascimento após a “longa noite obscurantista” da Idade Média. Neste jogo de dicotomias, a luz está para a vida e para a razão assim como a escuridão está para a morte e para a ignorância. A fotografia é fenômeno de luz e sombra, depende deste contraste básico para sua existência e compreensão. Não sem razão é interpretada como alegoria para reflexões sobre vida e morte, fugacidade e permanência. Os possíveis entrelaçamentos entre vida, morte e fotografia não passaram despercebidos pelos contemporâneos da invenção dos primeiros equipamentos fotográficos durante o século XIX, na medida em que a imagem, para além de simples registro do mundo exterior, começou a ser utilizada com finalidades ligadas ao mórbido, como sugerem os chamados retratos mortuários. Tendo em vista essas articulações, o presente artigo tem por objetivo analisar como a historiografia sobre a fotografia abordou as relações entre fotografia, morte e vida, uma vez que a discussão é recorrente

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nas obras de intelectuais como Susan Sontag (1981), Philippe Dubois (1993), Roland Barthes (1984) e Boris Kossoy (2002). Para alguns deles, a câmera seria instrumento de poder semelhante a armas de fogo ou veículos, tornando-se máquinas de morte. Para outros, por tirar os objetos do fluxo do tempo, a imagem fotográfica os privaria justamente da condição de vida. Outra noção sugere ainda que a foto, justamente por transcender a vivência em sentido biológico, teria a potencialidade de permitir o que Barthes (1984, p. 20) denomina “[...] o retorno do morto”. É válido recordar que, nesta pesquisa, concebe-se por historiografia toda produção intelectual sobre determinado objeto, independentemente de ter sido elaborada por historiadores propriamente ditos. Assim, os autores abordados são ensaístas, semioticistas e mesmo historiadores. No entanto, apesar (e talvez em razão) de suas diferentes perspectivas, suas reflexões tornaram-se referência para pesquisas produzidas pelos historiadores de ofício que analisam de forma multifacetada a fotografia. Nesse sentido, ver, por exemplo, as pesquisas de Ana Cristina Teodoro da Silva (2011) e Richard Gonçalves André (2006). Fotografia: ambiguidade ou ambivalência? A sugerida ambiguidade entre sombra e luz, morte e vida, parece caracterizar as representações em torno das quais a fotografia foi envolta quando de sua criação na década de 1830, com o daguerreótipo e o calótipo. Seus entusiastas consideravamna expressão da modernidade, fruto das revoluções industriais (CARVALHO, 1998) que, na conjuntura, possuía apenas algumas décadas. A câmera seria capaz de fixar imagens fiéis à realidade, o que

foi considerado uma forma de capturar o referente sem a mediação do sujeito. Desta forma, seria oposta à pintura, inevitavelmente subjetiva. Críticos da fotografia, como o literato francês Charles Baudelaire, afirmavam que a imagem fotográfica seria uma invenção de mau gosto que subverteria as artes do espírito como aquelas produzidas pelos pintores (BENJAMIN, 1992; MANGUEL, 2001). Um periódico alemão, o Leipziger Anzeige, chegou a enfatizar que a capacidade fotográfica de reproduzir o homem em sua imagem e semelhança seria uma blasfêmia aos intuitos divinos (BENJAMIN, 1992). Críticas à parte, a fotografia passou a ser utilizada para fins que poderiam ser considerados obscurantistas pelos arautos da modernidade (ANDRÉ, 2011). No final do século XIX, o psicanalista alemão Hippolyte Baraduc tentou fotografar os ânimos de doentes mentais, buscando registrar projeções espirituais de cadáveres, como o da própria esposa após alguns minutos de falecimento (DUBOIS, 1993). Partindo de pressuposto semelhante, o literato francês Honoré de Balzac ressaltava que a cada tomada fotográfica, o espírito humano perderia uma camada ou espectro (DUBOIS, 1993), crença que, no senso comum atribuída a certas tribos indígenas, seria a rigor muito francesa, e propalada, inclusive, por um de seus mais célebres intelectuais. Como forma de registrar uma última imagem antes do sepultamento, tornou-se moda na Europa (e também no Brasil, posteriormente) a realização de retratos fúnebres, para os quais se preparavam os cadáveres em pose como se estivessem vivos ou em seu leito de morte, pelo menos segundo uma das tipologias dos retratos mortuários (BORGES, 2008; BORGES, 2005). Por fim, é válido ainda ressaltar que o artefato fotográfico passou a ser utilizado

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também em cemitérios, substituindo em parte a estatuária fúnebre (representada por corpos jacentes e orantes, como sugere o historiador francês Phillipe Ariès, 1989) e as máscaras mortuárias (ANDRÉ, 2009). Ou seja, para além ou aquém do “vívido brilho” da modernidade, a fotografia também foi associada à “mórbida escuridão” do que seria possível denominar antimodernidade (ANDRÉ, 2011). Propõe-se como estímulo à reflexão que a fotografia, no que diz respeito ao duplo vida e morte, está além da ambiguidade. Não se trata apenas de ler a imagem apropriadamente, de dirimir as dúvidas, de resolver as hesitações e sentidos obscuros. A fotografia – e outras imagens – podem conter valores opostos, como luz e sombra, beleza e feiúra, vida e morte, sendo assim ambivalentes, relativizando noções opostas de certo e errado e mesmo servindo à flexibilização de dicotomias em geral. O discurso realista então atribuído à fotografia ainda possui grande poder, é mesmo um dos fundamentos da credibilidade da mídia impressa que utiliza imagens a partir de meados do século XX (SILVA, 2011). Já em nosso século, o verídico por intermédio de imagens é frequentemente utilizado como prova criminal ou como fonte jornalística. É comum que a mídia de alcance nacional utilize imagens verossímeis que, no entanto, podem ser lidas como verídicas, sem que seja discutida a diferença. No entanto, a imagem não dispensa a subjetividade do fotógrafo que, mesmo se utilizando de um instrumento técnico, seleciona enquadramentos, instantes específicos por intermédio do obturador da câmera (DUBOIS, 1993), perspectivas, disposição de objetos na cena, entre outras intervenções. Além disso, o fotógrafo é um

indivíduo inserido num contexto histórico mais ou menos preciso, criando representações fotográficas ligadas a questões inerentes ao seu espaço e tempo de produção (KOSSOY, 2002). Por isso, como sugere o fotógrafo norte-americano Ansel Adams (2003), a câmera deve ser compreendida não como robô automático, mas como instrumento flexível que permitiria a plasticidade da obra fotográfica. Vida e Morte na Historiografia sobre a Fotografia Como afirmado, essas questões não passaram despercebidas aos teóricos do artefato fotográfico nos séculos XX e XXI. Em “Ensaios sobre Fotografia”, conjunto de textos originalmente publicados em 1977, que refletem de forma descontínua sobre múltiplas facetas da imagem, a ensaísta norte-americana Susan Sontag (1981) ressalta as similitudes entre a câmera e as armas de fogo ou mesmo veículos, dada sua inerente periculosidade. De fato, da perspectiva material, as semelhanças são significativas, como as próprias objetivas de longo alcance, tecnicamente denominadas teleobjetivas, que seguem o mesmo princípio das miras telescópicas utilizadas em armamentos como rifles manuseados por atiradores denominados snipers. Um vídeo publicitário produzido pela The Camera Store, rede de lojas canadenses que comercializa equipamentos fotográficos, representa fotógrafos em uma situação de guerra, utilizando câmeras reflex como metralhadoras e flashes como granadas 1. É válido ainda ressaltar que, paralelamente à metáfora bélica, há algo de fálico na fotografia, compreendido como signo de

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=awq90APEVgw&feature=youtu.be. Acesso em 31 jul. 2011.

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dominação no imaginário patriarcal. O diretor italiano Michelangelo Antonioni, em Blow-Up (1966) parece ter percebido essa correlação: numa das cenas, o fotógrafo, interpretado por David Hemmings, protagonista do filme, tira uma série de fotografias em estúdio de uma modelo. Ambos, fotógrafo e modelo, adotam posições significativamente sexuais, nas quais o operador, entre um clique e outro, beija a modelo entre frases como “that’s good, that’s great, yes, yes!”. O falo penetrante, no caso, era a máquina fotográfica, a relação cessa quando se alcança a satisfação imagética. Sejam armas de fogo, veículos ou falos, as metáforas remetem justamente ao fato de que a relação entre fotógrafo e fotografado é uma relação de poder. Em linguagem bourdiana, o fotógrafo exerce um poder simbólico sobre os referentes, na medida em que “tira” (utilizando expressão comum no que se refere à fotografia) uma imagem, indebitamente ou não, dos objetos. Já em perspectiva foucaultiana, ambos os lados estão envolvidos no exercício do poder, pois mesmo o modelo posa e responde, consente na negociação. A passividade de um objeto, pessoa ou planta transforma-se em silenciosa ambiguidade na imagem. Para Michel Foucault (1979), uma das características da modernidade, em torno do século XVII, é a passagem de um período em que o soberano detinha o poder de determinar a morte para um período em que o poder assume a função de gerir a vida. O corpo aparece como máquina e, a partir do século XVIII, surgem técnicas diversas para sujeitar os corpos e controlar as populações. Na questão disciplinar, destacam-se instituições como o exército e a escola, e dispositivos como a sexualidade, fundamentais ao desenvolvimento do capitalismo. O fato do poder encarregar-se da vida dá-lhe acesso ao corpo, por meio

do que Foucault conceitua de “tecnologias políticas”, que tornaram possíveis, por exemplo, certo controle de natalidade e a psiquiatrização das perversões. Foram os novos procedimentos do poder, elaborados durante a época clássica e postos em ação no século XIX, que fizeram passar nossas sociedades de uma simbólica do sangue para uma analítica da sexualidade. (FOUCAULT, 1979, p. 139, grifo no original)

É importante lembrar, portanto, que a dualidade vida e morte transcende o campo da imagética, situando-se em um contexto bastante mais complexo. Simultaneamente, é no mesmo século XIX que surge a fotografia, que sem dúvida explorará os corpos, contribui para a elaboração de estereótipos e de certa visão de si. Colocar o sexo em discurso e descobrir sua verdade passa a ser um imperativo, que foi entendido como libertador, e que é interpretado por Foucault como dispositivo de poder. Podemos imaginar como a fotografia, vista como reflexo da realidade, contribuiu para a identificação, hierarquização, categorização dos corpos, contribuindo também para receitar como vale a pena viver. E morrer. O ato da fotografia pode gerar na pessoa fotografada uma sensação de congelamento quase mórbido, como lembra Dubois (1993) ao citar um caso de infância. O autor foi flagrado pela câmera do pai enquanto competia em uma corrida. Desconcertado, perdeu a concentração e não terminou a prova. Ao longo da pesquisa de um dos autores deste artigo (ANDRÉ, 2011), foram analisadas as representações e práticas mortuárias entre imigrantes japoneses e descendentes no Brasil. O autor teve de fotografar cemitérios no dia de Finados, um dos feriados mais populares no país. Num cruzeiro, local de devoção dos familiares que

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visitam seus mortos, a câmera foi sacada com algum receio, sob o olhar relativamente hostil de algumas pessoas. Diante disso, a máquina foi guardada no case, ou seria possível dizer coldre? Seria ali a violação de um espaço e tempo de devoção religiosa de caráter familiar, ainda que num lugar público. E mais, considerando que o fotógrafo “mata” o que fotografa, é possível interpretar que as pessoas presentes não gostariam de ser congeladas em um instante de devoção à morte, pois assim seriam lembradas. A fotografia, não tirada, representaria uma metavisão da morte, que ultrapassaria o limite do pensável para aqueles sujeitos. Outro exemplo de poder inerente ao ato fotográfico, utilizando a expressão de Dubois (1993), é a atividade dos chamados paparazzi, fotógrafos que fazem do registro da vida íntima de celebridades uma profissão (FREUND, 1995). Nesse caso, a violação (aqui efetiva) é levada às últimas consequências, porquanto imagens de foro íntimo sejam publicadas em certo tipo de imprensa, voltada geralmente para revistas de fofocas. Cabe lembrar que o sucesso deste tipo de publicação deve-se, entre outros fatores, à confusão característica entre vida pública e privada e, também, ao caráter de verdade atribuído a uma imagem, mesmo que distorcida ou mal focada. A propósito, atualmente tais fotos que seriam tecnicamente ruins ganham sentido de realidade, o tremor ou a falta de definição funcionam como prova da presença e do esforço do fotógrafo em flagrar a cena! É válido ressaltar que, segundo Sontag (1981), o fotógrafo opta pela fotografia e exerce uma não-intervenção sobre a realidade imediata, como tornou público o caso do fotógrafo sul-africano Kevin Carter, que registrou a cena de uma criança subnutrida aparentemente à espera da morte, tendo ao 36

lado uma ave de rapina. Na opinião pública, surgiram vozes se indagando sobre a ética fotográfica, fazendo referência à ausência de intervenção do fotógrafo. O episódio tornouse mais complexo posteriormente, quando surgiram rumores de que se tratava de uma cena forjada, na medida em que a criança pertenceria a um grupo de recuperação, tratando-se a cena com a ave de rapina de uma coincidência investida de significação por Carter. De qualquer forma, o caso é sintomático da postura de não-intervenção material que, no entanto, ainda de acordo com Sontag (1981, p. 20), pode tornarse uma intervenção simbólica, inclusive investida de poder, uma vez que, em suas palavras, a “[...] imagem perfura. A imagem anestesia. [...]” Caberia argumentar que as consequências da divulgação da imagem, forjada ou não, acabam por caracterizar uma intervenção do fotógrafo. O francês Philippe Dubois (1993), em “O Ato Fotográfico”, é um dos autores na historiografia sobre a fotografia que mais refletiram sobre as implicações mórbidas da imagem fotográfica. Segundo o autor, a fotografia seria construída como ato por parte do fotógrafo, opondo-se, portanto, à noção segundo a qual a câmera fotográfica apenas “tomaria” ou “tiraria” imagens independentemente da vontade do operador. Sempre haveria, nesse sentido, em maior ou menor grau, um sujeito que operaria os instrumentos técnicos com o objetivo de elaborar determinada representação da realidade. De forma geral, para Dubois, o ato fotográfico seria realizado por um processo de duplo corte sobre o universo do referente. Em primeiro lugar, o fotógrafo selecionaria determinada fração de espaço ao enquadrálo por intermédio do visor retangular da câmera, que atualmente poderia ser tanto ótico quanto digital. Nesse fracionamento

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espacial, o operador estaria inserindo nos limites da fotografia objetos perpassados de sentido, valorizando-os de diferentes formas, mesmo que o fora-do-quadro, no dizer do historiador, seja tão importante quanto aquilo que é incluído, como, por exemplo, em imagens eróticas (não apenas em sentido sexual) em que o invisível torna-se objeto de desejo justamente em razão de seu ocultamento. Incluir e excluir, assim, seriam opções conscientes do fotógrafo com o intuito de constituir uma tessitura de sentidos. O segundo corte, segundo Dubois, seria mais significativo quanto ao caráter mórbido da fotografia. Trata-se, justamente, do fracionamento sobre o tempo. Ao apertar o disparador da câmera, o fotógrafo aciona um mecanismo denominado obturador, que controla durante quanto tempo o material sensível, seja o filme ou o sensor digital, será exposto à luminosidade refletida pelo referente. Dessa forma, congela-se determinado instante que constitui a imagem, impressa em papel ou armazenada em arquivos digitais. Nesse congelamento, um dos aspectos fundamentais da vida, o caráter de fluxo num espaço-tempo contínuo, seria perdido em nome de uma representação estática, e portanto morta, da realidade – isso considerando que a morte é interpretada como estática. Mais que propriamente biografar, como é o intuito dos retratistas que buscam “captar a essência” dos fotografados numa imagem singular, a fotografia realizaria, de acordo com Dubois, uma tanatografia ou uma “escrita da morte”. Ressalta que “[...] o corpo fotográfico nasce e morre na luz e pela luz [...]” (DUBOIS, 1993, p. 221), sugerindo que a mitologia fotográfica poderia ser fundamentada na Medusa, personagem da mitologia grega que transformaria em pedra, tornando estático e morto, todo aquele que a olhasse

particularmente nos olhos, lembrando que a Medusa vigiaria o reino de Hades, divindade relacionada aos mortos. Não é a câmera que congela e mata, é o próprio olhar que, ao particularizar, retira do fluxo da vida seu objeto. Cada olhar efetiva escolhas e enquadramentos, exercitando o desprezo de objetos não focados. Cabe ter medo de ser olhado para salvaguardar a vida, caso contrário o sujeito passa a pertencer ao reino de Hades – ou torna-se mais uma confirmação dos estereótipos das revistas de fofoca, imagem fixa que se tornará, rapidamente, um passado aprisionador. E quem há de negar que o olhar da Medusa é sedutor, inevitável? Ainda que seu livro seja anterior, Sontag (1981, p. 15), em consonância com a visão de Dubois, sugere que Toda fotografia é um memento mori. Tomar uma fotografia é como participar da mortalidade, vulnerabilidade e mutabilidade de uma pessoa (ou objeto). Precisamente por lapidar e cristalizar determinado instante, toda fotografia testemunha a dissolução inexorável do tempo.

Por outro viés, Sontag destaca que a presença de uma imagem congelada do passado nos faz conscientes da passagem do tempo, da temporalidade da vida e... da proximidade da morte. Para a autora, o fascínio da fotografia está relacionado com a lembrança da morte, faz o passado presente, via contínua, remete a um futuro em que, tal qual o fotografado, não estaremos mais aqui. A fotografia assombra como um fantasma. Em síntese, retornando ao historiador francês, é “[...] disso que se trata em qualquer fotografia: cortar o vivo para perpetuar o morto. [...]” (DUBOIS, 1993, p. 169, grifo no original). Seria apenas o cinema que resolveria o problema do congelamento

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temporal inerente à fotografia ao preservar a continuidade da duração no vídeo (MACHADO, 1984), ainda que seccionada em cenas. E mesmo assim, há recorte, há duração, limite, final. De certa forma, as considerações de Dubois sobre as articulações entre a fotografia e a morte fazem uma releitura crítica das reflexões de “A Câmara Clara”, escrita pelo semioticista francês Roland Barthes em 1980, sendo ironicamente sua última obra (publicada apenas três anos depois de “Ensaios sobre Fotografia”, de Susan Sontag). Para Barthes (1984, p. 20), num livro que relata a visão pessoal do autor sobre a imagem fotográfica, esta permitiria “[...] essa coisa um pouco terrível que há em toda fotografia: o retorno do morto.” O artefato seria um objeto paradoxal, na medida em que, por intermédio de uma imagem congelada (e mais que isso, impregnada) de um momento vívido (em contraposição ao instante mórbido de Dubois), seria possível ver, com todas as implicações da palavra, o morto quando em vida. Significativamente, o semioticista cita a imagem de Lewis Payne, condenado à morte em 1865, em toda sua vivacidade e até mesmo certa beleza juvenil, para afirmar enfaticamente: “[...] ele vai morrer [...]” (BARTHES, 1984, p. 142, grifo no original). No ato da fotografia a câmera captou um vivo que sabia da hora de sua morte, próxima. E hoje vemos o resquício de um olhar vivo, que namorava a morte e está morto. Inquietamonos porque ele iria morrer. Todo retratado irá morrer. A segunda parte do livro, que Barthes dedica quase inteiramente à reflexão em torno de uma única imagem de sua falecida mãe quando jovem, é baseada nessa premissa, segundo a qual se pode perceber a vida inerente à imagem mesmo após a morte da 38

pessoa em si, principalmente no caso de um ente querido. Esse é um dos possíveis sentidos que o semioticista aplica ao conceito de punctum, isto é, algo presente na fotografia ou por ela sugerida que afetaria a leitura, no sentido propriamente de criar afeto. Ou seja, invertendo os pólos da discussão encetada até agora, a vida estaria contida nos limites retangulares e estáticos da fotografia, permitindo o retorno do morto, ao passo que a morte seria inerente justamente ao fluxo do tempo, que Dubois compreende como manifestação da vida, levando à degradação e ao desaparecimento. Tal raciocínio ganha em dramaticidade se considerarmos que a película é sensibilizada pela mesma luz que foi refletida pelo corpo fotografado. A fotografia seria, assim, não apenas um ícone, mas também um índice do corpo vivo (BARTHES, 1984). Barthes possui uma leitura da fotografia relativamente irônica em relação à semiótica: diferentemente de autores como Lucia Santaella e Winfried Nöth (2008), que a compreendem como signo icônico construído por intermédio da leitura que o fotógrafo estabelece sobre a realidade ou mesmo sobre outros signos, o autor concebe a imagem fotográfica como emanação de um referente (BARTHES, 1984; ver crítica em MACHADO, 1984), ressaltando que [...] a Fotografia sempre traz consigo seu referente, ambos atingidos pela mesma imobilidade amorosa ou fúnebre, no âmago do mundo em movimento: estão colados um ao outro, membro por membro, como o condenado acorrentado a um cadáver em certos suplícios. [...] (BARTHES, 1984, p. 15)

Aliás, a utilização de metáforas mórbidas na citação é sintomática em relação às discussões aqui realizadas. De qualquer forma, mais que a representação estruturada

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a partir de signos icônicos convencionados, a fotografia para Barthes seria a manifestação de um referente que “adere”. Não é casual que o autor afirme que, em toda imagem fotográfica, certas partículas do real em forma de luz refletida sejam agregadas ao negativo, sendo transformado em positivo posteriormente. A citação a seguir é significativa em relação à perspectiva barthesiana: [...] A foto é literalmente uma emanação do referente. De um corpo real, que estava lá, partiram radiações que vêm me atingir, a mim, que estou aqui; pouco importa a duração da transmissão; a foto do ser desaparecido vem me tocar como os raios retardados de uma estrela. Uma espécie de vínculo umbilical liga a meu olhar o corpo da coisa fotografada: a luz, embora impalpável, é aqui um meio carnal, uma pele que partilho com aquele ou aquela que foi fotografado. (BARTHES, 1984, p. 121)

Por isso, além de algo que manifestaria o referente, a fotografia seria registro palpável de algo que jamais poderia se repetir. De forma geral, ela traria à tona o “isso foi” barthesiano. No caso da fotografia digital, a noção deve ser repensada, na medida em que, a partir da codificação do sensor digital, tratam-se de informações digitais de caráter imaterial. Caberia lembrar do espelho que acabou por congelar a própria Medusa: a fotografia sem emanação do referente é ainda fotografia? Outro autor que enfatiza a vida inerente à fotografia, porém em outro sentido quando comparado a Barthes, é Boris Kossoy (2002b), um dos principais teóricos brasileiros da fotografia e também fotógrafo expoente do chamado realismo fantástico. Para o autor, a imagem fotográfica não pode ser reduzida simplesmente à emanação do referente, uma vez que haveria todo um processo para a criação da fotografia na qual

o mundo referencial seria apenas uma parte. Kossoy ressalta que a teia para a criação fotográfica envolveria, em primeiro lugar, a existência de um assunto que estaria situado no interior de determinado tempo e espaço, perpassado, portanto, de historicidade. Não é coincidência, nesse sentido, que o autor tenha escrito diversas obras articulando fotografia e história (KOSSOY, 1989; KOSSOY, 2002a). Também inserido nesse lugar de produção, utilizando o conceito proposto pelo historiador francês Michel de Certeau (1995), estaria o fotógrafo, perpassado de subjetividade que, fazendo uma leitura de mundo particular, utilizaria de determinados conhecimentos técnicos e tecnologias para elaborar o produto final, a fotografia propriamente dita. Esse processo de construção, segundo Kossoy (2002b), envolveria a relação com duas esferas diferentes de realidades, ainda que relacionadas entre si. A chamada primeira realidade seria justamente aquilo que Barthes denomina como referente, isto é, o acontecimento único perpassado de historicidade. A segunda realidade, por sua vez, seria a reconstrução desse evento singular por meio da representação fotográfica, na qual o fotógrafo imprimiria à obra determinado conceito por intermédio da composição, recordando a noção de visualização proposta por Adams (2003), de acordo com a qual a imagem é visualizada mentalmente (conceito) antes de sua execução (composição). Ao passo que a primeira realidade estaria sujeita à passagem do tempo, e portanto à degradação e à morte, a segunda poderia transcender o tempo de vida dos fotografados (e do próprio fotógrafo) permitindo a continuidade da vida ao longo das durações. O próprio Kossoy, em palestra no III Encontro Nacional de Estudos da Imagem,

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realizada na cidade de Londrina (PR), ressaltou esse ponto de vista respondendo à platéia que lhe perguntava justamente sobre o “isso foi” barthesiano: para Kossoy, a fotografia seria vida, não morte. Aliás, a perspectiva de Kossoy é debitária, direta ou indiretamente, daquela proposta por André Bazin (MACHADO, 1984), que ressaltava que o princípio da fotografia situava-se no embalsamamento realizado pelos egípcios, que buscava transcender o tempo e garantir a vida. Nesse sentido, como ressalta Arlindo Machado (1984) comentando o pensamento de Bazin, o artefato fotográfico teria se apropriado visualmente das tentativas seculares de vencer a morte.

a vida. De qualquer modo, as discussões presentes na historiografia sobre a fotografia continuam inserindo-a na trama em que, indissociáveis, encontram-se luz e sombra, negativo e positivo, vida e morte.

Epílogo

_______. A Fotografia e o Mórbido: Representações de Vida e Morte em Imagens Funerárias. In: Encontro Nacional de Estudos da Imagem, n. 2, 2009, Londrina. Anais do IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem. Londrina, 2009.

