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S O B R E A A R T I S TA A série “Índia – Paradigmas da Beleza” desabrocha em ramalhetes ou flores esparsas multicoloridas bordadas sobre fotos monocromáticas. Mylene Rizzo desembarcou da Índia direto para a quarentena. Trouxe na bagagem o olhar de cada pessoa fotografada, em março de 2020, nas cidades Jaipur, Jodhpur e Agra a pedir um toque de alegria na dureza da vida que não impede sorrisos largos e acenos espontâneos para desconhecidos. Numa configuração familiar eminentemente feminina, os trabalhos manuais sempre perpassaram as suas relações. Conviveu entre agulhas e linhas desde a mais tenra infância. Com a mãe aprendeu a desenrolar novelos e lidar com as agulhas, com a avó, o amor pelas flores e pela natureza. Foi na fotografia bordada que encontrou o ponto de intersecção! O enredo que liga as linhas de construção pessoal ao acervo que construiu. Bordando sobre as imagens reproduz a essência interna, criando um novo matiz, baseado em culturas diferentes e referências históricas. “Sinto que encontrei na minha história os fios que me ligam ao passado e me dão suporte a alçar novos voos”, resume a artista.
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Sempre gostei da sensibilidade de Mylene em suas fotografias. Neste ano de 2020, com o mundo de cabeça para baixo, ela corajosamente se permitiu enxergar além das fotos e retratos que registrou cuidadosamente e com olhar apurado durante viagens que fez mundo afora. De maneira única, ela justapõe seus bordados em seus retratos, propondo uma nova maneira de se expressar, onde linhas, cores e formas passeiam pelo canvas se entrelaçando alegremente com as cenas retratadas. A textura dos fios de linha vai ora emoldurando, ora formando uma nova superfície, e o resultado é uma deliciosa provocação. Às vezes parece que os bordados nos contam carinhosamente uma história dentro de outra história, como se os pontos fossem palavras que nos revelam detalhes misteriosos daquele instante único. E assim viajamos no mundo de Mylene.
Inês Schertel, designer têxtil
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Bordado sobre canvas (maio/2020) 40x55cm
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A FLOR E O SORRISO A intensidade do sorriso da menina que vendia balas e, ao ver aquela fotógrafa dentro do ônibus, acenou com vivacidade; o brilho no seu olhar, e a “chuva” de flores coloridas, bordadas por Mylene, fazem um conjunto não só capaz de atrair e fixar o nosso olhar, mas também de transmitir uma sensibilidade muito bem-vinda, especialmente nestes tempos tão estranhos. Winnie Bastian, jornalista
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FA R D O D E M Ã E Bordado sobre canvas (maio/2020) 30X40cm
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VA S S O U R A EM FLOR EM JAIPUR Eu posso dizer que floresci na quarentena! Pode parecer clichê, mas de alguma forma este isolamento fez uma interseção de histórias da minha vida se ressignificarem para criar algo novo. Os laços femininos ligados aos trabalhos manuais, as imagens de quase vinte anos de roteiros pelo mundo com o projeto Viajando com Arte e a aulas de história da arte que ministrei se conectaram e desabrocharam. Mylene Rizzo Bordado sobre canvas (maio/2020) 30X40cm
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Bordado sobre canvas (agosto/2020) 30X40cm
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TA J M A H A L EM FLOR II Tramas e interseções, agulhas e linhas. Com as imagens de suas explorações pelo mundo, ela liga as linhas de sua construção pessoal ao acervo que construiu. Bordando sobre as fotografias, Mylene reproduz sua essência criando novas narrativas, baseadas em culturas diferentes e referências históricas. Eleone Prestes, jornalista
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FUMANDO FLORES EM JODHPUR Bordado sobre canvas (maio/2020) 30X40cm
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VA S S O U R A E M F L O R Bordado sobre canvas ( junho/2020) 30X40cm
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O OLHAR E A FLOR
Bordado sobre canvas ( junho/2020) 30X40cm
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CASAL EM FLOR Bordado sobre canvas ( junho/2020) 30X40cm
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M A N TO D E F L O R E S Bordado sobre canvas ( junho/2020) 30X40cm
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P O R TA L D E F L O R E S Bordado sobre canvas ( junho/2020) 30X40cm
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CORES DO SOUK Bordado sobre canvas (setembro/2020) 30X40cm
