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Recife I 20 de outubro de 2014 I segunda-feira

caderno C

www.jconline.com.br

COMÉDIA Pela primeira vez no Recife depois de quase sete anos rodando o País com o espetáculo 7 conto, o ator exibe maestria com ensaio agudo das mazelas da vida brasileira Fotos: Michele Souza/JC Imagem

Bruno Albertim

bruno.albertim@gmail.com

S

e não cria, Luís Miranda, no mínimo, consolida um gênero teatral no Brasil: o besteirol crítico – ainda que seja praticamente o único no País a praticá-lo. No espetáculo 7 conto, apresentado sábado e domingo no Teatro RioMar, pela primeira vez no Recife depois de quase sete anos de estrada pelo País, ele harmoniza opostos aparentemente incongruentes: a leveza da comédia de costumes com um ensaio sociológico vertiginosamente agudo sobre novas e velhas mazelas da vida social brasileira. A estrutura é simples: sozinho, com cenas entrecortadas e costuradas por recursos em vídeo que não têm muito mais do que a função de distrair o público para suas trocas de roupa, Miranda se alterna em sete personagens. Do guardador de carros de rua baiano a uma perua bêbada que mal sabe onde fica o Brasil onde nasceu, se apropria e subverte alguns clichês para dar conta dessa malfadada democracia continental. Os textos, do próprio ator, têm a aparente simplicidade de se apossar (das) e redimensionar as prosódias populares. Em sua grandeza de ator, essas falas ganham uma comicidade vertiginosa. Ele começa o espetáculo na própria plateia, fazendo o guardador de carros bêbado que, com sua ótica privilegiada, sabe explicar de uma maneira muito pró-

TIPOS Luís Miranda se alterna entre sete personagens. Do guardador de carros à perua bêbada que mal sabe onde nasceu

pria as dinâmicas brasileiras. Depois, emulando um velho musical hollywoodiano, dá corpo à menininha negra de tranças loiras que sofre bullying na escola porque não tem, nem terá, referências de personagens negros nas histórias infantis, filmes e programas de TV. Como negra, terá sempre, nas tertúlias escolares, que representar “personagens do folclore”. A plateia vem abaixo, e ri de si mesma, quando ele falseteia a voz para emular uma pequena Dorothy que nunca caberá em sua pele escura. No repertório, estão também velhos personagens de Miranda, como a líder comunitária Edite e a socialite Sheila, retemperados desde a época em que Miranda integrava o coletivo Terça Insana. Não falta acidez também contra o racismo da própria TV que ele integra. “A Xuxa? A Xuxa nunca gostou de preto...não vê o Pelé? Foi só passagem”, diz a dona Edite que se refere aos vários filhos como pequenos exus domésticos. Ainda que tenha seu humor domesticado e aparado pela TV onde se torna conhecido do grande público, Luís Mirante tem seu lugar garantido na grande história do teatro brasileiro. O ator personifica uma das grandes esquinas onde a inteligência corajosa e bem informada encontra o humor de massas. Sua sociologia cênica é cadeira obrigatória para novos expoentes do politicamente incorreto com imensa responsabilidade como a galera do Porta dos Fundos.

Paulo de Souza/Divulgação

Luís Miranda destila sua ironia sociológica

GÊNERO Hysteria arrebatou a plateia com tema feminino

Agreste vivencia teatro em festival Mateus Araújo

mateus@jc.com.br

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ARUARU – Dona Regilda, 85 anos, foi a grande estrela de Guandu, experimento cênico feito pelas produtoras mineiras Aline Vila Real, Dani Scopin e Luana Gonçalves, apresentado no último fim de semana no Alto do Moura, em Caruaru. Poetisa anônima, aquela senhora de sotaque carregado e cabelos grisalhos mostrou a todos que teatro pode e é, sim, feito de pessoas socialmente invisíveis mas de grande riqueza cultural. Guandu foi uma das três atrações do último sábado, no Festival de Teatro do Agreste, o Feteag. Em meio a relatos pessoais, sobre a vida, os encontros e desencontros e sobre situações que envolvem respeito e dignidade, as três produtoras montaram uma espécie de peça que caminhou para uma grande confraternização. Enquanto cozinhavam um feijão, eles contavam de si e escutavam sobre os outros. O resultado, porém, foi um trabalho confuso e inacabado. No entanto, dona Regilda, que mora nesta vila onde viveu o Mestre Vitalino, terminou

conquistando a atenção e o carinho da plateia, ao declamar seus poemas sobre amor e juventude. Simpática e bem humorada, ela foi o trunfo inesperado da montagem. Mais esperada da programação do sábado, e, por mérito, a mais concorrida de bilheteria, Hysteria, do grupo XIX de Teatro de São Paulo, foi o maior acerto da programação. No festival, que este ano tem como tema a presença feminina na poética cênica, a peça arrebatou o público de maneira delicada e provocadora, mostrando as prisões sociais e psicológicas impostas pela sociedade ao gênero feminino. O trabalho, dirigido por Luís Fernando Marques, leva as mulheres da plateia para a cena de maneira que elas se veem nas personagens e são as próprias personagens. No fim da noite, no Teatro Rui Limeira Rosal, foi encenada O não-lugar de Agada Tchainik, do Lume, também de São Paulo. O trabalho, infeliz em sua dramaturgia, explora as graças de uma clown, mas perde o fio da meada. O envolvimento do público era surpreendente, rindo das estripulias e piadas espontâneas da atriz Naomi Silman.