As questões não se esgotam nas considerações acima. Como se percebe, tais autores não discutem as relações da fotografia com a vida e a morte apenas com base em análises frias e racionalistas sobre a questão. Antes, o que está em questão são conceitos filosóficos a partir da imagem fotográfica, certamente discussões situadas historicamente, e fundamentalmente humanas, atualizando o mito da caverna de Platão e a sabedoria mitológica. Como foi visto, para autores como Sontag e Dubois, a conotação mórbida da fotografia é significativa, seja vista como instrumento de poder que mortifica, seja como representação da morte por intermédio do congelamento do espaço e do tempo. Para Barthes, a fotografia permitiria o retorno do morto inscrito materialmente no papel fotográfico. Para Kossoy, a segunda realidade inerente à representação fotográfica ofereceria a possibilidade de, mesmo como lembrança, transcender o tempo de forma a preservar

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Referências ADAMS, Ansel. A câmera. 3. ed. São Paulo: Editora SENAC, 2003. ANDRÉ, Richard Gonçalves. Entre o Ausente e o Duplo: Apropriações Mortuárias da Fotografia na Cultura Religiosa Japonesa. Discursos fotográficos, 2011 (no prelo). _______. Entre o mito e a técnica: Representações de Natureza em Fontes Fotográficas (1934 – 1944). 2006. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Assis.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p43

Janelas do Olhar: minúcias oníricas em Chema Madoz

André Gustavo de Paula Eduardo Mestrando Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Jornalista, graduado em Comunicação Social pela Unesp. Desenvolve projeto de pesquisa relacionado ao trânsito entre linguagens verbais e não verbais, especificamente o problema da adaptação literária para o audiovisual, com ênfase no romancereportagem brasileiro dos anos 70 e suas versões para o cinema.

Deborah Cunha Teodoro Mestranda em Comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Atua como jornalista da Fundunesp (Fundação para o Desenvolvimento da Unesp). Atualmente desenvolve pesquisa sobre políticas públicas voltadas para radiodifusão e cidadania. Tem formação em Jornalismo pela Unesp e em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE – Bauru).

Resumo

O nome do fotógrafo espanhol Chema Madoz ganhou fama e reconhecimento nas últimas décadas, como uma espécie de surrealista deslocado no tempo. Sua arte se caracteriza pela natureza morta, pelas brincadeiras visuais, pela ambiguidade e por permitir diversas interpretações, sempre no limiar entre o fotográfico e o pictórico. Neste pequeno artigo propomos comentar sua obra e sua estética, exemplificando com a análise de um de seus mais famosos retratos. Palavras chave: Fotografia; estética; Chema Madoz; surrealismo.

Abstract

The name of Spanish photographer Chema Madoz gained fame and recognition in recent decades, as a kind of a surrealist shifts in time. His art is characterized by still life, the visual jokes, ambiguity and allow various interpretations, where the threshold between the photographic and the painterly. Is this small article we propose to comment on his work and aesthetic, exemplified with the analysis of one of his most famous portraits. Keywords: Photography; aesthetics; Chema Madoz; Surrealim.

Recebido em: 03/03/2012

Aprovado em: 05/05/2012

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Janelas do Olhar: minúcias oníricas em Chema Madoz

Sin titulo, 1992

Para introduzir: um universo de possibilidades infinitas A fotografia seria um processo decorrente da captura espontânea e imediata de um artefato técnico, ou antes uma construção premeditada do fotógrafo? Ou ainda: poderia ser considerado o fotógrafo um artista plástico, um “pintor de pequenas situações” que a reproduz pela via automática da câmera fotografia? Certamente tais questões não são providas de grande novidade. Mas para evocar o nome do fotógrafo espanhol Chema Madoz, ainda se fazem pertinentes tais questionamentos, uma vez que seu estilo destoa de tendências, por assim dizer, “realistas”, afeitas a fotógrafos que buscam antes uma desejada e espontânea realidade. Se a fotografia, enquanto método de reprodução automático pode ser considerada um meio 44

mecânico, frio ou até limitado de reprodução do real, Madoz sem dúvida faz subverter tal princípio: é um criador de sua própria realidade. Assim como nos retratos costumamos posar ou fazer caretas e expressões diversas, cônscios de estarmos sendo fotografados, Madoz faz o mesmo com objetos inanimados. Quem faz pose é a água, o vidro, os copos, a escada, os espelhos. O fotógrafo transita entre o artista plástico e o instalador – mas não deixa de ser fotógrafo. Conhecer e contemplar sua obra é uma experiência curiosa, que possui, talvez, algo de transcendental. Madoz enxerga vida num pedaço de gelo, num pouco de areia, num copo d´água. Parece sempre partir do pequeno, do detalhe, do objeto isolado e destacado, para uma noção mais ampla, universal. Estudioso das formas, talvez espécie de semioticista da imagem, ou talvez um poeta concreto munido de uma câmera fotográfica, o artista espanhol não hesita em questionar a funcionalidade dos objetos, fazendo deles motivo para constante questionamento sobre as possibilidades múltiplas do olhar. Num retrato de Madoz, enxergamos sempre mais de uma coisa, estamos frequentemente diante de algo em aparência supérfluo porém dotado de chances várias de interpretação. Num contexto lúdico, em que as formas aparecem deslocadas (ou realocadas), Chema Madoz é um legítimo autor de trocadilhos imagéticos. E ao provocar nossa percepção com seu microcosmo que permite diversas formas de tradução do olhar, quase sempre insere uma encantadora aura enigmática em suas obras. Assim, uma

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fotografia de Madoz é frequentemente um mistério. Como aquela Sin título, de 1990, que analisaremos, no qual uma escada surge próxima a um espelho, a um só tempo parecendo uma escada simples e dupla; e o espelho pode ser uma janela, conforme a interpretação e a disposição do olhar. Nas páginas que seguem, Chema Madoz enquanto autor ilusionista de motivos simples e propósitos mais sofisticados: é o que pretendemos abordar e conhecer. Madoz, quem é, como faz? José Maria Rodríguez Madoz, ou simplesmente Chema Madoz, nasceu em

Madrid, Espanha, em 1958. Dono de larga projeção internacional e com e com diversas exposições, iniciou sua carreira com fotografias de figuras humanas, deixandoas a partir de 1990 a fim de concentrar-se nos objetos, seus “seres inanimados”, o que se tornaria autêntica marca registrada do autor. Muito mais do que apenas fotografar objetos, Madoz busca lhes dar novo sentido, questionando em seu trabalho sua função e seu contexto, alterando-os, valendo-se de um estilo aparentemente simples – usando preto e branco ou sépia – a fim de conferir maior destaque ao contexto de deslocamento de seus retratos

Sin titulo, 1996

Para um olhar ainda não familiarizado com a obra do fotógrafo espanhol, as obras de Madoz podem parecem uma pintura, se expostas num livro um num sítio da internet. A presença do insólito, de um aspecto mágico em seus retratos remeteriam a Salvador Dalí, e daí percebemos duas afinidades essenciais no artista madrilenho: a afinidade pelo onírico

Sin titulo, 1997

e a tendência a aproximar, em seus trabalhos, a fotografia da pintura. Esta aproximação, na verdade, é fonte de ampla discussão sobre teóricos da fotografia. Segundo Selma Simão (2008), essas afinidades – pintura e fotografia – já existem desde os primórdios da técnica fotográfica, não apenas pela crise de representação que gerou ao tornar, sob certo

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ponto de vista, obsoletos os processos que caracterizavam a pintura no século XIX (vide o caso do impressionismo), mas por afinidades de natureza técnica. Caímos, ao dissociar a fotografia da pintura, numa questão de gêneros, debate muito afeito aos meios literários e às discussões cinematográficas: seria este ou aquele filme uma comédia com requintes de western, um filme de ação sci fi, ou um road movie de horror? Todorov (2006), teórico fundamental das questões narrativas literárias no século XX, afirma, em bom proveito para o debate sobre os limites fotografia-pintura e a questão de gêneros: Há mais de dois séculos se faz sentir uma forte reação, nos estudos literários, a contestar a própria noção de gênero. Escreve-se ou sobre a literatura em geral ou sobre uma obra; e existe uma convenção tácita segundo a qual enquadrar várias obras num gênero é desvalorizá-las. Essa atitude tem uma boa explicação histórica: a reflexão literária da época clássica, que tratava mais dos gêneros do que das obras, manifesta também uma lamentável tendência: a obra era considerava má se não obedecia suficientemente às regras do gênero. Essa crítica procurava, pois, não só descrever os gêneros, mas prescrevê-los. (TODOROV, 2006, p.93-94).

Embora trate de literatura especificamente, o autor coloca uma questão fundamental para a presente discussão, por abarcar uma angústia de todo debate sobre arte. Afinal, como encaixar Madoz num gênero? Qual seria seu gênero fotográfico: “surrealista”, “realista fantástico”? Ou será que importa tanto assim a questão? Importa saber que temos um trabalho fotográfico, e que seu autor, certamente tido por alguns como mistificador, trabalha num contexto de franco diálogo e convergência, sem se importar com as intercontaminações acerca de gêneros ou de plataformas criativas. E será Simão (2008) a dar um importante testemunho 46

sobre esse namoro antigo entre fotografia e o universo pictórico. “No Renascimento, o homem voltado para a objetividade cientítica buscava a representação por meios de máquinas, destinas a eliminar o máximo de subjetividade interpretativa” (SIMÃO, 2008, p. 17). No entanto, Madoz parece, de certa maneira, subverter o processo: já no século XX utiliza as máquinas não para “eliminar” a subjetividade, mas para reafirmar as possibilidades subjetivas, ou as de interpretação – ou as possibilidades de devaneios, sonhos e enigmas que compõe sua obra. Mas a autora deixa claro que muito antes da técnica da fotografia já existia esse noivado – o pictórico e a tecnologia. E recorda a figura do pensador francês Hippolyte Taine (1828-1893): Taine enaltecia a fotografia, mas somente como “instrumento útil à pintura”. Felizmente, não foram só essas vantagens reconhecidas, pois, graças à fotografia, o artista foi favorecido no estudo das obras do passado, podendo aprender rapidamente a “ciência da composição” e o desenho dos grandes mestres. O que foi um grande progresso, pois as antigas pinturas eram conhecidas pelo trâmite da gravura, com entendimento parcial, já que sua própria sintaxe gera adaptações. Além de possibilitar a decodificação dessas grandes obras, permitia rivalizar com elas e até mesmo superá-las, por proporcionar uma nova percepção da naturezam sendo que, por intermédio da tradução do novo meio, seria possível construir uma outra obra de arte (SIMÃO, 2008, p. 32)

Neste contexto de revoluções pictóricas, a fotografia poderia não apenas ser rival – tampouco carrasco da pintura, mas também ser munição para seu desenvolvimento. Em Madoz, observamos que é partir do estudo do pictórico que nascem suas inspirações. Se na visão de Taine poderia o pintor realizar sua arte através da fotografia, Madoz realiza sua fotografia através da tradição pictórica e

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de um evidente diálogo com as vanguardas do século XX – o surrealismo e até mesmo o dadaísmo são nomes facilmente evocados ao observar os retratos de Madoz.

imagens digitais, pela lógica multiplicadora da internet e pelo nascimento de novas mídias e ferramentas, como as redes sociais. Encantamento místico num universo onírico

Sín título, 1998

Obras como a fotografia sem título, tirada em 1998, no qual se percebe entre nuvens um relógio em forma de lua, não apenas recordam o universo do surrealismo (colocando, novamente, a preocupação com o tempo como uma angústia central), mas remete, talvez inconscientemente, à obra precípua cinematográfica de um George Meliès, seu pequeno e belo “Viagem à lua”. O cinema, assim, é evocado, nesse emaranhado de hibridismos que bem parece contemplar a recente tendência às instalações por parte de artistas plásticos. Assim, a própria fotografia já aparece, em Madoz, como fruto de um processo de montagem prévia, de colagens, num contexto artístico; vale lembrar que o procedimento da fotomontagem é bastante antigo, presente em jornais, em contextos políticos e hoje mais acentuado (e banalizado) do que nunca, pela multiplicidade das

Na arte de Chema Madoz, o mistério surge como componente de fascínio e elemento de intriga. Como observamos numa fotografia sem título de 1996, estruturas circulares, aparentemente gotas, numa superfície, recordam-nos as míticas citações de discos voadores, algo tão frequente no imaginário do homem contemporâneo e tema frequente no cinema. Outro retrato, de 1997, traz palitos de fósforo queimados convergindo para um centro, numa composição que recorda um sol – ou ainda, uma mandala. Existe, pois, uma caráter místico em suas fotos, indissociado de um contexto onírico. A fotografia, em sua ontologia, já teria sido uma ferramenta libertadora da imagem, no sentido de permitir que paisagens e rostos antes condenados ao esquecimento rápido ganhassem condições de cristalizar-se. Em Madoz, é como se nossos sonhos ganhassem igualmente este estatuto, e novamente é importante evocar sua aproximação com a já secular tendência surrealista na Europa. Ao fazer convergir, através da ideia de liberdade, as vanguardas do século XX, sua busca por novos meios, a contestação social, o advento da psicanálise e o interdiálogo com o universo do sonho, das pulsões e dos mitos, o surrealismo parece caber como classificação interessante à obra de Madoz. Ao menos, as observações que Benjamin (1994) faz sobre os surrealistas parecem caber no contexto de Madoz1, artista nascido em 1958, de obra recente mas que respira um espírito de anseio por liberdade tal qual faziam os surrealistas.

Pensamos nos surrealistas e o nome de Madoz, atualmente, pode ser evocado. Ou será que Madoz é que nos leva a relembrar os antigos surrealistas, com os quais nutre um parentesco histórico singular?

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Sin titulo, 1997

Sin titulo, 1996

Desde Bakunin, não havia na Europa um conceito mais radical de liberdade. Os surrealistas dispõem desse conceito. Foram os primeiros a liquidar o fossilizado ideal de liberdade dos moralistas e dos humanistas, porque sabem que “a liberdade, que só pode ser adquirida neste mundo com mil sacrifícios, quer ser desfrutada, enquanto dure, em toda a sua plenitude e sem qualquer cálculo pragmático”. É a prova, a seu ver, de que “a causa revolucionária mais simples (que é, no entanto, e por isso mesmo, a libertação mais total), é a única pela qual vale a pena lutar2”. (BENJAMIN, 1994, p. 32)

Surrealista distante temporalmente de Breton, Dalí, Aragon, Chema Madoz em sua arte parece carregar preceitos muito semelhantes a estes parentes espirituais, embora valha recordar que menos interessa fixar sua obra neste ou naquele gênero: importa reconhecer tais parentescos, suas similitudes e virtudes estéticas.

A título de análise A fim de melhor compreender o estilo de Madoz, optamos por analisar uma de suas mais famosas composições, na qual surge uma escada e um espelho – ou seria uma janela?, fotografia de 1990. Temos uma natureza morta em branco e preto. Observemos, de antemão, alguns elementos morfológicos a fim de aprofundar o estudo. O ponto em análise é estático, de textura pictórica, com centros de interesse e pontos de fuga. É possível visualizar linhas horizontais, verticais e oblíquas, com plano-espaço de superposição. Em sua escala, pode-se distinguir o primeiro plano do plano de fundo e do plano de conjunto. Há contraste de tons entre as linhas do objeto fotografado, sua projeção (perspectiva) e a superposição. Devido ao contraste de cores, percebe-se

Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.

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Sin titulo, 1990

que a textura do filme é sensível e a nitidez da imagem, de caráter pictorialista. Há possibilidade de a iluminação ser natural ou artificial, senão ambas, existindo iluminação lateral, o que pode ser comprovado pelas sombras dos objetos fotografados. Além disso, a iluminação é suave, clássica. Alguns elementos, como o ponto, a linha, o plano, o espaço, a escala, a cor, o contraste e a iluminação não são apenas materiais, fazendo parte, também, da estrutura morfológica, dinâmica, escalar e compositiva da fotografia. A compreensão de um texto icônico tem certa natureza holística, já que o sentido das partes da imagem e de seus elementos simples está determinado por uma ideia de totalidade. Para uma compreensão do nível compositivo: nos elementos em perspectiva, as formas retangulares são percebidas como oblíquas, portanto, ao longo de sua extensão, vão sendo localizadas as linhas de fuga da perspectiva representada. O ritmo é de isotopias, um conjunto redundante de categorias figurativas, expressivas e semânticas que permite fazer uma leitura uniforme da fotografia. A representação dos

elementos em perspectiva ou a presença de orientações oblíquas no modo de organizálos no interior do enquadramento contribui para transmitir certa tensão ao observador. O objeto fotografado está no centro da foto e os elementos visuais, em perspectiva. O centro de interesse coincide com o centro geométrico da imagem. O equilíbrio estático é caracterizado pela utilização de três técnicas: a simetria, a repetição de elementos ou as séries de elementos visuais e a modulação do espaço em unidades regulares. A ordem icônica é de regularidade, e c o n o m i a , u n i d a d e, n e u t r a l i d a d e, transparência, sequencialidade e agudeza. Também apresenta alguns elementos contrastantes, como simplicidade ao mesmo tempo em que denota complexidade, sutileza e audácia, coerência e variação, planitude e profundidade, singularidade e justaposição. As direções de leitura são determinadas pelos vetores direcionais presentes na própria composição. A leitura segue a tradição cultural ocidental, sendo realizada da esquerda para a direita e de cima para baixo. O objeto fotográfico é mostrado em uma posição

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forçada, podendo ser interpretado como um elemento dinâmico, que supõe a quebra da constância perceptiva, introduzindo uma ambiguidade estrutural semântica na composição, cedendo lugar a uma multiplicidade de leituras. A compreensão e interpretação do campo visual pressupõem a existência de um “fora de campo” contíguo e que o sustenta. Na fotografia sob análise há espaço aberto e fechado, interior e exterior, concreto e abstrato, já que devem ser levados em conta os efeitos metafóricos, além da representação em profundidade. A fotografia analisada possui um tempo indeterminado, dando lugar a uma espécie de estado estacionário que se constitui numa duração contínua. A poética simbolista de Chema Madoz é definida pelas imagens que apontam em uma direção de algo diferente do que se pode ver, remetendo a uma realidade existente além do objeto propriamente representado. O tempo representado numa fotografia adquire uma dimensão particularmente subjetiva para o analista, dificilmente decodificável para outros intérpretes. Kossoy (2001, p. 44) lembra que “toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo e, portanto, da vida”. O fragmento selecionado do real, a partir do instante em que foi registrado, permanecerá para sempre interrompido e isolado na bidimensão da superfície sensível. Um fotograma de um assunto do real, sem outros fotogramas e lhe darem sentido: um fotograma apenas, sem antes, nem depois. (KOSSOY, 2001, p.44)

Sobre o nível enunciativo observa-se que a escolha da altura da tomada, o ângulo da câmera e a relação de poder entre a representação e a instância enunciativa determinam a articulação do ponto de vista. O olhar pode “fugir do campo”, o que 50

enfatiza sua importância. Este parâmetro de análise não está isento da carga subjetiva do analista, já que estas atitudes podem ser ambíguas. A fotografia em análise apresenta um grau de interação do objeto fotográfico com o seu entorno e promove a proximidade ou o distanciamento da instância enunciativa com o espectador. A marca textual predominante é o foco na escada, que configura o principal objeto da fotografia, juntamente com o espelho (ou seria uma janela?). A interpretação global do texto fotográfico de caráter fundamentalmente subjetivo contempla a possibilidade de reconhecer a presença de oposições que se estabelecem no interior do enquadramento. Neste nível de interpretação geral é recomendável seguir o principio da parcimônia. Trata-se de oferecer uma leitura crítica da imagem desde uma visão de totalidade. As possibilidades interpretativas variam. Flusser (2002), ao comentar o gesto de filosofar sobre o texto fotográfico, traz importante digressão sobre a natureza do processo criativo da fotografia: A tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a questão da liberdade aos fotógrafos, a fim de captar sua resposta. Consultar sua práxis. [...] 1. o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser enganado; 2. os programas dos aparelhos permitem introdução de elementos humanos não previstos; 3. as informações produzidas e distribuídas por aparelhos podem ser desviadas da intenção dos aparelhos e submetidas a intenções humanas; 4. os aparelhos são desprezíveis. Tais respostas, e outras possíveis, são redutíveis a uma: liberdade é jogar contra o aparelho. (FLUSSER, 2002, p.75)

Vilém Flusser, neste pequeno excerto extraído de sua “Filosofia da caixa preta” aponta para possibilidades de criação numa ampla reflexão sobre a natureza da fotografia e sobre as limitações do maquinário. Em

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acento, poderíamos interpretar que “liberdade é jogar contra o aparelho” porque a técnica, ao menos no âmbito da câmera fotográfica, seria um meio e ao mesmo tempo um fator de limitação, o qual certamente o esforço compositivo de artistas como Madoz fazem

contestar. É um doce e inevitável paradoxo: lutar contra o meio, remar contra a lógica da reprodução instantânea e fazer dessa batalha a matéria-prima para o onírico, místico, algo esquisito e poético, como é a obra de Chema Madoz.

Sin titulo, 1994

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p53

Uma Venda de Secos e Molhados no Século XIX Mineiro: análise de uma imagem fotográfica Cláudia Eliane P. Marques Martinez Mestrado (2000) e doutorado (2006) em História pela Universidade de São Paulo. É docente do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atualmente é Coordenadora do Curso de Especialização em Patrimônio e História.

Resumo

O artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão teórico-metodológica acerca de uma imagem do final do século XIX. Trata-se de uma fotografia na qual se destaca a venda “A Fidelidade”, do Sr. Jovelino de Souza Parreiras. No mesmo documento, identificam-se também várias pessoas e distintos grupos sociais do distrito de Rio Manso/MG. Para este estudo, três categorias de análise foram propostas: 1) origem e historicidade da imagem; 2) sistema social e enquadramento das pessoas; 3) sistema econômico, estrutura material e simbólica. Com base na análise desses atributos, foi possível compor um quadro socioeconômico do Vale do Paraopeba/MG, bem como apontar alguns aspectos culturais da localidade retratada pelo documento histórico. Palavras-chave: Fotografia; grupos sociais; século XIX; Minas Gerais.

Abstract

This article aims at presenting a theoretical-methodological reflection on a picture dating from the end of the 19th century. This picture shows Mr. Jovelino de Souza Parreiras’s shop “A Fidelidade” and portrays several people, as well as distinct social groups from the Rio Manso County in Minas Gerais state, Brazil. Three categories of analysis have been proposed for this study: 1) origin and historicity of the image; 2) social system and classification of the persons; 3) economic system, material and symbolic framework. Based on the analysis of these attributes, it was possible to compose a social and economic frame of the Paraopeba valley in Minas Gerais state, as well as highlight some cultural aspects focused by that historical document. Keywords: Photography; social groups; 19th century; Minas Gerais.

Recebido em: 05/04/2012

Aprovado em: 15/05/2012

Domínios da Imagem, Londrina, ano V, n. 10, p. 53-62, maio 2012

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Cláudia Eliane P. Marques Martinez

Uma Venda de Secos e Molhados no Século XIX Mineiro: análise de uma imagem fotográfica

Uma imagem, uma música, um romance ou um “banco ordinário na sala de dentro da fazenda da Cachoeira”.1 O que “coisas” aparentemente tão distintas têm em comum no campo da História? Relacionados ao universo documental, não é mais necessário explicar/justificar a legitimidade que tais vestígios adquiriram ao longo do século XX, dotando-os de códigos e linguagens específicos (CARVALHO, et al., 1994). No caso da fotografia, muitos são os caminhos, e plurais as análises e procedimentos metodológicos. Em texto recentemente publicado, Ana Maria Mauad e Marcos Felipe de Brum Lopes destacam que, entre o Oitocentos e a segunda metade do século passado, há um deslocamento [...] do objeto, da ruína, do papel, da imagem, para as práticas sociais que produziram os objetos, construíram aquilo que hoje é a ruína, utilizaram os papéis e criaram as imagens. Na busca pelo sentido da evidência, indaga-se sobre a sociedade que a gerou, ao mesmo tempo que se atribui valor de conhecimento a essa evidência (2012. p. 264).

Pinturas, aquarelas, esculturas, fotografias e imagens diversas permitem, por exemplo, compreender não a história do corpo, mas como os artistas concebiam e registravam os padrões de beleza e feiura; sedução e repugnância; higiene, pobreza e riqueza. Repletas de signos, as imagens não são

traduções do real; mas, se decodificadas, sinalizam hábitos, modas, posturas e arquétipos do comportamento humano – um universo pleno de detalhes materiais e visuais; enfim, um cotidiano no qual homens e mulheres, livres e escravos, estavam inseridos. (LE GOFF; TRUONG, 2006; ROCHE, 2000). Apesar das contribuições anteriores, sem dúvida é o século XX que dará notoriedade à imagem como fonte; em especial, a fotografia ganha espaço privilegiado nos estudos acadêmicos (KOSSOY, 1980). Segundo especialistas, a despeito da ampla utilização dos recursos visuais nas pesquisas nacionais, a discussão metodológica não acompanhou o ritmo e a densidade teórico-metodológicos necessários (MENESES, 2004). Não é intenção fazer um levantamento historiográfico, mas vale lembrar aqui dois artigos de Meneses que buscaram refletir sobre o emprego da imagem. Ambos (um de caráter metodológico e outro teórico) congregam reflexões acerca da produção em geral, bem como uma crítica imperativa à produção nacional. (MENESES, 2000; 2012). Por outro lado, chama a atenção para o que autor considera a ilusão do uso da imagem na História. Ou seja, para o emprego do documento iconográfico como ilustração e reforço do texto. Nesse caso, a ausência de critérios específicos marca o tom de boa parte (porém, não toda) da produção brasileira.

Ver: Arquivo Municipal de Bonfim/MG, CSO 02(77), 1856. Bonfim. Fazenda da Cachoeira dos Amorins.