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HOLI EM FLOR Bordado sobre canvas (outubro/2020) 40x55cm
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MĂšSICA EM FLOR Bordado sobre canvas ( julho/2020) 30X40cm
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ESCA DA R I A EM FLOR Bordado sobre canvas ( julho/2020) 60x65cm
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AMIZADE EM FLOR Bordado sobre canvas ( julho/2020) 30X40cm
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A FLOR E A NAJA Bordado sobre canvas (agosto/2020) 30X40cm
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SADHU EM FLOR
Bordado sobre canvas (agosto/2020) 30X40cm
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“ M Y L E N E R I Z Z O B O R DA F OTO G R A F I A S D E V I AG E N S E T R A Z N OVO M AT I Z B A S E A D O E M D I F E R E N T E S C U LT U R A S .” Por Carol T. Moré em followthecolours.com.br
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Mylene Rizzo lembra da menina abanando para o seu ônibus, clicada em um segundo, como uma foto jornalística. Com o sorriso maior do que as dificuldades da vida, a garota virou uma das protagonistas
As criações vêm do ímpeto de exibir
do trabalho que agrega o substantivo
beleza junto daquelas pessoas e
artista à decidida Mylene. Nesse caso
cenários tocados pela estética e a
da menina na sinaleira, os bordados
tristeza ao mesmo tempo, sentidas
parecem estar caindo do céu, criando
por perceber quão difícil é o cotidiano
uma estampa suave como um banho
daquelas personagens.
de flores.
Possivelmente ela está entre os
Quase pedindo desculpas pela
brasileiros que viajaram mais
ousadia, Mylene cita a frase do
recentemente ao exterior, com retorno
escultor, pintor e arquiteto italiano
já em plena quarentena. Para ela, “não
Michelangelo: “Não faço esculturas.
foi por acaso que estava na Índia neste
Na verdade, elas sempre estiveram
momento em que o mundo todo se volta
lá. Eu apenas retiro os excessos.”
para olhar para dentro, para repensar
Faz sentido, como explica a autora:
a maneira de se relacionar com os
“Transformando as fotografias em
outros e com a natureza. Uma busca da
imagens monocromáticas consegui
verdade interior inerente e individual.
enxergar mais fundo para ressaltar o
Os indianos são defensores da
colorido que vem do âmago. No maior
tolerância e da espiritualidade e
paradigma indiano, a beleza brota e
acreditam que somente através de
se multiplica em flores e ramas. Cada
nossos próprios esforços somos capazes
fotografia tem intrínseca a sua paleta
de nos libertar.”
de cores, meu trabalho é desvendá-la e aplicar as linhas do bordado para que a fábula surja naturalmente.
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“OBRAS DE MYLENE RIZZO MESCLAM F OTO G R A F I A , B O R D A D O E A F E TO.” Por Winnie Bastian em designdobom.com.br
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Alegria, eis o sentimento que me bateu instantaneamente ao olhar esse trabalho da gaúcha Mylene Rizzo, intitulado Sorriso em Flor. A intensidade do sorriso da menina, que vendia balas e, ao ver aquela fotógrafa dentro do
gostou muito do resultado. Resolveu tirar a
ônibus, acenou com vivacidade; o
cor para dar mais expressividade...
brilho no seu olhar, e a “chuva” de flores
e assim surgiu a série
coloridas, bordadas por Mylene, fazem
“Índia, paradigmas da beleza”.
um conjunto não só capaz de atrair
A série ainda está em andamento, e
e fixar o nosso olhar, mas também de
Mylene, autodidata no bordado, vai
transmitir uma sensibilidade muito
aprendendo ao longo do processo. Um
bem-vinda, especialmente nestes tempos
processo repleto de afetividade, já que
tão estranhos.
nele, consegue unir diferentes heranças
Curiosamente, essa peça é fruto da
familiares: sua mãe tricota e borda, sua
quarentena. Ela me contou que a ideia
avó materna era costureira e a paterna
de trabalhar as fotos com o bordado
nutria grande interesse por jardinagem —
surgiu há cerca de um ano, mas que, por
“ela me ensinava o nome de cada flor, qual
ser um processo demorado, o projeto
tipo dava em cada estação”.
acabou sendo deixado de lado. Eis que,
Eis que, em meio à pandemia, Mylene
no dia 18 de março, Mylene desembarcou
encontrou uma forma particular de
no Brasil em plena pandemia, vinda
expressão: “O bordado preenche a foto e
de uma viagem à Índia — professora
me preenche por dentro também”.
de história da arte, há cerca de 15 anos
Eis aí mais um motivo (ainda que
ela faz viagens ao exterior com grupos
invisível) para que esse trabalho transmita
interessados no tema no projeto
alegria. Inspirador ou não?