Fotos: Divulgação

Alef Pontes

alefspontes@gmail.com

E

ncontros entre povos de diferentes culturas sempre são interessantes. Há um tipo de aprendizado ímpar neste tipo de choque. É este um dos preceitos que do reality show Mix it with Brasil (Misture com o Brasil, em tradução livre), que a marca de uísque Ballantine’s fez para promover o novo produto em seu maior mercado consumidor; Pernambuco. A ação, que começou a ser divulgada nas redes sociais na última semana, selecionou seis escoceses de diferentes perfil para passar uma temporada em Pernambuco e conhecer a cultura local, incluindo música, gastronomia e danças típicas. Após visitar o Paço do Frevo e o Alto do Moura, em Caruaru, o grupo de escoceses visitaram o Alto José do Pinho para conhecer o representante do nosso hardcore, Cannibal, nome à frente da banda Devotos. “Eu estava em casa verificando os e-mails e tinha um convite de uma das produtoras me chamando para o reality show. Eu fiquei viajando como é que cheguei nessa galera? Se foi alguém de Recife que me indicou ou se eles conheciam meu trabalho. E então aceitei, porque eu vi que era uma coisa que eu já fazia há muito tempo, para escolas, universidades e programas de televisão”, conta o músico. Por lá, além das canções e discos da Devotos e da banda Café Preto, projeto de dub formado por Cannibal, Bruno Pedrosa e Pierre Leite, os visitan-

tes conheceram diversos pontos do bairro e sua história, ciceroneados pelo músico, assim como a relação da comunidade com a produção cultural que é formada lá. “Para quem está vendo isso agora é até uma surpresa, mas para nós que fazemos a cultura aqui no Alto José do Pinho não é uma coisa nova. Nos anos 1990, no começo do Movimento Mangue, havia uma procura muito grande de pessoas de outros países. O Alto (José do Pinho) já foi assunto de tese em Portugal. Lógico que tinha dado um marasmo muito grande, uma pausa. Com essa rapaziada é uma coisa diferente”, relembra. Para ele, esse tipo de intercâmbios culturais vão muito além de conhecer outras sonoridades: “Eu acho que eles têm curiosidade em tudo. Primeiro porque é um lugar diferente, que é conhecido por sua cultura, então, logicamente, eles vêm curiosos parar ver o que tem de cultura aqui. Mas eu também vejo que eles vêm abertos para tudo que está rolando, queira ou que não queira, cultura é o modo de vida de um povo. Não é apenas música, artes plásticas... Então eles vêm com a mente aberta para isso, para saber como o povo de Pernambuco e de Recife vive”. O programa conta com apresentação de Teta Barbosa e pode ser conferido nas redes sociais da marca.

q Mais na web INTERCÂMBIO Cannibal, da Devotos, foi cicerone no Alto José do Pinho e depois tocou para o grupo de escoceses

Vídeo com grupo e Cannibal no www.jconline.com.br/cultura

Diego Melo/Divulgação

Escoceses descobrem Recife

COMPASSOS Os sete buracos foi encenado no Teatro Apolo

Leveza e humor no corpo como veículo

A

sexta-feira do Festival Internacional de Dança do Recife foi de leveza e bom humor com o espetáculo Os sete buracos, da Compassos Cia. de Dança. A montagem, apresentada no Teatro Apolo, explora de maneira lúdica e provocadora os sentidos humanos. Embora a plateia não estivesse cheia, o trabalho foi uma feliz atração do evento. Sete buracos é um trabalho curioso. Ele compila sentimentos e instintos que nos movem. No palco, aborda com a dança contemporânea a crueza, poesia, beleza, o ridículo, o riso e o abismo. De cenário quase nu, o trabalho se debruça no corpo dos bailarinos, de entrega e estrutura corporal bem conduzidas.

O espetáculo conquistou dois troféus do Janeiro de Grandes Espetáculos deste ano, entre eles o de Melhor Bailarino (Gervásio Braz). E vale destacar, sim, a desenvoltura de Gervásio, único homem no elenco do trabalho. Ele se permite muitas possibilidades de interpretação, enriquecendo a dança com um diálogo harmonioso com expressões faciais. O elenco está integrado como um todo bem dosado nos gestos, sem perder os limites ou exagerar. A bela luz de Luciana Raposo soma-se à dramaturgia para quebrar uma quarta parede da plateia. Quebra esta proposta também pelo próprio elenco, ao interagir com o público. (M.A.)


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