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A intenção deste artigo também não é refletir sobre a trajetória da imagem na historiografia brasileira, tampouco apresentar um estudo teórico aprofundado sobre a relação história/imagem. A contribuição é modesta e resume-se à análise de uma imagem fotográfica encontrada no Arquivo Municipal de Bonfim, em 2005, quando da realização de minha pesquisa de doutorado. A tese de doutoramento tinha como um dos focos principais estudar a transformação da cultura material no Vale do Paraopeba/MG, tendo como referência o fim da escravidão (MARTINEZ, 2006). Naquele momento, uma questão central mobilizava o estudo, elaborado, principalmente, a partir de centenas de inventários post-mortem. A economia do Vale manteve-se dinâmica durante quase todo o século XIX; as altas taxas de importação de cativos até as décadas de 1840/50 e uma intensa circulação de mercadorias atestam tal dinamismo. Tropas de mula carregadas com queijo, rapadura, cereais, toucinho, algodão e panos eram levadas ao Rio de Janeiro e retornavam com bacalhau, vinho do Porto, remédios, temperos, instrumentos musicais, tecidos importados e uma gama variadíssima de artefatos, que eram vendidos nos armazéns das vilas e cidades. Como já mencionado, parte-se do pressuposto de que esse dinamismo socioeconômico foi drasticamente alterado a partir da década de 1880 e acentuou-se vertiginosamente no final do Oitocentos e no começo do século XX. A tese levantada era a de que o fim da escravidão e a transferência da capital modificaram não só as relações econômicas, mas também, e profundamente,

o vínculo que a sociedade mantinha com seus objetos, bens e equipamentos do mundo doméstico e do trabalho. Decorrente dessa problemática, outras questões relacionadas à posse de escravos, à valorização das terras, ao fracionamento das propriedades e à dispersão das grandes fortunas, depois de 1888, também orientaram a investigação. O “desaparecimento”, a admissão, ou mesmo a substituição de alguns objetos no dia a dia dos habitantes, bem como as alterações nos espaços interno e externo das moradias dos diferentes grupos sociais, constituem alguns exemplos percebidos nas fontes. Em meio a um emaranhado de documentos escritos, a imagem fotográfica de uma casa comercial chamou atenção. Misturadas a outras fotografias que tinham como cenários ruas e casarios das cidades paraopebanas, a citada imagem destacava-se, sobretudo, pelo conjunto de homens e crianças que posavam em frente ao estabelecimento comercial A Fidelidade, do Sr. Jovelino de Souza Parreiras. Mais do que a história dessa imagem, este artigo tenta seguir alguns passos e procedimentos metodológicos já apontados p o r o u t ro s e s t u d i o s o s. ( M E N E S E S , 2000).2 É preciso, entretanto, que alguns esclarecimentos sejam feitos previamente. Não se conhece o fotógrafo que registrou a imagem estudada, e a datação é difícil de precisar. Seriam informações imprescindíveis e que poderiam, em princípio, inviabilizar o presente estudo? Então, por que estudar essa imagem? Como inquirir tal documento? Partindo da premissa de que fontes escritas igualmente podem trazer lacunas e omissões, por que não estudar uma imagem que carrega também silêncios e omissões? Ademais, não

A discussão acerca da utilização das fontes visuais, no Brasil, vem sendo alvo privilegiado de alguns estudos. Ver, principalmente, a bibliografia selecionada ao final deste artigo.

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será da fonte visual que a análise irá partir, mas de um problema histórico que tal imagem pode ou não elucidar. Um exercício metodológico de interpretação histórica A introdução que precede este item informa o principal objetivo delineado aqui, qual seja: interpretar uma imagem fotográfica que tem como cenário uma “venda de secos e molhados” do final do século XIX. Localizada em 2005, faz parte do acervo documental e imagético do Arquivo Municipal de Bonfim/ MG. 3 A pesquisa realizada buscava, na ocasião, investigar as mudanças ocorridas na cultura material e na economia, tendo como referencial o fim da escravidão em Minas Gerais, em particular no Vale do Paraopeba. O Vale em questão localiza-se bem no centro da antiga província e, no período oitocentista, abrangia vários distritos, como Ouro Preto, Sabará e Queluz4 (PAIVA, 1996; PAULA, 2000). Trata-se de uma extensa área, que, desde sua origem, no século XVIII, conviveu, simultaneamente, com a mineração e a agricultura voltada para o mercado interno – atividades responsáveis pela configuração econômica, social e cultural da região (FRAGOSO; FLORENTINO, 1998). Pode-se afirmar, a partir do que foi exposto, que a sociedade e a cultura do Paraopeba (com suas vilas e cidades, fazendas

e sítios) possuem características específicas. Do mesmo modo, apresentam atributos gerais que permitem contextualizá-las no interior da realidade oitocentista, com especial atenção àquela que se configurou em regiões voltadas para o abastecimento interno, dentro e fora da província de Minas Gerais. Por que estudar essa fotografia em especial? O que a particulariza? Vários elementos contidos na imagem são relevantes. O primeiro é o fato de nos mostrar vários indivíduos que, por sua aparência e por seus aspectos físicos, parecem pertencer a diferentes etnias e grupos sociais. Para estudar as múltiplas implicações apresentadas pela fotografia, três categorias de análise foram estabelecidas: 1. origem e historicidade da imagem; 2. sistema social, enquadramento das pessoas e planos fotográficos; 3. sistema econômico, estrutura material e simbólica. Com base no estudo desses atributos, foi possível compor um quadro socioeconômico, bem como apontar alguns aspectos culturais da localidade enfocada. É preciso ressaltar, no entanto, que as interpretações feitas aqui representam apenas uma face do espelho, ou seja, uma das muitas maneiras de perceber a realidade social e econômica em vigor no final do século XIX brasileiro.

Em 1996 foi apresentado à Prefeitura Municipal de Bonfim o projeto Centro de Memória. Esse projeto tinha como objetivo principal organizar a documentação cartorial disponível no Fórum e nos Cartórios das localidades circunvizinhas. A partir do acervo disponível, foi possível fundar o Arquivo Municipal da referida cidade. 4 O Rio Paraopeba possui uma extensão de 400 km e, na divisão de seus três cursos (superior, médio e inferior), constitui um dos principais afluentes que formam a bacia hidrográfica do São Francisco. Além do solo fértil que compõe a maior parte das terras, destaca-se ainda o rico manancial de águas do Vale do Alto-Médio Paraopeba, como o Rio das Águas Claras, o Rio Manso e o Rio das Macaúbas, além dos ribeirões Sant’ana, São Mateus, Maré, Saúde, Serra, Porto Alegre, Contendas, São Caetano, Casa Branca, Feijão e Tejuco. É preciso ressaltar que uma série de atividades e ocupações ligadas ou não à atividade aurífera matizou a realidade mineira dos séculos XVIII e XIX. Saliente-se também que a maioria da população era constituída de escravos, “homens livres e pobres”, artesãos, pequenos agricultores e comerciantes. 3

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Imagem da casa comercial “A Fidelidade” (final do século XIX) Fonte: Arquivo Municipal de Bonfim/MG

A decomposição da imagem em três categorias de análise 1) Origem e historicidade da imagem Qual seria a intenção do retratista/ fotógrafo (se é que ele teve alguma) de registrar aquele momento? Teria sido uma iniciativa do próprio Jovelino, no anseio de aproveitar a visita de um fotógrafo àquelas paragens longínquas do Brasil? Ou ainda: o registro teria partido de uma das pessoas que posaram para a foto e que pertenciam a uma família aparentemente abastada, com seu séquito de escravos ou agregados, vistos no centro da imagem? Embora não se possa confirmar nenhuma das hipóteses acima levantadas, sabe-se, no entanto, que a visita de um fotógrafo era sempre bem-vinda, principalmente pelos grupos privilegiados da sociedade. Tratava-se de um momento raro, no qual se podia registrar a família reunida, as festas (de nascimento e casamento) e também a

morte (BORGES, 2003). Seja qual tenha sido o motivo, a imagem deixa transparecer as sutilezas e particularidades de uma região mineira. Ao mesmo tempo, revela o cotidiano das vilas oitocentistas, com suas rotinas e singularidades. Vejamos como homens, mulheres e crianças estão representados e dispostos. Um aglomerado de vinte pessoas agrupadas em frente ao armazém constitui o foco da imagem. Chama atenção o nome do estabelecimento – “A Fidelidade” –, que encima o de seu proprietário, Jovelino de Souza Parreiras, escrito na fachada da venda, e de uma maneira singular (com as letras entremeadas pelas cinco portas da frontaria da venda). A alcunha “Fidelidade”, bastante alusiva, indicaria ao “cliente” que aquele estabelecimento comercial diferia dos demais, por inspirar confiança, certeza, veracidade, lealdade e constância. Essas qualidades eram consideradas dignas e necessárias para o sucesso comercial, do simples comércio de secos e molhados, passando pela economia

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de mercado, até as mais complexas relações capitalistas. (BRAUDEL, 1995). 2) Sistema social, enquadramento e plano da fotografia A hierarquia social e a posição dos indivíduos pobres e abastados podem ser identificadas no enquadramento dos homens, mulheres e crianças retratados na fotografia em estudo. Do lado esquerdo da imagem, encontra-se um grupo de mulheres e crianças negras, com vestidos brancos e pés desnudos. É provável que estivessem, de algum modo, ligadas (por meio do trabalho compulsório ou por relações de compadrio) à família que se encontra no centro da fotografia. As roupas feitas de algodão, a etnia africana (ou sua ascendência direta) e o fato de se posicionarem no canto esquerdo (à margem) sinalizam a condição social e a posição inferior que deveriam assumir naquela sociedade. No outro extremo, do lado direito, vê-se um grupo formado por três homens (dois mulatos “quase brancos” e um negro) e dois meninos (um branco e outro negro). Eles estão ligeiramente afastados dos demais membros, o que faz pensar que poderiam pertencer a outro estrato social – o dos homens livres e pobres? A casaca, o chapéu de lebre, o cinto de couro e as botas destacam-se na vestimenta dos dois citados homens “mulatos quase brancos”. O homem negro de estatura mais baixa encontra-se, assim como as mulheres do outro lado da foto, descalço, e suas roupas denunciam um tempo considerável de uso. A aparência acanhada e simples sugere ser escravo ou, quem sabe, um agregado. Isso é indicativo de sua condição de escravidão e/ou submissão no que se refere a seus dois companheiros (os quais poderiam ser seus proprietários).

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Se verificarmos detidamente as duas crianças postadas do lado direito do armazém, além da etnia (uma branca, outra negra), apresentam diferenças na vestimenta (uma com casaquinho, outra com uma blusa branca solta sobre a calça curta). Outro detalhe que não deve passar despercebido: o menino negro está descalço, enquanto o menino branco, além de usar botinas, deixa transparecer, em sua expressão corporal, a altivez daqueles que viviam em liberdade. Vejamos agora o centro da foto. Nela se encontra uma família que, pela indumentária, parece fazer parte dos setores mais abastados daquela sociedade. Esse conjunto compõe, com os demais, uma interessante representação da estrutura social que se formou no Vale do Paraopeba, em fins do século XIX. (CHARTIER, 1990). O casal retratado (a mulher com um imponente vestido preto e cabelos cuidadosamente penteados; o homem com roupas também pretas) deu origem a uma família numerosa, que aparece bem vestida e devidamente posicionada no centro da fotografia. Poderíamos pensar, assim, no centro daquela sociedade? Vale lembrar que o período destacado caracterizou-se por profundas mudanças na ordem do trabalho (transição da mão de obra escrava para a livre). E, no domínio político-administrativo, destacaram-se a troca do regime monárquico pelo republicano e a mudança da capital mineira. Quanto à esfera social, a importância da etnia é fundamental para estabelecer fronteiras, não só econômicas, mas também culturais. Por isso, um mulato livre poderia ser proprietário de alguns bens e até de escravos. O fato de ser livre e possuir bens (propriedade e cativos) era o passaporte para sua inserção na sociedade: tornava-se um indivíduo “quase branco”! Isso

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não quer dizer, porém, que barreiras sociais e políticas não limitassem suas ações no campo sociocultural (MATTOS, 1987). Já o homem negro, de estatura baixa, descalço e mal vestido, ao lado do senhor branco (o provável chefe da família abastada) – levadas em consideração suas roupas, a tonalidade de sua pele e a maneira “casual” com que posou para o fotógrafo –, poderia muito bem ser um escravo. Como se tratava de um período de transição, esse indivíduo também poderia ser um agregado que morasse “de favor”, ou mesmo um trabalhador livre e pobre que dependia das mercês de outros. Por fim, duas outras figuras sobressaem. O homem de aparência mais velha, ombros caídos e chapéu de aba larga, dentro do armazém, seria o Sr. Jovelino? Seu lugar na fotografia – ele está atrás dos demais membros retratados – coloca-o numa posição de observação. Ao mesmo tempo, demarca a individualidade, o comando, a situação de proprietário do estabelecimento, diferenciando-o dos demais ali dispostos e representados em grupos. A última “personagem histórica” em destaque é uma criança negra que se encontra primeiro plano da fotografia. Descalça, veste uma calça curta, traz na cabeça um chapéu grande de palha e carrega nas mãos alguns objetos (infelizmente não identificáveis), o que só faz aguçar ainda mais a curiosidade do historiador. A posição aparentemente autônoma e separada dos demais membros pode indicar uma situação de orfandade. A infância penosa dos enjeitados, das crianças forras em testamentos, abandonadas nas “rodas” dos conventos e mosteiros, ou mesmo daquelas “beneficiadas” pela Lei do Ventre Livre (1871), constituía uma realidade muito comum no século XIX (DEL PRIORI, 2010).

A imagem captada deixa evidente que os estabelecimentos comerciais do passado (vendas, armazéns e lojas) detinham uma função social importante na vila e nas cidades brasileiras dos séculos XVIII e XIX. Frequentar esse ambiente possibilitava aos indivíduos estabelecer redes de sociabilidade, comprar o necessário e o “supérfluo”, como alimentos e artefatos de “todos os gêneros do País”. Necessidades, prazeres e frivolidades que, associados à bebida, ao mexerico, à música e à dança, marcavam o ritmo e a vida das localidades mineiras. 3) O sistema econômico e a estrutura material Do mesmo modo que afloram das análises aspectos sociais e culturais da sociedade em questão, podem-se aferir algumas características econômicas e materiais, bem como o sistema de trabalho vigente no Vale do Paraopeba, na época aqui enfocada. Os objetos e artefatos suspensos nos umbrais das cinco portas do armazém compõem um panorama da cultura material. Permitem conhecer em detalhes o que aquela sociedade consumia, suas necessidades, desejos, aspirações e, principalmente, sua ligação com a economia de mercado. O que o Sr. Jovelino achara digno de expor a seus fregueses? Maços de algodão, peneiras para construção, chapéus, tachos de cobre, guarda-chuvas, sombrinhas e paletós (casacas) são alguns dos utensílios ostentados pelo proprietário do armazém. Nota-se que, além dos itens necessários à sobrevivência da comunidade (como os vasilhames de cozinha e o algodão para fazer roupas), estão expostos ainda artefatos “supérfluos”, como as sombrinhas. Marca registrada do cuidado feminino, protegiam do sol e do calor as mulheres da época.

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Fonte primária de natureza diversa – como os inventários post-mortem –, mostra que, nos armazéns do século XIX, encontrava-se quase tudo o que aquele e outros mundos ofereciam: aviamentos de armarinhos, cereais, louça inglesa, vinhos do Porto, especiarias, artigos de luxo (como sabonetes finos, xales adamascados e perfumes), sapatos para homens pretos e sapatos para homens brancos. (MARTINEZ, 2007). Vendiam-se também “escravos de ambos os sexos”, como atesta a Casa da Barateza, na cidade de Bonfim, em 1879.5 Enfim, identificam-se uma intensa circulação de mercadorias (objetos vindos da Corte do Rio de Janeiro e de outros centros) e uma dinâmica produção local (algodão com que se faziam excelentes tecidos, por exemplo). Neste caso, a imagem não é apenas uma confirmação dos dados encontrados nas fontes cartorárias, nas listas de compra, nos censos demográficos e nos jornais de época. Como nenhuma outra fonte é capaz de fazer o suporte imagético projeta um quadro plástico de uma sociedade e de uma economia de abastecimento interno de base escravista em transição A imagem deixa transparecer as sutilezas de sua hierarquia, marcada pelas fronteiras da “cor”/etnia (brancos, negros e mulatos) e da condição social (livres, escravos e forros). Fronteiras essas que valorizavam e qualificavam a situação material dos membros e grupos sociais, como se pôde observar na foto da venda de “secos e molhados” do Sr. Jovelino de Souza Parreiras.

Por outro lado, deixa revelar detalhes do cotidiano que poderiam, em outros documentos, passar despercebidos. O vestido de cor preta usado pela senhora que carrega a criança e está postada no centro da fotografia muito se difere da vestimenta branca (provavelmente de algodão “feita cá mesmo”6) usada pelas negras e mulatas. Estas estão descalças, à margem esquerda do retrato e – por que não? – da sociedade. O mesmo se verifica nas vestes (casacas pretas contrastando com as calças curtas de algodão) e nos calçados masculinos de adultos e crianças (MARTINEZ, 2006). Considerações finais Mantas de algodão usadas nas montarias, peneiras com suas múltiplas utilidades, chapéus de sol, tachos de cobre, sombrinhas e roupas, exibidos nas portas do mencionado estabelecimento comercial, indicam a variedade de produtos acessíveis à população do interior do Brasil no período aqui enfocado. Desde produtos de uso pessoal, como xales e chapéus de senhora, passando pelos utensílios de selaria e equipamentos de trabalho, até aos produtos de armarinho,7 uma coleção de artefatos e objetos do dia a dia apresenta-se ao pesquisador. Nessa verdadeira galeria, é possível investigar, detidamente, como as famílias se alimentavam e se vestiam. O “supérfluo” e o necessário (as ferramentas de trabalho) revelam não só estilos de vida, mas também importantes aspectos do mercado interno e da economia mineira na passagem do século XIX para o XX.

Ver Arquivo Municipal de Bonfim/MG, CPO 88 (13), 1879. Bonfim. A expressão “feita cá mesmo” é muito encontrada nas fontes cartorárias mineiras do século XIX. É geralmente utilizada para distinguir os objetos importados de outros centros, como a praça do Rio de Janeiro, daqueles produtos fabricados na própria localidade. Nesse rol, destacam-se principalmente os produtos feitos com algodão e madeira, além dos vasilhames de barro e pedra-sabão, tão comum em Congonhas do Campo, localidade próxima à região e ao vale em destaque neste artigo. 7 Algumas notas de compra, anexadas aos inventários post-mortem, foram exploradas na tese de doutorado de MARTINEZ, 2006. 5 6

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A imagem da venda do Sr. Jovelino de Souza Parreiras, localizada no distrito de Rio Manso, tornou-se não só reveladora de uma das facetas socioeconômicas da antiga província mineira em questão, como também permitiu matizar aspectos culturais e econômicos de uma maneira que as fontes escritas jamais permitiriam. Aparece, em decorrência, uma sociedade com traços marcadamente escravistas e patriarcais (no caso das famílias abastadas). Não como uma imagem translúcida refletida no espelho; ao contrário, a imagem (re)produziu reflexos heterogêneos de uma sociedade hierarquizada e plural. A economia, a cultura e a sociedade apresentam matizes às vezes difíceis de captar. Por isso, mais que uma expressão única, cristalizada por uma das mais importantes invenções do século XIX, a imagem analisada aqui possibilita examinar não uma realidade estática e congelada no tempo, mas aquela que o olhar (o meu olhar, no caso) (re) construiu por intermédio, principalmente, de uma problemática histórica: o fim de um mundo sustentado pela escravidão. Bibliografia BORGES, Maria Eliza Linhares. História & Fotografia. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material Economia e Capitalismo, Séculos XV-XVIII. (Tradução Telma Costa) São Paulo: Martins Fontes, 1995. v. 1 (As Estruturas do Cotidiano: o possível e o impossível); v. 2 (Os Jogos das Trocas); v. 3 (O tempo do Mundo). CARVALHO, Vânia Carneiro et. al. Fotografia e História: ensaio bibliográfico. Anais do Museu Paulista. São Paulo, Nova Série, n. 2, jan/dez 1994, p. 235-300.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p63

Uma Visão Psicanalítica dos Quadrinhos: o olhar sobre a mulher em All you need is love Emília Teles da Silva Designer e mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisas sobre as histórias em quadrinhos, a narrativa e a linguagem visual nas mesmas (incluindo a interação entre ambas). Estuda também a representação da figura feminina nos quadrinhos.

Resumo

Este artigo é sobre a representação da mulher no caso específico da história em quadrinhos All you need is love, de Fábio Moon, escrita em 2003 e publicada na coletânea Crítica, de 2004. Este artigo terá como referência os escritos de Laura Mulvey (que utilizou a psicanálise para analisar a representação da mulher no cinema), de Edgar Morin, de Alain Bergala e de Roland Barthes. O objetivo é mostrar que, assim como determinados filmes, alguns quadrinhos representam a mulher como objeto erótico. Será abordada ainda a divisão de papéis por gênero (o homem como contemplador e a mulher como contemplada; o homem como aquele que age, a mulher como a razão pela ação). Por fim, falaremos da questão da identificação do leitor/ espectador com o protagonista. Palavras chave: histórias em quadrinhos; cinema; psicanálise.

Abstract

This article is about the representation of women in the specific case of the comic book story All You Need Is Love, by Fábio Moon, written in 2003 and published in the anthology Critica, in 2004. We will use the concepts of scopophilia, voyeurism, fetishism and sadism, diegesis and spectacle, the division of roles by gender (man as contemplator and woman as contemplated, man as the one who acts and woman as the reason for action). We shall also analyse the identification between readers/viewers and the fictional characters. This article will be based on the writings of Laura Mulvey, who used psychoanalysis to analyse the representation of women in cinema, Alain Bergala, Edgar Morin and Roland Barthes. Keywords: comic books, cinema, psychoanalysis.

Recebido em: 22/02/2012

Aprovado em: 17/04/2012

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Emília Teles da Silva

Uma Visão Psicanalítica dos Quadrinhos: o olhar sobre a mulher em All you need is love

Figura 1. Fábio Moon (2004). All you need is love: página 1.

Introdução All you need is love é uma história escrita e desenhada por Fábio Moon e publicada no livro Crítica, de 2004, feito em parceria com o irmão do autor, Gabriel Bá. Fábio Moon é um quadrinista mais conhecido pelas séries de histórias em quadrinhos 10 Pãezinhos e Daytripper. Estas obras são resultado da colaboração com seu irmão, assim como a maior parte de seus trabalhos (inclusive a adaptação para os quadrinhos de O Alienista, de Machado de Assis). Embora ainda sejam muito novos (têm apenas 35 anos, no momento em que

escrevo) e tenham apenas quatorze anos de carreira, são bastante representativos do momento atual dos quadrinhos brasileiros. Assim como a maioria dos quadrinistas brasileiros, tiveram muita dificuldade para trabalharem só com quadrinhos (o que só conseguiram publicando também no exterior). Muitas vezes, desenharam o roteiro de outros autores1. Publicam uma tira em um jornal (Quase Nada, na Folha de S. Paulo), como diversos outros. O que é incomum é o fato de conseguirem, ao mesmo tempo, contar suas próprias histórias. Também não é tão comum o fato de trabalharem em dupla, alternando as tarefas de roteiro e desenho. Fábio Moon e Gabriel Bá fazem parte de uma geração atual de quadrinistas paulistas que fazem “romances gráficos”2, assim como Rafael Grampá (que é gaúcho, mas mora em São Paulo) e Rafael Coutinho. Os quadrinistas cariocas, em contrapartida, fazem tiras, cujo conteúdo é mais político e humorístico. É o caso de Alan Sieber (que também é gaúcho, mas mora no Rio de Janeiro), Arnaldo Branco e André Dahmer, que afirma: “É incrível como esses garotos de São Paulo fazem a parte deles e a gente aqui no Rio faz a nossa. A gente está mais perto do Glauco, do Henfil, do Angeli do que eles, que estão mais próximos do Will Eisner”3.

É o caso da maioria dos trabalhos feitos para o mercado americano, como The Umbrella Academy (Dark Horse, 2007), de Gerard Way, com desenhos de Gabriel Bá. Fábio Moon desenhou Smoke and Guns (Ait/Planet Lar, 2004), de Kirsten Baldok e Sugar Shock (Dark Horse, 2007), de Joss Whedon. Eles se revezaram para desenhar os volumes de Casanova (Image, 2006-2007), de Matt Fraction. Em 2006, desenharam uma história para o personagem Hellboy, de Mike Mignola, publicado pela Dark Horse. 2 Para usar a expressão de Paulo Ramos, editor do site Blog dos Quadrinhos. Citado por Otávio Nagoya e Pedro Ribeiro Nogueira (2010). 3 Citado por Otávio Nagoya e Pedro Ribeiro Nogueira (2010). 1

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Uma Visão Psicanalítica dos Quadrinhos: o olhar sobre a mulher em All you need is love

A dupla ganhou diversas prêmios, entre eles o HQ Mix (sete vezes), o Prêmio Ângelo Agostini, e também o mais prestigioso prêmio mundial dos quadrinhos, o Eisner Awards, no qual ganhou em três categorias. All you need is love é uma história do início da carreira de Fábio Moon, e uma das poucas que foram tanto escritas quanto desenhadas por ele. Neste artigo, baseado na dissertação de mestrado da autora, buscaremos mostrar que a personagem da moça é representada visualmente como objeto (uma imagem erótica a ser contemplada) e narrativamente como ser passivo (toda a ação fica a cargo do rapaz), de forma análoga ao que ocorre nos filmes noir. A discussão está relacionada à questão da identificação do espectador com o personagem, que também será abordada. Esta argumentação será fundamentada na análise psicanalítica que Laura Mulvey fez do cinema e nos textos de Roland Barthes, Edgar Morin e Alain Bergala. Os escritos de Jacques Aumont também foram utilizados para elucidar alguns conceitos. Começaremos apresentando o enredo da história, passando em seguida para a análise. Enredo Dois desconhecidos, um rapaz e uma moça, passam a noite juntos. Na manhã seguinte, o rapaz decide ir embora. Começa a se vestir. A moça pergunta se ele já vai. O rapaz mente, dizendo que precisa dar aula de desenho, que faz isso todo sábado. Ele sai do quarto e, a caminho da saída, passa na cozinha. Examina o conteúdo da

geladeira dela (criticamente pensando, com olhar desaprovador, que “mais parece uma geladeira de homem”). Pega uma garrafa, acha a porta e sai para a rua. Já do lado de fora, fica pensando na importância do amor: para ele, o amor é tudo; em contraposição, o sexo que teve com a moça não teria valor nenhum.