Viajando com Arte. Revendo as fotos da viagem, resgatou a antiga ideia. “Parece que aquilo brotou de dentro de mim”. Mandou imprimir as fotos em canvas, começou a fazer testes, tentou bordar nas fotos coloridas, não
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Tramas e interseções, agulhas e linhas. Mylene Rizzo é
“A gente pode nem notar num primeiro momento,
psicóloga, historiadora, fotógrafa e viajante. Com mais
mas as novas conexões vão se construindo e se criam
de 60 países na bagagem sempre procurou um ângulo
outras tramas e conceitos que vão fazendo sentido
inusitado em suas imagens e viagens que foca em
com o tempo. Nem sempre se atinge o estado de
experiências vivenciadas na cultura de cada povo visitado.
elevação espiritual dos monges, mas frequentemente
Os trabalhos manuais sempre estiveram presente em sua
a atmosfera local contribui para que seus visitantes
vida mas foi na fotografia bordada que encontrou o ponto
encontrem novos propósitos”, diz a viajante experiente.
de encontro.
As cores do local sempre seduziram Mylene, os
Com as imagens de suas explorações pelo mundo, ela liga as
tecidos com combinações inusitadas, as tramas e as
linhas de sua construção pessoal ao acervo que construiu.
padronagens, além do povo que tem uma mistura
Bordando sobre as fotografias, Mylene reproduz sua
única de alegria e acolhimento. Em suas fotos, a
essência criando novas narrativas, baseadas em culturas
fotógrafa buscava capturar estas almas ingênuas e
diferentes e referências históricas.
verdadeiras. Assim que ela começou a transformar
“Eu posso dizer que floresci na quarentena! Pode parecer
as imagens com este contexto, conseguiu enxergar
clichê, mas de alguma forma este isolamento fez uma
mais fundo para ressaltar o colorido que vem do
interseção de histórias da minha vida se ressignificarem
âmago. “No maior paradigma indiano, a beleza brota
para criar algo novo. Os laços femininos ligados aos
e se multiplica em flores e ramas. Cada fotografia
trabalhos manuais, as imagens de quase vinte anos de
tem intrínseca a sua paleta de cores, meu trabalho é
roteiros pelo mundo com o projeto Viajando com Arte e a
desvendá-la e aplicar as linhas do bordado para que a
aulas de história da arte que ministrei se conectaram e
fábula surja naturalmente”.
desabrocharam.”
Mylene Rizzo conta não foi por acaso que ela estava
Numa configuração familiar eminentemente feminina, os
na Índia no momento em que o mundo todo se volta
trabalhos manuais sempre perpassaram as relações, convivi
para olhar para dentro, para repensar a maneira de se
entre agulhas e linhas desde a mais tenra infância.
relacionar com os outros e com a natureza. Uma busca
Com minha mãe aprendi a desenrolar novelos e minha avó
da verdade interior inerente e individual.
era referenciada na máquina de costura.
Os indianos são defensores da tolerância e
A série que criou inicialmente se chama
espiritualidade e acreditam que somente através de
Índia, Paradigmas da Beleza. A Índia pode ser um dos
nossos próprios esforços somos capazes de nos libertar,
locais com mais desafios ao estrangeiro. Só que exatamente
assim, ela sente que encontrou em sua história os fios
por isso, poucos países permitem que uma pessoa assimile
que ligam ao passado e dão suporte para
e ressignifique tantas coisas a partir de uma única viagem.
alçar novos voos.
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“ FA Z E N D O B E L E Z A C O M M E M Ó R I A S A F E T I V A S .” Por Eleone Prestes em archtrends.com/blog
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agenciamonday.com.br
mylenerizzo.com.br
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