Figura 2. Fábio Moon (2004). All you need is love: página 2.

O olhar sobre a mulher em All you need is love Em seu texto Visual Pleasure and Narrative Cinema, Laura Mulvey faz uma análise psicanalítica do olhar masculino sobre a mulher nos filmes. Suas descobertas se aplicam igualmente aos quadrinhos, cuja linguagem guarda tantas semelhanças com a do cinema. Um dos conceitos que ela utiliza é o de escopofilia 4, o prazer

De acordo com Jacques Aumont (2002, p.124), a escopofilia (que ele chama de pulsão escópica) seria uma pulsão. A pulsão é um conceito fundamental da psicanálise freudiana, segundo ele: a representante psíquica das excitações que vem do corpo e que chegam ao psiquismo. As pulsões se definem por sua força, por seu objetivo (que é sempre obter satisfação), pelo seu objeto (que é o meio através do qual a pulsão pode atingir seu objetivo) e por sua fonte (“que é o ponto de fixação da pulsão no corpo”). A escopofilia – a necessidade de ver – não é uma das pulsões fundamentais, primárias, nem o prazer que ela busca vem do órgão em si (como no caso da pulsão oral ou da pulsão fálica). Neste caso, o órgão – o olho – não traz prazer físico, sensorial. O autor afirma que a escopofilia é característica do ser humano na medida em que este se guia mais pelas pulsões do que pelos instintos. Já o voyeurismo seria uma perversão relacionada à exacerbação da escopofilia.

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em olhar, que é a raiz do voyeurismo. Embora o cinema seja feito para ser visto, e, portanto, aparentemente fora do âmbito do voyeurismo, toda a estrutura da projeção do filme permite que o espectador o veja como um voyeur: a escuridão da sala, que isola os espectadores uns dos outros; o fato de a história se desenrolar sozinha, indiferente à presença do espectador; o fato de a tela luminosa contrastar com a sala negra, que cria uma sensação de separação entre espectador e filme. Como um voyeur, o espectador vê sem ser percebido, tanto pelos outros espectadores quanto pelos personagens na tela. A leitura de quadrinhos é igualmente solitária, e há também uma história que se desenrola indiferente ao leitor. A diferença está no grau consideravelmente menor de ilusão da realidade em relação ao cinema. Portanto, há um teor de voyeurismo na leitura de All you need is love, história passada em grande parte na intimidade de um quarto. Em nosso mundo, em que há um desequilíbrio de poder entre os sexos, o prazer em olhar foi separado em ativo/masculino e passivo/feminino. O homem contempla e a mulher é contemplada 5 . A mulher exibida como um objeto sexual é a essência

do espetáculo erótico (pin-ups e striptease; nos quadrinhos, há os livros de Milo Manara). Nos filmes, há a necessidade de combinar narrativa e espetáculo (o elemento “espetáculo” estaria ligado à escopofilia). A mulher seria um elemento indispensável deste espetáculo (por sua beleza), mas sua presença visual interromperia a narrativa por trazer momentos de contemplação erótica. Como inserir o elemento do espetáculo, da escopofilia, sem romper a fluidez da história, sem quebrar a transparência da narrativa6? No cinema clássico de Hollywood, a solução foi inseri-lo nesta. A mulher é o objeto erótico tanto dos personagens masculinos quanto do espectador: ao mostrar uma cena em que o herói contempla a mulher, permite-se que o espectador também a contemple sem que haja uma quebra da narrativa7. Esta seria a função da personagem da cantora/dançarina no cinema: enquanto ela canta ou dança, os olhares do herói e do espectador convergem sem a perda da verossimilhança.8 Em All you need is love, a nudez da moça é inserida na história, dado que ela passou a noite com o rapaz, embora não seja necessária para a diegese.

A palavra usada por Mulvey (1989) – gaze – pode ser traduzida como um olhar prolongado, fixo, uma contemplação. Uma narrativa é transparente quando o leitor não percebe as marcas de sua construção, isto é, não percebe que a narrativa é construída por um autor (ou por uma instância narrativa real, no caso do cinema, que é feito, em colaboração, por muitas pessoas), que a narrativa tem uma materialidade. Na narrativa transparente, a história parece se contar sozinha, de forma natural, autônoma, e o universo diegético parece muito real ao leitor: como se houvesse mais do que está sendo mostrado, como se os personagens tivessem uma existência real entre as cenas, agindo sem ser vistos pelo leitor. 7 Para Mulvey (1989), o espectador se identifica com o herói e através dele possui a mulher na tela; o controle do herói sobre os eventos traz uma sensação agradável de onipotência ao espectador. 8 Há inúmeros exemplos: Rita Hayworth em Gilda (1946); Lauren Bacall cantando em um cassino, em À Beira do Abismo (The Big sleep, 1946) sob o olhar de Humphrey Bogart; Ava Gardner em uma festa, em Os Assassinos (The Killers, 1946), contemplada por Burt Lancaster; Marilyn Monroe se apresentando em um hotel, em Quanto Mais Quente Melhor (Some like it hot, 1959), observada por Tony Curtis; Cyd Charisse dançando, em Cantando na Chuva (Singin´ in the rain, 1952) para Gene Kelly, e assim por diante. Há ainda a cena inicial da personagem de Brigitte Bardot em O Desprezo (Le Mépris, 1963), em que ela é contemplada por seu marido. 5 6

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Figura 4. Fábio Moon (2004). All you need is love: página 1.

Figura 3. Fábio Moon (2004). All you need is love: prólogo.

Mulvey (1989) acrescenta que uma divisão por sexos de trabalho também controla a narrativa. Segundo os princípios da ideologia dominante e das estruturas psíquicas que a sustentam, o homem não pode ser um objeto sexual. Assim, a divisão entre espetáculo e narrativa sustentaria o papel do homem como aquele que age, enquanto a mulher seria responsável pelo espetáculo. De fato, em All you is love, o leitor não vê o corpo nu do rapaz: este não é exposto à contemplação erótica. No prólogo, na cena de sexo, ele está escondido pela escuridão e pelo corpo dela. Na cena seguinte, ele já está quase completamente vestido. Sua função é realmente a de agir, de levar a história adiante.

Budd Boetticher, apud Mulvey (1989, p.19), explica que o que conta nesses filmes é o que a heroína provoca no herói, o que ela representa. A mulher (ou, mais precisamente, o amor, o medo ou a preocupação que ela inspira no herói) seria o que faria este agir da forma como ele age. Em si, a mulher não teria a menor importância para o filme. Em All you need is love, a falta de amor (e até mesmo o desprezo) que o protagonista sente pela moça é o que move a história (é porque ele não a ama que ele vai embora). Entretanto, Mulvey (1989) afirma que a figura feminina deixaria os homens desconfortáveis. Ela cita a teoria psicanalítica, segundo a qual a mulher representa a ameaça de castração do homem, devido à sua falta de pênis. A mulher significaria a diferença sexual. Não cabe aqui uma discussão da validade desta teoria, mas, sem dúvida, a mulher representa uma ameaça inconsciente para muitos homens, por qualquer que seja a razão, de forma que a imagem de uma mulher poderia trazer não apenas prazer como uma certa ansiedade. A autora explica que o inconsciente masculino tem duas formas de resolver o problema:

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Emília Teles da Silva preocupação com a re-encenação do trauma original […] ou então a negação completa da castração pela substituição por um objeto fetiche ou transformação da figura representada em si em um fetiche para que esta se torne reconfortante ao invés de perigosa9.

No primeiro caso, pode-se investigar a mulher, desmistificá-la, e ao mesmo tempo, desvalorizá-la, puni-la ou ainda salvá-la10. Esta seria uma forma típica dos filmes noirs. Esta forma, ligada ao voyeurismo, está associada também ao sadismo. O prazer estaria em controlar a mulher, estabelecer sua culpa, subjugá-la através da punição ou do perdão. Este aspecto sádico se encaixaria bem em uma narrativa, já que o sadismo necessita de uma história: há uma luta entre os protagonistas, há um vencedor e um vencido. Já no caso do fetichismo11, a beleza da mulher seria hipervalorizada, transformando-a em algo prazeroso em si. Esta seria a origem do culto às atrizes, à estrela. Neste caso, não há necessidade de uma história: o erotismo está apenas no olhar. Em All you need is love, a solução para o rapaz está na primeira forma. A moça é punida com o abandono, desvalorização, rejeição, crítica. Para ele, ela é a “garota-nada” com quem ele teve “sexo-nada”. Entretanto, há também um certo fetichismo, já que ela é exposta como um “corpo bonito” ao olhar erótico do leitor. Já mencionamos a escopofilia e o voyeurismo do leitor\espectador. Indo um pouco além nesta discussão, podemos dizer que tanto os filmes quanto os quadrinhos

têm um componente catártico. Através da identificação com os protagonistas, os personagens agem por nós, em nosso lugar. Como diz Edgar Morin (1967), ao assistir a um filme (ou ler uma história em quadrinhos), fazemos passivamente a experiência do homicídio e passamos, inofensivamente, pela experiência da morte. Os personagens correm riscos, amam por nós. No caso de All you need is love, passamos a noite com estranhos, possuímos e somos possuídos, rejeitamos e somos rejeitados, sem que de fato isso ocorra. E isso nos leva a um outro aspecto da identificação: segundo Bergala (1995), o espectador de cinema seria um sujeito em “estado de carência”. Ele cita Freud, que explicava que, quando se perde um objeto, ou quando se é obrigado a renunciar a ele, muitas vezes nós compensamos isto através da identificação com o objeto. A escolha do objeto seria substituída, de forma regressiva, pela identificação. No caso do cinema (e dos quadrinhos), o espectador sabe, a priori, que não há possibilidade de escolha, já que o objeto representado na tela já é ausente, “uma efígie”. Apesar disso, Bergala afirma que a escolha de ver um filme depende de uma regressão consentida, de deixar de lado temporariamente o mundo em que vivemos (de ação, da escolha de um objeto, de correr riscos) para identificar-se com o universo imaginário da ficção. E esse desejo de regressão seria um indício de que o espectador de cinema é sempre um sujeito imerso na solidão e no luto, em estado de carência.

Mulvey, (1989, p.21). Tradução da pesquisadora. Para dar um exemplo nos quadrinhos, podemos citar Milo Manara, cujas heroínas muitas vezes apanham, são estupradas, usadas como objeto sexual e, ocasionalmente, salvas por um herói. Ao mesmo tempo, há um teor fetichista nos quadrinhos deste autor, expresso na beleza e na nudez das heroínas. 11 Aumont (2002) explica que, para Freud, o fetichismo é uma perversão resultante da descoberta, por parte da criança, de que a mãe não tem um falo: por não querer deixar de crer que este falo existe, a criança o substitui por um fetiche, que seria um objeto que a criança olhou no momento em que constatou a “castração” feminina. Portanto, mesmo no caso do fetichismo, há uma relação com a castração. Como aponta Aumont (2002), esta teoria foi bastante criticada sob diversos pontos de vista; uma das críticas é a de que esta só se aplica ao desenvolvimento do sujeito masculino. 9

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A vantagem da identificação seria a de que permite ao sujeito que se satisfaça sem recorrer ao objeto exterior, reduzindo ou suprimindo as relações com o outro. Através da identificação, o sujeito não precisa correr os riscos de se relacionar com outra pessoa. O autor lembra que esta forma de obter satisfação sem entrar em uma relação verdadeira é muito semelhante ao fetichismo, porque o fetichista também não corre riscos nem realmente se relaciona. Neste sentido, o mesmo pode ser dito do voyeur. Bergala (1995, p.248) também escreve a respeito da ambivalência da identificação do espectador com os protagonistas, em uma perspectiva psicanalítica: No cinema, onde as cenas de agressão, físicas ou psicológicas, são frequentes, trata-se aí de um recurso gramático de base, que predispõe a uma forte identificação, e o espectador vai muitas vezes se encontrar na posição ambivalente de se identificar, ao mesmo tempo, com o agressor e com o agredido, com o carrasco e com a vítima. Ambivalência cujo caráter ambíguo é inerente ao prazer do espectador nesse tipo de sequência, quaisquer que sejam as intenções conscientes do diretor e que está na base do fascínio exercido pelo cinema de terror e de suspense.

Embora All you need is love certamente não seja uma história de terror ou de suspense, é possível que haja uma ambivalência do leitor em relação à identificação, ora com o rapaz, ora com a moça, ora rejeitando, ora sendo rejeitado. Entretanto, esta identificação é sobretudo com o rapaz, devido a outro aspecto da identificação: seu caráter estrutural. Barthes afirma que a identificação não leva em conta a psicologia, sendo uma operação puramente estrutural. O leitor se

identifica com aquele que tem o mesmo lugar que ele, isto é, aquele que a narrativa acompanha. Devoro com o olhar qualquer rede amorosa e nela detecto o lugar que seria meu se dela fizesse parte. Percebo não analogias, mas homologias [...] a estrutura não leva as pessoas em consideração; é, portanto, terrível (como uma burocracia). Não se pode suplicar, dizer: ‘Veja como sou melhor que H...’. Inexoravelmente, ela responde: ‘Você está no mesmo lugar; portanto, você é H...’. Ninguém consegue pleitear contra a estrutura.”12

Em All you need is love, este lugar é sobretudo do rapaz. É ele que a narrativa acompanha em sua maior parte, é sob o ponto de vista dele que a história é contada, e portanto – por questões estruturais – é com ele que o leitor se identifica na maior parte do tempo. Conclusão Podemos concluir, concordando com Roland Barthes, que cada detalhe – por mais insignificante que possa parecer – é importante para a narrativa, contribuindo de alguma forma para contar a história13. A imagem é rica em significado e carregada de ideologia. No caso de All you need is love, trata-se de uma desvalorização da mulher que permeia toda a narrativa e se reflete não apenas na atitude do protagonista, como também nas próprias imagens. Não há como saber se o autor compartilha desta ideologia, ainda que inconscientemente, ou se ele busca fazer um retrato daqueles que a possuem. Arnold Hauser (1961) escreveu que o artista nem sempre tem consciência

Barthes, apud Bergala (1995, p.269). “Poder-se-ia dizer […] que a arte não conhece o ruído (no sentido informacional da palavra): é um sistema puro, […] não há jamais unidade perdida, por mais longo, por mais descuidado, por mais tênue que seja o fio que a liga a um dos níveis da história.” Barthes (1971, p.28).

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das ideias sociais que expressa, e muitas vezes discorda destas ideias que justifica ou glorifica em suas obras. Em relação à questão da divisão do olhar em ativo/masculino e passivo/feminino, é importante notar que ela não é absoluta, assim como as mulheres nem sempre estão relegadas exclusivamente a papeis passivos (há muitos filmes e quadrinhos nos quais elas são responsáveis pela ação, ainda que estes sejam a minoria ou filmes de gênero, conforme aponta Mulvey). No que diz respeito ao olhar, podemos questionar se a exibição do corpo masculino nos filmes de ação não teria um componente de espetáculo (ainda que o olhar lançado sobre ele neste caso possa não ser erótico – podese argumentar que o espectador se identifica com o herói de ação e portanto “possui”, durante a duração do filme, os músculos do ator). Da mesma forma, nos quadrinhos de super-herói uma grande ênfase é dada ao corpo do protagonista.

Figura 5. Still do filme Kickboxer (1989).

Um exemplo da exibição do corpo musculoso masculino nos filmes de ação está no filme Kickboxer, de 1989, com Jean

Claude Van Damme (figura 5). Neste caso, há uma ambiguidade no olhar. Por um lado, há inegavelmente um componente erótico nesta imagem masculina – talvez ocorra até uma certa fetichização do corpo, na medida em que é exibido e cultuado por si mesmo.

Figura 6. Still do filme Kickboxer (1989).

Por outro lado, não haveria uma fetichização completa na representação corpo do personagem, posto que, no cinema comercial, este não pode ser mostrado como objeto a ser desfrutado – mesmo porque isso poderia impedir a identificação do público masculino com o personagem. Além disso, pode-se argumentar que o corpo do herói precisa ser mostrado nos filmes de ação por ser um signo de sua força e virilidade. A exibição dos músculos seria necessária à representação da essência do protagonista. Certamente, este é o caso nas histórias em quadrinhos de super-herói, em que todas as características físicas dos personagens precisam ser exageradas e exibidas para que sejam melhor interpretadas, “lidas” – o corpo do Super-Homem, por exemplo, é inegavelmente um signo14. Em todo caso, ainda que seja contemplado e exibido

Antônio Cagnin (1975) afirma que toda imagem é uma oração, ou, mais precisamente, pelo menos dois enunciados linguísticos. É o caso do corpo do super-herói, cujos enunciados são “este é um corpo masculino”, “este é um homem viril e forte”. O músculo é um signo de que o herói não está entre os “fracos e oprimidos”, mas entre os que detém poder. Outro exemplo é o da imagem da moça na figura 1: seus significados denotativos são “isto é uma moça bonita” e “a moça está na cama”. Christian Metz (apud Cagnin, 1975, p.77) afirmava: “Um close-up de um revólver não significa revólver […], mas significa, como um mínimo, e deixando de lado suas conotações, eis um revólver. Ele veicula a sua própria atualização, algo como ei-lo aqui.” A imagem da moça é exatamente isto: “eis uma moça bonita na cama” (e, com base no que já foi discutido neste artigo, podemos acrescentar, “na cama com você, leitor” - de fato, neste quadro, a moça é representada como se estivesse ao alcance da mão do leitor, como se ele estivesse deitado com ela). É a atualização de um conceito, embora não deixe de ser um conceito.

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como espetáculo, o lutador tem um papel inteiramente ativo na narrativa. E ainda que haja alguns exemplos de filmes em que o corpo masculino é exibido como objeto

erótico para o olhar feminino (como no filme indiano15 Jodhaa Akbar, no qual uma mulher observa um homem que se exibe – figura 7), é certo que eles são a exceção que confirma a regra.

Figura 7. Stills do filme Jodhaa Akbar (2008).

Referências AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas, SP: Papirus, 2002. P. 212-258. BARTHES, Roland. Introdução à análise estrutural da narrativa. In: BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1971. BERGALA, Alain. O Filme e seu espectador. In: AUMONT, Jacques, et al. A estética do filme. Campinas, SP: Papirus, 1995. CAGNIN, Antonio Luiz. Os Quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975. HAUSER, Arnold. Introduccion a la historia del arte. Madrid: Guadarrama, 1961. Colección Guadarrama de Crítica e Ensaio, vol 33. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século vinte. Rio de Janeiro: Forense, 1967. Vol 1. MULVEY, Laura. Visual pleasure and narrative cinema. In: Visual and other pleasures. Indianopolis: Indiana University Press, 1989.

NAGOYA, Otávio; NOGUEIRA, Pedro. A nova geração dos quadrinistas. Caros Amigos, Ano XIV, número 157. Abril de 2010.

Imagens DISALLE, Mark; WORTH, David. Kickboxer. [Filme]. Produção de Mark DiSalle, direção de Mark DiSalle e David Worth. Estados Unidos, Cannon Pictures, 1989. Película (105 min): son., color. GOWARIKER, Ashutosh; SCREWVALA; Ronnie. Jodhaa Akbar. [Filme]. Produção de Ashutosh Gowariker e Ronnie Screwvala, direção de Ashutosh Gowariker. Índia, Ashutosh Gowariker Productions, 2008. Película (213 min): son., color. MOON, Fábio. All you need is love. In: MOON, Fábio; BÁ, Gabriel. Crítica. São Paulo: Editora Devir, 2004. P. 46-48.

No cinema indiano de Bollywood, o corpo masculino costuma ser mais erotizado do que nos filmes americanos (conferir os filmes Om Shanti Om (2007), Ghajini (2008), Bodyguard (2011), Kites (2010), entre outros).

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p73

Caricatura y Prensa, una Reflexión en torno a las Imágenes y su Importancia en la Investigación Histórica. El caso mexicano, siglos XIX-XX Fausta Gantús Maestra y doctora en historia por El Colegio de México, profesora-investigadora del Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora y miembro del Sistema Nacional de Investigadores. Sus principales líneas de investigación son “Prensa, política y sociedad en México, siglos XIX y XX” e “Historia regional, siglos XIX y XX”. Es autora de varias obras publicadas en nuestro país y en el extranjero, entre sus publicaciones más recientes se cuentan los artículos y capítulos de libros: “La traza del poder político y la administración de la ciudad liberal,1867-1902”, en Ariel Rodríguez Kuri (coord.), Historia política de la ciudad de México, 1325-2000, 2012; “Pequeña pedagogía de la nacionalidad: los cartones para el juego de lotería”, en Pablo Escalante (coord.), La idea de nuestro patrimonio histórico y cultural, 2011; y los libros: Caricatura y poder político. Crítica, censura y represión en la Ciudad de México, 1876-1888, México: El Colegio de México e Instituto Mora, 2009; y Campeche. Breve Historia, (en coautoría), México: El Colegio de México, Fondo de Cultura Económica, 2011.

Resumen

El objetivo central de este trabajo es discutir y reflexionar en torno a la caricatura de la prensa periódica y mostrar su potencial como fuente en la práctica historiográfica. Esto es, valiéndonos de diversas perspectivas de análisis, haremos uso de las caricaturas como fuente y como instrumento de estudio para el conocimiento y la interpretación del pasado. En tal sentido, nos adentraremos por los terrenos de la historia política, social y cultural para reflexionar sobre diferentes épocas y procesos de la esfera pública y sus actores en México en los siglos XIX y XX. Basaremos nuestra exposición en el estudio de dos casos, a través de los cuales mostraremos como se imbrican las dinámicas de la vida gubernamental, la participación de los sectores sociales, las consecuencias de la industrialización y del capitalismo, la formación, continuidades y cambios ideológicos, todos ellos campos en los que es posible experimentar la investigación histórica mediante el uso de las caricaturas. Palabras claves: Caricatura; investigación histórica; México.

Abstract

The main objective of this paper is to discuss and meditate over the caricature of the periodical press and show its potential as a source in historiographic practice. That is, availing ourselves of diverse perspectives of analysis, we will use the cartoons as a source and as an instrument of study for knowledge and interpretation of the past. In this regard, we will enter the territory of political, social and cultural history to think over different times and processes from the public sphere and its actors in Mexico in the 19th and 20th centuries. We will base our exposition in the review of two studies, through which we will show how the dynamics of Government life overlap, the participation of the social sectors, the consequences of industrialization and capitalism, the training, continuities and ideological changes, all fields in which it is possible to experience the historical research through the use of the cartoons. Keywords: Caricature; historical research; Mexico.

Recebido em: 12/01/2012

Aprovado em: 25/04/2012

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Fausta Gantús

Caricatura y prensa, una reflexión en torno a las imágenes y su importancia en la investigación histórica. El caso mexicano, siglos XIX-XX1

El objetivo central de esta exposición es reflexionar en torno a la caricatura de la prensa periódica y su papel en la práctica histórica. Considero que la caricatura es una forma satírica simbólica de interpretación y de construcción de la realidad, una estrategia de acción – de personas y grupos – en las luchas por la producción y el control de imaginarios colectivos. Por la multiplicidad y variedad de formas, estilos, contenidos y usos de la caricatura resulta forzado intentar una definición abarcadora e incluyente. Para ello es necesario considerar diversos factores como el carácter, causas que la generan, fines que persigue, lugar y momento en que se produce y, aún se podrían incluir, los destinatarios para los que se crea o los objetivos que guían su estudio. Sin embargo, un elemento imprescindible para definir la caricatura es su capacidad de sintetizar una idea y transmitir un mensaje a través de unos pocos trazos, valiéndose del humor. En este contexto, la caricatura, especialmente la política, puede ser definida como un legítimo medio de expresión que contiene en sí una gran fuerza rebelde y que por su carácter irreverente y crítico se sitúa entre los frágiles y difusos límites que definen las fronteras de lo legal y lo subversivo. La caricatura constituye un particular punto de vista, marcado por intereses varios, que valiéndose del uso de ciertos símbolos, desde

el humor y con fines efectistas, pretende proyectarse sobre la opinión pública –esto es, sobre el conjunto social conformado por quienes leen los impresos y discuten los asuntos de interés general– con el objetivo de condicionar su percepción. Dicho de otra forma, la caricatura es una forma satírica simbólica de interpretación y de construcción de la realidad, una estrategia de acción – de personas y grupos – en las luchas por la producción y el control de imaginarios colectivos. La caricatura constituye una unidad conformada por dos partes igualmente importantes: la imagen y el texto. En el transcurso del tiempo ambas, la imagen y la escritura, se han desarrollado de manera paralela compartiendo la tarea de consolidar una comunicación mixta. Así, la caricatura está compuesta de esas dos partes: una imagen culminada por un texto, o un texto vigorizado por una imagen. La caricatura mexicana producida en el siglo XIX, como la del XX, necesitaba y se valía de textos plasmados en títulos, pies, coplas o versificaciones que complementaban o explicaban lo representado. La caricatura se inscribe en el marco de los lenguajes visuales. Cada lenguaje está constituido por un universo de referencias simbólicas, en el que cada símbolo es polisémico. Desde su nacimiento y hasta

Versión abreviada de la conferencia de clausura dictada en Assis, Brasil, el 10 de noviembre de 2011, en el marco de la XXVIII Semana de História “Modalidades da Cultura Histórica” realizada en la Faculdade de Ciencias e Letras de Assis de la Universidade Estadual Paulista.

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Caricatura y Prensa, una Reflexión en torno a las Imágenes y su Importancia en la Investigación histórica.

nuestros días, la caricatura ha sido un espacio de expresión crítica, desde una doble perspectiva: la de la creación individual, la voz del caricaturista, y la colectiva, en la medida en que puede expresar el sentir de un grupo e incidir sobre otros. En esta presentación examinaré el uso de las caricaturas, en su carácter de fuentes visuales, en la realización del quehacer histórico abordándolo desde mi propia experiencia y labor de investigación. Considero que las caricaturas son documentos y herramientas para el conocimiento y la interpretación del pasado. Estos referentes visuales ofrecen diversas posibilidades para acceder a la comprensión de la realidad histórica desde una perspectiva diferente, capaz de problematizar y dotar de nuevos sentidos la lectura del pasado. En esta línea de reflexión, considero a la imagen como un código que alude a referentes comunes, que se inscribe en particulares coyunturas políticas, culturales, socio-económicas y que contribuye a forjar imaginarios colectivos. Dentro del universo de las imágenes destaco y centro mi interés en la caricatura como elemento testimonial privilegiado y como referente fundamental para los estudios de las ciencias sociales. Si bien he trabajado de manera sistemática y amplia el tema de la caricatura política mexicana en la segunda mitad del siglo XIX, cuyo producto más acabado lo constituye mi libro Caricatura y poder político. Crítica, censura y represión en la Ciudad de México, 1876-1888 2 en las siguientes páginas centraré mi atención en el estudio de las caricaturas desde las perspectiva social y

cultural, poniendo especial a tención a su imbricada relación con la historia política. Las imágenes y la historia, una rápida revisión3 El uso de las fuentes visuales en el quehacer historiográfico cobró fuerza en la segunda mitad del siglo XX; en la actualidad, las imágenes son documentos de validez incuestionable, así como herramientas invaluables para los estudios históricos. Si bien durante mucho tiempo predominó la idea de que el poder de las imágenes residía en su capacidad de expresar la realidad sin necesidad de las palabras, ha quedado demostrado que las imágenes están condicionadas por los fines que perseguían, y persiguen, sus creadores o difusores. Las imágenes son documentos que nos permiten entender el contexto social que las produjo, son protagonistas en sí mismas, esto es, son creadoras de realidades ­– y no simplemente la consecuencia de algo o el reflejo del mundo que las origina –, y son fuente de legitimación del ejercicio del poder. Entendemos que las imágenes no son inocentes. Como en el caso de cualquier otro documento, cuando usamos una imagen como fuente es necesario considerar tanto la intención que motivó su producción, misma que puede responder a los intereses de una persona (el autor) o de un grupo, así como a las condiciones del contexto en que fue generada. Igualmente, es necesario reparar en que el testimonio visual es importante en la medida en la que nos permite conocer, captar

Gantús, Caricatura, 2009 Los estudios sobre las imágenes y los imaginarios son innumerables, en este apartado, además de las reflexiones propias expuestas en Gantús, Caricatura, 2009, seguimos algunos argumentos expresados por diversos autores entre los que destacamos: Agulhon, Historia, 1994; Baczko, Imaginarios, 1991; Bouza, Imagen, 1998; Burke, Visto, 2001; Freedberg, Poder, 1992; Gaskell, “Historia”, 1999; Gombrich, Meditaciones, 1998; Haskell, Historia, 1994; Kossoy, Fotografía, 2001; Pérez Vejo, “Nacionalismo”, 2005; Rojas Mix, Imaginario, 2006; Rosler, Imágenes, 2007; Vovelle, Imágenes, 1997.

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y entender la época que lo produjo, esto es, en la medida en que transmite los valores, los hábitos, los prejuicios y los consensos, las ideologías dominantes o minoritarias, los discursos oficiales o contestatarios, ya sean individuales o colectivos, pero también es necesario tener presente que en un tiempo y un espacio delimitado pueden convivir, y conviven, varios imaginarios. En este sentido, es importante considerar que los recursos visuales son elementos que influyen en la conformación de las ideas y opiniones de los sujetos, pero que lo hacen de manera diferenciada dependiendo del lugar social en el que se sitúa el individuo. Con esto queremos puntualizar que una imagen puede transmitir ideas y valores diferentes a las personas que comparten un mismo tiempo y espacio y, más aún, que pueden comunicar un mensaje y un significado disímil o hasta incomprensible a los integrantes de sociedades temporal o espacialmente distantes del momento y territorio en que la imagen fue realizada. Asimismo, es necesario considerar que el capital cultural de cada individuo que “lee” la imagen incidirá en las interpretaciones que haga de la misma. Si bien existen ciertos elementos básicos del mensaje que busca transmitir una imagen que resultan fácilmente perceptibles e inteligibles a la mayor parte de los receptores, también es necesario precisar que una imagen no se basta a sí misma. Esto es, las imágenes poseen múltiples sentidos e interpretaciones. Se hará un tipo de lectura de una imagen si se presenta como una unidad en sí misma y tal vez otra muy distinta si la vemos inserta dentro de un conjunto más amplio. Igualmente, el hecho de que esté o no acompañada de un texto determinará el mensaje que se busca transmitir. Esto es, la escritura condiciona el sentido de la imagen, como lo condiciona también el tiempo y el espacio en que se produce. 76

Gracias a su capacidad de síntesis, a su poder de transmisión y a su maleabilidad, las imágenes se convierten en vehículos de representación mediante los cuales se pretende actuar sobre una sociedad, condicionando la forma en la que los individuos perciben la realidad en torno de un tema, personaje o asunto. Las imágenes constituyen un referente forjador de realidades. Es decir, mediante la construcción y asociación de símbolos se logra generar determinadas percepciones, que configuran representaciones centrales en la definición de imaginarios colectivos. En efecto, todo sistema de poder se vale de aparatos simbólicos para la conformación y el control de los imaginarios colectivos. L a re l i g i ó n c a t ó l i c a e s u n c a s o paradigmático, en la medida en que constituye, tal vez, el caso más exitoso de una institución que se fundó, desarrolló y consolidó a partir de la construcción de un corpus pictórico para transmitir sus principios básicos, aleccionar, atraer y convencer adeptos (feligreses), y logró generar fuertes imaginarios que arraigaron profundamente y perduraron a través de siglos. Siguiendo al referente religioso, frente a la necesidad de afirmarse y legitimarse, los Estados modernos recurrieron a la utilización de signos y emblemas, recursos que permitieron la construcción de un universo de referencia que los dotó de una identidad propia a través de la cual expresaron y trasmitieron los principios que los sustentaban e impulsaron determinadas percepciones con las cuales persiguieron la identificación y adhesión ciudadana. Como parte de esos aparatos simbólicos se destaca el recurso de la utilización de imágenes, las cuales tienen un papel relevante como mecanismos de transmisión de los signos y símbolos distintivos del poder político.

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De esta suerte, las imágenes constituyen un referente forjador de realidades. Es d e c i r, m e d i a n t e l a c o n s t r u c c i ó n y asociación de símbolos se logra generar determinadas percepciones, que configuran representaciones centrales en la definición de imaginarios colectivos. Pero hay que tener presente que si las imágenes tienen el poder de incidir en sus receptores, de transmitir de manera exitosa un determinado mensaje, es porque se cuenta con la existencia de un capital cultural colectivo capaz de responder a él. En función de nuestro tema de estudio, partimos del convencimiento de que las caricaturas son documentos históricos que nos permiten entender el contexto social que las produjo y que constituyen una alternativa a fin de reconstruir algunos de los sentidos e implicaciones del imaginario. La caricatura y lo social4 Si la caricatura sirve como fuente e instrumento de análisis histórico en el caso de la política, también resulta útil para estudiar a la sociedad que las produce, entender las preocupaciones centrales, los temas de intereses del momento. La caricatura de la prensa periódica durante la mayor parte del siglo XIX fue preponderantemente de tipo política, sin embargo, es posible encontrar la manifestación de otras expresiones plasmadas a través de ese tipo de imágenes, en este contexto se insertan aquellas caricaturas que se ocupaban del complejo tema de “la cuestión social”, problema prácticamente inexplorado en la historiografía mexicana. En efecto, la caricatura construyó un discurso

visual respecto de los efectos y costos sociales de las políticas modernizadoras y capitalistas; esto es, la cuestión social se hizo presente en la caricatura mexicana. Después de varias décadas en las que el interés público estuvo centrado en asuntos relacionados con el acceso al poder, los asuntos electorales y el control político, finalmente el triunfo del liberalismo republicano y la consolidación del ascendente personal de Porfirio Díaz sobre el Estado, la necesidad de estabilidad y crecimiento por parte del sector económico, la demanda de la sociedad mexicana de tranquilidad y seguridad, aunado a los consensos generados en torno a la figura del militar en amplias capas de la población, fueron todos factores que se conjugaron para brindar el espacio para que otras preocupaciones, tales como el avance de la industrialización y la urbanización, adquirieran relevancia en el periodismo con caricaturas. La existencia de problemas sociales que afectaban el armónico desarrollo proyectado por el gobierno entraron entonces a formar parte del discurso visual de las caricaturas. Sin embargo, es posible observar que la posición de periódicos capitalinos como La Época Ilustrada y La Patria Ilustrada, que se preocuparon por tratar los temas de la cuestión social en la caricatura, estuvo matizada por una doble afectación: la alineación al lado de la postura oficialista y una mirada clasista. Ello provocó que en muchas de las imágenes se evidenciara la convicción de los redactores en el hecho de que eran los propios individuos de los sectores populares los responsables de las condiciones de pobreza,

En este apartado recupero parte de la propuesta plamada en mi artículo “La ciudad de la gente común. Las cuestión social en la caricatura de la ciudad de México a través de la mirada de dos periódicos, 1883-1896”, en Historia Mexicana, V. LIX, Nº 4 (236), abril- junio, 2010, El Colegio de México, México, pp. 1247-1294.

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falta de higiene, alcoholismo e ignorancia en que vivían. Las limitaciones que ese posicionamiento imponía al tratamiento de la cuestión social impidió identificar, asociar y asignar responsabilidades al Estado y a los agentes económicos, en particular a los vinculados con el mundo industrial, pero no evitó que algunos asomos de crítica se hicieran patentes en las imágenes. La inclusión de la cuestión social en la caricatura pone de manifiesto la importancia que el tema había cobrado para el desarrollo de la vida pública, al tiempo que traducía en imágenes las preocupaciones que desde hacía más de una década estaban presentes en la prensa escrita. La apertura de la caricatura hacia los temas de la cuestión social trasluce cambios importantes en la dinámica de la vida citadina y comienza a mostrar, al concluir el siglo XIX, una creciente preocupación por los males que aquejaban a la ciudad y al país. Tres factores se conjugarían en la década de 1880 para dar origen a la eclosión de la cuestión social en la caricatura de la prensa periódica. En primer lugar, en el caso de la ciudad de México las consecuencias de los procesos de industrialización y urbanización empezaron a gravitar de manera decisiva en la vida pública. El signo más evidente fue el incremento en la población que radicaba en la ciudad. También las manifestaciones de descontento de los trabajadores de los distintos sectores laborales se empezaron a hacer más evidentes. En segundo lugar, la instrumentación de mecanismos legales y extralegales de censura y represión habrían de determinar el distanciamiento de cierta parte de la prensa con la crítica política. En tal sentido, a manera de hipótesis es posible suponer que frente a los renovados mecanismos legales de censura, parte de la prensa independiente

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haya decidido dar un giro a la forma de efectuar la crítica política, optando por incluir la caricatura de corte social, la cual constituiría otra forma de oposición a las actuaciones del régimen, no exenta, como ya hemos apuntado, de la influencia del discurso dominante y las posiciones clasistas. Este viraje suponía una menor exposición y, por ende, atenuaba las consecuencia de la represión y censura porfiriana pero persistía en la actitud crítica hacia el régimen. En tercera instancia, la estabilidad política y la consolidación de Porfirio Díaz y de su gobierno se tradujo en la progresiva disolución de la competencia partidista, lo que generó un clima de relajamiento de las tensiones periodísticas que llevaron a fijar el interés en otros aspectos de la vida pública del país y de la ciudad de México. En ese nuevo contexto, definido por la erradicación de la lucha partidista, muchos de los periódicos con caricaturas políticas no tenían ya un objetivo y un fin claros; de repente, quienes durante las dos décadas anteriores habían sabido para qué servía y para qué usaban las caricaturas, la sátira, la ironía y el ridículo, perdieron el sentido, dejaron de tener un objetivo claro para saltar a la arena de la vida pública. Íntimamente ligada la prensa satírica con caricatura a las dinámicas de la política nacional, los cambios y reacomodos ocurridos en el espacio público transformaron el carácter y los objetivos de ese género periodístico que, al no funcionar ya más como arma partidaria, adquirió sentido como instrumento de crítica al sistema social. La caricatura de una parte de la prensa capitalina empezó entonces a observar a la sociedad, a ocuparse de los problemas de la vida cotidiana, a darle un espacio a la expresión de las cuestiones sociales que hasta entonces habían permanecido fuera de su órbita.

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Los pobres pululaban por las calles, las llenaban con su presencia y, por qué no decirlo, en opinión de las elites, las afeaban. Los miembros de los sectores populares vestían harapos, su aspecto era generalmente sucio y descuidado, además de que tenían propensión a los vicios, como el del tabaco o el alcohol, careciendo de los medios económicos para costearlo no les importaba adoptar actitudes cercanas a la mendicidad para satisfacerlo. De acuerdo con lo que mostraban las caricaturas, durante las celebraciones públicas, en las zonas donde imperaban las clases populares había perturbaciones al orden, escándalos, borracheras, riñas. Esa gente carecía de educación, de buen gusto, de civilidad, constituían la negación de la modernización, del progreso que reinaba entre las clases altas. Pero aunque en las fiestas la presencia de las clases populares se hiciera tan evidente en realidad sólo cobraban verdadera importancia en relación con la vida política. En efecto, la presencia callejera de las clases trabajadoras sería valorada y resaltada como positiva siempre que obrara en función de los intereses del gobierno. 1892 fue un año particularmente ilustrativo de la presencia de los sectores populares en las calles. Para restar fuerza e importancia al movimiento antirreeleccionista en contra de Porfirio Díaz, en las imágenes se destacó la participación de artesanos y obreros, la gente útil del pueblo, en las manifestaciones públicas para demandar la continuidad del General en la presidencia. Nutridos contingentes de obreros y artesanos, limpios, bien vestidos, entusiastas, portando los estandartes de sus gremios o asociaciones, eran retratados desfilando por las calles para manifestar su solidaridad con el gobierno. Mujeres y hombres de la clase alta observan en las banquetas y aplauden tal despliegue.

Esos mismos obreros son recibidos por el Presidente en los salones de Palacio. También, para demostrar a quienes dudaban de la popularidad del General, y para desacreditar a quienes cuestionaban el éxito y espontaneidad de tales manifestaciones, se mostraba a los miembros del mundo trabajador participando en desfiles organizados para felicitar al Presidente por su hazaña del 2 de abril. En el discurso elaborado por esas caricaturas los artesanos y obreros se manifestaban espontáneamente, formaban parte de la ruta del progreso, eran seres valiosos con ideas propias y fines elevados.

“Episodios de la deuda inglesa”. La Época Ilustrada, 1 diciembre 1884]

En contraparte, cuando los miembros de esos mismos sectores populares se hacían presentes para manifestarse desde una posición francamente contraria, o al menos diferente de los intereses gubernamentales,

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el descrédito era la respuesta. Se dibujaba a una masa indefinida en la que era imposible establecer actividades u oficios; se trataba entonces de seres incapaces, manipulados, que no perseguían ningún fin meritorio. Ninguna causa auténtica, ningún reclamo legítimo se les reconocía. Como en el caso

en la que se alude a los episodios provocados en noviembre de 1884 por el asunto del reconocimiento de la deuda inglesa. Mientras la posibilidad de aprobar su pago se discute civilizadamente en el Congreso, la turba enardecida actúa violentamente.

“Los dos bandos”. La Patria Ilustrada, 4 de julio de 1892]

En el mismo sentido, las manifestaciones del “partido de la oposición”, en lugar de estar conformadas por clases “útiles”, se transformaban en una especie de tumultos desorganizados en la que cada hombre tiraba para un lado diferente; encabezados por la gente más ruda del pueblo y bajo una bandera que amenazaba con destruirlo todo: “Nihil” (Nada). Además no se manifestaban de forma espontánea, sino azuzados y dirigidos por los intereses de un grupo de 80

revoltosos embozados que desde las sombras y enmascarados, para proteger su identidad, lanzaban a la gente contra el gobierno. Por el otro lado, “el partido del gobierno” se manifestaba bajo la bandera del “progreso”, conformado por hombres de bien, miembros de las clases trabajadoras, de la industria y del comercio, que sólo perseguían construir el bienestar y la prosperidad del país. Cuando los sectores populares protestaban o se manifestaban desde la

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oposición las imágenes los presentaban como turbas destructoras, nihilistas, que alteraban el orden y atentaban contra las pretensiones de progreso. En los hechos evidenciaban las carencias de una ciudad que se pretendía moderna. Sus manifestaciones podrían carecer de razones y de sentido para las cúpulas de poder y las elites, pero estaban ahí, estaban tomando las calles y estaban invadiendo las caricaturas. La caricatura y lo cultural5 Si es posible estudiar los asuntos políticos y las cuestiones sociales, cabe señalar que la caricatura constituye también el espacio en el que las cuestiones ideológicas se traslucen de manera más clara y evidente como en el caso de las posiciones de género. La caricatura del siglo XX nos permite acercarnos al estudio de temas muy diversos. La intersección de la historia política y la historia cultural y el estudio de las representaciones en relación con el universo del futbol femenil en México, sirven para dar respuestas. La emergencia del fútbol jugado por mujeres cobra singular relevancia porque permite observar la irrupción femenina en un territorio considerado por el discurso dominante como ajeno –cuando no absolutamente contrario– a su sexo y sus características supuestamente inherentes. Esto puede estudiarse a través de las ideas y opiniones que la prensa expresaba, reproducía y generaba tanto en torno del fútbol femenil como de las jugadoras, desde su triple papel: como expresión de las ideas compartidas por el universo poblacional que constituían sus lectores; como canal de difusión del

discurso social dominante y, por último, como productora de imágenes e imaginarios colectivos, que terminaban definiendo una particular percepción de este deporte y de las mujeres que lo jugaban. En lo que respecta a la prensa y la caricatura, hacia los años setenta, la ya extendida masificación de la prensa mexicana la convertía en una herramienta fundamental de difusión, no sólo de información, sino de ideas que participaban en la consolidación del imaginario posrevolucionario a lo largo del país. En este contexto –y ante la aún incipiente expansión de la televisión–, los periódicos se afirmaban, como un poderoso aparato que difundía discursos de género, no sólo a través de imágenes publicitarias o artículos de opinión específicos que plasmaban expresamente roles femeninos y masculinos, sino también al reforzar estos estereotipos constantemente a través de notas, reportajes, comentarios diversos o imágenes –caricaturas, ilustraciones, fotografías–. El discurso de género en la prensa durante los campeonatos de 1970 y 1971 se evidencia en los textos y las imágenes de periódicos y periodistas que cubren la información deportiva femenina. Al igual que en la prensa escrita y en los reportajes fotográficos, en las caricaturas imperaba una mirada tendiente a objetivar a la mujer futbolista, pero mientras en los primeros el discurso machista se encontraba latente, aflorando pese a las pretensiones de objetividad de los periodistas, en el recuadro de la sátira visual el caricaturista explotaba de manera consciente y provocadora el tema de la sensualidad y la sexualidad. De esta forma, la masculinidad dominante asomaba

En este apartado recupero parte de la exposición realizada en el artículo publicado en coautoría con Martha Santillán, “Transgresiones femeninas: futbol. Una mirada desde la caricatura de la prensa, México, 1970-1971”, en Tzintzun, No. 52, julio-diciembre de 2010, Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, Morelia, Michoacán, México, pp. 143-165

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constantemente en las caricaturas a través de la exaltación de la belleza o de la burla respecto de la fealdad de las jugadoras, lo mismo que en la desacreditación, cuando no el franco desprecio, respecto de sus destreza y talento deportivo. Esas cualidades eran relegadas a un segundo plano de importancia, porque el interés estaba centrado en los atributos físicos, en el cuerpo y el rostro, y no en las

capacidades para la práctica del balompié. A través del análisis de las caricaturas en torno a los mundiales femeniles de principios de los años setenta, pretendemos entender cómo ante las imágenes disruptivas de mujeres jugando balompié, se reafirman y reconfiguran posturas y miradas insertas en la cultura de género de la época.

“Metamorfosis” Excélsior, 7 de agosto de 1971]

Así la primera caricatura respecto al Mundial de futbol femenil que apareció en 1971 en Excélsior, firmada por Marino, estaba marcada por el carácter sexual. En ella puede verse cómo un fotógrafo captura con su lente a una futbolista en el acto de dominar el balón mientras crea en su imaginación la representación de la misma mostrando sus atractivos físicos vestida con bikini, lo cual le produce una sonrisa de satisfacción. El tratamiento del tema no era nuevo. Un año antes, con motivo del I Mundial de Futbol Femenil, celebrado en Italia en 1970, el caricaturista de El Día, Ángel Rueda, había dedicado tres imágenes a la participación de las mujeres en el balompié, y lo había hecho 82

desde una evidente perspectiva masculina que tendía a objetivar a las futbolistas con base en los atributos físicos del busto. Así las leyendas que acompañaban a los dibujos rezaban, por ejemplo: “Ora sí tuvimos delantera”, al tiempo que una futbolista de sugerentes formas –estrecha cintura, abultados muslos– y pronunciados pechos, que asoman de la blusa, se lanza a empujar el balón con el pie. En efecto, el machismo fue la mirada que dominó en gran parte de las caricaturas. A través de ellas se traslucía el hecho de que para los aficionados, así como para los reporteros y los mismo árbitros, la presencia de mujeres en el futbol se asociaba

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inmediatamente a cuestiones sexuales; las futbolistas sólo tenían una cualidad: la de ser el objeto de deseo. Tales posiciones las podemos observar en varias caricaturas en las que resulta evidente que no se piensa en el deporte sino en la oportunidad que la incursión de las mujeres en el balompié brinda para dejar volar la imaginación de las fantasías masculinas. En un cartón se dibuja a un árbitro distraído por los senos de una jugadora mientras ésta le cuestiona por qué le ha marcado fuera de lugar, en tanto en otra un aficionado sale del partido francamente molesto, descontento no por el resultado sino por el hecho de que “¡no hubo intercambio de camisetas al final del juego!”

Ello denota, que la cancha de futbol no era considerado un espacio adecuado para las mujeres, no sólo por los diversos aspectos culturales que ya hemos expresado, sino también porque se exponían a la mirada de los demás. Al exhibirse, las mujeres se arriesgaban, según lo indicaban varias caricaturas, a ser vistas como objetos sexuales; responsabilidad que se atribuía a las mismas mujeres por atreverse a ingresar a un terreno varonil vestidas con pequeños y entallados uniformes que provocaban reacciones masculinas asociadas con el deseo.

“¿A quién le vas?” El Día, 28 de agosto de 1971, sección Rueda en el deporte]

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Deseo que se evidencia claramente también en otras imágenes, la primera muestra a dos espectadores que están decidiendo a qué equipo orientarán sus preferencias mientras observan con lascivia a dos mujeres futbolistas uniformadas

con playeras ajustadas y pantalones muy cortos mostrando sus figuras voluptuosas. El elemento que influirá en la toma de partido de esos hombres no será el aspecto futbolístico, ni siquiera el patriótico, todo se reduce al atractivo físico.

“Las futbolistas” Fin de Semana, Suplemento de El Día, 20 de agosto de 1971]

En la segunda un árbitro expulsa a una jugadora y mientras observa su retirada de la cancha la imagina desnuda en la ducha, es decir, se impone de nuevo la proyección de la mirada masculina, no la del profesional enfrentado a la jugadora, sino la del hombre que enfrentado a la mujer sólo es capaz de ver en ella a un objeto, destinado a brindar placer, aunque sea solamente a través de la imaginación. Pese a la preponderancia otorgada a la objetivación sexual de las jugadoras, es necesario destacar que la caricatura no descuidó la denuncia de los abusos y la explotación de los directivos del futbol femenil, tema que constituyó otra de las vertientes más trabajadas. A través de los 84

dibujos se hizo patente que el espectáculo era también un productivo negocio que dejaba ganancias millonarias de las cuales no participaban las jugadoras. A demás de denunciar las corruptelas y manejos turbios que imperaban en el futbol amateur, las caricaturas exhibían también otra forma de objetivación de las mujeres, la de considerar que las futbolistas podían ser explotadas sin que protestaran, reclamaran o exigieran, probablemente creyendo que, en razón de su supuesta naturaleza poco despierta y lúcida, ni siquiera serían capaces de percibir el aprovechamiento que de su desempeño hacían los dirigentes del futbol. De esta forma, la cuestión de género subyacía también en todo lo referente al negocio del balompié.

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“Damas y machotes” Excélsior, 19 de agosto de 1971]

E l l o p u e d e c o r ro b o ra rs e e n u n a representativa imagen dividida en dos cuadros, en el primero de ellos se mostraba a un gordo y enjoyado directivo ­–que la caricatura sugiere se ha enriquecido gracias al futbol femenil–, frente a una jugadora que junto a él se ve pequeña, aunque de formas sensuales, y que lo observa con mirada cándida y crédula mientras él le señala dogmáticamente que “las satisfacciones valen más que todo el oro del mundo chamacona”. Cabe señalar que “chamacona” es un término usado en la jerga mexicana al que podemos asociar una doble connotación significativa, pero ambas cargadas de un sentido degradante para la mujer. Por un lado, puede ser entendido en su sentido sexual, el cual refiere a los atributos físicos femeninos, así una chamacona es una jovencita de buen aspecto que despierta la libido de los varones. Por otro lado, en cuanto se refiere a las capacidades intelectuales de la mujer tiene también una carga peyorativa pues descalifica sus aptitudes, una chamacona es una joven inmadura, poco inteligente, menor de edad en todos los sentidos, cuyo

único mérito es estar dotada de atractivas formas físicas. En el otro cuadro, un rudo, burdo, cínico, y casi desagradable, jugador de la selección de futbol varonil, coronado con un sombrero mexicano en el que se lee: “nacidos para perder”; exclama sonriente: “yo siempre gano… …buenos sueldos”. La burla del futbolista varón exacerba las diferencias de género al exhibir el hecho de que pese a su falta de resultados en la cancha ellos se sitúan en un lugar superior al de sus compañeras, usufructuando sustanciosos beneficios mientras ellas permanecen en una situación de pasiva inferioridad. Cuando la futbolista se transformaba en un ser con exigencias, capaz de demandar sus derechos, abandonando las características de su supuesta naturaleza pasiva e ingenua, entonces perdía sus atributos sexuales, sus maneras delicadas y femeninas, convirtiéndose en un ser desagradable, exaltado, iracundo, que daba “el espectáculo” por su ambición. Así puede verse a un grupo de mujeres futbolistas que con el brazo en alto y el puño cerrado, invadidas por la furia, con rostros deformados por la ira, con actitud

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masculina y violenta arremeten contra un directivo que temeroso pero ambicioso se aferra a un profuso montón de monedas y billetes. De esta forma, desde la caricatura se afirmaba que las mujeres que trasgredían los roles de género corrompían su “naturaleza”. El desarrollo en las mujeres de aptitudes para un deporte que, como el futbol, era considerado exclusivamente una actividad masculina suponía un distanciamiento con las cualidades del género femenino, un travestismo de la personalidad, una transformación profunda asociada con el marimachismo. En efecto, sin importar su nacionalidad, la futbolista que sabía patear y dominar un balón, diseñar exitosas estrategias de ataque y defensa, correr por la cancha, vencer al oponente y meter gol, pareciera que perdía su feminidad, su atractiva figura, su inocencia. La mujer marimacho no tiene pudor y se considera cuando menos igual, cuando no superior, a los hombres. La existencia de una buena futbolista con atributos femeninos parecía inconcebible. Palabras finales o Algunas advertencias para concluir Estudiar caricatura no es un asunto sencillo, aunque si apasionante y, cuando logramos penetrar su sentido, también divertido. El análisis de las caricaturas exige un amplio conocimiento de la época, las situaciones y los personajes, pero, sobre todo, requiere que nos sumerjamos en los problemas del día a día para poder entender el mensaje explícito e implícito, los diálogos o las confrontaciones entre periódicos, caricaturistas y grupos políticos, así como las intenciones y las motivaciones de todos ellos. En las últimas décadas hemos visto consolidarse, en diversas regiones del mundo, 86

entre ellas México, el interés por estudiar la caricatura desde la perspectiva histórica. Consideramos que esta tendencia ha tenido un importante desarrollo pues la prensa con caricaturas constituye un sugerente campo de análisis en el esfuerzo por comprender los procesos de formación y consolidación de las esferas públicas, estos es, de la interacción entre las clases políticas y los conjuntos sociales, así como de las relaciones que se establecen entre estos actores y la prensa. Pero hay que estar advertidos, quienes estudiamos las caricaturas debemos tener claro que se trata de fuentes cargadas de intencionalidad, que, ayer como hoy, constituyen parte sustancial de la crítica a las personas que detentan el poder, o que aspiran a él, y que expresan la opinión diaria instrumentada entre grupos opositores o rivales, así como del periodismo oficialistas o independiente. Sin embargo, es justamente su intencionalidad, su carácter efímero, su sentido definido por las preocupaciones del momento, la sensibilidad del caricaturista, que al ironizar sobre su contexto lo transforma, y la capacidad de influir en sus lectores generando imaginarios, lo que las convierte en documentos de invaluable valía para la recuperación del pasado. En México, la caricatura política entró a formar parte de la prensa periódica a lo largo de la primera mitad del siglo XIX y consolidó su presencia e importancia en la segunda. A través del tiempo la imagen satírica ha sido utilizada por la prensa mexicana como vehículo para expresar y arma para atacar. Ha servido a personas, partidos y facciones lo mismo para moldear y difundir sus ideas que para luchar por obtener poder o procurar destruir a algún adversario, al tiempo que la sociedad y la opinión pública han encontrado un espacio en el que descubren coincidencias con sus opiniones o hallan enunciado su descontento.

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Caricatura y Prensa, una Reflexión en torno a las Imágenes y su Importancia en la Investigación histórica.

A lo largo del siglo XX la caricatura, de todos los tipos y géneros, reafirmó su importancia como espacio periodístico y se constituyó en un elemento fundamental del mundo de los impresos. En efecto, en la pasada centuria el número de periódicos, revistas y diversas publicaciones que incluían el uso de caricaturas o tiras cómicas se multiplicó exponencialmente en relación con la experiencia decimonónica. Sin duda, el siglo XX atestiguó la proliferación de la expresión satírica a través de la gráfica. En todas las latitudes, a lo largo y ancho del territorio nacional surgieron caricaturistas dispuestos a dejar testimonio de su época e impresos en cuyas páginas dieron a conocer sus trabajos. Si bien con una trayectoria no exenta de vicisitudes y sobresaltos, con momentos de esplendor y otros de franco decaimiento, la caricatura de la prensa periódica logró afianzarse en el gusto del público y transformarse en un catalizador de las opiniones colectivas. Los periódicos y las revistas pronto incluyeron planas y secciones completas dedicadas a los “dibujitos”. Bien fuera de corte político, de crítica social o de entretenimiento familiar, dirigidas a adultos, adolescente y niños, los temas más variados encontraron cabida en los recuadros y en las tiras cómicas: desde las cotidianas relaciones al interior del seno del hogar –entre cónyuges, entre padres e hijos, entre patrones y sirvientes–, pasando por el deporte, las diversiones, los progresos científicos, el impacto de la tecnología en la vida moderna, hasta los sucesos de la vida política nacional e internacional –desde candidatos y campañas políticas, movimientos de descontento, huelgas y protestas, impronta de ideologías y de regímenes gubernamentales hasta los enfrentamientos bélicos–.

Si bien es cierto que los estudios sobre caricatura del siglo XIX para el caso mexicano son insuficientes, lo cierto es que el panorama se vuelve más sombrío cuando volvemos la vista al siguiente siglo. Pese al gran auge del fenómeno, los estudios sobre las caricaturas y las tiras cómicas del México del novecientos son escasos. Contados autores, mexicanos y extranjeros, se han ocupado de recuperar algunos temas o momentos, en artículos o libros, pero el universo por explorar es aún inmenso. En síntesis, con este recorrido por diversas perspectivas de análisis y uso de las caricaturas como fuente pero también como instrumento de estudio, esperamos haber mostrado el potencial de las imágenes satíricas para el conocimiento y la interpretación de la historia. En el caso mexicano, la caricatura nos ha permitido adentrarnos por diversos terrenos desde la historia política, la historia social y la historia cultural para deconstruir y reconstruir diferentes épocas y procesos de la esfera pública y sus actores. Así, las dinámicas de la vida gubernamental, la participación de los sectores sociales, las consecuencias de la industrialización y del capitalismo, la formación, continuidades y cambios ideológicos, son algunos de los campos en los que es posible experimentar la investigación histórica mediante el uso de las caricaturas. Bibliografía AGULHON, Maurice. Historia vagabunda. Etnología y política en la Francia contemporánea. México: Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora, 1994. BACZKO, Bronislaw. Los imaginarios sociales. Memorias y esperanzas colectivas. Buenos Aires: Nueva Visión, 1991. BOUZA, Fernando. Imagen y propaganda. Capítulos de historia cultural del reinado de Felipe II. Madrid: Akal, 1998.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p89

Leitura de Imagens e Alfabetismo Visual: revendo alguns conceitos

Gustavo Cunha Araujo Graduado em Artes Visuais pela Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é Mestrando em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, na linha de pesquisa Culturas Escolares e Linguagens. Ao longo da formação acadêmica, tem desenvolvido pesquisas sobre fontes iconográficas, alfabetização por imagens e docência em artes.

Ana Arlinda Oliveira Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, com Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, é professora do Instituto de Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso e do Programa de Pós Graduação em Educação. Pesquisadora da Linha de Pesquisa em Culturas Escolares e Linguagens. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Leitura e Letramento. Ao longo da formação acadêmica, tem desenvolvido pesquisas sobre leitura, arte educação, estudos imagéticos na educação, literatura e alfabetização.

Resumo

Este estudo propõe analisar alguns conceitos sobre leituras de imagens propostas pelo historiador alemão Erwin Panofsky em meados do século passado relacionadas a uma produção artística elaborada em contexto educativo. Utilizamos como metodologias a revisão bibliográfica pertinente ao tema e a observação in locus da experiência artística produzida. Neste sentido, compreendemos que conceitos como leitura de imagens e alfabetismo visual estão inseridos no bojo de estudos históricos e educacionais, implicando no conhecimento da linguagem visual e não apenas da linguagem escrita para melhor entendimento dos significados da obra analisada. Assim, buscamos nesta investigação produzir e socializar conhecimento resultando-o como um processo interpretativo, reflexivo e construtivo, presentes na pesquisa de caráter qualitativo em educação. Palavras-chave: Leitura de Imagens; alfabetismo visual; educação e história.

Abstract

This study aims to analyze some concepts on readings of images offered by the German historian Erwin Panofsky in the middle of last century related to an artistic production developed in an educational context. Methodologies to be used as a literature review pertinent to the theme and in locus observation of the artistic experience produced. In this sense, we understand that concepts such as reading literacy and visual images are inserted in the midst of historical and educational, involving knowledge of visual language and written language not only for better understanding of the meanings of the work analyzed. Thus, we sought in this investigation and socializing knowledge resulting produce it as an interpretive process, reflective and constructive present in qualitative research in education. Keywords: Reading Images; visual literacy; history and education.

Recebido em: 01/03/2012

Aprovado em: 30/04/2012

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Leitura de Imagens e Alfabetismo Visual: revendo alguns conceitos

Introdução Esta pesquisa propõe analisar alguns conceitos de leituras de imagens propostos pelo historiador de arte alemão Erwin Panofsky (1892-1968) na primeira metade do século 20, tendo como referência visual uma iconografia produzida por um grupo de alunos do 7º ano ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, para que possamos entender se os conceitos de leitura de imagem elaborados por este historiador é pertinente para se entender a linguagem visual de obras/ trabalhos artísticos produzidos no contexto escolar, contribuindo para a produção de conhecimento e estudos sobre leituras de imagens no âmbito educacional. Ao problematizarmos a imagem na educação temos percebido uma grande proliferação de pesquisas que abordam este tema, ressaltando questões relacionadas a leituras de imagens na educação e suas práticas de leitura e análises imagéticas. Neste sentido, além de entendermos que as mesmas também possam contribuir para investigações pelo fato de serem “testemunhos visuais” (BURKE, 2004), também afirmamos que essas “mensagens visuais” devem ser utilizadas subsidiadas por meio do estudo da alfabetização visual, isto é, a gramática da imagem, para que possamos ter um melhor conhecimento dos componentes presentes na linguagem visual analisada ou observada e tentar entender melhor o significado da obra. 90

Diante disso, este trabalho, de abordagem qualitativa, propõe a seguinte pergunta: os conceitos utilizados por Erwin Panofsky na primeira metade do século passado sobre leitura de imagens ainda são pertinentes para se analisar uma obra/trabalho artístico produzidos no contexto escolar nos dias de hoje? Para responder a esta pergunta, adotamos inicialmente como procedimento metodológico a revisão bibliográfica que aborda estudos pertinentes sobre o tema ora problematizado nesta pesquisa e a observação in locus da produção artística feita pelos alunos no contexto educativo que, somadas as análises da imagem elegida (produzida pelos discentes) neste trabalho, pudessem nos auxiliar na produção de reflexões e interpretações relacionados ao objeto de estudo apresentado. Assim, a pesquisa qualitativa, que caracteriza este estudo, permeia as diversas formas de se produzir conhecimento em nossa sociedade, a qual também passa a caracterizar este presente estudo. O alfabetismo visual e iconografias: pressupostos teóricos Somos sabedores que as imagens, desde a pré-história, são importantes meios de comunicação que foram sendo produzidas por diferentes meios e materiais ao longo do tempo, além de serem também símbolos criados pelo próprio homem e uma forma de linguagem, fundamental para o processo

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de desenvolvimento e constituição do ser humano (SOUSA, 2007). Com as mudanças nos modos de pensar e de reconstituir o passado histórico ocorridos nos últimos anos, percebemos muito o historiador tendo cada vez mais a importante tarefa de desvendar o passado utilizando não apenas fontes tradicionais de pesquisa, como textos escritos, as também somadas a outras fontes como as iconográficas, por meio de pesquisas que enfatizam a perspectiva histórica cultural (BURKE, 2004). Ta m b é m o c o r re ra m i m p o r t a n t e s transformações e disseminações de estudos que destacam a importância da imagem na educação, voltada para a discussão das fontes de pesquisa trabalhadas pelo pesquisador e de leituras de imagens em sala de aula. Dentre estas, as atenções dadas imagens ganharam amplitude, ao considerá-la como objeto de estudo para a pesquisa acadêmica. Temos noticias que diversos estudos que surgiram na educação nas últimas décadas que utilizam as imagens enquanto fontes iconográficas, juntamente com as tradicionais fontes escritas, passaram a necessitarem de procedimentos metodológicos de leituras iconográficas. Por essa razão, ao longo da história, foi se abrindo mãos de novas evidências ou indícios1 para o pesquisador em educação, na qual a linguagem visual passou a assumir papel relevante nos significado das obras, principalmente com o surgimento da História Cultural, visto que a história cultural, tal como entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler (CHARTIER, 2002, p. 15).

De acordo com esta citação, compreendemos que a tarefa da história cultural pode abrir novos caminhos metodológicos para o pesquisador, no que se refere a estudos sobre as imagens enquanto representações do mundo social produzidas por grupos ou classes sociais. Desse modo, percebemos que tais representações vão enunciar práticas e discursos na sociedade pautados pelas práticas culturais da escrita e principalmente da imagem (CHARTIER, 2002). Ao colocar esta problemática do “mundo como representação”, Chartier (2002) vai nos desvelar que essa reflexão pode ser apropriada por aqueles que utilizam textos escritos e visuais produzindo diferentes sentidos e significações, na forma com que estes compreendem o mundo social em sua volta. Neste sentido, essa representação vai se referir, primeiramente, a um conhecimento capaz de reconstituir, por meio da imagem, memórias “visuais” de um determinado objeto, como por exemplo, esculturas de personagens históricos localizadas em locais públicos, em diferentes lugares, visto que a leitura de imagem assumiria relevante papel neste aspecto, ao ajudar o leitor a decifrar o significado da obra. Seguindo este pensamento, é relevante pontuar os conceitos de análise de imagem propostos pelo historiador alemão Panofsky (1976), para que possamos analisar a iconografia elegida para este trabalho. Desse modo, destacamos basicamente três níveis de análises iconográficas: a. D e s c r i ç ã o p r é - i c o n o g r á f i c a – identificação simples de objetos comuns em nosso meio social como

Segundo Burke (2004, p. 16), o termo “indícios” refere-se “a manuscritos, livros impressos [...] bem como a muitos tipos diferentes de imagens [...]”.

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pessoas, animais, edificações entre outros. Seria considerada uma descrição natural ou informal; b. Análise iconográfica – análise mais completa, destacando a linguagem visual da obra ou imagem, como por exemplo, reconhecer o Cristo Redentor como sendo a escultura de mesmo nome localizada na cidade de Rio de Janeiro, Brasil. Seria uma descrição convencional ou formal; c. Interpretação iconológica – Seria uma descrição mais “subjetiva” da imagem, quando tentamos explicar representações através de seu contexto histórico, em relação a outros fenômenos culturais. É nesse nível que as imagens oferecem evidência útil para os historiadores culturais. Temos conhecimento que foram nos estudos de Erwin Panofsky (1976) que pesquisas sobre a análise composicional da imagem, isto é, a linguagem visual, como pontos, cores, planos entre outros elementos presentes na composição iconográfica, foram se tornando relevantes para estudar as análises de imagens no bojo educacional. Desse modo, considerar as especificidades destas “mensagens visuais” é uma forma de tentar compreender as suas significações e, consequentemente, a produzir interpretações relacionadas ao contexto em que foram produzidas. Concordamos com Chartier (2002) ao nos desvelar que o texto visual e não apenas o escrito é objeto de constantes leituras, nos quais estas vão se diversificando com o passar do tempo. As práticas de leituras associadas a textos visuais, como as imagens, que vão retratar lugares, momentos, memórias entre outros. Entendemos que a imagem, enquanto um campo da pedagogia visual inserido na 92

cultura escolar é rica em significados. Desse modo, podemos afirmar a possibilidade de uma representação histórica fiel do passado que a imagem nos pode transmitir. [...] as imagens nos permitem ‘imaginar’ o passado de forma mais vivida. [...] nossa posição face a face com uma imagem nos coloca face a face com a história. O uso de imagens em diferentes períodos como objetos de devoção ou meios de persuasão, de transmitir informações ou de oferecer prazer, permite-lhes testemunhar antigas formas de religião, de conhecimento, crença, deleite, etc. embora textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais na vida religiosa e política de culturas passadas (BURKE, 2004, p. 17).

Devemos, portanto, levar em conta estudos sobre a importância da alfabetização pela imagem no contexto educativo, que também vão se referir à linguagem visual, visto que uma vantagem particular do testemunho de imagens é a de que elas comunicam rápida e claramente os detalhes de um processo [...] (BURKE, 2004, p. 101).

Leitura de imagem e alfabetismo visual no contexto educacional: revendo conceitos Ao direcionar nossos olhares para os dias atuais, percebemos uma multiplicidade de imagens, das mais diversas formas, que necessitam de uma melhor abordagem e entendimento da linguagem visual, em seu contexto, independente dos meios ou materiais em que foram produzidas, sendo ou por meio de impressos, ou mesmo em equipamentos audiovisuais/tecnológicos. Durante as aulas de artes, foram apresentados aos alunos alguns artistas e movimentos artísticos que trabalhavam a técnica da colagem, sendo ressaltados artistas

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como o espanhol Pablo Picasso e o movimento artístico denominado de Cubismo2, além de algumas obras/imagens produzidas por este artista e esta manifestação artística com destaque a esta técnica. Neste sentido, logo após a exposição teórica, os alunos começaram a produzir um trabalho de colagem logo na primeira aula. Desse modo, selecionando esta iconografia produzida por estes discentes e, considerando os estudos iconográficos de Panofsky (1976), associados às contribuições teóricas da História Cultural, é relevante pontuar esta imagem produzida em âmbito educacional

por estes discentes, para que possamos entender melhor a questão da alfabetização visual no contexto educativo. Assim, este trabalho visual foi resultado de um trabalho realizado com alunos do 7º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Uberlândia, Minas Gerais durante as aulas de Educação Artística (Artes) que ocorria uma vez por semana. Esta produção artística levou cerca de três aulas (três semanas) para ser concluído por este grupo de alunos, lembrando que cada aula tinha duração de cinqüenta minutos (50min/ hora aula):

Colagem realizada por um grupo de alunos do 7º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Uberlândia, Minas Gerais. 2011

Movimento artístico que tem como característica a geometrização das formas e volumes, conferindo a mesma, na maioria das vezes, um sentido de pintura escultórica, dada pela harmonia dos elementos e materiais utilizados na produção do trabalho.

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Nesta imagem, numa análise sintática ou pré-iconográfica, podemos perceber elementos visuais que compõem essa obra, como figuras geométricas, que representam desde pessoas a diversos objetos presentes no cotidiano, como um aparelho de celular localizado no canto superior direito da imagem, um carro na parte inferior esquerda entre outros. Estes seriam exemplos de alguns dos elementos mais básicos presentes nesta descrição. Na análise semântica ou iconográfica, podemos reconhecer tal imagem como a representação visual de uma colagem, pelo fato de ter o conhecimento que foram utilizados materiais como revistas, colas, tesouras na produção desta obra em sala de aula, visto que os elementos sobrepostos um em cima do outro e alguns lado a lado da composição, são características da técnica da colagem na arte contemporânea. Entretanto, como última descrição relacionada ao contexto em que foi produzida, podemos descrever que tal imagem é contemporânea, elaborada por alunos do 7º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade de Uberlândia, Minas Gerais, durante as aulas de artes, ocorridas semanalmente, utilizando a técnica da colagem na confecção da mesma. Neste sentido, podemos perceber que todos esses níveis se inter-relacionam entre si, no processo de análise de uma obra/trabalho artístico, podendo ajudar o leitor a decifrar as significações de uma imagem, significações estas que podem estar na linguagem figurativa (elementos de composição) da obra. Desse modo, [...] as imagens [...] enquanto sistemas simbólicos são ricas e instáveis, o que quer dizer que comportam um grande número de níveis de significação (CALADO, 1994, p. 55).

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Também, verificamos que a necessidade dessa aprendizagem visual na educação pode fazer com que os alunos entendam as informações e significações contidas nas linguagens visuais, gerando interpretações e outros significados que podem ser discrepantes de acordo com o contexto em que foram produzidas, mas que possam contribuir para o aprendizado e produção de conhecimento em educação e artes. De acordo com estas análises, entendemos que a leitura de imagens, assim como a dos textos escritos, se relacionam diretamente com o estudo do alfabetismo visual, nos colocando em busca não apenas da compreensão e comunicação de informações ou ideias, mas também, da codificação e decodificação de elementos figurativos presentes nas imagens, fundamental para o ato de se comunicar visualmente em nossa sociedade. Nesse sentido, e estendendo a necessidade do desenvolvimento da ação de ler imagens a todo profissional que atua no campo educacional, consideramos primordial o estudo dos conceitos de imagem e de leitura. Para tanto, ampliamos o entendimento do termo “leitura de imagem” na perspectiva de que essa ação seja um procedimento metodológico que possibilite olhar para as imagens de forma significativa e condizente com o tempo-espaço educativo em que atuamos (SOUSA, 2007, p. 101).

Completando, é importante pontuarmos que o termo alfabetismo, muito das vezes devido a estudos sobre leitura de imagens, se refere à capacidade de o indivíduo compreender e se expressar por meio de um sistema de representação escrita e visual (CALADO, 1994). Ao mencionar os termos “alfabetismo” e “visual” buscamos apresentar neste trabalho uma melhor compreensão do estudo e análise das mensagens visuais, pelo viés histórico-

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Leitura de Imagens e Alfabetismo Visual: revendo alguns conceitos

social, utilizando os conceitos de leitura de imagem do historiador alemão Erwin Panofsky, no qual se entende ser pertinente para analisar imagens produzidas em nossa época, visto que assim como acontece na alfabetização tradicional da leitura e da escrita da sociedade contemporânea, possamos ser também alfabetizados “visualmente”. Considerações finais Nos últimos anos temos observado uma grande proliferação e disseminação rápida de novas tecnologias e meios de comunicação em nossa sociedade, das quais a atenção dada às imagens, sobretudo, as formas visuais de comunicação, foi se mostrando relevante no bojo educacional, implicando em novos estudos histórico-sociais que utilizam essas mensagens visuais no contexto educacional. É preciso, pois, ficar claro que ao abordar estudos de teóricos como Panofsky (1976), Burke (2004) e Chartier (2002) nos dias atuais, estamos ressaltando a importância de suas obras para pesquisas que abordam estudos sobre as imagens no contexto educacional do século 21. Tais conceitos analisados e utilizados, somados as reflexões produzidas por estes autores nos mostram a relevância e a pertinência de seus trabalhos para o campo de estudos culturais sobre a leitura de imagens. Resumindo, afirmamos que é possível utilizar os conceitos de leitura de imagens do historiador alemão Erwin Panofsky para estudar o alfabetismo visual das imagens no contexto educativo, o que pode nos oferecer um melhor entendimento dos significados dos elementos figurativos presentes na obra ou trabalho artístico produzido, principalmente no que se refere a leitura de imagens. Não podemos deixar de destacar neste texto às possíveis ambigüidades encontradas

nas imagens, pois as mesmas podem ser “lidas” de diversas formas dependendo dos objetivos e aportes teóricos propostos. É também devido a este fato, que a história cultural vem nos enriquecer com descobertas a respeito da linguagem visual, nos orientando em análises e possíveis respostas a respeito da problemática colocada neste estudo, assim como aconteceu neste trabalho. Ressaltando a importância do alfabetismo visual numa determinada obra ou trabalho artístico, entendemos que se pode trabalhar na educação com três questões fundamentais envolvendo as imagens: no que diz respeito à percepção, a comunicação e a aprendizagem. Para que isto ocorra no contexto pedagógico, nos parece ser necessário serem asseguradas condições para a sua efetiva execução e, uma dessas, seria a formação de professores para o trabalho com imagens. As imagens e as palavras devem se complementar, e jamais se oporem. No âmbito escolar, quando trabalhadas juntas, verificamos que ambas podem enriquecer o aprendizado do aluno, no que diz respeito aos significados de elementos visuais da obra entendidos pelos mesmos durante as leituras e produções de imagens. Assim, entendemos que são duas formas de representações que precisam estar inseridas no contexto educacional e de aprendizado. Estudar o alfabetismo visual é compreender melhor os significados e representações que as imagens, em seus mais diferentes níveis e formas, podem nos oferecer, analisadas no contexto educativo, por meio de métodos de leitura de imagens de áreas como as Artes Visuais e História Cultural, principalmente, contribuindo para o enriquecimento e produção de conhecimento para a educação. Afirmamos também que conceitos como leitura, alfabetismo e iconografia estão

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inseridos no bojo de pesquisas produzidas na história da educação brasileira, implicando no conhecimento da linguagem visual e não apenas da linguagem escrita. Ambas se complementam e assumem um papel fundamental e relevante para pesquisas na educação e para a aprendizagem educativa, no contexto escolar, produzindo conhecimento para a educação. Por fim, podemos concluir este artigo afirmando que as imagens são produzidas para se comunicar, visto que os níveis propostos por Panofsky (1976) apresentados durante esta pesquisa, sobre tudo relacionado à leitura de imagem, estão relacionados aos estudos sobre práticas e representações dos estudos culturais, ao abordarem diversas possibilidades de interpretações e significações que as imagens podem oferecer ao leitor que se apropriar de tais conceitos durante a análise de determinada obra/ trabalho artístico produzido. Desse modo,

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as imagens não são feitas simplesmente para serem observadas, mas também para serem “lidas”. Referências bibliográficas BURKE. Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: SP/EDUSC, 2004. CALADO, Isabel. A utilização educativa das imagens. Coleção Mundo de Saberes 8. Porto: Porto Editora, 1994. CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002. PANOFSKY, Erwin. Iconografia e iconologia: uma introdução ao estudo da arte da renascença. In: Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 47-87. REY, Fernando L. Gonzalez. Pesquisa qualitativa. Tradução de Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SOUSA, Márcia Maria. Reflexões sobre a leitura de imagens como ação educativa. In: Revista Olhares e Trilhas. V.8. N.8, 2007. p. 99-108.

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DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p97

Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito

Paula Cristina Somenzari Almozara Artista Visual. Pesquisadora e professora da Faculdade de Artes Visuais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Doutora em Educação, na área de “Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte” (2005) e Mestre em Artes Visuais (1997) pela Universidade Estadual de Campinas. Atua na área de Artes em Poéticas Visuais Contemporâneas. Realizou diversas exposições no Brasil e no exterior, com ênfase em procedimentos gráficos, desenho, fotografia, vídeo e instalação.

Resumo

O artigo é um estudo sobre a natureza do desenho como elemento fundamental do processo artístico. A principal intenção foi, como artista, compreender os conceitos históricos, técnicos e poéticos associados ao desenho e sua utilização na construção da produção visual. Palavras-chave: Desenho; arte; história; técnica; poética; conceito.

Abstract

The article is a study about of the nature of drawing like a fundamental element of the artistic process. The main intention was, as an artist, to understand the historical concepts, technical and poetic means to associate to the drawing for the construction of visual production. Keywords: Drawing; art; history; technique; poetic; concept.

Recebido em: 10/01/2012

Aprovado em: 05/04/2012

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Paula Cristina Somenzari Almozara

Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito

Técnica e poética: alguns apontamentos a partir dos desenhos de Leonardo da Vinci, Turner e Rembrandt Visto que jamais há possibilidade para desqualificar a tecnicidade: o fazer não é somente prova do pensar, é já certa maneira de pensar e viver conforme o pensamento (DUFRENNE, 1981, p. 58).

Desse modo, o processo de instauração da obra pressupõe uma relação dialógica entre técnica (considerada em seus aspectos processuais e materiais) e poética (como elemento fundante da produção) que está voltada para a construção de significados. Para o artista, a obra é, ao mesmo tempo, um “processo de formação” e um processo no sentido de processamento, de formação de significado. É nessa borda, entre procedimentos diversos transpassados por significações em formação e deslocamentos, que se instaura a pesquisa. [...] E se a obra é, ao mesmo tempo, um processo de formação e um processo no sentido de processamento; de formação de significado, como afirmado acima, é porque, de alguma forma, a obra interpela os meus sentidos, ela é um elemento ativo na elaboração ou no deslocamento de significados já estabelecidos. Ela perturba o conhecimento de mundo que me era familiar antes dela: ela me processa. Também neste sentido, de fazer um processo a alguém: sim, somos processados pela obra. A obra, em processo de instauração, me faz repensar os meus parâmetros, me faz repensar minhas posições. O artista, às voltas com o processo de instauração da obra, acaba por processarse a si mesmo, coloca-se em processo de descoberta. Descobre coisas que não sabia

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antes e que só pode ter acesso através da obra (REY, 2002, p. 123).

As si m, o p ro ces s o d e fo rmação , investigação e instauração – no qual técnica e poética interagem – permite dentro de um contexto histórico pensar, por exemplo, o quanto os desenhos de Leonardo da Vinci, bem como os materiais com os quais trabalhou, determinaram e manifestaram suas ideias sobre as coisas do mundo. Martin Clayton (1996, p. 9) afirma que os desenhos de Leonardo estão conectados diretamente com seu projeto artístico formal e mesmo tendo sobrevivido uma pequena parte, demonstram sua forma de registrar, compreender e explicar a infinita variedade de experiências significativas que caracterizaram toda sua vida. Muito embora Leonardo tenha desenvolvido um rico e poderoso estilo literário, ele manteve a imagem, mais do que qualquer palavra, transmitindo de forma acurada o conhecimento. Para entender a grande importância dos desenhos, Clayton destaca duas qualidades principais: suas séries de abordagem e a obsessão sobre os temas. O estudo e a observação das técnicas de desenho utilizadas por Leonardo revelam sua própria função, escolha e modificação de acordo com necessidades e situações nas quais o artista se encontrava. Observa-se, por exemplo, a utilização de técnicas que favoreciam mais a linha do que o plano nos desenhos acompanhados de texto, e de

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Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito

aguadas na construção de grandes áreas, como no caso dos desenhos de mapas. Os três principais materiais de desenho de Leonardo da Vinci desde seus primeiros anos foram a ponta de metal, o crayon e a pena. A ponta de metal foi um dos meios que mais exigiu disciplina e autocontrole do artista; não foi à toa muito utilizada para treinar os jovens artistas na Itália do século XV. Podemos falar do termo “ponta”, mais apropriadamente no plural, “pontas”, uma vez que podiam ser feitas de prata, chumbo, ouro. Procedimentos técnicos específicos eram utilizados para cada tipo de ponta de metal. O chumbo, por exemplo, era empregado diretamente sobre o papel e sua função estava reservada para realização de esboços. As pontas de prata e ouro requeriam um suporte previamente preparado com carbonato de cálcio, para que ocorresse o depósito das partículas de metal (MAYER, 1996, p. 3-4). A variação de pressão da ponta sobre a superfície não mudava a característica da linha e a marca não podia ser apagada, este rigor técnico conferia aos desenhos de figura humana condições favoráveis para a execução de detalhes precisos. A utilização do crayon aparece na obra gráfica de Leonardo em esboços rápidos e em desenhos com aplicação do sfumato. A pena e a tinta eram reservadas para desenhos onde havia texto escrito, favorecendo não apenas a junção entre texto e imagem, mas propiciava a realização de estudos em condições adversas. Em particular nas pesquisas sobre anatomia humana, tendo em vista que a dissecação de cadáveres era uma prática condenada pela Igreja da época. A escolha e o domínio da utilização do material são acontecimentos particulares e destinados de certo modo a intuição. Segundo Rudolf Arnhein (1989, p. 13-30),

a intuição é um elemento determinante dentro do processo criador, ela está ligada à percepção, mas destinada à imaginação. A relação entre técnica e poética, também pode ser exemplificada de modo contundente na obra de Joseph Mallord Willian Turner (1775-1851). Andrew Wilton (s. d.) afirma que Turner não só conseguiu utilizar todos os recursos de uma técnica, mas multiplicar suas possibilidades. A forma como Turner usou a aquarela foi totalmente particular, e estava ligada ao seu espírito investigador e a sua ânsia pela experimentação. Para se compreender o impacto do trabalho de Turner, basta pensar na forma como a aquarela foi aplicada em outros períodos. Na Idade Média, era utilizada para colorir desenhos feitos em manuscritos de modo a evocar com maior fluidez os elementos da composição e preencher áreas amplas. O termo “aquarela” advém de sua origem técnica, ou seja, um preparado de pigmento e aglutinante (goma arábica) à base de água, do qual deriva o prefixo “aqua” do latim, água. A palavra então designa tanto o procedimento em si como os “desenhos” executados puramente com aquarela ou numa associação com o guache. A história da aquarela em boa parte se confunde com a história do desenho e da paisagem. Nas mãos de mestres como Dürer ou Van Dyck, podemos antever o potencial deste meio, “sua sutileza e sua fluidez são apropriadas para a evocação da natureza” (WILTON, s. d., p. 5). Muito frequentemente, foi empregada para dar aos desenhos acabados um ligeiro toque de cor, não mais que uma indicação como o verde das árvores, o vermelho das casas ou o azul do céu. Esse uso convencional se perpetuou por décadas e a aquarela restou confinada a esta maneira de trabalhar até o período de nascimento de Turner, em 1775.

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Técnica por excelência da paisagem inglesa, a aquarela complementava áreas e detalhes minuciosamente feitos com pontas de metal e pena onde os artistas introduziam “notas” de cor por meio do lavis, realçavam os contrastes de tonalidade e usavam os brancos para definir as zonas de luz intensa da composição. Turner se formou dentro dessa tradição topográfica, superando-a, e construiu a partir dela um modo pessoal de se relacionar com o desenho, a natureza e a arquitetura, percebendo-os como um todo na realização do trabalho. Esforçou-se em demonstrar que a paisagem não era um “gênero menor”, que podia ser tratada com lirismo e expressividade, sem necessidade de ligação com temas históricos ou mitológicos para ser considerada uma grande obra. Falar sobre uma determinada maneira de trabalhar e da existência de uma técnica particularmente desenvolvida por Turner na aquarela – assim como também na pintura a óleo – é falar sobre um artista incessantemente instigado pela possibilidade de uma expressão dramática da natureza. Assim, suas experimentações técnicas nada usuais para a época convergiram para estruturar forma e conteúdo. Os desenhos de Rembrandt Armensz van Rijn, também demonstram a conexão entre maneira e matéria na construção poética. Temos em sua obra todas as facetas do que poderíamos chamar de “gêneros” de desenhos, desde esboços preparatórios para suas gravuras e pinturas, ideias para composições não realizadas, até desenhos firmados em si. Em todos estes casos,

os meios se modificavam em razão de necessidades específicas, sendo que alguns materiais foram preferencialmente utilizados em certas fases de sua vida. Ele realizou desenhos basicamente com crayon, pena e pincel com bistre1, sépia2 e o nanquim. O uso do crayon dominou seu primeiro período e são raros no último (por volta de 1650). Em compensação, desenhou com pena durante a vida inteira. Em sua juventude preferiu a pena de ganso, mais flexível e idônea para traçar linhas rápidas e sensíveis, com descrições detalhadas; e em seu último período, quando não necessitava de detalhes tão precisos e o monumental ocupava um lugar destacado em sua obra, serviu-se da pena de bambu, que oferecia resistência e era apta para desenhar linhas vigorosas, traços fortes e largos de acordo com o corte realizado na ponta. Utilizou o pincel em lavis, sobretudo para sombrear e também para o desenho propriamente dito. Rembrandt desenhou raramente com ponta de prata sobre pergaminho e quando o fez foi em desenhos de extrema delicadeza temática, visto que o uso da ponta de prata na época não era tão sistemático quanto em séculos anteriores. Este material “nobre” destinava-se notadamente para ocasiões especiais, como no retrato de sua esposa: “Saskia van Uylenburch” (Berlin, Kupferstichkabinett), com a inscrição: “este é um desenho a partir de minha esposa, quando ela tinha 21 anos de idade, o terceiro dia depois de nosso noivado – a 8 de junho de 1633”. Sua relação com os meios técnicos e sua necessidade em realizar desenhos – levando

Pigmento marrom feito de madeira queimada, usado como tinta ou giz. Utilizado como tinta para lavis, principalmente no século XVII. 2 Pigmento marrom, como o bistre. Proveniente de um molusco do Atlântico (Siba ou Sépia, Sepia officinalis, em latim), animal provido de uma bolsa de tinta, a sépia, com a qual escurece a água para fugir dos inimigos. Nome ou designação de cor derivado deste pigmento. 1

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em conta uma enorme perda de seus esboços devido à negligência, ignorância e acidentes durante os séculos – leva a crer que a produção de Rembrandt foi muito intensa, visto a grande quantidade de desenhos que chegou até nós. A preservação dessa produção está relacionada em parte à admiração de seus contemporâneos e nos séculos seguintes ao interesse de colecionadores. Entre eles Jonathan Richardson, pintor inglês e crítico, que impressionado com a qualidade dos desenhos do mestre holandês chegou a declarar em 1725 que o toque solene de um desenho de Rembrandt que estava em sua posse, o St. Peter’s Prayer Before of Tabita (Bayonne, Musée Bonnat) “era da maior excelência que ele jamais pensou ou viu ou pudesse conceber a possibilidade de tê-lo imaginado” (SLIVE, 1986, p. xii). Isso permitiu de certa maneira que a obra gráfica de Rembrandt não caísse no ostracismo ou na perda total, como ocorreu com Vermeer e Hals. Rembrandt acumulou e guardou seus desenhos de modo meticuloso. Eram seus materiais de reflexão sobre certos temas e estruturas de composição. No inventário realizado em 1656, quando o artista foi declarado insolvente e seus bens foram à leilão, constavam nos lotes vinte e quatro “livros” encadernados (ele guardava seus desenhos entre páginas brancas de encadernações especialmente preparadas para isso), uma série considerável de esboços, dez cadernos de desenhos e cadernos de notas, bem como pacotes com seus desenhos e de outros artistas. Alguns dos “livros” foram descritos no leilão como contendo desenhos especificamente devotados a um único assunto: nus, estudos de figuras, paisagens, animais e outros. Sem dúvida a “Bíblia”, mais do que qualquer coisa, proporcionou temas para seus trabalhos. Os desenhos sobre

“mulher com crianças” e outros realizados diretamente da observação do cotidiano, ocuparam na obra de Rembrandt um lugar bastante importante, assim como os desenhos de Saskia e sua vida familiar. A demonstração de liberdade de reflexão sobre um tema e a aparente simplicidade dos meios utilizados por Rembrandt, são observados em trabalhos de sua maturidade, como por exemplo, no desenho com pena de bambu e bistre: “Júpiter com Filêmon e Baucis” (Berlin, Kupferstichkabinett). Dentro de sua vontade de representação do emocional, do momento da ação – seja ela cotidiana ou histórica – o artista buscou na escolha dos materiais de trabalho a extensão de seu pensamento e potencialização de representação dramática de seus protagonistas. Segundo Bob Haak (1980, p. 21), era seu desejo dar a conhecer, por meio da representação emotiva, expressada nos gestos e no rosto dos personagens o essencial dos acontecimentos históricos.

O conceito e a natureza do desenho Vilanova Artigas (2004, p. 109) afirma que o desenho como palavra traz consigo um conteúdo semântico extraordinário. Este conteúdo equipara-se a um espelho, donde se reflete todo o lidar com a arte e a técnica no correr da história.

As primeiras noções sobre o conceito de desenho aparecem no termo “circunscrição” determinado por Alberti em seu livro “Da Pintura”. Nesse caso há uma definição de função específica, que estabelece o desenho como parte fundamental da pintura. A importância do livro de Alberti está na forma como foi amplamente citado e divulgado.

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Paula Cristina Somenzari Almozara 30. Divide-se a pintura em três partes; essa divisão nós a tiramos da própria natureza. Como a pintura se dedica a representar as coisas vistas, procuremos notar como são vistas as coisas. Em primeiro lugar, ao ver uma coisa, dizemos que ela ocupa um lugar. Neste ponto o pintor, descrevendo o espaço, dirá que percorrer uma orla com linha é uma circunscrição (grifo meu). Logo em seguida, olhando esse espaço, fica sabendo que muitas superfícies desse corpo visto convêm entre si, e então o artista, marcando-as em seus lugares, dirá que está fazendo uma composição. Por último, discernimos mais distintamente as cores e as qualidades das superfícies e, como propriedade podemos chamar sua representação de recepção de luzes (ALBERTI, 2009, p. 101).

Três pontos principais são destacados: circunscrição, composição, recepção de luzes. Assim, o “desenho” está ligado à pintura como elemento que fundamenta a composição, e sua “função” é a de captar os elementos da “natureza” para projetar a estrutura da obra. Mas Alberti (op. cit., p. 102) também pela primeira vez descreve o desenho como uma expressão autônoma, “um bom engenho, que em si mesmo é muito agradável”. Tolnay (1943, p. 4) em seu livro referencial History and Technique of Old Master Drawings, afirma que os autores de tratados sobre arte, no início do século XV, provavelmente tenham se baseado nos conceitos de Vitruvius sobre a geometria, para considerar o desenho como o fundamento de todas as “artes visuais”. Como Cennino Cennini (c. 1390), em Il Libro dell’Arte, capítulo IV, já havia dito “el fondamento dell’arte, di tutti questi i lavorii di mano il principio è il disegno e’l cholorire”, uma sentença que iria se repetir de maneira mais precisa em Ghiberti (1378-1455), em seu Commentarii (c. 1450) onde diz que “el disegno è il fondamento et teorica di questi due arti” (scil. escultura e pintura). Durante a “Alta Renascença”, “the greatest 102

creative period for drawing” (TOLNAY, 1943, p. 5), incluindo o Trattato della Pinttura de Leonardo da Vinci e Pomponius Gauricus (1504), os pronunciamentos sobre desenho, de certa forma, reafirmam o anteriormente dito por Cennini, Ghiberti e Alberti. Giorgio Vasari (1511-1574), em contraste com os primeiros teóricos, fornece uma descrição sensível do processo de criação do desenho: Il disegno... procedendo dall’intelletto cava di molte cose un giudizio universale, simile a una idea... da questa cognizione nascie un certo concetto che si forma nella mente [nostra] quella tal cosa che poi espressa con le mani si chiama disegno; si può conchiudere che esso disegno altro non sia che una apparente espressione del concetto che si ha nell’animo (TOLNAY, 1943, p. 6).

O desenho, desta maneira, se origina no intelecto na forma de um concetto, uma imagem interior inspirada na contemplação da natureza. A grande influência que esta concepção exerceu sobre as gerações posteriores, pode ser afirmada em teorias correspondentes na abstração intelectual do maneirismo, expressas na “filosofia do desenho” de Frederico Zuccari em seu Idea dei pittori, scultori ed architetti (Turin, 1607). Zuccari afirma que o desenho tem uma origem divina, uma dádiva concedida por graça de Deus. Seguindo os passos de Vasari, mas se expressando de forma mais concisa e espiritualizada, distingue il disegno interno de il disegno esterno, reconhecendo uma idéia platônica, de forma sine corpore, onde a forma pura, no caso uma idéia mental, repousa em Deus e está expressa no anagrama: “Disegno, segno di Dio”. Determinando as expressões disegni interno e disegni esterno. Na “teologia” de Zuccari, o disegno interno é uma coisa puramente espiritual,

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representa uma idéia mental e essa idéia origina de Deus. Esta teoria dá uma explicação metafísica, ao considerar o desenho uma arte primordial. Zuccari faz uma distinção entre esta idéia original, disegno interno, e a realização física dessa forma spirituale, expressa por um disegno esterno que possui já as características particulares do artista. O desenho interno se apresenta mais como um movimento interior “do espírito” que leva a uma ação, do que propriamente à existência de uma imagem predeterminada. Sobre esta doutrina filosófica relacionada ao desenho, os teóricos italianos, ainda no século XVII, não acrescentaram quase nenhuma novidade. Cesare Ripa em sua “Iconologia”, metaforicamente repete os conceitos de Vasari e Zuccari. Giovanni Pietro Bellori, também em sua obra Vite dei pittori, scultori ed architetti (1664), reafirma a superioridade da ideia, de uma “fantasia” sobre a natureza, como eco da metafísica de Zuccari. Nessa época, o centro destas teorias desloca-se da Itália para a França. Poussin, “pintor-filósofo” e “pai” da teoria francesa sobre desenho, amigo de Bellori, sofre a influência dos italianos Vasari, Lomazzo e Zuccari. Mas o que os italianos consideravam puro virtuosismo na construção da pintura – a partir da utilização de modelos geométricos – para Poussin era a verdadeira expressão de um mundo espiritual. Embora a influência italiana seja marcante em certos escritos franceses, as questões metafísicas dão lugar a uma tentativa de determinar valores e conceitos entre elementos que compõe o desenho, como a linha e a cor. Dualidade de valor entre desenho e pintura se estabelece. A “linha” no século XVIII, para os franceses, torna-se a expressão de um temperamento subjetivo do artista, onde se descobria na “incompleta e fragmentada característica” do

desenho um “valor positivo” o qual “incita” a imaginação do observador a “completar” a ideia do artista. Esta sentença expressa pela primeira vez no Discours sur les dessins (Académie Royal, 7 de junho de 1732) do Conde de Caylus, de certa forma antecipa uma apreciação corrente no século XIX: Les dessins sont une des choses les plus attrayantes pour un peintre ou pour un amateur et il est certain que l’on est fort avancé dans la connoissance des arts lorsqu’on les sçait bien lire. Quoi de plus agréable, que de suivre un artiste dans la première idée dont il a été frappé; d’approfondire les différens changements que ses refléxions luy ont fait faire, avant d’avoir arresté son ouvrage. ... Après avoir examiné ces premières pensées, avec quel plaisir ne voit on pas les études correctes faites d’après Nature? Le Nud d’une figure drapée? Le détail de cette même draperie? La Poésie nous échauffe dans leurs premières conceptions, la Sagesse et la Verité nous frappent dans les choses arrestées. Il me semble qu’un simple trait déterminant souvent une passion et prouvant combien l’Esprit de l’auteur ressentoit alors la force et la verité de l’expression; l’oeil curieux et l’imagination animée se plaisent et sont flattés d’achever ce qui souvent n’est qu’ébauché. La différence que se trouve selon moy, entre un beau dessin et un beau tableau, c’est que dans l’un on peut lire, à proportion de ses forces, tout ce que le grand Peintre a voulu representer et que dans l’autre on termine soy-même l’objet qui vous est offert; par conséquant on est souvent plus piqué de la vuë de l’un que de celle de l’autre.

O mais importante fruto de suas reflexões foi considerar o desenho um documento íntimo do pensamento do artista na revelação de seu desenvolvimento “poético”. Proclamando os ideais de “sinceridade”, “verdade” e “simplicidade”, a “crítica de arte”, no próprio senso da palavra, que teve início com a abertura dos Salons (1746), expressa suas reações aos métodos de ensino da Academia, que consistiam na estrita observação de um modelo e de

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posições determinadas para a realização do desenho. Diderot demonstra, como em um “manifesto”, a necessidade de um moderno realismo na observação da natureza:

avec prudence car on risquerait d’y puiser un goût sec.

Ces sept ans passés à l’Académie à dessiner d’après le modèle, le croyez-vous bien employés? [je pense] que pendant ces sept penibles et cruelles années, qu’on prend la manière dans le dessin. Toutes ces positions académiques, contraintes, apprêtées, arrangées; toutes ces actions froidement imitées, – qu’ont-elles de commun avec les positions et les actions de la nature? J’ai connu un jeune homme... qui avant de jeter le moindre trait sa toile, se mettait à genoux et disait: ‘Mon Dieu, delivrez moi du modèle’... Soyez observateurs dans les rues, dans les jardins, dans les marchés, dans les maisons; et vous y prendrez des idées justes du vrai mouvement dans les actions de la vie... Il n’y aurait point de manière, ni dans le dessin, ni dans la couler, si l’on imitait scrupuleusement la nature. La manière vient du maître, de l’académie, de l’école, et même de l’antique (DIDEROT, 1943, p. 11).

... le plus tôt qu’il lui sera possible à l’étude de la nature... c’est cet usage de dessiner continuellement la nature qui conserne à un artiste ce goût de verité qui touche et interesse machinalement les spectateurs, le moins instruits.

Este realismo, que diz mais respeito à observação da natureza do que à técnica, considera como antítese, desenho e cor, ainda segundo Diderot: “c’est le dessin qui donne la forme aux êtres; c’est la couleur qui leur donne la vie”. Mas demonstra também, acima de tudo que a noção de “contour drawing” – desenho como linha – dos academicistas, ainda permanece. Na Encyclopédie, Paris, 1751-1765, a qual foi editada por Diderot e d’Alembert, o artigo sobre desenho (IV, 889 ff.) escrito por Watelet, contém a mesma convicção, exposta por Diderot, de retorno à natureza, descrevendo o método de instrução do desenho da seguinte maneira: les premiers dessins qu’on imite sont ordinairement ceux qu’un habile maître a fait lui-même d’après la nature. On dessine ensuite certaines parties du corps, puis des ensembles; après quoi on étudie d’après la bosse mais

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E Watelet conclui :

Este retorno a natureza começa aos poucos a se manifestar também na Academia, evidenciado pelo l’amour du vrai, o qual consistia no mais alto princípio estético desse retorno, manifesto nos escritos de Charles Coypel, primeiro pintor do rei e diretor da Academia. As reações nos países protestantes, como a Alemanha e a Inglaterra, contra o que chamaram de liberalismo estético francês, exposto por “moralistas” como Shaftesbury, Winkelmann ou artistas como Mengs, passaram a considerar a Antiguidade não só objetivo artístico, mas um ponto de vista moral. Este moralismo alemão e inglês foi segundo Tolnay, a base intelectual para o Classicismo Francês do Primeiro Império. A reação de David e Ingres contra os ideais do século XVIII – em nome de uma concepção estéril de beleza – formou a base das convicções artísticas da Academia Francesa e mais tarde da École des Beaux Arts durante todo o século XIX. Jacques Louis David e seu pupilo Ingres reafirmaram a antítese entre desenho e cor e a “superioridade”, virtuosística, do desenho. Quando Ingres proclama “le dessin est la probité de l’art” ou “le dessin comprend tout excepté la teinte... La couleur ajoute des ornements à la peinture”, reconhecemos aí expostos uma retomada dos princípios do final do século XVII e início do século XVIII.

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Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito

O estudo da natureza, assim como a expressão de uma personalidade interior, não foi relegado ao esquecimento. Delacroix, em 1824, afirma que o trabalho do artista é “de tirer de son imagination les moyens de rendre la nature et les effects, et de les rendre selon son temperament propre” (DELACROIX, 1943, p. 12). A mesma subjetividade aparece em seu conceito de desenho (1850): “dessiner, n’est pas reproduire un objet tel qu’il est, mais tel qu’il paraît” (idem, ibidem) . A preocupação de realizar um desenho espontâneo a partir da natureza, procurando compreender toda a intensidade de um movimento transitório de ações da vida em contraste com um desenho realizado de uma pose fixa a partir de um modelo na academia, é expressa em um suposto encontro, anotado por Baudelaire em Variétés Critiques, entre um jovem artista e Delacroix, onde este teria afirmando que: “si vous n’êtes pas assez habile pour faire le croquis d’un homme qui se jette par la fenêtre, pendant le temps qu’il met à tomber du quatrième étage sur le sol, vous ne pourrez jamais produire de grandes machines” (BAUDELAIRE, op. cit., p. 12-13). Baudelaire, comentando sobre Delacroix, enfatiza, de modo geral, a individualidade do artista na criação da obra: “l’éxpression sincère de son tempérament aidée par tous les moyens que lui fournit son métier”. Em seus escritos, Baudelaire fala várias vezes sobre desenho e a dualidade no uso da cor e da linha: Il y a différentes sortes de dessins. La qualité d’un pur dessinateur consiste surtout dans la finesse, et cette finesse exclut la touche: or il y a des touches heureuses, et le coloriste chargé d’exprimer la nature par la couleur perdrait souvent plus à supprimer des touches heureuses qu’à rechercher une plus grande austerité de dessin. La couleur n’exclut pas le grand dessin... mais bien le dessin du détail, le contour du petit morceau, où la touche

mangera toujours la ligne. L’amour de l’air, le choix des sujets à mouvement, veulent l’usage des lignes flottantes et noyées. Les dessinateurs exclusifs [sont] attentifs à suivre et à surprendre la ligne dans ses ondulations les plus secrètes, ils n’ont pas le temps de voir l’air et la lumière, c’est-à-dire leurs effets... De même qu’un dessinateur peut être coloriste par le grandes masses, de même un coloriste peut être dessinateur par une logique complète de l’ensemble des lignes; mais l’une de ces qualités absorbe toujours le détail de l’autre. Les coloristes dessinent comme la nature; leurs figures sont naturellement délimitées par la lutte harmonieuse des masses colorées. Les purs dessinateurs sont des philosophes et des abstracteurs de quintessence (idem, ibidem).

Embora exista ainda nesta época uma separação conceitual entre linha e cor, sendo a linha um elemento do desenho “puro”, Baudelaire atribui ao “desenho pictórico” o mesmo valor que ao “desenho puro”. A questão da “fatura” (de como é realizado um trabalho) relacionada à criação individual do artista, para Baudelaire, parece determinar a grandeza da obra, mais do que propriamente características técnicas isoladas ou conceitos fixos. As opiniões de Delacroix e Baudelaire tiveram influência sobre gerações posteriores. Quando Degas afirma que “Le dessin n’est pas la forme; il est la manière de voir la forme”, isso nos recorda a definição de Delacroix. O que podemos chamar de desenho moderno, transforma-se em ecos de todas essas definições. Efetivamente o desenho para nós como conceito traz tudo isto à tona. Matisse (s. d., p. 152), segundo suas próprias palavras, sempre considerou o desenho não como um exercício de destreza particular, mas, antes de mais nada, como um meio de expressão de sentimentos íntimos e descrições de estados de alma, como meios simplificados para dar mais simplicidade e espontaneidade

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Paula Cristina Somenzari Almozara à expressão que deve penetrar sem esforço no espírito do espectador.

Os conceitos se apresentam e se transformam imbuídos de uma nova espiritualidade. Esta “simplicidade”, exposta por Matisse, não se refere a uma simplicidade de pensamento, mas à utilização de técnicas diretas que, em contraposição de palavras, ressaltassem um “complexo” vigor emocional: “o desenho é a concretização do pensamento. Por meio do desenho os sentimentos e a “alma” do pintor passam sem dificuldade para o espírito do espectador. Uma obra sem desenho é uma casa sem madeiramento” (MATISSE, op. cit., p. 152). Em suas “notas” afirma essa “concretização do pensamento” como um trabalhador incansável, no elaborado esforço do artista: “A posse dos meios deve passar do consciente para o inconsciente pelo trabalho, e é então que se chega a essa impressão de espontaneidade” (idem, ibidem), procurando exprimir essa essência ao espectador. O envolvimento emocional com a natureza, que para Matisse é um conceito particular que envolve diversos aspectos de seu relacionamento com seus modelos, objetos, acontecimentos; é o determinante de seu trabalho. A “espontaneidade” a que ele se refere é a revelação desse envolvimento. O desenho, acima de qualquer dualidade entre cor e linha, é emoção. Quando Franz Joseph van der Grinten em 1981, escreve sobre o trabalho gráfico de Rudolf Schoofs para a XVI Bienal de São Paulo, a cumplicidade na revelação de intimidade sugerida pelo desenho entre criador, obra, espectador e o relacionamento entre o desenho e a pintura na contemporaneidade, se reafirmam a partir de elementos já disseminados ao longo da história:

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Desenho e pintura são irmãos gêmeos, p a r e c i d o s n o s e u c a r á t e r, n o s e u comportamento, um apoiando o outro. E mesmo que o primeiro sinta a missão de dar ajuda fraternal a todas as outras artes, e que o segundo tenha como referência só a si mesmo, entre ambos o parentesco através do espaço e tempo permanece o mais próximo e mais íntimo. Ambos estão presos ao plano, ambos existem graças ao traço feito a mão. Aberto e disponível para tudo, o desenho não tem preconceitos, parece que não exige nenhum pressuposto; no fundo, todo mundo deveria saber desenhar e o faz do melhor modo possível para seus objetivos; mas se o desenho deve ter valor próprio, ele faz exigências máximas, que apenas o desenhista nato sabe satisfazer, aquele que de um lado desenha para desenhar e que de outro lado usa a inteligência, imaginação, tino crítico e sensibilidade como meros vetores que movimentam a linha e se deixam movimentar por ela. Embora toda arte seja resultado de tal reciprocidade, nascendo como que de um jogo de perguntas e respostas entre a obra e seu autor, em nenhum caso este circuito é tão fechado como no desenho. Ele corresponde ao escrever, à fixação, à anotação, se realiza com os mesmos meios, é abstrato como eles e imediato. Riscar, escrever em cima, dar precisão, fazem com que o acontecido aconteça outra vez no mesmo lugar; o que está fixado é enriquecido, por assim dizer, comentado, fixado por aproximação, mas as tonalidades e vibrações que o acompanham obrigam o espectador a sempre voltar à linha; o que ultrapassa a sua aparição em ponto, linha e extensão do plano, mesmo que seja evocada por ela, é sua própria realização. Aberta, mas cheia de segredos, ela é tão completa quanto possível. Assim, quem contempla um desenho está tão disposto a dar como receber. Quem não quiser ou não puder fazê-lo, se fixa na maior evidência de sentido da pintura e escultura, recebendo desta uma corporalidade tátil e daqueles estímulos de cor e ilusão de espaço.

A consciência de todos estes conceitos que se amalgamam e/ou se transformam diante das necessidades do indivíduo ou de uma época, constitui, em última análise, um legado que se reestrutura como cargas de

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Considerações sobre o Desenho: técnica, poética e conceito

significados dentro das características do ato de desenhar. Como propõe Jean Rudel (1980, p. 8) desenhar é um ato de conhecimento, de apropriação, de simpatia e mesmo de comunhão, figura do desejo ... para distinguindo as coisas melhor amá-las.

O desenho exerce um papel que somente a ele é possível, dado suas características e sua natureza. Observo que a matéria e o procedimento que objetiva a criação, define o desenho como um meio no qual cada elemento gráfico que é acrescentado na ação de desenhar não pode ser considerado supérfluo. A intenção contida em tais elementos é determinante de sua função, do pensamento que o originou. Intenção esta que pode ser de correção, anotação, estudo, projeção e que evidencia a construção de sentido e possíveis interpretações do conjunto. Rudolf Schoofs afirma que: abrigado atrás de minha irresponsabilidade amo os desenhos, estudo-os; procuro neles revelações sobre mim próprio. Considero-os como materializações do meu sentimento (MATISSE, op. cit., p. 150).

A natureza do desenho é a de um meio expressivo complexo que não permite enganos nem retoques: sua manifestação é imediata e irremediável. Nesse aspecto, a economia material do desenho, que muitos afirmam ser sua característica principal, não o transforma em um meio fácil. Sua manifestação é imediata, não em sentido técnico-temporal ou ligado a um virtuosismo de execução, mas como reflexo ou revelação do pensamento, sendo, portanto irremediável pelo mesmo aspecto.

Referências Bibliográficas ALBERTI, Leon Batista. Da Pintura. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. ARNHEIM, Rudolf. “A Duplicidade da Mente: Intuição e o Intelecto”, in Intuição e Intelecto na Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 13-30. ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004. CLAYTON, Martin. Leonardo da Vinci: A Singular Vision. New York: Abbeville Press, 1996. DELACROIX, E. “De l’enseignement du dessin”. Ouvres littéraires, Paris, 1923, and L. Venturi, op. cit., I, 9 ff., in: TOLNAY, Charles. History and Technique of Old Master Drawings. New York: H. Bitner, 1943. DELACROIX, E. Ouvres littéraires, Paris, 1923, and L. Venturi, op. cit., pp. 282 ff., in: TOLNAY, Charles de. History and Technique of Old Master Drawings. New York: H. Bitner, 1943. DIDEROT, D. “Essai sur la Peinture” [1765] in Oeuvres, Paris, 1821, VIII, 412 ff. Op. cit. in: TOLNAY, Charles de. History and Technique of Old Master Drawings. New York: H. Bitner, 1943. DUFRENNE, Mikel. Estética e Filosofia. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981, p. 58. GRINTEN, Franz Joseph van der. Rudolf Schoofs. São Paulo: Alemanha, 1981. (Catálogo, XVI Bienal de São Paulo). HAAK, Bob. Rembrandt, Dibujos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1980. MATISSE, Henri. Escritos e Reflexões sobre Arte. Póvoa de Varzim: Editora Ulisseia, s.d. MAYER, Ralph. Manual do Artista. São Paulo: Martins Fontes, 1996. REY, Sandra. “Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais”. In BRITES, Blanca; TESSLER, Elida (Org.) O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. p.123-139. RUDEL, Jean. A Técnica do Desenho. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1980. SLIVE, Seymor. Drawings of Rembrandt. New York: Dover, 1986.

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Paula Cristina Somenzari Almozara TOLNAY, Charles de. History and Technique of Old Master Drawings: New York: H. Bitner, 1943.

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WILTON, Andrew. Turner, Aquarelles, Oeuvres Conservées à la Clore Gallery. London: Adam Biro, s.d.

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resenhas



DOI: 10.5433/2237-9126.2011anoVn10p111

GAWRYSZEWSKI, Aberto. (Org.) Imagem em debate. Londrina: Eduel, 2011.

Ana Luiza Coradi Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Atualmente está no programa de especialização em Patrimônio e História pela mesma instituição.

Recebido em: 01/04/2012

Aprovado em: 30/04/2012

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Ana Luiza Coradi

GAWRYSZEWSKI, Aberto. (Org.) Imagem em debate. Londrina: Eduel, 2011.

Imagem em debate constitui-se em uma coletânea organizada a partir dos textos de conferências e mesas redondas apresentadas no II Eneimagem (Encontro Nacional de Estudos da Imagem), realizado em 2009, na Universidade Estadual de Londrina. A obra foi organizada pelo coordenador do Laboratório dos Estudos dos domínios da Imagem (Ledi/ UEL), Alberto Gawryszewski. Este livro surgiu da reunião de pesquisas feitas por diversos pesquisadores do país e do exterior, e os artigos que compõe o livro utilizam a imagem como objeto e/ ou fonte de pesquisa, possibilitando ao leitor interessantes debates teóricos e historiográficos, assim como em outros campos do saber que refletem debates acerca da sociedade, cultura, política e ensino de História. Esta resenha busca apresentar, de maneira sintética, cada um dos nove textos que totalizam a produção do livro Imagem em debate. Imagens de um Brasil confuso: risos, deboches e livros didáticos de História do Brasil do século XX, realizado pela pesquisadora Juçara Luzia Leite, abre a gama de artigos presentes na obra. Neste artigo a autora analisa um livro didático chamado História do Brasil pelo método confuso, publicado em 1920, de autoria de Mendes Fradique. De acordo com Leite, o livro de Fradique configura-se em uma paródia dos livros didáticos brasileiros usados pelo Estado na época, que desconstruíam a História que 112

era ensinada oficialmente e a desmistificava didaticamente, pelo viés do deboche, do humor, e recorrendo, por este mesmo viés, ao uso de imagens. O contexto da publicação, segundo a autora, foi marcado pelo processo de nacionalização, encabeçado pelo Estado, que no âmbito escolar objetivava a constituição dos cidadãos e a inserção do mesmo pelo sentimento nacional. Mostranos que, através da leitura do livro História do Brasil pelo método confuso, é possível identificar uma alternativa de ruptura à narrativa histórica oficial, banalizando e debochando com humor e imagens, fatos históricos romantizados pela oficialidade. O s e g u n d o t ex t o d a c o l e t â n e a , Representar a História através de imagens: entre a reconstituição e a analogia, de Rafael Rosa Hagemeyer, oferece uma ampla análise acerca do conceito de representações de imagens no campo historiográfico. Para o autor, existem diversas formas de representações de imagens, diferentes metodologias e usos por historiadores que reconstituem processos históricos que levam a questionar os métodos de interpretação de imagens enquanto fonte de conhecimento histórico, além do desafio do historiador em representar seu conhecimento histórico por meio do emprego de imagens. Com a análise dos significados do conceito de “representação” e suas implicâncias e usos na História, é possível oferecer à mente humana condições de “imaginar” fatos e acontecimentos históricos, pois

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Resenha

imaginamos pertencer a relações sociais que são representadas por imagens que são difundidas em nosso imaginário, e o historiador intervém na imaginação histórica quando utiliza-se de gráficos, mapas e imagens para complementar o texto escrito e estimular a imaginação do leitor. De Acordo com Hagemeyer O que propomos como reflexão a respeito do uso de imagens pelo historiador, tanto em seu processo de análise como na exposição de suas conclusões é estabelecer uma distinção clara das representações da imagem histórica em três tipos: aquelas que capturam o acontecimento no instante em que ocorre, aquelas que procuram reconstituir o passado por meio da combinação de diversos fragmentos de época e aquelas que representam um processo temporal espacialmente mais amplo através do estabelecimento de uma leitura simbólica. (HAGEMEYER, p. 44-45)

O artigo seguinte, A construção de uma nova visualidade urbana moderna na revista Madrugada, de autoria de Charles Monteiro, trata de uma reflexão sobre o uso das fotografias na revista ilustrada Madrugada, Porto Alegre (RS), que era publicada na década de 1920. Em seu texto, Monteiro utiliza-se de autores que problematizam as imagens fotográficas da época, relacionandoas às novas formas de sociabilidades e às formas de representação da nova cultura urbana, o que era possível encontrar na publicação de Madrugada. O autor busca interpretar essas formas de representação dessa nova cultura urbana, e o contexto do período propunha uma atualização perante a tradição jornalística, pois com as transformações advindas das melhorias técnicas de impressão, expansão do público leitor e de revistas ilustradas, a fotografia foi inserida junto ao texto, sustentando a demanda por informação e entretenimento por parte das classes médias urbanas; assim a

fotografia passa a ser inserida na nova cultura visual, propondo uma nova pedagogia do olhar. O artigo Publicidad e imagem em la campaña presidencial colombiana de 1922, de Darío Acevedo Carmona, mostra-nos uma reflexão sobre os usos de fotografias e caricaturas utilizadas pela imprensa, tanto liberal quanto conservadora, no período da disputa presidencial colombiana de 1922. Partindo da análise sócio-histórica do período, o autor demonstra que diversas cidades colombianas sofreram profundas transformações com a evolução do progresso. No aspecto político, estas transformações eram expressas na luta entre o partido liberal versus republicano pela disputa de eleitorado. Argumenta que a industrialização, alta do comércio e conjuntura da abertura política e cultural, geraram um processo que obrigou partidos e candidatos a usarem, como estratégia de captação de eleitorado, a adoção de novas técnicas de comunicação e de relações para aumentar e garantir seu eleitorado. Assim, Acevedo Carmona analisa as mudanças e as novidades no comportamento político dos partidos, dos candidatos e da população, e também sobre as técnicas e procedimentos empregados para conquistar eleitores e conseqüente respaldo na disputa eleitoral. Através da leitura do texto, constata-se que as imagens empregadas e seus usos são importantes fontes que testemunham esta nova relação no par candidato/eleitor, num momento em que os avanços tecnológicos e industriais estimularam o nascimento de uma atividade que combina desenho e projeto com a publicidade de novos produtos, um novo tipo de estratégia eleitoral, aliada à imprensa e com uso de imagens. Na sequência da coletânea, Ana Maria Mauad, em seu texto Olhos para ver e

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Ana Luiza Coradi

conhecer: fotografia e os sentidos da História, analisa o trabalho do jornalista Erno Schneider, com ênfase em sua foto-ícone “qual o rumo?”. De acordo com Mauad, tanto a evidência histórica quanto a imagem possuem investimentos de sentido, assim a fotografia é algo que proporciona a percepção, resultado de um saber fazer, que nos permite como pista, indício, documento e texto, conhecer aspectos e situações passadas. A partir do século XX, o sentido de evidência histórica sofre transformações que refletiram sobre os usos e funções que essa evidência exerceu nas sociedades em que foi produzida, gerando a busca por um novo sentido histórico. Para a autora, este deslocamento, fruto da revolução na consciência historiográfica, ampliou os sentidos na História, para entender que a visão registra em imagens suas experiências visuais. Conclui que o texto avalia o papel da fotografia como registro, documento, testemunho e agente da História. Mauad faz uma viagem desde os historiadores gregos até Copacabana de 2009, com a análise da foto-ícone de Erno Schneider, que resulta em três temporalidades, que entrecruzadas possibilitam a percepção das evidências históricas: tempo atribuído, tempo incorporado e tempo vivenciado. Annateresa Fabris é responsável pelo artigo Dois olhares documentais sobre a cidade: Eugéne Atget e Martha Rosler. Nele, a autora analisa dois empreendimentos documentais que utilizam a fotografia como documento e estratégia de trabalho: um sobre Paris e o outro sobre Nova Iorque. Fabris relata que o prefeito de Paris de 1853 a 1870, o barão Georges-Eugène Haussmann, realizou um intenso trabalho de demolição e reconstrução para modernizar Paris. Anterior às reformas do prefeito, Èugene Atget documentou Paris antes do projeto urbano do prefeito Haussmann ser posto em prática. Em 114

sua documentação, Atget observa e recupera, por meio de suas fotografias, a realidade parisiense condenada à extinção, ou seja, procura fotografar as atividades e a vida dos bairros populares. O tipo fotografado eram especialmente as profissões que tinham a rua como epicentro, e a marca de sua fotografia é a pose de seus modelos, os trabalhadores urbanos arcaicos. O outro olhar documental analisado por Fabris é um ensaio da fotógrafa Martha Rosler, mostrando que naquele contexto da produção – 1970 – Nova Iorque passara por um intenso processo de reformas que viria modernizar os bairros deteriorados da cidade. Rosler dedica seu ensaio de vinte e uma fotografias à margem oriental de China Town e Little Italy, que se caracteriza pelo padrão neutro, ausência de indivíduos e ênfase na deteriorização urbana. Para Mauad, apesar de terem produzido suas fotografias em diferentes épocas, ambos os fotógrafos analisados utilizaram-se de estratégias documentais que serviram para transformarem seus trabalhos em importantes documentos imagéticos de diferentes períodos da História. Áureo Busetto, em Imagens em alta definição: produção televisiva brasileira nos estudos históricos, alerta para a negligência dos estudos históricos em relação à produção televisiva, que é considerada, pelo autor, um contemporâneo e amplo meio de comunicação social. Em seu artigo, Busetto demonstra a falta de interesse por parte da História por questões ligadas a um conjunto de relações culturais, sociais e políticas, que é produzido e lançado através da televisão, e analisa também o papel da historiografia para com a produção televisiva. O autor propõe que toda a produção áudio visual da história da televisão deveria ser analisada como objeto de pesquisa, inclusive a produção

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Resenha

televisa como fonte de pesquisa. Além disso, caberia ao campo da produção historiográfica aliar-se a pesquisadores de outras áreas, no intuito de criar um arquivo público com regras que democratizem o acesso aos arquivos das emissoras, já que, por enquanto, são apenas controlados pelo concessionário de canais. O texto Cultura material, arte e imagem na perspectiva dos museus, de Claudia Eliane Parreiras Marques Martinez, traznos um estudo comparativo que engloba a análise de três museus: Museu de Londrina, no Paraná; Museu de Artes e Ofícios, em Minas Gerais; e o Museu Paulista. O questionamento de Martinez é sobre as imagens produzidas por acervos de museus e de quais percepções e usos a sociedade faz dessas representações, criadas por acervos e exposições museológicas. Segundo Martinez, as exposições museológicas, em seus diversos modelos (permanentes, temporárias) possuem a capacidade de produzir imagens no imaginário coletivo e/ ou individual da sociedade que as abriga, gerando uma linguagem visual. Sob esta perspectiva, a autora analisa possíveis divergências e cruzamentos entre o Museu Histórico de Londrina e o Museu de Artes e Ofícios, ambos em atividade nas antigas estações ferroviárias das respectivas cidades. Em seguida, a autora compara o acervo de Londrina com o do Museu Paulista, que são acervos de museus universitários, cada um a seu tempo, construindo e consolidando identidades. A autora conclui que os museus produzem imagens que tocam os imaginários da sociedade, que transformam o espaço museológico em local de interação e transformações entre diferentes etnias.

Finalizando a coletânea, temos o artigo texto de Isaac Antonio Camargo, Imagem: Representação versus Significação. A partir de um objeto corriqueiro, a cadeira, o autor faz uma distinção no universo das imagens sobre conceitos de representação e significação. Os meios de se constituir imagens ampliaram a gama de significação que elas geram, e a construção contínua e intensa de objetos faz com que o indivíduo aumente sua possibilidade de criar significações. Por meio desta análise, Camargo conclui que significação é o modo como compreendemos o mundo natural e cultural, enquanto que significar é relacionar nossas informações obtidas pelas nossas relações com coisas que observamos, conhecemos e produzimos, dando sentido ao mundo em que vivemos. Por fim, consideramos que a publicação de Imagem em debate contribui para fomentar importantes debates sobre os estudos da imagem, inseridos e pertencentes aos domínios dos vários campos do saber. A coletânea constitui-se em um interessante panorama de pesquisas que tem como epicentro a imagem, seus usos, representações, seu testemunho como fonte histórica e objeto histórico. A leitura do livro permite expandir o conhecimento em torno das reflexões e análises que a imagem possibilita, revelando um campo amplo e complexo para infinitas pesquisas.

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Normas para Publicação

A Revista Domínios da Imagem é uma publicação dirigida pelo Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem na História – LEDI, um projeto integrado (pesquisa/extensão) do Departamento de História e está vinculada ao Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Paraná – Brasil. Tal iniciativa tem como objetivo difundir o diálogo intelectual entre pesquisadores(as) que atuam em diferentes regiões do país e no exterior, bem como fomentar a interlocução entre distintas áreas que tratam dos domínios da imagem. A Revista Domínios da Imagem tem periodicidade semestral, com fluxo contínuo para o recebimento de artigos e resenhas. Conta com um Conselho Editorial e Científico e um Conselho Consultivo, compostos por pesquisadores(as) ligados(as) à várias universidades brasileiras e estrangeiras. Solicitamos aos(as) nossos(as) colaboradores(as) que enviem seus trabalhos para o endereço eletrônico que segue ao final destas normas, atendendo as seguintes especificações: • 1 (uma) folha contendo os seguintes dados de identificação: seção para a qual envia o trabalho (artigos ou resenhas), título do texto, nome completo do(s) autor(es), instituição a que pertence, titulação, endereço completo, telefone, fax e endereço eletrônico; • Os textos devem ter a seguinte formatação: editor Word for Windows, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço entrelinhas 1,5 cm. e com margens de 3 cm; • Todos os textos deverão ser submetidos após revisão ortográfica e gramatical; • Os artigos devem ter a extensão de 08 a 25 laudas, no máximo, incluindo imagens; • As notas deverão ser colocadas em nota-de-rodapé, as referências aos/às autores/as no corpo do texto entre parênteses e as referências bibliográficas completas no final do texto; • Os artigos serão acompanhados de título, resumo e abstract de, no máximo, 10 linhas e de 03 palavras-chave em português e em inglês, além de um breve currículo do(a) autor(a) ou autores(as) (incluindo instituição e titulação); • Os artigos e as resenhas em inglês, francês e espanhol serão publicados na língua original, sem a necessidade de título, resumo e palavras-chave em português; • As resenhas poderão ter entre 03 e 05 páginas e deverão vir acompanhadas de 03 palavraschave em português e em inglês; • As fotografias, ilustrações e/ou gráficos deverão vir em preto e branco, com resolução mínima de 300 dpi, desde que as fontes sejam devidamente mencionadas e autorizadas, respeitando a legislação em vigor; • Caso o trabalho/pesquisa e/ou experiência didática tenha apoio financeiro de alguma agência de fomento, esta deverá ser mencionada em nota-de-rodapé. • Caberá ao(a) Editor(a) responsável, a decisão referente à oportunidade da publicação das contribuições recebidas.

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Normatização das notas: • SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico:subtítulo. Tradução. edição, Cidade: Editora, ano, p. ou pp. • SOBRENOME, Nome.Título do capítulo ou parte do livro. In: Título do livro em itálico. Tradução, edição, Cidade:Editora, ano, p. x - y. • SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico.Cidade: Editora, vol., fascículo, p. x-y,ano. • SOBRENOME, Nome. Título da tese em itálico:subtítulo. Tipo do trabalho: Dissertação ou Tese (Mestrado ou Doutorado, com indicação da área do trabalho) – vinculação acadêmica, local e data de apresentação ou defesa, mencionada na folha de apresentação (se houver), página citada. • AUTOR(ES). Denominação ou título:subtítulo. Indicações de responsabilidade. Data. Informações sobre a descrição do meio ou suporte. (Para suporte em mídia digital) Obs: para documentos on-line, são essenciais as informações sobre o endereço eletrônico apresentado entre sinais < >, precedido da expressão “disponível em” - e a data de acesso ao documento, antecedida da expressão “acesso em”.

Os textos deverão ser submetidos para o seguinte endereço: http://www.uel.br/revistas/dominiosdaimagem/index.php/dominios

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